28 de setembro de 2006

A PARTIDA

Neste último fim-de-semana deu-me para consultar, à toa, centenas de páginas separadas de muitos jornais que, devidamente seleccionadas, arrumo para um canto. As compilações já efectuadas, tematicamente, começam a reduzir o espaço do escritório, já que na biblioteca particular os livros se começam a zangar uns com outros, de tão apertados.
E, porque a idade e o espaço são mais fortes que o imenso gosto pela cultura, comecei por doar algumas compilações, encadernadas, a uma instituição.
O mesmo poderei fazer com muitas ainda em meu poder, mas antes, porém, desejaria primeiro fazer uma exposição para a cidade, em cujo concelho me orgulho de ter nascido.
Há muito que pretendo também reunir todos meus textos, comentários, crónicas, críticas, referências, e colaboração diversa, dispersa por cerca de duas dezenas de jornais e revistas deste País, e mesmo além fronteiras.
Vamos à questão. Da revista Notícias Magazine, separata do DN, de 20/07/2003, li dois textos sob os títulos “Por que nos falha a memória” e “Histórias de esquecimentos”, extraindo, duma das páginas, a leitura de que “o cérebro é capaz de armazenar o equivalente a trinta mil milhões de livros. O desafio é conseguir trazer à “tona” essa informação sempre que necessário”.
Vem isto a propósito recordar algumas pessoas que, covilhanenses por nascimento, ou pelo coração, por aqui se radicaram, ou exerceram funções, deixando rastos da sua acção em prol da comunidade.
Como o tema é vasto, seleccionei, considerando oportuno, o campo da religiosidade, tendo em conta a paroquialidade covilhanense.
Vou referir-me apenas a alguns sacerdotes que conheci nesta cidade, saindo da mesma; uns em vida, outros por força da lei da morte; deixando rastos de profunda saudade.
A acção desenvolvida por muitos destes homens, na espiritualidade, apoio às famílias, e ao povo que lhes foi confiado, na acção religiosa do seu múnus, foi de enorme mérito, nem sempre observada ou só tardiamente reconhecida. Mas a excessiva modéstia e simplicidade de alguns desses Homens, sobejamente conhecidos, são obstáculo a tal reconhecimento.
E como dos fracos não reza a história, também algumas conhecidas fragilidades de uns que partiram em vida, mais não ficou que o desmemoriar do seu passado.
Nos tempos dos hossanas ao antigo regime tivemos a presença de um quarteto de sacerdotes que à cidade muito deram, mas alguns deles arriscaram-se a uma perigosidade com a permissão aos movimentos operários católicos de trabalharem sem receios – o aproveitamento, por exemplo, do 1.º de Maio, em que não era feriado, para, com pretexto e com base na festa de S. José Operário, se poderem reunir e por momentos confraternizar, através dum lanche.
Mas, que me recorde, era na paróquia de S. Pedro, ao tempo do padre José Domingues Carreto, que se faziam essas confraternizações. Mais tarde, e durante muitos anos, estaria o padre Fernando Brito nessa missão, com forte empenhamento.
Das quatro paróquias daquela época, salientaram-se, pelos muitos anos à frente e acções desenvolvidas nas mesmas, o cónego José Andrade (Conceição), cónego Morgadinho (S. Martinho), padre José Batista Fernandes (Santa Maria) e padre Carreto (Pedro). Nos Penedos Altos, o padre Pita era o homem forte.
Além das paróquias, a sua acção também se desenvolveu na cidade, quer como docentes no ensino secundário, quer como assistentes de várias organizações, assim como na comunicação social, como o cónego José Andrade, director do NC; além de estarem na primeira linha de algumas obras da cidade.
De partida, deixou a Covilhã o cónego Dr. António Mendes Fernandes, onde, durante muitos anos foi director do Notícias da Covilhã e voz viva neste órgão da comunicação social.
De partida, mas para o além eterno, foi o padre Sanches, grande obreiro e assistente de instituições da cidade e região.
Em vida, ainda jovem, mas onde já deixara marcas de muita simpatia e excelente trabalho apostólico, saiu o Padre Victor, das Comunidades dos Penedos Altos e Vila do Carvalho.
Mas, ainda em retrospectiva, é então que por força da doença que afastou da Covilhã o padre Carreto, são os padres jesuítas, há muitos anos a desenvolver acção apostólica na cidade, que são encarregados da paróquia de S. Pedro. Dentre alguns sacerdotes, destacou-se, não só como pároco, de saudosa memória, o padre José Lacerda, que, ainda em vida, foi substituído pelo padre José Pires.
É exactamente este último Homem, que há vinte anos se encontra na Covilhã, simples quanto incansável, à frente da paróquia de S. Pedro; e assistente de várias organizações religiosas; o último a partir. O seu destino é para uma missão espinhosa, numa zona lisboeta de grandes perigos. Por isso, mais lhe devemos grande respeito e o sentir dos covilhanenses que terão o padre Pires sempre presente.
Espero estar na sua despedida em 5 de Outubro, na qual, certamente, terá a manifestação de carinho, por muitas gentes, e a simpatia pelo Homem que a paróquia de S. Pedro e a Covilhã muito lhe devem.
Esperemos que a edilidade covilhanense, que tão bem sabe reconhecer alguns, dignifique este acto com a sua presença nesta homenagem.

(In "Noticias da Covilhã", de 28/09/2006)

7 de setembro de 2006

A GERAÇÃO DOS 60

Umas breves férias. Poucas notícias do nosso País. Algumas só pela via do telemóvel. Deste planeta Terra (do sistema solar baniram o Plutão), o recurso, quando possível, ao El País.
Do centro da Europa, um telefonema para Castelo Branco. A “minha” equipa de ciclismo ganhava a Volta, e os 2.º e 3.º lugares individuais. No futebol, o meu Covilhã está uma máquina. Mas no reino da bola, a confusão é total. O Gil Vicente vai recorrer “até ao fim do mundo”, e, nestes meandros; entre o choro, da considerada razão, e o oportunismo, de permeio com alguma displicência, pelos responsáveis pelas instituições de coordenação; o País desportivo agita-se, com tal palhaçada.
Mas, vai daí, o Farense vai começar de “novo” com a sua participação na II Divisão Distrital. Quem diria! Também já existiu o Carcavelinhos, que deu cartas, como outros. E isto de recordar, viva o Palmeiro Antunes, velha glória do Benfica, que na Covilhã ainda se recordou de ter jogado pelo nosso Sporting. Lembro-me do golo marcado, por baixo das pernas, ao José Maria, da Cuf, para a Taça de Portugal, em 26/11/1961, concluído por Couceiro; e a ser cumprimentado pelo próprio guarda-redes.
Falou-se sobre a “Geração de 60”(mais concretamente dos que completaram 60 anos), à qual me orgulho de pertencer. Mas, o Independente, já não vai comunicar mais connosco, na venda falhada por um euro.
As gerações de ouro de hoje, do ponto de vista em que já surgiram banhadas de novas tecnologias, cuja revolução digital começou há 25 anos, não se aperceberam das transformações radicais que a geração dos 60 sofreu. Mas agora o sorridente Bill Gates divide-se entre a maior fortuna do mundo e a filantropia.
Do tempo dos candeeiros e fogões a petróleo; da vassoura em vez do aspirador; do sabão amarelo para os soalhos e escadas de madeira, ao sabão macaco, antes dos novos detergentes; dos tanques de cimento para lavar a roupa, com sabão rosa, antes das máquinas de lavar; da merda transportada das estrumeiras para os campos de cultivo, em substituição dos esgotos; das contas de cabeça, com conhecimento da tabuada, na falta de calculadoras; das ardósias e canetas de aparo e tinta rascas, em vez de cadernos e esferográficas para todos os feitios e gostos; da grafonola e da telefonia, na falta das mais avançadas aparelhagens sonoras; das bilhas de barro para refrescar a água, às braseiras de carvão e moínha, para o aquecimento; do ferro aquecido para passar uma camisa ou umas calças para a festa ou para o domingo, em vez do ferro de engomar; da inexistência de televisão à pouca apetência, tal o analfabetismo, e pouco dinheiro, para adquirir um jornal; para os dias de hoje, é deveras contrastante com os meios agora postos à disposição, dispensáveis de referir, qual recordação de uma melancolia para a hilaridade!
Mas, falar-se contra o Senhor Professor Doutor Oliveira Salazar, Presidente do Conselho, era uma porra, e, por isso, de vez em quando, o Zé ia de trela, levava na tromba, e ia para a grelha, acusado pelo 35 ou pelo 23, e outros de falinhas mansas...
Nas missas, em latim, com o padre de costas voltadas para os fiéis, nada de misturas: mulheres atrás, de véu na cabeça, pagavam as favas já que a Eva deu a maçã a comer ao pobre Adão, coitado; e, os homens à frente. Mangas curtas não, e, cavadas, era quase um sacrilégio. Rezar também pela conversão da Rússia, enquanto o conluio Salazar/Cardeal Cerejeira mantinha o povo “contente”com o Fado, Futebol e Fátima.
As cartas eram terminadas com a sacrossanta expressão: “De V. Ex.ª, atento, venerador e obrigado; e, os ofícios tinham que terminar: “A Bem da Nação”.
Ao funcionário público, sem saber bem o que era o comunismo (ainda hoje não se percebe; veja-se a China, aberta ao capitalismo com o emprego de menores, na escravidão da mão-de-obra barata), a obrigação de assinar um documento: “Declaro cumprir a Constituição da República de 1933, com repúdio do comunismo e de todas as suas ideias subversivas...”. Ah! Ah! Ah!
Até ao futebol se ia de casaco e gravata; e os padres de batina. Mais frequentadores, o Padre Nabais e o Padre Morgadinho. O primeiro ria-se; o segundo, por vezes, saía com a capa preta sob a batina, a esvoaçar pelas costas, de tanta pressa: “É uma vergonha!” – referiu um dia. Pois era, o Sporting da Covilhã perdia...por poucos...mas na Primeira Divisão!
Foi nesta geração que a juventude ameaçou o regime de Salazar, e veio dar-lhe uma forte sacudidela.
Tudo mudou. O País, a Europa e o Mundo. A Rússia, de facto, “converteu-se”. O muro estalou e caiu. Toda a cavalgada saltou as muralhas. Houve uma grande abertura no campo dos costumes, da moral e da sexualidade, com uma presença alargada das mulheres na vida pública.
As efemérides surgem, por lá e por cá, este ano também acentuadas: de Mozart ao último concerto de há 40 anos, dos Beatles; do centenário do nascimento de Marcelo Caetano, ao cinquentenário da morte do Padre Américo, que ainda vi em vida, na inauguração das primeiras casas do Património dos Pobres, na Covilhã. Clinton fez também 60 anos e esta geração em 2010 começa a reformar-se.
Mas, com tanta mudança, os portugueses, infelizmente, ainda abusam do poder, confundindo poder com autoridade. E, a aplicação no ensino muito deixa a desejar: em 2005 houve 120 mil alunos do básico que não passaram ou desistiram.
É preciso muita força, vontade de vencer, ser realista, atento e ultrapassar o pessimismo português.

(In “Notícias da Covilhã”, de 7/09/2006)