7 de outubro de 2005

ASSEMBLEIA DE RATOS

Naquele tempo ouvia-se dizer que havia uns gatos fedorentos que estavam a invadir o país das maravilhas, com batalhas de versão napoleónicas, onde já assentara arraiais, há alguns anos, um profeta de nomeada, que afugentava todos os ratinhos das bandas da Pérola do Oceano.
Mas no país das maravilhas já se haviam preparado para festejar o dia D (designativo de Desilusão, Descrédito) mais três fedorentos gatos, e uma gata (tipo padeira de Aljubarrota; ou Maria Pita, da Corunha), em territórios das províncias de Gondomar, Amarante, Felgueiras; e, em terras mais a sul, na província de Oeiras; todos eles capitães de nomeada, com elevados serviços prestados à nação, em prejuízo das suas frágeis economias pessoais.
No entanto, cada rato, no seu buraco, começava a ficar irrequieto.
- Também queremos o nosso queijo, pois os senhores gatos vão engordando, sem que se dê conta, ou até se faz de conta.
Juntaram-se então os ratos do campo com os ratos da cidade e combinaram fazer uma assembleia que procurasse encontrar uma solução para o tremedouro que envolvia os ratos, já aborrecidos com tanto desassossego.
E, vai daí que, em vésperas do dia D, num arrabalde das faldas dos Hermínios, se realizou a magna assembleia de ratos – os do campo com os da cidade.
O dinamizador da assembleia sobe ao palanque e esclarece das razões da mesma:
- Senhores ratos, estamos aqui a fim de encontrar uma solução para que nós, ratos da cidade e ratos do campo, possamos colocar um travão às ameaças dos senhores gatos, no poder deste território, não nos deixando comer o queijo em sossego, o nosso e o dos nossos filhos ratinhos. Vou chamar o primeiro orador.
Este, depois de melhor adaptar a si o microfone, inicia desta forma:
- Senhores ratos da cidade, vós que sofreis das insuficiências de sossego, talvez mais que nós, os ratos do campo, vamos vibrantemente aplaudir a retirada de alguns gatos do poder deste território, no dia D, e meter lá alguns dos nossos ratos, que são mais afoitos que nós, aqui reunidos nesta assembleia clandestina, motivada pelos nossos filhos se encontrarem na catedral onde estão os gatos e poderem ser expulsos pelo gato grão-mestre, se tiverem conhecimento do nosso envolvimento.
Chega o segundo orador, sobe à tribuna, ajeita a gravata e diz assim:
- Fazendo uso das palavras do meu ilustre antecessor nesta tribuna, quero deixar bem vincado nesta assembleia clandestina de que é preciso encontrar o meio e a forma para a substituição dos governantes deste território dos Hermínios, ou, pelo menos, que deixem de ficar em maioria na catedral, ficando lá alguns dos nossos irmãos ratos mais afoitos, que não nós, porque, além de termos na catedral os nossos filhos ratinhos, e as nossas mulheres ratinhas, também alguns de nós estamos nos clubes que precisam de obras para reparar alguns buracos dos nossos esconderijos, e, se sabem que nos envolvemos nesta assembleia, o gato grão-mestre retira-nos o queijo.
Segue-se o terceiro e último orador que, depois de ter subido à tribuna, pigarreou e disse assim:
- Meus senhores e irmãos ratos, estamos aqui para encontrar a solução para que o gato grão-mestre nos deixe mais sossegados, e os seus gatos correligionários possam ser substituídos por alguns dos nossos irmãos ratos. Já viram que alguns dos que aqui deviam estar presentes foram traidores e se deixaram transformar em ratos-gatos? Olhai para os outdoors! E, lá em cima, nos Hermínios, a colocação da luz nos acessos e nas casas levou alguns dos nossos irmãos ratos, clandestinos, a fazer vénias ao gato grão-mestre e a botarem no jornal o agradecimento ao mesmo, para, assim, no dia D não entrarmos nós, ratos do campo e ratos da cidade, na catedral.
- Meus senhores e irmãos, ratos do campo e ratos da cidade! Não vamos permitir mais traidores, vamos ajudar, com todas as forças, com todas as vontades, os nossos irmãos ratos mais afoitos, para que façam parte da catedral; mas nós, ratos do campo e ratos da cidade, que temos os nossos filhos ratinhos e as nossas mulheres ratinhas a trabalhar no queijo da catedral, não nos podemos mostrar. Proponho!: A fim de que não sejamos vistos e os nossos filhos ratinhos e as nossas mulheres ratinhas não fiquem sem o queijo da catedral, vamos colocar um guizo no pescoço do gato grão-mestre. Assim, quando se aproximar destas assembleias clandestinas, vamo-nos poder esconder, e, desta forma, os nossos filhos, ratinhos do campo e ratinhos da cidade, bem como as nossas mulheres, ratinhas do campo e ratinhas da cidade, poderão trabalhar na catedral e ficar sossegados; e os nossos irmãos ratos mais afoitos poderão entrar para a catedral sem serem transformados em ratos-gatos.
Todos, num vibrante aplauso, soltaram gritos de: Apoiado!, Apoiado!, Apoiado!, interrompidos quando um rato do campo, de pequena estatura, com uma tatuagem no corpo e um piercing na orelha, pede a palavra e diz: E quem é que põe o guizo no pescocinho do gato grão-mestre?


(In “Notícias da Covilhã”, de 07/10/2005)