18 de março de 2005

O CASAL CASTRO MARTINS – PROFESSORES DE EXCELÊNCIA

O tempo tem a sua passagem. É veloz, para umas coisas, as que menos desejamos, como a velhice, a doença, ou a crise económica; é vagaroso, para as que mais ansiamos, como a solução no emprego, o fim das convulsões sociais ou o regresso da chuva.
Para o escrevinhador destas linhas, este fim-de-semana não foi muito diferente do anterior. Perto do final da manhã de sábado, um esforço para não perder a “Alma Nostra”, de Carlos Magno e Professor Carlos Amaral Dias, na Antena 1.
Tempo também para a leitura mais tranquila do “Público”, “Diário de Notícias”, “Notícias da Covilhã”, “Jornal do Fundão”, “O Interior” e, esta semana, também a vez da “Vida Económica”.
Uma alegria: a portuguesa, e também “leoa”, Naide Gomes, vê-lhe feita justiça – ganha a medalha de ouro no salto em comprimento nos Campeonatos Europeus de pista coberta, realizados em Madrid.
Uma tristeza: o meu clube de sempre estende-se ao comprido e perde três pontos. Paciência! Já estou habituado. Prefiro continuar a manter, nas análises clínicas, o meu sangue verde, em vez do azul.
Uma surpresa: O CDS vai retirar a fotografia do seu 1º. Presidente, Diogo Freitas do Amaral, e enviá-la ao PS, irritado por ter aceite ser Ministro dos Negócios Estrangeiros. É ludibriar a sua própria história. É quase como termos que eliminar da História de Portugal, D. João III porque deixou Portugal aos Castelhanos; os Filipes de Espanha que governaram Portugal, Salazar, etc. Enfim, como nós andamos!
No entanto, domingo, foi a vez de ouvir “As Escolhas de Marcelo”, na RDP.
Só então me predispus a redigir esta crónica. Com um ar de nostalgia, melhor, de saudade.
O Dr. Manuel de Castro Martins e sua esposa, Drª. Edite Maria Arriaga de Castro, foram meus professores; ele, na disciplina de Português; ela, na cadeira de Francês, na então Escola Industrial e Comercial Campos Melo, nas já distantes décadas de 50 e 60.
As lacunas de reconhecimento, do covilhanense de excelência que foi o Dr. Castro Martins, fazendo jus à sua memória, como refiro numa das páginas do Notícias da Covilhã, de 7/11/1997, e no Jornal do Fundão, de 12/12/1997, foram dissipadas com a atribuição do seu nome a uma das ruas da cidade – a Rua Dr. Manuel de Castro Martins – numa das zonas novas.
Tal se deve à acção dum homem de sensibilidade e visão – o presidente da Câmara, Carlos Pinto – que, conhecendo as várias gentes da Covilhã, soube seleccionar, para que o seu nome fosse perpetuado na cidade onde deixou marcas da sua vida docente, com dedicação à cidade. Ele, Carlos Pinto, que tal como o autor deste trabalho, foram alunos da Escola Campos Melo, na mesma geração, ao tempo do saudoso professor.
O ensino hoje é diferente. Outrora, nos tempos do Dr. Castro Martins, e da Drª. Edite Arriaga, não havia os meios tecnológicos que hoje existem; ainda não tinha surgido a informática, a Internet, o telemóvel, o fax, a fotocopiadora, e nem mesmo a máquina calculadora. A televisão havia acabado de surgir, a preto e branco, com um só canal para esta região, no ano de 1957. Canais diversos, temáticos e não só, para todos os gostos, nem vê-los. O homem nem sequer ainda tinha chegado à Lua. No entanto aprendia-se e obtinham-se cursos com acesso quase imediato nas empresas e instituições da cidade. Universidade não existia por estas paragens, por imperativos ditatoriais dos Governos de Salazar, já que o conhecimento era uma arma e arremesso para o Estado.
E, com todas estas lacunas, que não se adivinhavam numa evolução rápida do seu desenvolvimento, aprendia-se e formavam-se homens e mulheres para a vida.
Aí, além de outros grandes mestres nesta grande fábrica do ensino que foi a Escola Industrial, emergiu este casal.
Quando, nos finais da década de cinquenta, pela primeira vez subi os degraus da escadaria que deu acesso à primeira aula de Língua e História Pátria (então no Ciclo Preparatório), e, depois, Português, no Curso Geral do Comércio, naquela Escola, fui encontrar um homem de faces rosadas, afável, que me marcaria o gosto pelas letras. Mais tarde, agora em período nocturno, voltaria a ter a mestria das suas aulas.
O Dr. Castro Martins nasceu na freguesia do Teixoso em 19 de Setembro de 1915 e viria a falecer, no dia de Natal de 1971, com apenas 56 anos, quando muito ainda tinha a dar ao ensino.
Depois de se ter licenciado na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, iniciou a sua actividade docente no Liceu de Braga, passando depois por vários Colégios de Lisboa. Daqui desloca-se para a Covilhã onde exerceu uma notável acção docente, no extinto Colégio Moderno, durante mais de duas décadas, passando a dirigir mesmo como Director, com grandes dificuldades.
Cumulativamente, a partir de 1951 e durante 16 anos, foi professor de Português na Então Escola Industrial. Nos vários estabelecimentos de ensino leccionou também latim e grego.
Foi um lutador nos tempos difíceis antes da Revolução do 25 de Abril de 1974, onde a coragem e o seu espírito de luta em relação a toda e qualquer adversidade eram as mais marcantes qualidades do seu multifacetado carácter.
A sua força moral não se compadecia com a injustiça, com autoritarismos, opressões, viessem de quem viessem, arriscando, nesses tempos difíceis em que viveu, atitudes corajosas de denúncias, de apoio a amigos politicamente perseguidos.
Era um comunicador por excelência. Apesar do seu ritmo de vida alucinante, havia sempre tempo para conversar com os amigos, no Café Montalto, em casa, com a família, na escola, com os colegas.
Além de professor, foi uma pessoa com uma força moral que os alunos captavam sem se aperceberem. Daí que não esquecem o seu antigo professor, cujo nome respeitam.
O Dr. Castro Martins deixou a Covilhã, a Escola Industrial e o Colégio moderno em 1967 para continuar a exercer funções docentes na Escola Industrial Marquês de Pombal, em Lisboa.
A Drª. Edite Arriaga de Castro, sua esposa, natural de Lisboa, onde fez toda a sua preparação académica, licenciou-se em Filosofia e História, em 1947, tendo iniciado a sua carreira docente em 1951 por impedimentos da PIDE. Os seus pais haviam falecido quando tinha apenas seis anos. Foi um tio materno, advogado republicano e maçon que a viria a criar. Era familiar do 1º. Presidente da República Portuguesa, Dr. Manuel Arriaga. Veio para a Covilhã onde acompanhou o marido, no Colégio Moderno, e na Escola Campos Melo. Daqui regressou a Lisboa, tendo sido colocada na Escola Técnica Paula Vicente, onde exerceu as suas funções docentes e directivas até à sua aposentação.
A Drª. Edite também já faleceu. O casal amigo deixou saudades a todos quantos o conheceram, com eles lidaram ou foram seus discípulos


(In “Notícias da Covilhã”, de 18/03/2005)