20 de dezembro de 2006

E-MAIL AO MENINO JESUS

No meu tempo de criança, aí pela segunda classe da primária, no Asilo, onde conheci o rabugento professor Raul, e, depois, várias professoras que o iam substituindo, foi-me incutida a ideia, na ingenuidade de criança, de escrever uma carta ao Menino Jesus, pedindo um presente. Este alvitre vinha de meu pai, na tentativa de fazer substituir o mundano Pai Natal pelo divino Menino Deus.
Mas, também anos antes de entrar na primária, no dia de Natal, pela manhã, logo cedinho, ao acordar, corríamos para o presépio, com muitas figuras em barro, e musgo que tínhamos ido buscar de véspera, junto aos pinhais da Pousadinha, onde era então a nossa casa; e ali deparávamos com uns embrulhinhos onde se encontravam os presentes, e também alguns chocolates; e, junto à cabana do presépio, uma carta que o pai “alegava” ser do Menino Jesus. Pois, o Deus Menino aí nos fazia recomendações sobre a conduta que deveríamos ter para ser do Seu agrado. Logo fazíamos o reparo: “O Menino Jesus tem a letra tão bonita, mas é igual à do pai, porquê?” A resposta não era muito convincente e, cá no subconsciente, perdurava a dúvida, qual peta enfiada...
Pois é, vão correndo noites e dias, entre sol e chuva, calor e frio, ventos, tempestades e a mansidão de uma brisa em tempo de Verão, e, quando mal nos descuidamos, é Natal.
É o tempo de reunir as famílias, de pensar em ajudar os mais necessitados. Já no meu tempo de criança existiam os pobrezinhos. Eles batiam de porta em porta (alguns disfarçados de indigentes); era hábito começarem a rezar o “Pai Nosso”, esperando que viesse alguém entregar uma esmola; e, se fosse um pedaço de pão, recolhiam-no para uma sacola que traziam ao ombro; outros, interrompiam a sua reza, arregaçavam um pouco a calça de uma das pernas para mostrarem uma grande ferida infectada (?) a necessitar de amputação do membro. Era uma miséria, por vezes real, algumas vezes disfarçada. Outros pediam: “Tem uma pinguinha de azeite que me deite aqui na almotolia?”
Surgiram algumas instituições como a Sopa dos Pobres, a Cozinha Económica.
Hoje, é um pouco diferente. A pobreza, revestida de origens diversas, mesmo de quem sempre viveu desafogado, e que, a dado momento lhe trouxe a adversidade, traz o véu de uma certa vergonha.
São pobres, são carenciados.
Há jovens, crianças e idosos carenciados. Famílias, mulheres, emigrantes e imigrantes carenciados. Os pobrezinhos de outrora sofriam de tamanha penúria. Tinham casas e dias certos para aparecerem na procura da esmola. Eram sempre iletrados.
Até os antigos livros de leitura da instrução primária (era assim a designação do meu tempo) se referiam aos pobrezinhos, aos necessitados, bastando recordar o poeta Augusto Gil, na sua Balada da Neve.
Hoje já se fazem concertos, festas, se dão donativos, se oferece o Cabaz do Natal, das Câmaras Municipais, Juntas de Freguesia, instituições e empresas de muito mérito; outrora, era o “Bodo ao Pobres”, em datas assinaláveis; hoje, são almoços ou jantares das autarquias, muitas vezes numa duplicação de acções por força do não entendimento no “politicamente correcto”.
Segundo Helena Matos, no “Público”, “o carenciado configura-se como o resultado do desaparecimento de duas figuras que marcaram o século XX: o proletário e o pobrezinho. Dos proletários o carenciado herdou o facto de exercer uma profissão remunerada. Dos pobrezinhos manteve a dependência perante os apoios do poder político e religioso. Ao contrário dos proletários, o carenciado não se organiza nem organiza revoltas. E, ao contrário dos pobrezinhos, nunca considera suficientes os apoios que recebe”.
Efectivamente, o Natal não deverá ser só em 25 de Dezembro, mas durante todo o ano, como já referi em crónicas similares, neste local e outros; pois há carenciados em várias vertentes: não só no espaço temporal da sua débil situação económica, como também a carência de afecto, de tempo, de orientação, entre tantos momentos da vida de cada um.
Pois, ainda a propósito do meu tempo de instrução primária, no Asilo, conheci alguns colegas, oriundos duma vivência autenticamente indigente (alguns iam descalços para a escola) que deram um volte face à vida (geralmente via emigração) e hoje são homens desafogados; em contrapartida, ainda hoje conheço um que nada, nada mudou em relação à sua indigência. Volvido mais de meio século, não será uma indigência da indigência?
Muito haveria que dizer sobre este tempo natalício, desde as cartas que já não se escrevem ao Pai Natal, ou ao Menino Jesus. Será que os petizes que nasceram nesta grande era revolucionária, e já dominam radiosamente o rato, navegando por essa grande rede informática internacional – a Internet – na descoberta de outros e novos mundos, vão pedir os presentes ao Menino Jesus, via e-mail?
Quando chegará o tempo de falarmos menos de pobreza e mais de como produzirmos riqueza?
Feliz Natal.

(In "Noticias da Covilhã" e "Kaminhos", de 20/12/2006)

22 de novembro de 2006

O HÚNGARO PUSKAS

Os menos jovens recordarão, certamente, este talentoso futebolista húngaro, que, nestes dias, deixou o mundo dos vivos. No futebol espanhol evidenciou fortes recursos futebolísticos, tanto ao serviço do Real Madrid como da selecção espanhola. Também os benfiquistas, e todos os portugueses, amantes do futebol, certamente não esquecerão o memorável dia 2 de Maio de 1962. Como eu, vibraram com a excelente vitória do emblema encarnado, conseguida no Estádio Olímpico de Amesterdão, por 5-3; num jogo pouco propício a cardíacos, muito por influência de Ferenc Puskas, que, aos 17 e 23 minutos da primeira parte, já havia marcado dois golos; para, após o empate, com os golos aos 25 e 34 minutos, de José Águas e Domiciano Cavem; Puskas voltar a desempatar, com um golo que deu o hat-trick, aos 38 minutos.
Por ironia do destino, todos os autores dos primeiros golos já descansam no sono da eternidade; pois os restantes haviam de ser marcados por Coluna e Eusébio (2 golos).
Já lá vão 44 anos e eu recordo bem, no início da minha juventude, ter visto este jogo na antiga Casa da Mocidade Portuguesa, ao fundo do Mercado Municipal, no último prédio do lado esquerdo da Rua Conselheiro António Pedroso dos Santos, que faz esquina para a rua de acesso à UBI .
Com o relato, penso que de Artur Agostinho ou Nuno Brás, via rádio, como opção de alguns colegas; todos nós (só rapazes porque não era hábito, nessa altura, as raparigas se juntarem para este efeito), estudantes de Escola Industrial, do Liceu e do Colégio Moderno; vimos o único canal televisivo, existente nesta zona, a preto e branco, com a casa repleta (nem todos, nessa altura, possuíam televisor nos seus lares).
Apesar do orgulho de ser sportinguista de sempre, fui um dos que gritei, em uníssono, pelos golos do Benfica; recordo o fortíssimo pé esquerdo de Puskas, como as grandes corridas do já careca Di Stefano e do Gento; como, depois, a excelente exibição do capitão José Águas e restantes elementos; a correria do baixinho Simões; o “baile” à turma madrilena, onde os defesas Casado, Miera e Santamaria sentiram enormes dificuldades com a penetração dos avançados benfiquistas, furando as redes de Araquistain.
O frenesim era enorme e a televisão mostrava os milhares de espectadores, como num cacho, e a assistência a um português, acometido de uma síncope, assim como o desfraldar de uma enorme bandeira encarnada.
Puskas deliciava os espectadores com as suas fintas e dribles; os golos foram temidos.
Representou a selecção húngara até ao momento em que a revolução de 1956 na Hungria acabou com uma lendária geração de atletas de alta craveira, onde se integrava Ferenc Puskas – o “Major Galopante”, como ficou conhecido. Marcou 83 golos em 84 jogos pela selecção do seu país, sendo considerado o melhor jogador húngaro de todos os tempos. Foi então para Espanha e é no Real Madrid que firma o seu nome, ao lado de outra lenda do Real, Di Stefano, na altura em que os “merengues” mandavam na Europa do futebol. Em Espanha representou a selecção espanhola. Passou então a ser alcunhado de “Pancho Puskas”, o “Canhão”, pois tinha um remate poderoso e uma aceleração incrível.
Serve também este apontamento para recordar outro húngaro, naturalizado francês, que, no nosso país, jogou no Sporting da Covilhã – André Simonyi – que lhe havíamos perdido o rasto, mas fruto da colaboração da Embaixada de Portugal em Paris, acabamos de saber que já faleceu em 2002.
André Simonyi, designado o “jogador modelo” e o “homem canhão” foi um dos maiores goleadores do SCC, surgindo no topo da listagem dos futebolistas de eleição, tendo jogado nos Leões da Serra, de 8/10/1949 até final de 1954.
No próximo livro sobre a colectividade serrana – “O Sporting Clube da Covilhã na Taça de Portugal – Cinquentenário da Sua Participação na Final” – a ser apresentado em Junho de 2007, os interessados poderão verificar que Simony foi o atleta dos leões serranos que marcou mais golos na 1.ª Divisão – 74 em 86 jogos; depois, a honra de o SCC ver inscrito um seu atleta – Vitoriano Suarez, como o primeiro maior goleador de todos os tempos, na Taça de Portugal, com 15 golos, mantendo-se, até aos dias de hoje, em terceiro lugar, que viria a ser igualado por Iaúca; ultrapassado, em segundo lugar, por Mascarenhas, do Sporting; e para o primeiro lugar, por Eusébio, do Benfica.
Mas, na leitura desta obra, que se encontra já no prelo, não podermos também esquecer um homem simples, que percorre as ruas da nossa cidade, goleador nato que foi nos tempos das 2ª e 3ª Divisões – António José Fazenda – e que vê o seu nome inscrito como o maior goleador da Taça de Portugal, na época de 1974/75, à frente de Yazalde, do Sporting, e outros.
E, nesta passagem efémera pelo mundo, vão desaparecendo aqueles que, para uns, foram ídolos; e, para a generalidade, deixaram marcas da sua vivência e na arte de jogar bem futebol.

8 de novembro de 2006

DA PROMISCUIDADE À CORRUPÇÃO

O estado a que Portugal chegou fruto, mormente, da incapacidade dos últimos governos, que desbarataram oportunidades, depois de terem sido eliminadas duas ditaduras (uma antes, outra no pós 25 de Abril), é confrangedor, algo mesmo revoltante.
Não obstante o direito à indignação, vimo-nos rodeados de muitos incompetentes, oportunistas, de fictícias caridades; aproveitando-se duma justiça fragilizada e displicente; homens ridentes dum escárnio por quem não se soube, ou não se pôde “safar”; homens e mulheres que reivindicam direitos (e por vezes omitem os deveres) exclusivamente para si mas se esquecem que em Portugal há muitos mais portugueses e portuguesas; assim vai, ou tentava ir, este País – que procura agora saber quem foi o melhor português de todos os tempos.
Quem passa as fronteiras verifica a diferença que existe na rigorosidade dos actos dos seus cidadãos, em relação aos portugueses.
Os que detêm a melhor “profissão” da actualidade – a política – podiam, e deviam, servir o País de todos nós, e não a sua “vida” partidária, deixando de excluir os competentes que não são da sua laia, em vez de darem um ninho aos desentendidos que pegam na caldeirinha quando na Páscoa das campanhas eleitorais ainda escovam o fato do candidato convertido em ganhador.
Não se compreende como se desejou dar guarida à continuidade de governos ineficazes, medricas, chegando ao ridículo de termos tido um governo circense; e o seu antecessor, quando se ria do precedente de dar ás de vila-diogo, o mesmo, subtilmente, vaidoso, seguiu os seus passos, depois de ter cuspido para o ar.
Valha-nos a maioria absoluta para as reformas de fundo que era necessário serem feitas, por mais que custem os berros de quem se sente bem nos sofás, porque ainda há muita gente de pé, porque não tem sequer umas tábuas para se sentar.
O trabalho que agora está a ser feito, já deveria ter sido iniciado há uma ou duas décadas atrás, para agora desfrutarmos de algum alento como alguns dos nossos parceiros da UE dele já beneficiam, qual bálsamo ou lenitivo do tempo de sacrifícios por que passaram.
Conforme diz Vasco Pulido Valente, “não existe um partido, um ministro, um autarca que se possa considerar inocente do que se passa hoje. O défice e a dívida são um sintoma, não uma causa. O regime fabricou um Estado inviável, com o dinheiro que não tinha, ou esperança de vir a ter, para cumprir promessas que sabia de ciência certa pura fantasia ou puro cinismo”.
As contestações ao governo eram esperadas; mas Sócrates tem sabido superá-las. Valha-lhe a sua rija têmpera e a de alguns dos seus ministros. Conforme refere Eduardo Prado Coelho, “o país respirou de satisfação quando viu que José Sócrates tomou uma atitude exemplar em relação à Madeira. Teve a coragem – que nenhum Governo até hoje tinha tido – de dizer que era preciso tratar a Madeira segundo a lei e que era preciso dizer a Alberto João Jardim que as coisas iam mudar radicalmente. Porque Jardim estava convencido que podia fazer o que queria e que, depois de explorar descaradamente a metrópole, podia dar-se ao luxo de dizer que os governantes actuais eram “loucos” e que deviam ser demitidos (quando foram eleitos democraticamente e continuam à frente de todas as sondagens). Ao vê-lo, sentimos uma repulsa por esta personagem não apenas demagógica mas rasteira e medíocre”. Eu mesmo diria, que Sócrates tomou a atitude que devia, como Mouzinho de Albuquerque com Gungunhana.
Mas, afinal, no combate à corrupção, tão falada e aproveitada para o discurso de Cavaco Silva do dia 5 de Outubro, onde está o desfecho dos casos tão badalados, duma enorme morosidade, em silêncios ensurdecedores?
Muito haveria para se falar, por todos os cantos do nosso País, e na nossa própria cidade.
Corrupção é também a forma como muitas vezes se exerce a lei do mecenato; corrupção poderá ser a subtileza como um presidente de direcção duma instituição absorve para si negócios que não foram a concurso, com a anuência do restante elenco directivo; eventual “candidato” à corrupção poderá ser, por exemplo, um engenheiro camarário, ou outro qualquer funcionário público, com um escritório aberto a uma actividade comercial em seu nome, o que outrora era altamente proibitiva, e que agora é “abusivamente” de uma autêntica anuência.
Outrora, eram os guarda-rios a conceder benesse na extracção de areias, por favores que lhes faziam os interessados; como os técnicos ou fiscais da Segurança Social a avisarem previamente os “doentes” com baixa, que no dia tal iam ser por ele visitados; como a GNR a perdoar flagrantes infracções e a alvitrarem como deviam dar a volta às Seguradoras.
Muito haveria que falar dos mil rostos da corrupção, mas, conforme diz Jorge Coelho, “a luta contra a corrupção exige mais discrição e mais resultados. Em Portugal há muito espectáculo e depois nada de concreto acontece.”

(In "Noticias da Covilhã", de 08/11/2006)

28 de setembro de 2006

A PARTIDA

Neste último fim-de-semana deu-me para consultar, à toa, centenas de páginas separadas de muitos jornais que, devidamente seleccionadas, arrumo para um canto. As compilações já efectuadas, tematicamente, começam a reduzir o espaço do escritório, já que na biblioteca particular os livros se começam a zangar uns com outros, de tão apertados.
E, porque a idade e o espaço são mais fortes que o imenso gosto pela cultura, comecei por doar algumas compilações, encadernadas, a uma instituição.
O mesmo poderei fazer com muitas ainda em meu poder, mas antes, porém, desejaria primeiro fazer uma exposição para a cidade, em cujo concelho me orgulho de ter nascido.
Há muito que pretendo também reunir todos meus textos, comentários, crónicas, críticas, referências, e colaboração diversa, dispersa por cerca de duas dezenas de jornais e revistas deste País, e mesmo além fronteiras.
Vamos à questão. Da revista Notícias Magazine, separata do DN, de 20/07/2003, li dois textos sob os títulos “Por que nos falha a memória” e “Histórias de esquecimentos”, extraindo, duma das páginas, a leitura de que “o cérebro é capaz de armazenar o equivalente a trinta mil milhões de livros. O desafio é conseguir trazer à “tona” essa informação sempre que necessário”.
Vem isto a propósito recordar algumas pessoas que, covilhanenses por nascimento, ou pelo coração, por aqui se radicaram, ou exerceram funções, deixando rastos da sua acção em prol da comunidade.
Como o tema é vasto, seleccionei, considerando oportuno, o campo da religiosidade, tendo em conta a paroquialidade covilhanense.
Vou referir-me apenas a alguns sacerdotes que conheci nesta cidade, saindo da mesma; uns em vida, outros por força da lei da morte; deixando rastos de profunda saudade.
A acção desenvolvida por muitos destes homens, na espiritualidade, apoio às famílias, e ao povo que lhes foi confiado, na acção religiosa do seu múnus, foi de enorme mérito, nem sempre observada ou só tardiamente reconhecida. Mas a excessiva modéstia e simplicidade de alguns desses Homens, sobejamente conhecidos, são obstáculo a tal reconhecimento.
E como dos fracos não reza a história, também algumas conhecidas fragilidades de uns que partiram em vida, mais não ficou que o desmemoriar do seu passado.
Nos tempos dos hossanas ao antigo regime tivemos a presença de um quarteto de sacerdotes que à cidade muito deram, mas alguns deles arriscaram-se a uma perigosidade com a permissão aos movimentos operários católicos de trabalharem sem receios – o aproveitamento, por exemplo, do 1.º de Maio, em que não era feriado, para, com pretexto e com base na festa de S. José Operário, se poderem reunir e por momentos confraternizar, através dum lanche.
Mas, que me recorde, era na paróquia de S. Pedro, ao tempo do padre José Domingues Carreto, que se faziam essas confraternizações. Mais tarde, e durante muitos anos, estaria o padre Fernando Brito nessa missão, com forte empenhamento.
Das quatro paróquias daquela época, salientaram-se, pelos muitos anos à frente e acções desenvolvidas nas mesmas, o cónego José Andrade (Conceição), cónego Morgadinho (S. Martinho), padre José Batista Fernandes (Santa Maria) e padre Carreto (Pedro). Nos Penedos Altos, o padre Pita era o homem forte.
Além das paróquias, a sua acção também se desenvolveu na cidade, quer como docentes no ensino secundário, quer como assistentes de várias organizações, assim como na comunicação social, como o cónego José Andrade, director do NC; além de estarem na primeira linha de algumas obras da cidade.
De partida, deixou a Covilhã o cónego Dr. António Mendes Fernandes, onde, durante muitos anos foi director do Notícias da Covilhã e voz viva neste órgão da comunicação social.
De partida, mas para o além eterno, foi o padre Sanches, grande obreiro e assistente de instituições da cidade e região.
Em vida, ainda jovem, mas onde já deixara marcas de muita simpatia e excelente trabalho apostólico, saiu o Padre Victor, das Comunidades dos Penedos Altos e Vila do Carvalho.
Mas, ainda em retrospectiva, é então que por força da doença que afastou da Covilhã o padre Carreto, são os padres jesuítas, há muitos anos a desenvolver acção apostólica na cidade, que são encarregados da paróquia de S. Pedro. Dentre alguns sacerdotes, destacou-se, não só como pároco, de saudosa memória, o padre José Lacerda, que, ainda em vida, foi substituído pelo padre José Pires.
É exactamente este último Homem, que há vinte anos se encontra na Covilhã, simples quanto incansável, à frente da paróquia de S. Pedro; e assistente de várias organizações religiosas; o último a partir. O seu destino é para uma missão espinhosa, numa zona lisboeta de grandes perigos. Por isso, mais lhe devemos grande respeito e o sentir dos covilhanenses que terão o padre Pires sempre presente.
Espero estar na sua despedida em 5 de Outubro, na qual, certamente, terá a manifestação de carinho, por muitas gentes, e a simpatia pelo Homem que a paróquia de S. Pedro e a Covilhã muito lhe devem.
Esperemos que a edilidade covilhanense, que tão bem sabe reconhecer alguns, dignifique este acto com a sua presença nesta homenagem.

(In "Noticias da Covilhã", de 28/09/2006)

7 de setembro de 2006

A GERAÇÃO DOS 60

Umas breves férias. Poucas notícias do nosso País. Algumas só pela via do telemóvel. Deste planeta Terra (do sistema solar baniram o Plutão), o recurso, quando possível, ao El País.
Do centro da Europa, um telefonema para Castelo Branco. A “minha” equipa de ciclismo ganhava a Volta, e os 2.º e 3.º lugares individuais. No futebol, o meu Covilhã está uma máquina. Mas no reino da bola, a confusão é total. O Gil Vicente vai recorrer “até ao fim do mundo”, e, nestes meandros; entre o choro, da considerada razão, e o oportunismo, de permeio com alguma displicência, pelos responsáveis pelas instituições de coordenação; o País desportivo agita-se, com tal palhaçada.
Mas, vai daí, o Farense vai começar de “novo” com a sua participação na II Divisão Distrital. Quem diria! Também já existiu o Carcavelinhos, que deu cartas, como outros. E isto de recordar, viva o Palmeiro Antunes, velha glória do Benfica, que na Covilhã ainda se recordou de ter jogado pelo nosso Sporting. Lembro-me do golo marcado, por baixo das pernas, ao José Maria, da Cuf, para a Taça de Portugal, em 26/11/1961, concluído por Couceiro; e a ser cumprimentado pelo próprio guarda-redes.
Falou-se sobre a “Geração de 60”(mais concretamente dos que completaram 60 anos), à qual me orgulho de pertencer. Mas, o Independente, já não vai comunicar mais connosco, na venda falhada por um euro.
As gerações de ouro de hoje, do ponto de vista em que já surgiram banhadas de novas tecnologias, cuja revolução digital começou há 25 anos, não se aperceberam das transformações radicais que a geração dos 60 sofreu. Mas agora o sorridente Bill Gates divide-se entre a maior fortuna do mundo e a filantropia.
Do tempo dos candeeiros e fogões a petróleo; da vassoura em vez do aspirador; do sabão amarelo para os soalhos e escadas de madeira, ao sabão macaco, antes dos novos detergentes; dos tanques de cimento para lavar a roupa, com sabão rosa, antes das máquinas de lavar; da merda transportada das estrumeiras para os campos de cultivo, em substituição dos esgotos; das contas de cabeça, com conhecimento da tabuada, na falta de calculadoras; das ardósias e canetas de aparo e tinta rascas, em vez de cadernos e esferográficas para todos os feitios e gostos; da grafonola e da telefonia, na falta das mais avançadas aparelhagens sonoras; das bilhas de barro para refrescar a água, às braseiras de carvão e moínha, para o aquecimento; do ferro aquecido para passar uma camisa ou umas calças para a festa ou para o domingo, em vez do ferro de engomar; da inexistência de televisão à pouca apetência, tal o analfabetismo, e pouco dinheiro, para adquirir um jornal; para os dias de hoje, é deveras contrastante com os meios agora postos à disposição, dispensáveis de referir, qual recordação de uma melancolia para a hilaridade!
Mas, falar-se contra o Senhor Professor Doutor Oliveira Salazar, Presidente do Conselho, era uma porra, e, por isso, de vez em quando, o Zé ia de trela, levava na tromba, e ia para a grelha, acusado pelo 35 ou pelo 23, e outros de falinhas mansas...
Nas missas, em latim, com o padre de costas voltadas para os fiéis, nada de misturas: mulheres atrás, de véu na cabeça, pagavam as favas já que a Eva deu a maçã a comer ao pobre Adão, coitado; e, os homens à frente. Mangas curtas não, e, cavadas, era quase um sacrilégio. Rezar também pela conversão da Rússia, enquanto o conluio Salazar/Cardeal Cerejeira mantinha o povo “contente”com o Fado, Futebol e Fátima.
As cartas eram terminadas com a sacrossanta expressão: “De V. Ex.ª, atento, venerador e obrigado; e, os ofícios tinham que terminar: “A Bem da Nação”.
Ao funcionário público, sem saber bem o que era o comunismo (ainda hoje não se percebe; veja-se a China, aberta ao capitalismo com o emprego de menores, na escravidão da mão-de-obra barata), a obrigação de assinar um documento: “Declaro cumprir a Constituição da República de 1933, com repúdio do comunismo e de todas as suas ideias subversivas...”. Ah! Ah! Ah!
Até ao futebol se ia de casaco e gravata; e os padres de batina. Mais frequentadores, o Padre Nabais e o Padre Morgadinho. O primeiro ria-se; o segundo, por vezes, saía com a capa preta sob a batina, a esvoaçar pelas costas, de tanta pressa: “É uma vergonha!” – referiu um dia. Pois era, o Sporting da Covilhã perdia...por poucos...mas na Primeira Divisão!
Foi nesta geração que a juventude ameaçou o regime de Salazar, e veio dar-lhe uma forte sacudidela.
Tudo mudou. O País, a Europa e o Mundo. A Rússia, de facto, “converteu-se”. O muro estalou e caiu. Toda a cavalgada saltou as muralhas. Houve uma grande abertura no campo dos costumes, da moral e da sexualidade, com uma presença alargada das mulheres na vida pública.
As efemérides surgem, por lá e por cá, este ano também acentuadas: de Mozart ao último concerto de há 40 anos, dos Beatles; do centenário do nascimento de Marcelo Caetano, ao cinquentenário da morte do Padre Américo, que ainda vi em vida, na inauguração das primeiras casas do Património dos Pobres, na Covilhã. Clinton fez também 60 anos e esta geração em 2010 começa a reformar-se.
Mas, com tanta mudança, os portugueses, infelizmente, ainda abusam do poder, confundindo poder com autoridade. E, a aplicação no ensino muito deixa a desejar: em 2005 houve 120 mil alunos do básico que não passaram ou desistiram.
É preciso muita força, vontade de vencer, ser realista, atento e ultrapassar o pessimismo português.

(In “Notícias da Covilhã”, de 7/09/2006)

3 de agosto de 2006

CRÓNICA EM TEMPO DE FÉRIAS

Não escasseiam os temas, tal a abundância de eventos neste cantinho à beira-mar plantado.
Da cidade alfacinha, a notícia: o sobrinho Hugo, de 22 anos, passou a engrossar o número dos engenheiros.
Muitos são os empresários que, apesar do estoicismo com que vivem estes tempos de agruras, ainda não sentem correr nas suas veias o sangue da tranquilidade. E a nossa região é uma das mais afectadas pelo pernicioso vírus da crise, longe de ser debelado.
Na generalidade, esta região tem empresas familiares, aquelas que terão mais longevidade, na opinião de Belmiro de Azevedo.
E o sustentáculo dessas mesmas empresas, braço forte do seu desenvolvimento – os trabalhadores – transfigurou-se dum sorriso próprio de quem, ontem, respirava sem sufoco; e, hoje, o seu semblante passou a estar carregado de preocupações pelas névoas que persistem no horizonte.
Dava gosto ver nas empresas, dos vários ramos de actividade; e em diversas instituições; gabinetes e escritórios ocupados com gente de trabalho, num salutar ambiente de camaradagem; hoje, é confrangedor o silêncio desses espaços transformados em arquivos mortos; e outras utilizações; onde nas reformas implementadas se teve que reduzir a máquina humana, multiplicando-se assim por várias tarefas.
E, se atentarmos no respeito que a pessoa merece, entre empregado, empregador e colegas do mesmo ofício, neste mundo globalizado, que, para muitos, não passava de um mito; e, para outros, o desenvolvimento veloz da era informática era palavra vã; a viragem de Portugal seria bem diferente.
Os valores da vida são, muitas vezes, deixados para segundo plano. A responsabilidade individual na execução das tarefas, e o relacionamento de excelência entre todas as partes envolvidas, certamente que moldaria a face de muitas empresas.
Neste País de brandos costumes não pode haver diferenças tão abismais entre ricos, desafogados, remediados e aflitos, no respeito pela dignidade do homem e da mulher.
As grandes superfícies vieram beneficiar o consumidor; mas o comércio tradicional foi abanado com encerramento de estabelecimentos e consequente aumento do desemprego. Para agravar a situação, surge o grande “supermercado” do mundo – a China, por todos os cantos das cidades e vilas.
Reclama-se e exige-se respeito: na política, na moda, na fiscalidade, na saúde, na religião, na sexualidade, nos serviços contabilísticos.
As declarações, na RTP, do dirigente fascista da Frente Nacional e militante do Partido Nacional Renovador, num incitamento à violência armada; e, após a sua detenção, a permissão das suas declarações, assumindo-se vítima e “preso político”, em pleno carro celular, foi uma autêntica falta de respeito aos portugueses, e à democracia que o mesmo odeia.
Os limites da tolerância são a própria intolerância, não podendo a democracia ser conivente ao albergar todos os que se servem da mesma para pôr em causa a própria democracia.
O governo de Sócrates tem feito esforços para transformar este país num espaço onde se possa viver melhor; e Miguel Beleza tem razão ao ter afirmado que o Governo tem revelado coragem nas medidas fiscais, não se tendo guiado por calendários eleitorais ou de ordem política.
Contudo, alguns dos seus correligionários, apregoando justiça e respeito pelos outros cidadãos; e também os responsáveis da oposição; bem depressa inverteram a situação, numa atitude em que o respeito se substitui pelas conveniências próprias, pelos direitos adquiridos para si, não para os outros. Onde está a moralidade e o respeito pelos cidadãos, os que depois de longos anos de trabalho se viram reduzidos a uma reforma insignificante em contraste com as luxuosas aposentações que se vêem por esse mundo autárquico e da governação; obtidas, muitas vezes, quase à sombra da bananeira; enquanto outros a usufruírem de pequenas remunerações vitalícias, de trabalho encharcado no suor dos pés à cabeça?
Respeito é olhar de frente para os muitos funcionários públicos, que os há, e que são mouros de trabalho; e funcionários de excelência, que também os há; mas manter a coragem numa disciplina enérgica de reforma da função pública, acabando com privilégios de que são detentores, em desfavor de outras classes trabalhadoras, grassando uma injustiça em termos de igualdade.
E o grito dos professores, cuja actuação dos seus líderes sindicais veio provar que, afinal, a generalidade do povo português não lhes dá razão, é mais um exemplo de que o respeito é uma palavra muito bonita.
E, neste contentamento descontente, como refere Carlos Magno, no DN, o governo resiste ao desgaste.
Muito haveria para dizer, sobre a respeitabilidade, não fosse este espaço limitado; como os faustosos vencimentos dos senhores da bola (dos poucos passatempos que fazem delirar ricos e pobres, endinheirados e necessitados). Por respeito aos portugueses, Gilberto Madail deveria envergonhar-se de sugerir a isenção do IRS nos prémios que os jogadores da Selecção Portuguesa vão receber; apesar de se ter quebrado um tabu de 40 anos para apuramento da segunda fase de um Mundial, com valor e talento, mesmo com a existência de alguns scolaricépticos. E também figuras como Maria João Pires, numa atitude indigna para com Portugal, a quem muito deve, criticou e esqueceu-se dos investimentos que lhe proporcionaram, e do dinheiro que recebeu. É que o respeito é muito bonito!

(In “Notícias da Covilhã”, de 03/08/2006)

28 de junho de 2006

A BICA

Era uma quarta-feira. O amigo Arménio, de Vila Boa, alvitrara o restaurante do Zé Nabeiro, no Soito, para uma “sopa dos cornos”. Confesso a minha preferência por almoçar no Álvaro – o peregrino, em Pega, onde não é conveniente chegar tarde, para ter lugar a uma mesa.
Isto de comes e bebes não é onde assenta mais a crise...No final, é só pagar a conta e esperar pelo troco. É dinheiro em caixa.
E também o encontro, habitual ou de ocasião, de amigos, colegas, conhecidos, e de outros et ceteras.
Por vezes, também de negócios. Pode haver sorte; pode haver azar...Se, sozinho, logo se encontra, ou se faz, de um desconhecido, um amigo. Então, não andamos no mesmo deambular?
- Vendo sistemas informáticos; e eu, seguros; eu, vendo óleos; este, vende equipamentos para refrigeração; aquele, vinhos; aqueloutro, produtos de higiene; e, estoutro, materiais de construção.
- Isto é que vai uma crise! Todos são unânimes: não há dinheiro! Vamos dar uma volta. Pode haver sorte; pode haver azar...
Mas, os engravatados, por obrigação, já não recebem só depósitos, pagam cheques, emprestam dinheiro; como também já vendem uma panóplia de artigos e bens: seguros, viagens, automóveis, livros, medalhas, moedas para colecção, serviços de jantar, talheres, equipamentos informáticos. Qualquer dia também sapatos, sabonetes, lingerie, e, junto à caixa Multibanco, venda de preservativos. Pode haver sorte; pode haver azar...
De vez em quanto um telefonema, já fora de horas, simpático, geralmente duma voz feminina, com a apresentação e desenrolar da ideia, pré-definida, a transmitir, digo, impingir, em conversa tipo cassete: “Muito boa tarde! Gostava de falar com o Senhor...Pois foi um dos nossos seleccionados e tem já um crédito bancário aprovado no valor de...”
- “Mas eu não pedi nenhum crédito, nem necessito do mesmo.”
- “Mas o Senhor já viu a excelente taxa de juro e prazo de pagamento?”
- “Mas eu já lhe disse que não preciso de nenhum crédito”.
- “Mas, mesmo que não precise, pode servir para renovar a sua mobília, reparação da sua casa, aquisição de um novo automóvel”.
- “Mas eu não preciso nada disso!”
Ora bolas, pode haver sorte; pode haver azar...
Mais um tinto; pouco, porque isto de andar ao volante, pode haver sorte; pode haver azar... mas alegra os corações, rasga a imaginação, desenvolve a dinâmica, ainda que só naquele momento...
No final, o café, curto cá para o rapaz. Sempre me habituei a chamar-lhe “bica”. Já no tempo do Sr. Baltazar, no Solneve e no Montalto; ou do “Feijão”, no Sporting, em tempos que já lá vão, não era preciso pedir a bica, já nos conheciam e sabiam como a queríamos: em copo ou chávena, curta, cheia ou italiana. Era então a 1$20, depois passou para 1$50 (os jornais diários a 1$00). Era só sentar.
No Montiel, os simpáticos funcionários também já conhecem os nossos hábitos. É só servi-la, curta, normal ou cheia.
Café ou Bica? Foi na Brasileira do Chiado que havia um letreiro a dizer: “Beba Isto Com Açúcar”. Mais tarde já só colocavam a iniciais: “BICA”.
Diz-se que terá sido daqui que surgiu o termo “BICA”.
Pois o café está presente na nossa civilização e na nossa vida desde o ano 1450, altura em que foi introduzido em Constantinopla, pelos turcos otomanos; e, 25 anos depois, abriu a primeira loja de vender café servido ao público.
Pois bem, todas as manhãs, a seguir ao almoço ou ao jantar, e mesmo a qualquer hora, são suficientes três ou quatro minutos para beber uma bica, sem pensar em mais nada: beba-a doce, amarga, curta, cheia; e, se for mais exigente, com um “cheirinho”, de zimbro, preferencialmente...

(In “Notícias da Covilhã”, de 28/06/2006)

26 de junho de 2006

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Já lá vai o famigerado tempo em que a liberdade de expressão, em Portugal, não passava de um mito, pois logo surgia, a cada esquina, um dos muitos bufos que conduzia o honesto cidadão ao sacrifício próprio e da família, infligindo-lhe dores psicológicas e físicas, quando não surgia a sua própria eliminação.
Insurgir-se na opinião pública contra o regime ditatorial era sinónimo de dar tiros nos pés; e o formigueiro de malandragem que, a troco de benesses e escondidas “remunerações” se avolumou, mais não foram que traidores dos seus próprios irmãos.
A expressão livre na comunicação social era inexistente (as célebres comissões de censura, e, posteriormente, exame prévio, foram disso verdadeiros testemunhos), onde existia o conhecido lápis azul, a censurar indiscriminadamente todas as formas de expressão criativa, as quais se prolongaram por quase cinco décadas.
Os primeiros riscos do chamado lápis azul a retirarem a liberdade de expressão surgiram em Junho de 1926.
No entanto também existem, por vezes, sem fundamento, excessos de liberdade de expressão, e, para isso, deverá a lei impor-se na reparação de eventuais danos morais, e outros, que possam por em causa o bom-nome das pessoas, ou prejudicá-las noutros sectores da sua vida.
As religiões fundamentalistas são a negação dessa liberdade de expressão. Vejamos o caso do escritor Salman Rushdie que, motivado por um conteúdo considerado blasfemo no seu romance Versículos Satânicos, se vê confrontado com o falecido ayatollah Khomeini, então líder do Irão, a emitir uma fatwa contra o escritor, em 1989; vendo-se forçado a viver refugiado neste Planeta; como a crise dos “cartoons”, já sobejamente conhecida, com os líderes europeus a condenarem a escalada de violência e, ao mesmo tempo, pedindo respeito pelos sentimentos religiosos.
E se fosse com os católicos, como já aconteceu com o Papa João Paulo II? As críticas existiriam, como, de facto, sucederam, mas não ao ponto dos extremismos dos homens do Islão.
Mas terá a história da liberdade de expressão começado no ano 339 antes de Cristo, com o ilustre filósofo grego, Sócrates, filho de um escultor e de uma parteira? Conhecido essencialmente pela sua luta em defesa da verdade e pela teoria da douta ignorância e utilização do método interrogativo, não ensinava com regularidade e não escreveu nenhum livro. Inimigo dos exageros demagógicos, encontravam-no em todos os pontos da reunião: nas Assembleias do povo, nas festas públicas, nos ginásios e em tudo o que servia de pretexto para ensinar.
As suas frases satíricas e sarcasmo contra a democracia acabaram por indispor os seus concidadãos.
Diante dos seus juízes manteve uma atitude firme e pediu que lhe fosse aplicada a penalidade de viver no Pritaneu à custa do Estado. No seu julgamento afirmou: “Se prometessem perdoar-me desta vez na condição de eu não voltar a dizer o que penso...dir-vos-ia: “Homens de Atenas, devo obedecer aos deuses e não a vós.” Foi condenado a beber cicuta, com que morreu envenenado.
Toda a filosofia de Sócrates foi dominada pela máxima: “Conhece-te a ti próprio”.
Mas é no ano 1215, já depois de Cristo, aquando da assinatura da Magna Carta, por imposição de nobres rebeldes ao rei D. João, que este documento é como uma referência à fundação da liberdade de expressão em Inglaterra.
Três séculos depois, em 1516, Erasmo de Roterdão escreve “A Educação de um Príncipe Cristão”, em que referia: “Num estado livre, também as línguas devem ser livres”.
Em 1633, Galileu Galilei é levado perante a Inquisição depois de afirmar que o Sol não gira em redor da Terra.
Em 1644, o poeta John Milton escreve o panfleto “Aeropagítica”, onde argumenta contra restrições à liberdade de imprensa, e assim se refere: “O que destrói um bom livro, mata a própria razão”.
Quase meio século depois, em 1689, na Grã-Bretanha, Jaime II é derrubado e a Declaração de Direitos concede “liberdade de expressão no Parlamento”.
Em 1770, uma carta de Voltaire a um sacerdote dizia: “Detesto o que o senhor escreve, mas daria a minha vida para tornar possível que continuasse a escrever”.
Em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem, documento fundamental da Revolução Francesa, consagra a liberdade de expressão.
Em 1791, dois anos devolvidos, a Primeira Emenda da Declaração de Direitos dos Estados Unidos da América garante quatro liberdades: de religião, expressão, imprensa e reunião.
Em 1859, o filósofo John Stuart Mill escreve o ensaio Sobre a Liberdade: “Se qualquer opinião for obrigada ao silêncio, essa opinião pode, por tudo o que temos a certeza de saber, ser verdadeira. Negá-lo é assumir a nossa própria infalibilidade”.
Neste mesmo ano, 1859, T.H. Huxley defende publicamente Clarles Darwin contra fundamentalistas religiosos, no meio de uma acesa polémica causada pelo livro “Sobre a Origem das Espécies”, em que o naturalista expõe a teoria da selecção natural.
Em 1929, o Juiz do Supremo dos EUA, Oliver Wendell Holmes, fez a seguinte declaração: “O princípio do pensamento livre não significa o pensamento livre para os que concordam connosco, mas liberdade para o pensamento que detestamos”.
Em 1948 é aprova na Assembleia Geral das Nações Unidas, quase por unanimidade, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, pela qual os países membros ficam obrigados a promover os direitos humanos, cívicos, económicos e sociais, incluindo as liberdades de expressão e religião.
Em 1958, o filósofo Isaiah Berlin escreve “Dois Conceitos de Liberdade”, em que identifica a liberdade negativa como uma ausência de impedimentos, obstáculos ou coerção, por oposição à liberdade positiva, o controlo sobre a própria existência e a presença de condições para a liberdade.
Em 1960, a editora Penguin obtém, após um julgamento em Londres, o direito de publicar “O Amante de Lady Chatterley”, de D. H. Lawrence, um livro de conteúdo sexual explícito.
No ano 1992, em Manufacturing Consent, o filósofo Noam Chomsky escreve: “Goebbels era a favor da liberdade de expressão para as opiniões de que gostava. Estaline também. Quando se é a favor da liberdade de expressão, então é-se a favor da liberdade de expressão precisamente para opiniões que se desprezam”.
Em 2001, depois do “11 de Setembro”, a Patriot Act dá ao governo dos Estados Unidos novos poderes para investigar pessoas suspeitas de serem uma ameaça; a legislação levanta receios sobre restrições das liberdades cívicas.
Em 2002, o jornalista nigeriano, Isioma Daniel, escreve sobre o profeta Maomé e a Miss Mundo. Muçulmanos em fúria provocam motins que fazem mais de 200 mortos.
Finalmente, em 2004, Theo van Gogh, realizador de cinema holandês, é assassinado depois da exibição do seu filme sobre a violência exercida sobre as mulheres nas sociedades islâmicas.
Como poderemos verificar, a liberdade de expressão é um direito universalmente reconhecido, mas com custos, incluindo da própria vida, quando impera o fanatismo mormente religioso.

(In “Ecos da APAE”, de Junho de 2006)

18 de maio de 2006

TENHO "DOIS AMORES"

A caminho do meu escritório, pasta na mão, acabo de passar as últimas escadas dos silos auto, quando sou interpelado por um amigo que há muito não via. Brevíssimos momentos de reminiscências, são tema de conversa. Entretanto, o António “Pinga” vem interromper a mesma – “uma moedinha para o tabaco...”
O meu interlocutor dizia que tinha estado a ler uma das minhas crónicas, um dia destes, e perguntava onde é que eu ia procurar a inspiração.
- A descarga fisiológica de um passarinho, ao cair-nos em cima, por exemplo, quando menos se espera, pode servir de inspiração – respondi.
Depois do insucesso a que assisti, no último jogo do nosso Sporting da Covilhã; e ter mesmo ficado agastado, como centenas de covilhanenses, com o escândalo da equipa do apito; e já depois de pouco mais arrefecida a animosidade, fui visitante atento, no fim-de-semana, na III Exposição de Trabalhos das Escolas do Concelho, realizada no Pelourinho, integrada no quarto certame de Feiras da Covilhã.
Dos mais pequeninos, aos jovens estudantes do secundário, verificou-se o entusiasmo com que alunos e professores mostravam o mundo do conhecimento para o saber, pelas bandas dos estabelecimentos diversificados do ensino na Covilhã – das escolinhas ao ensino da música; do que existe na Escola nº. 3, das Palmeiras, à da Frei Heitor Pinto e à da Secundária Campos Melo. Memórias antigas registadas neste último stand, transportaram outras memórias para a origem duma instituição que pretendeu preservar a história da Escola Campos Melo, onde, daqui, muitos vieram encontrar o mundo do trabalho, no florescimento e nas crises da indústria laneira. A APAE mantém laços de amizade com todos quantos passaram por este estabelecimento de ensino, e num contributo para a cultura covilhanense, naquilo que intitulámos, na altura, de primavera cultural.
A APAE Campos Melo é, indubitavelmente, a menina dos meus olhos, no orgulho de ter contribuído para a sua fundação, como primeira associação no País, do género, aglutinando, no seu seio, todos quantos na mesma Escola Industrial trabalharam; e da qual, associação, fui o seu segundo presidente da Direcção. Na mesma surgiu a criação da revista que se mantém viva – “Ecos da APAE”.
A propriedade do edifício sede, em pleno coração da cidade, reconstruída há pouco tempo, a expensas da edilidade (méritos para o Presidente Carlos Pinto), deve merecer a atenção da cidade nas várias exposições ali apresentadas, fruto das obrigações de uma Direcção cuja liderança tem proporcionado trabalho de excelência, na teimosia de manter em águas tranquilas os méritos duma associação de prestígio apesar da envolvente de crises que a todos nos rodeiam.
Mas, desde menino, uma colectividade que sempre prestigiou a nossa cidade e a nossa região – o Sporting Clube da Covilhã – me acompanhou numa latente atenção, independentemente de ser espectador in loco, ou ouvinte de sofá; extravasando no sentimento de passar de meras palavras a acções, para que do acervo documental então chegado às mãos, fruto de muitos amigos, covilhanenses e não só, pudesse fazer luz perene das estórias para a história da colectividade. Muitos dos testemunhos, recolhidos de pessoas já fora do mundo dos vivos, se não tivessem sido obtidos, originariam que a história ficasse mais pobre.
Só quem andou pelo aliciante mundo da investigação soube sentir o valor da amizade.
A recreação, o deleite, são importantes na vida humana e, como tal, os Leões da Serra foram forte contributo para proporcionarem momentos de distracção, aos domingos. Enobreceram a cidade; muitos dos covilhanenses se aperceberam quão carinhosamente o nome do Sporting da Covilhã era acolhido por esse País fora; um dos históricos do futebol português, tendo levado bem alto o nome da Covilhã.
A indignação pela espoliação de que o clube foi alvo, por um indigno trio sem escrúpulos, empurrando-o para fora dos seus horizontes, não pode deixar de ser uma nódoa na história do futebol português.
Os leões serranos devem ser a colectividade portuguesa, com excepção dos três grandes, que têm maior número de obras sobre a sua história escrita (três livros), além de várias compilações. No próximo ano vai comemorar 50 anos da sua participação na final da Taça de Portugal – 2 de Junho de 1957. Os poucos elementos, ainda vivos, que participaram ao longo daquela época desportiva, até chegarem à final, pouco adiantam ao já referido nas publicações precedentes; contudo, uma quarta obra – “O Sporting da Covilhã na Final da Taça de Portugal – Cinquentenário” já está em preparação, numa interessante história em números: todos os resultados, todos os marcadores de todos os jogos da Taça de Portugal, de todos os tempos; e uma actualização da última obra até aos dias de hoje, numa previsão de 150 páginas. Esta é uma forma de dar corpo a uma homenagem à colectividade que sempre prestigiou a Covilhã.
E também, mais uma vez, de substitui as palavras por actos, no silêncio de quem gosta muito do clube mais representativo da sua Terra e da sua Região, lutando muitas vezes contra ventos e marés.
Quem quiser apresentar as suas sugestões, as suas críticas, pode agora fazê-lo através do blog de quem escreve estas linhas:
http://entre-as-brumas-da-memoria.blogspot.com

(In “Notícias da Covilhã”, de 18/5/2006)

29 de abril de 2006

ENTRE AS BRUMAS DA MEMÓRIA

Volvidos 32 anos de democracia, muito se fez em prol do desenvolvimento neste País. Neste período temporal, duma vivência sem receios de cada um poder expressar as suas opiniões, também muitos retrocessos e solavancos emergiram; mais de três décadas, após a revolução dos cravos, muitos deles murcharam, outros tentaram florir com outra cor, mas os cambiantes não agradaram a todos.
Fomos exemplo para vários países, então ansiosos de viverem como os portugueses. Mas o ditado antigo persistiu – muitos se deitaram à sombra da bananeira – e no âmago duma vaidade que transcendeu os limites da nossa capacidade de trabalho, deixámos que a banda passasse.
Mesmo sem ultrapassagens pela direita, onde uns tantos procuram remover as guerras civis nos seus próprios seios; também os caminhos da esquerda se encontram por vezes oleosos, não permitindo plena segurança nas ultrapassagens da auto-estrada da governabilidade.
Não quero com isto dizer que não estamos no bom caminho, e que as ultrapassagens não devem ser feitas pelo sentido devido, mas algumas manobras perigosas num governo de acção têm que ser objecto de intervenção tenaz da autoridade presidencial da República.
Maus exemplos na governabilidade, como alguns surgidos na actual competência “socrática”, deviam ser evitados para que não surjam noutras mentes a ideia do faz o que eu mando mas não olhes para o que eu faço.
Trinta e dois anos de democracia em Portugal, com governos totalitários de triste memória; e demais governos democráticos para todos os gostos, alguns anseios, e mesmo alguns devaneios, não chegaram para consolidar uma forte, quão tranquila economia!
No actual mundo de alguns terramotos financeiros, numa globalização em que, para muitos era um mito, mais uma vez deixámos que a tartaruga ganhasse a corrida à lebre, e os resultados aí estão: continuamos a circular nas estradas, devagar, devagarinho, e a permitir sermos ultrapassados: foi a Grécia, depois a Eslovénia, agora a República Checa; e porque ainda não estamos em tempo de ciclismo pelas estradas de Portugal, seria de mau gosto sermos o carro vassoura.
Mas quem tem razão é José Gil quando, na Visão de 16/03/2006, diz que “Se Portugal sofre ainda de uma doença antiga, é do pessimismo. Entranhado, faz de nós não um povo taciturno, mas demasiado sério, ensombrado, fechado por dentro. Somos lentos, culpados de tudo.”
Então, no desejo de continuarmos viajando mais sossegados, deixemos conduzir os actuais governantes, já que os seus predecessores fizeram manobras muito mais perigosas; sem contudo, face à cansativa sinuosidade, permitirmos que venham a cair no sono. O mesmo, em viagens, só se admite às crianças e bebés, incluindo os que venham a sair das maternidades.
E não a fazer espalhafatos como o definiu António Barreto, no Público de 2 de Abril. As maternidades são um direito onde os nossos filhos, os nossos netos, devem nascer; e não, como eu, que há seis décadas nasci em casa, com a então D. Lucinda a servir de parteira para toda a família!
Não desejamos que os futuros nascituros, quando virem a luz do dia e um dia se juntarem nas escolas, venham a comentar: eu nasci na A23; pois eu nasci no Túnel da Gardunha; e eu à Soalheira!!!
Já muito foi dito sobre o grande NÃO ao fecho de qualquer maternidade da Beira Interior, mormente a da Covilhã; com ou sem fraldas às varandas e janelas; com ou sem manifestações pejadas de forte revolta; pelo que, se for necessário para dissipar um dos pecados “socráticos”, o nosso Hino Nacional ainda está vivo, para podermos dizer: “contra os canhões, marchar, marchar!!!”.
Este nosso Portugal, construído na sustentabilidade de um País independente e livre, há vários séculos, já teve muitas fases de agitação, de bons e maus momentos, de boas e más recordações, de tristes e ledas madrugadas, e, como tal, também a nossa Covilhã, na existência de longos anos, teve os homens que se encontravam ao leme da embarcação covilhanense, em datas de significativa importância.
Nestes 32 anos da Revolução de Abril, pretendo recordar quem foram essas figuras covilhanenses, tanto em 1974 como noutras Revoluções precedentes.
Assim, a última sessão da Câmara Municipal da Covilhã, antes da Revolução do 25 de Abril de 1974, havia sido realizada no dia 23 de Abril, sob a presidência de Jorge Craveiro de Sousa. A seguinte só se realizou em 30 de Abril, ainda presidida por Jorge Craveiro de Sousa, e os vereadores Dr. Albertino Fiens, Alfredo Sá Pessoa, António Rodrigues Pintassilgo, Dr. Fernando Panarra e Jaime Carvalhão de Sousa.
Após o 25 de Abril, a primeira reunião, com a nova Câmara, em Comissão Administrativa, só se realizou em 21 de Maio de 1974, sob a presidência de Luís Filipe Mesquita Nunes, António Carlos Andrade, Augusto Lopes Teixeira, Capitão Carlos Paiva Carvalho, Jerónimo dos Santos, Drª. Maria Manuela Barata e Dr. Orlando Batista.
Aquando da implantação da Republica, em 5 de Outubro de 1910, presidiu, na qualidade de Vereador mais velho, José da Fonseca Teixeira que fora dos primeiros comandantes dos Bombeiros Voluntários da Covilhã, e o primeiro director da Escola Industrial Campos Melo.
Já na aclamação de D. Manuel II, como novo Rei de Portugal (e último), em 6 de Maio de 1908, presidia à Câmara da Covilhã o Dr. Luís Neves Alves Batista.


(In “Notícias da Covilhã”, de 29/04/2006; e no diário digital Kaminhos)

16 de abril de 2006

A AMNÉSIA DOS BOMBEIROS DA COVILHÃ

Por duas vezes o meu telemóvel tocou sobre o mesmo assunto. Não liguei, da primeira vez, mas decidi-me pela segunda. Vai daí, meto as pernas a caminho do Serra Shopping. À entrada, cumprimento alguns bombeiros, dou um olhar pelas peças em exposição e pelos documentos “que fizeram a história dos bombeiros”.
Três jornais da região, e um magazine digital, que também fazem parte obrigatória das minhas leituras, se referiam ao assunto. Daí também o despertar de interesse.
Os bombeiros portugueses, e, obviamente, os bombeiros covilhanenses, merecem ter as condições necessárias para o desenvolvimento da sua acção humanitária, independentemente da maior dose de voluntariado ou mercenarismo.
Daí todos os donativos serem bem vindos.
Mas, francamente, sobre uma pequena retrospectiva dos BVC, um pequeno expositor acumulava jornais, revistas, certificados e outros documentos de menor importância.
A verdadeira história dos Bombeiros Voluntários da Covilhã, inserida em livro de mais de mil páginas, de que se deveriam orgulhar as gentes que lideram a Direcção e Comando dos nossos Bombeiros, essa ficou a um qualquer canto da Sede, provavelmente empilhada, já que o interesse na sua divulgação é um acto de proibição.
Lamentável conduta de quem deveria dar o exemplo!
E, a propósito de donativos, porque não se interessaram em promover a venda dos livros, para os quais os bombeiros já despenderam o custo exclusivo do trabalho tipográfico? Não seria esta uma oportunidade para o fazerem, como igualmente quando participam nas feiras de exposições promovidas pela Câmara Municipal?
Não me digam que foi esquecimento porque, com tanta gente, nesse caso, há amnésia total. Pela minha parte conheço, desde a génese, os porquês.


(In “Notícias da Covilhã” e “O Interior”, de 30/03/2006; e Jornal do Fundão, de 06/04/2006)

23 de março de 2006

ESTÓRIAS DA HISTÓRIA

Há celebrações de efemérides, todos os anos, em Portugal, na Europa ou no Mundo. Memorizam figuras importantes de Portugal ou da própria Humanidade; eventos, no âmbito científico, do desenvolvimento ou, paradoxalmente, das adversidades no nosso Planeta, às quais o Homem é impotente; e mesmo daquelas em que o homem emprega a força das armas, sejam de que tipo forem, incluindo as do mal.
Para a história portuguesa fica o início de mais um novo Presidente da República – Cavaco Silva – como também o fim de outro – Jorge Sampaio.
Quer queiram quer não, estas duas figuras irão permanecer para sempre, nas páginas da história portuguesa, ainda que no amarelecimento do papel; adulterada ou não.
Para Jorge Sampaio, a sua presidência, à luz do país que encontrou e do país que deixou arrisca-se a ser sombria, com dois mandatos de paradoxos. Fez o inevitável contra o que gostaria de evitar (recordemos o anterior “pseudo” governo, de espectáculo circense); no entanto, com rectidão e sentido de Estado. A sua imagem futura indubitavelmente irá depender muito do que Cavaco fará, ou não fará.
No entanto, uma apreciação global é positiva, na opinião de Marcelo Rebelo de Sousa. Lamentamos ver, na comunicação social “da nossa praça”, certos senhores a opinar, num ódio frontal, de certo facciosismo, a década presidencial de Jorge Sampaio, como se fosse o pior de tudo e de todos.
Portugal atravessa a crise mais prolongada dos últimos 25 anos. Em vez de uma doença súbita, a actual crise tem sido de uma agonia prolongada. Sabemos, contudo, que ao contrário do que aconteceu em outras décadas, Portugal pertence hoje ao sistema monetário europeu e já não pode desvalorizar a sua moeda para estimular as exportações (recordam-se quando, na década de 60 e grande parte da de 70, do século XX, comprávamos uma peseta por menos de cinquenta centavos?..); também a concorrência internacional é maior, com os novos Estados-membros da União Europeia e das novas potências asiáticas, pese embora a Europa também atravessar um período prolongado de crescimento muito reduzido.
Pois bem, este ano também não ficou aquém dos precedentes; e celebram-se vários acontecimentos, entre os quais, os 100 anos do nascimento de Arlindo Vicente que foi candidato à Presidência da República, tendo desistido a favor de Humberto Delgado, em 1958; os 20 anos da adesão de Portugal à União Europeia; os 100 anos do nascimento do filósofo Agostinho da Silva, conhecido por “cidadão do mundo; os 300 anos do nascimento de Benjamim Franklim, um dos pais fundadores dos Estados Unidos; os 500 anos da Guarda Suíça, veteranos do mais antigo e colorido exército do mundo, que chegaram a Roma para proteger o Papa Júlio II e depois ficaram; entre outros eventos.
Contudo, eu preferi falar sobre outra efeméride – os 50 anos do XX Congresso do PC da União Soviética – data em que Nikita Krustchev denunciou Estaline para salvar o regime soviético, acusando-o de ter chegado ao poder à custa da eliminação física dos colaboradores próximos de Lenine. Há 50 anos o “discurso secreto” de Krustchev deixou sementes que germinaram com Gorbatchov.
Este evento é um pretexto para saltar para o ano 1961, altura em que se vivia a guerra-fria, com o presidente americano, John Kennedy, a manter os EU mergulhados no pântano vietnamita e no fracasso da Baía dos Porcos, em Cuba, na crise dos mísseis nucleares, vendo-se obrigado a adoptar uma política internacional mais beligerante para mostrar, tanto aos críticos internos como aos soviéticos, que tinha mão firme.
Era a altura das grandes vedetas internacionais: Marilyn Monroe, Elvis Presley, Brigite Bardot, Elizabeth Taylor, entre outras; e o mundo ainda não tinha atingido os 6,5 mil milhões de pessoas, cujos números foram atingidos em Fevereiro deste ano.
Em Portugal, vivia-se a ditadura e o mundo exigia, na ONU, a independência das colónias portuguesas. Nikita Krutchev, numa ida às Nações Unidas, para se fazer ouvir, proporcionou um espectáculo hilariante ao descalçar o sapato e bater com ele na mesa donde pretendia falar. Esta notícia correu mundo; e, em Portugal, cada vez mais pressionado para entregar as colónias, vê-se confrontado com Nehru a mandar invadir Goa. Surgem grandes manifestações patrióticas contra a invasão da Índia Portuguesa, por todo o lado. Também na Covilhã. Da Escola Industrial, o director Ernesto Melo e Castro dá ordens: “todos ao Pelourinho”. Eu também lá estou no meio da maralha. Bandeiras, cartazes improvisados, tudo serve para a manifestação e bradar que Goa é nossa – o que já não era.
Tinha surgido a publicidade ao “tody”, incluindo na televisão (de um só canal para esta região, a preto e branco), com uma bela moça, de vestido comprido, meio transparente, proporcionando as pernas ao léu, cantando: “todo o mundo toma tody, para se alimentar; tome tody, frio ou quente; tome tody para fortificar”. No Pelourinho, em plena multidão, surge um estudante empunhando um cartaz, improvisado, em cartão, com a caricatura de Nikita Krustchev, com o sapato na mão, que dizia: “dêem tody ao Krustchev”. Esse jovem, estudante do Liceu ou do Colégio Moderno, era João Rosa Lã; hoje é Embaixador de Portugal em Rabat, depois de exercer o mesmo cargo em Paris e, antes, em Madrid.
Nessa altura, e durante vários anos, durante a ditadura, rezava-se nas igrejas pela conversão da Rússia; e, com grande temor, falava-se que ainda não tinha sido revelado o 3.º Segredo de Fátima.


(In “Notícias da Covilhã”, de 23/03/2006; e diário digital Kaminhos)

16 de fevereiro de 2006

BOLIQUEIME

Corria o ano de 1968, não me recordando se o homem de Santa Comba Dão já tinha caído da cadeira, pois sei que foi nesse ano, a 28 de Setembro, que Marcello Caetano substituiu Salazar, e iniciava as suas “conversas em família”.
Mas antes, no dia 15 de Janeiro, iniciámos uma viagem (por dever patriótico, para uns; por obrigatoriedade, para outros), a caminho de Tavira, para o serviço militar que era de obrigação, e passámos, pela primeira vez, por uma estação de caminho de ferro de nome Boliqueime, onde chegámos já de noite.
Tal nome nada nos dizia. Mesmo no campo da instrução militar – a Atalaia –; onde nós, instruendos do 1.º ciclo do curso de sargentos milicianos, ouvíamos falar das terras vizinhas: Conceição de Tavira, Luz de Tavira, Boliqueime, donde eram alguns vendedores ambulantes que acompanhavam os pelotões nos períodos da instrução, para, nos intervalos, venderem as suas bebidas, sandes, amendoins, chocolates; Boliqueime surgia várias vezes nos nossos ouvidos.
O 1.º cabo miliciano Santa Rita, que era um dos nossos monitores, e jogava futebol no Farense; assim como a Ti Almerinda, que também acompanhava a malta com a sua cesta de bebidas; eram de Boliqueime.
Alguns, como eu, tentámos safar-nos da tropa, mas o meu chico espertismo não deu resultado, viajando, por conta da Fazenda Pública (que isto em tempo de guerra no Ultramar não era para brincar, e, nos dias de hoje, quem quiser ser mercenário que o seja), para a Região Militar de Évora, e para o Hospital Militar Principal, da Estrela, em Lisboa (aí encontrei a estagiar, como enfermeiro militar, o António João Poupinho, antigo colega da Campos Melo); e, vai daí, regresso, após várias semanas, a Tavira; e lá vem novamente Boliqueime de enfadar.
As deslocações à Covilhã, de comboio, para um fim-de-semana, eram impossíveis, face à distância. Salvou-se, uma vez, a viagem de automóvel, de Tavira à Covilhã, no mini do Agostinho Paiva, dos Penedos Altos, juntamente com o Luís Fiadeiro (nós, a repetir o 1.º ciclo do referido curso, por não nos termos livrado da tropa; e o Agostinho, terminando o 2.º ciclo como atirador de infantaria). Foi só o azar de dois furos no mini, o que nos atrasou a chegada a casa.
E a única vez que nos livrámos de Boliqueime...cuja “repercussão” , desconhecíamos, na futurologia.
Isto de futurologia até tem muito que se lhe diga. Tenho a certeza que se me candidatasse a Presidente da República ganhava as eleições, na 2.ª volta… Que raio, porque é que não hei-de poder dizer que tenho a certeza, se os outros candidatos também o disseram?!
À tangente, ou próximo do empate – como quiserem – o homem de Boliqueime ganhou; os ânimos serenaram.
Não irá haver milagres, como também não irá haver perturbações. O povo é sereno.
Mas voltamos a Boliqueime. O senhor professor “chumbou” no mesmo, e num só ano, do Curso Geral do Comércio, como eu também. Que coincidência...
O Senhor de Boliqueime coleccionou, no seu currículo político “primeiras vezes”. Foi o primeiro governante a conseguir uma maioria absoluta; foi o primeiro homem da direita portuguesa a ser eleito Presidente da República; conseguiu logo à primeira volta. Não conseguiu, contudo, transformar Manuel Alegre em Manuel Triste, mas antes num Manuel Conformado.
Mário Soares, primeiro, aclamado como na entrada triunfal de Cristo em Jerusalém; depois, a crucifixão. Mas, não sendo homem de rancores, no seu íntimo certamente estará desenhado o pensamento de “perdoo-vos, porque não soubestes o que fizestes”. O retrato que a história vai guardar de si não vai ser diminuído por esta aventura, que nem chegou a ser uma Alcácer Quibir.
Em tempo de balanço, e sem muro das lamentações, com ou sem OPAS hostis, e sem pensar sequer na lenta dissolução dos partidos, urge a coabitação entre vencedores e vencidos, evitando-se eufemismos hilariantes.
Portugal não pode continuar a ver a banda passar, seja em Boliqueime ou em Melgaço, na açoriana Rabo de Peixe ou em Alcafozes; no interior ou no litoral.
A colaboração prometida entre presidência da República e governo deseja-se, na perspectiva de se rectificar o que está menos bom, e conseguirmos apanhar não o comboio para Tavira do meu tempo, passando por Boliqueime, frio ou demasiado quente, mas antes a carruagem da frente com ar condicionado.


(In “ Notícias da Covilhã”, de 16/02/2006; e diário digital Kaminhos)