20 de dezembro de 2007

O REPOLHO

Todos os dias recebo no meu escritório o jornal, entre sorrisos e simpatia. Aos sábados e domingos diligenciam a sua entrega no “Repolho”, onde também aqueles predicados são peculiares.
Recordo os tempos em que havia os cafés que se tornaram marcantes na cidade – o Café Montalto ou o Café Leitão, por cá; o Café Martinho em Lisboa, ou o Arcádia em Évora, como tantos outros por essas Terras fora.
O “Repolho”, como é conhecida a antiga Cervejaria Estrela, hoje Café-Restaurante Estrela, do Sr. António Afonso, é uma das casas de restauração mais antigas da cidade, actualmente dirigida pelo seu genro e filho.
Deste estabelecimento muitas gentes têm recordações. Recentemente uma senhora memorizou quando, em criança, ia pela mão do seu padrinho, o Sr. Francisco Gonçalves Silva (Francisquinho da Padaria), beber uma “laranjina C” ao Café Estrela.
Lembro-me do início desta casa. Resultou dum espaço onde se encontrava o Julinho das bicicletas. Transformada em casa de restauração, aqui se passou a comer o frango assado a carvão. Penso que foi a primeira casa na cidade a ter esta especialidade, isto pelos meados dos anos 60 do século passado.
Comer um franguinho assado no “Repolho”, com um tinto de Teobar, subindo por umas escadinhas de madeira para um pequeno piso superior, foi muitas vezes a forma de convívio de algumas gentes. Eram os tempos difíceis da ditadura, no auge da emigração e dos medos da guerra colonial.
Uma esplanada existiu nos verões, num passeio largo que dava para a Rua Visconde da Coriscada. Umas cervejinhas serviam para proporcionar algum bálsamo para o trabalho quotidiano, no desabafo pelas contrariedades, comentava-se a miséria da féria semanal dos operários, os resultados do nosso Sporting, a aquisição das viaturas de luxo de alguns industriais, os desgraçados que, em determinada noite, a Pide lhes bateu à porta.
A cultura, na cidade, como no País, não abria horizontes. Mas comprava-se “A Bola” ou o “Record”, ao Garrim ou ao Leal, e alguns lá iam com “O Século” ou o “Diário Popular”, dobrado debaixo do braço, ao cinema no Teatro-Cine (o Teatro do Pina).
Da Escola Industrial subíamos a Rua do Serrado, sem que antes comprássemos dois ou três cigarros avulsos na barbearia do Mário, e, com a malta de colegas, fazíamos ponto de paragem na Cervejaria Estrela – “O Repolho” e lá ia uma bica, em copo ou chávena, a um escudo e vinte centavos.
Nos bailaricos do S. João pelas ruas, travessas e becos, em abundância na zona, algumas vezes entre grupo de rapazes e raparigas, de S. João de Malta, se ia até à Fonte das Galinhas dissipar a sede e refrescar as ideias. Outras vezes, já tarde, na Cervejaria Estrela o Sr. António servia-nos, sempre disponível e sorridente.
A cidade e o País eram diferentes. A iliteracia era abundante. Os meios e estruturas sociais eram quase inexistentes.
“O que é isto de Imposto de Turismo?” – perguntava o José Viana num espectáculo de revista em que participou no Teatro-Cine – “É que me levaram 10% a mais na factura do almoço, com essa designação”.
E ainda estávamos a quilómetros de distância da integração na CEE, ou UE; longe de se pensar em se possuir uma casa própria ou um automóvel, distante de surgir a Universidade, de se romperem estradas e se construírem loteamentos, espaços culturais, uma nova biblioteca municipal, complexo desportivo, uma nova unidade hospitalar e faculdade de medicina.
Havia as colectividades do Inatel, com instalações deficientes, tendo já desaparecido o Estrela de São Pedro (mentor da Corrida de São Silvestre na Covilhã) e o Águias de Santa Maria. Os salões paroquiais e algumas colectividades de referência na Cidade, como o Campos Melo e GIR – Rodrigo, que emergiam com teatros e iniciativas de âmbito cultural, nomeadamente com a criação de boletins informativos, remavam contra a maré.
E a pobreza já grassava nessa altura, talvez com contornos menos expressivos que nos tempos de hoje, onde há outras vertentes dessa mesma pobreza.
E a Igreja de S. Tiago, ali perto do “Repolho” continuava e permanece a mais altaneira, a dar horas à Covilhã e a ser voz divina.
Muitos dos seus membros activos, na religiosidade, já não fazem parte do mundo dos vivos. E um deles, que deixou marcas pelo seu intenso trabalho na cidade, viria a despedir-se para sempre, ainda novo. No dia 26 de Dezembro vai fazer 15 anos – Padre Arnaldo Lacerda.
Termino as minhas crónicas de 2007 desejando a todos um Santo Natal e um Feliz Ano Novo.

(In Notícias da Covilhã e Kaminhos de 20/12/2007)

29 de novembro de 2007

POR QUE NÃO TE CALAS?

Ficou a frase enérgica do Rei D. Juan Carlos, de Espanha, dirigida ao enervante líder venezuelano Chávez. E já existe nos tons de telemóveis.
Ficará para a história política dos dois países, como, entre nós, “O estado a que isto chegou”, de Salgueiro Maia, “Para o poder não cair na rua”, de Marcelo Caetano, “Vá à bruxa!”, de Adelino da Palma Carlos, “Força, força, companheiro Vasco”, de Carlos Alberto Moniz, “Montar o cavalo do poder”, de Otelo, “olhe que não, doutor, olhe que não...” de Álvaro Cunhal para Mário Soares, ou o “O povo é sereno. É só fumaça!”, do almirante Pinheiro de Azevedo, “A Assembleia é um ninho de lacraus”, do deputado maoísta Américo Duarte, “...e cinco deputadas espanholas. Olé!”, de Vasco da Gama Fernandes, “Sinto-me como um passarinho a quem abriram a gaiola”, de Mário Soares, “Ficou capado o Morgado”, de Natália Correia, “Só fui fazer a rodagem”, de Cavaco Silva, entre outras.
À boleia da frase em título, também não me vou calar, porque:
- A cidade covilhanense continua defecada com tantos cães, sem rei nem roque, com os proprietários a deixarem imundos os passeios, e com a edilidade a não querer mostrar autoridade neste capítulo, impondo uma legislação, como já se viu noutras cidades do País. A este propósito, registo uma notícia em evidência, neste mesmo jornal, de 07/04/1929: “Os Cães – O Sr. Administrador do concelho acaba de tomar a acertada medida de não permitir que vagueiem aí pela cidade a qualquer hora do dia e à noite uma chusma de cães que, além de darem cabo dos jardins, dão a quem nos visita a impressão de que se não está numa cidade civilizada, mas sim numa aldeia sertaneja. Quem se dá ao luxo de ter cães que os retenha e não faça da cidade canil”.
- As praxes académicas aos caloiros foram uma autêntica pouca-vergonha, obrigando muitos jovens, mormente raparigas, a ser forçados a palavrões, em uníssono, numa atitude patética dos que já saíram da casca do ovo. Amanhã são “doutores” que muito ficarão a dever à sua educação. Obrigar as jovens a utilizar coleiras com palavras obscenas é pretender manchar a sua dignidade. Não haverá outras formas de “praxar”? A população covilhanense tinha razão para reagir como o fizeram as gentes eborenses.
- Apesar da crise, “reveillons” a 1260 euros o casal, com hotéis quase cheios, é anunciado na comunicação social. Afinal, onde está a crise para muitos portugueses?
- 3000 Idosos no “tradicional almoço de Natal, do cartão Social Municipal, com os artistas Roberto Leal, Clemente, Maria Lisboa e Joana”. Quanto vai despender a autarquia, parecendo encontrar-se em tempo de “vacas gordas”, pode informar-nos?
Mas, vai-se andando, já que é raro ouvir alguém dizer com convicção: “Como estou? Estou óptimo! Como não havia de estar?”Somos mais dados a afirmações equívocas e lúgubres. Se alguma coisa correu bem, bem mesmo, em vez de dizer “Óptimo, maravilhoso!” surge um lacónico “Não correu mal”. Na saúde é o mesmo: “Como estou? Mais ou menos”, ou: “Uns dias bem e outros mal”, ou: “Vai-se andando”.
E, neste País de ricos e pobres, com a classe média já destruída, cito Vasco Pulido Valente: “Sócrates (com a voluntária ajuda de Cavaco) despolitizou Portugal. Vivemos numa sociedade apolítica, que obedece à autoridade, sofre calada e aceita com resignação o seu destino. Pouco a pouco, o essencial desapareceu de cena: a liberdade e a justiça, o Governo e o Estado. E voltaram, como sempre, o “imperativo nacional” e a competência técnica, que Sócrates naturalmente encarna”.
O que é certo e verdade é que nunca se reclamou tanto da falta de empregos, os despedimentos são uma constante e a insegurança social está a criar uma sociedade amedrontada com o futuro, e já se diz, a meia voz: salve-se quem puder!
Já não andamos de olhos vendados, pois encontramo-nos num mundo em que todas as janelas tendem a estar abertas, seja ao vermos televisão, ao olharmos para uma banca de jornais ou ao navegarmos na Internet. As condições materiais são melhores mas a vida social agravou-se em alguns aspectos.
E, para terminar, vem aí Kadhafi, com a sua tenda, e, porque não lhe vamos dizer, “Por que não te calas com a tenda?” Vamos tolerar a sua intolerância.

(In Notícias da Covilhã e Kaminhos de 29/11/2007)

25 de outubro de 2007

PORREIRO, PÁ!

Vários eventos têm sido objecto de comemorações durante 2007 que vão desde os 90 anos das Aparições de Fátima ao Cinquentenário de outros acontecimentos, como o registo das primeiras emissões da televisão em Portugal, da erupção vulcânica dos Capelinhos, na ilha açoriana do Faial, ao lançamento do primeiro satélite artificial Sputnik, e, até noutra via, o I Congresso Republicano, que juntou em Aveiro os oposicionistas ao Estado Novo, e num ambiente mais próximo dos covilhanenses – o cinquentenário da participação do SCC na Final da Taça de Portugal.
Não fôra a crise generalizada por que todos estamos passando, dizemos, quase todos, poderíamos expressar-nos num “porreiro, pá!”.
Recordamo-nos de ler no Diário de Notícias, há 50 anos, em grandes parangonas, os títulos e as fotos desse vulcão. Por estranho que pareça, no museu dos Capelinhos, as fotografias que lá se encontram são unicamente do jornal Açoriano Oriental. Também recordamos, há cinquenta anos, o primeiro satélite lançado no espaço e a cadela Laika, o primeiro ser vivo lançado no mesmo.
Com isto e o ouvir ainda o som da flauta do amolador, como há dias, esta arte em extinção para afiar tesouras, facas de cozinha ou consertando chapéus-de-chuva, e o que também faziam antigamente, reparar fundos de tachos e alguidares, não fôra a crise generalizada por que todos estamos passando, dizemos, quase todos, poderíamos expressar-nos num “porreiro, pá!”.
Nestes 50 anos, mormente nas duas últimas décadas, vimos desaparecer vultos da cultura portuguesa, como António José Saraiva, Natália Correia, Miguel Torga, Agostinho da Silva, Vergílio Ferreira, José Cardoso Pires, Eduardo Prado Coelho, e, no que à música portuguesa diz respeito, começámos o ano a falar de Zeca Afonso e acabamo-lo a falar de Adriano Correia de Oliveira, nas comemorações dos 20 e 25 anos das suas mortes, respectivamente. Reviver as suas obras, e não fôra a crise generalizada por que todos estamos passando, dizemos, quase todos, poderíamos assim expressar-nos, na ribalta das suas obras – “ porreiro, pá!”
Começou há pouco tempo o novo ano escolar, com a calculadora de regresso ao ensino básico, e se a tabuada ou as regras de divisão ou saber tirar a “prova dos nove” não ficassem para depois e não continuássemos a ser surpreendidos com os maus resultados registados em matemática, não obstante a crise generalizada por que todos estamos passando, dizemos, quase todos, poderíamos assim expressar-nos: “porreiro, pá!”.
Regressando às comemorações das Aparições de Fátima, há nove décadas, aí temos a recente inauguração da quarta maior igreja católica do mundo – a Igreja da Santíssima Trindade, com 12.300 m2, em Fátima, com capacidade para nove mil pessoas – que custou 80 milhões de euros! Não obstante a crise generalizada por que todos estamos passando, dizemos, quase todos, e na abundância de tanta massa para aquelas bandas, apraz-nos dizer: “porreiro, pá!”
Depois da quantidade de estádios de futebol construídos com parte do dinheirinho cá da malta, e após um período áureo de scolarização, com bandeiras portuguesas a flutuar por todo o lado, e para todos os gostos, desde soutiens a estendais em tudo o que era sítio, as bandeiras murcharam e parecem agora reviver um pouco com as últimas vitórias da selecção nacional lá para as bandas do Mar Cáspio, abrindo uma semana de elevação para a auto-estima pátria, pelo que, apesar da crise generalizada por que todos estamos passando, dizemos, quase todos, podemos sorrir num “porreiro, pá!”
A globalização está aí. O mundo encolheu e o tempo acelerou e hoje é cada vez mais plural. É um mundo onde o peso de novos actores como a Índia ou a China é inquestionável, e onde a Europa, que esteve historicamente na origem do paradigma global, se defronta com dificuldades indisfarçáveis.
Não obstante o mau agoiro na expressão de António Barreto, no “Público” de 14 de Outubro, em que a presidência portuguesa seria a agência funerária, o primeiro-ministro português o mestre-de-cerimónias e o cangalheiro, presidente da Comissão, também um português, viriam as suas profecias a ser ultrapassadas pela vitória da Cimeira dos 27, com o acordo global do Novo Tratado europeu acordado em Lisboa, pelo que José Sócrates, depois do “brilharete” no défice a colocar Portugal dentro das regras do PEC e com os portugueses em segundo lugar na integração de imigrantes na UE, pôde puxar dos galões e expressar-se, ainda que baixinho: “porreiro, pá!”

(In Notícias da Covilhã e Kaminhos de 25/10/2007)

27 de setembro de 2007

AS NOVAS DIVINDADES

Neste regresso de férias, com o Verão assim-assim, absurdo de chuva e frio, a meio gás, tal como o nosso País a continuar a ser o Calimero da Europa, deparamo-nos com uma abundância de acontecimentos.
Na necessidade de sairmos do ambiente de trabalho, para carregar baterias, e no gosto de viajar, foi fantástico conhecer a Terra Santa, em tranquilidade. Não são os filmes ou as fotografias, por mais que estejam dotadas de excelência na sua concepção que poderão substituir as visitas in loco.
Cada uma com o pormenor característico da história divina, chamou-nos à atenção, na Igreja do Encontro de Nossa Senhora com Santa Isabel, um quadro pintado da Virgem, o qual terá sido muito criticado, quando surgiu, devido ao facto da pintura ter as formas do corpo mais pronunciadas.
Excesso de zelo ou fanatismo religioso? Recordamo-nos que na Igreja de S. Tiago, da Covilhã, quando há cerca de 50 anos os jesuítas adquiriram as actuais imagens de Nossa Senhora e de S. José, que se encontram nos altares laterais, algumas pessoas também criticaram estas imagens por se apresentarem com decotes no vestuário, não condizentes com a religiosidade de então.
No mundo digital de hoje, em segundos se chega duma ponta à outra da Terra. O tempo veloz, no planeta louco de progresso, na modernidade, globalizado, não se compadece com quem não pôde, não soube ou não quis as vias on-line, e vai somando efemérides. Este ano, foram as comemorações dos noventa anos do fenómeno das aparições de Fátima, onde diariamente surgem as promessas, transacção entre o mundo dos crentes e a esfera do sagrado. Dos três pastorinhos, dois já foram beatificados; chegará a vez da prima Lúcia, que viveu enclausurada em Coimbra, por opção.
Há dez anos deram-se dois acontecimentos com duas personalidades que se chegaram a conhecer pessoalmente, nos seus espíritos filantrópicos, com Madre Teresa de Calcutá a dedicar-se de alma e coração aos moribundos e abandonados, reconhecida como santa ainda em vida. No entanto, veio a lume que durante 50 anos não sentiria a presença divina, o que deixou alguma perplexidade nos meios católicos, ficando o rebanho subitamente assustado.
Diana de Gales, a “Princesa do Povo” viria a desaparecer também há 10 anos e a sua vida de sonho frustrado, que a levou a dedicar-se à causa dos sofredores e marginalizados, num código de conduta que não conseguiu travar os “paparazzi”, dez anos depois da sua morte ainda tem um estatuto de estrela. Os media estão cheios de homenagens e retrospectivas e, um pouco por todo o mundo, o público parece consumir tudo isso avidamente. Há um culto de Diana. Será um novo tipo de santa? É evidente que havia uma perturbadora incongruência entre o empenho de Diana pelos pobres e doentes e o estilo de vida extravagante que levava.
Santo não será o saudoso Papa João Paulo II, duma grande simplicidade, que nem se preocupou com a cor dos seus sapatos?
Há uns tempos atrás alguns cépticos das realidades de outrora, pretendiam entronizar “Santo” António de Oliveira Salazar, ele que já nem aos peixinhos conseguia pregar; e hoje quase que se divinizava o casal britânico McCann em redor da sua filha Madeleine, esta inocente, sim, digna das nossas preocupações.
Mais recentemente uma outra “divindade”, Dalai Lama veio transmitir a paz, e sua santidade, como lhe chamam, diz que o Ocidente desvaloriza Direitos Humanos.
E, em termos de religiões, no mesmo dia, judeus entraram no Ano Novo judaico e muçulmanos iniciaram o Ramadão, com toneladas de tâmaras vindas dos países árabes para Portugal; e maçãs com mel, para os judeus.

(In Notícias da Covilhã e Kaminhos de 27/09/2007)

23 de agosto de 2007

A UTOPIA DE JOSÉ SARAMAGO

Enquanto o país se preparava para iniciar as férias a Joana veio, com grande alegria, aumentar o número dos netos.
Entretanto, preocupado com a baixa de natalidade, Sócrates anunciou medidas incentivadoras para quem tem mais filhos, e às grávidas. Certamente também com algum desassossego, ou talvez não, pelos vinte mil abortos por ano que vão custar ao Estado sete milhões de euros, numa gratuitidade e prioridade hospitalar, não obstante tantos doentes à espera, meses sem fim, de uma cirurgia urgente.
Enquanto persistiu a guerra interna nos bastidores do BCP, as autárquicas de Lisboa tiveram finalmente uma OPA amigável e concretizada, com Sócrates a fazer o pleno: ganhou as eleições e aliviou os lisboetas do risco de insolvência e libertou-se de uma sombra no partido e no Governo.
Precedendo a divulgação do 4.º Inquérito Nacional de Saúde, em que os resultados dão um quarto da população em sofrimento psicológico, a hipertensão a ser a doença mais prevalente, e com mais pessoas a beber álcool, chegava ao fim o Harry Potter, numa loucura de compras, e desapareciam, no mesmo dia, 30 de Julho, os dois maiores cineastas vivos – o sueco Ingmar Bergman e o italiano Michelangelo Antonioni.
E os preparativos para a festa do futebol animaram a malta, já com alguns jogos e golos de trivela, num contraste de milhões, nos negócios da bola, com os portugueses a serem os que menos dias trabalham para pagar os seus impostos, e que daqueles milhões uma pequena parte poderia suprir a fome daquelas crianças do Darfur, sem força para choros histéricos, com as moscas a poisarem no ranho brotado das suas narinas.
Neste fenómeno da globalização, a flexisegurança poderá ser uma solução se se tiver em conta que não se pode estar sempre à sombra do Estado e se seguir pela via duma palavra muito na moda – o empreendorismo.
Os jovens não podem estar só concentradíssimos no ecrã dos telemóveis, de T-shirts e brincos à Cristiano Ronaldo, na ânsia de um lugar para os festivais de Verão, ou no devorar das revistas de coração, e esquecerem-se de agarrar as oportunidades surgidas, que poderão passar pelo que atrás referimos, sem se ser escravo complacente da tecnologia.
Enquanto alguns governantes iam falando por este país fora, utilizando as mãos para enfatizar as frases, sem interromper o fluxo da conversa, surgiu José Saramago, o iluminado escritor, desde logo rejeitando intitular-se profeta, mas profetizando a criação dum novo país – a Ibéria – por via da integração de Portugal na Espanha, passando a ser uma das suas províncias.
Já não nos chegara então a ideia balofa do escritor covilhanense António Alçada Batista, recuando uns anos, a sugerir a substituição do Hino Nacional, que já não teria, então, sentido na sua actual letra!
José Saramago, o escritor que se borrifa para a ortografia e opta por “auto-estradas” de parágrafos – e é Prémio Nobel da Literatura – , o romancista, poeta, dramaturgo, autodidacta, ribatejano, ateu, comunista e iberista , nesta sua utopia ibérica mostra o seu desconforto, embora não o confesse, com a sua condição de português, esquecendo os quase 900 anos de história.
O El País deu acolhimento vasto ao iberismo de Saramago – tanto na vertente filosófica como na matrimonial. Mas este Nobel “é dos portugueses mais escutados fora de portas e fora de portas as pessoas dirão: “Portugal deve ser tão mau que até o único Nobel que eles têm quer que o país acabe”. O discurso de Saramago não é crítico, é o contrário de uma crítica e, de algum modo, uma rendição e um abandono. É um gesto típico do pior Portugal que o escritor diz detestar”, conforme se refere no DN de 26 de Julho.
Mas o jornal espanhol El País diz mesmo que a ideia de uma união política entre Portugal e Espanha, defendida pelo escritor José Saramago nas páginas do DN, é vista pela generalidade das fontes ouvidas pelo Jornal como uma utopia não desejada, e continuava: “Os portugueses já não odeiam nem olham os espanhóis com o rancor e os preconceitos de outros tempos (...) e, ainda que a sua economia dependa em grande medida do comércio com Espanha e adorem ir à Zara ou Corte Inglês, antes mortos que renunciar à pátria ou à bandeira para se converterem numa comunidade autónoma e fundirem-se num país de 55 milhões de habitantes chamado Ibéria”.
Fazendo uma leitura, numa pesquisa feita ao DN de 3 de Novembro de 1998, altura em que foi atribuído o Prémio Nobel a Saramago, o Bispo de Bragança referia-se assim: “Comparem-no com Eça ou com Camilo! E, então, ficam a saber que ele teve o Nobel não por escrever bem. A Academia Sueca não pode analisar estas coisas. Assim, como não domina a nossa língua, analisou o pensador e não a qualidade da obra: vejam como ele faz a pontuação. O telúrico Miguel Torga, esse sim, merecia o Nobel, porque já tem a obra concluída e sabe onde colocar as vírgulas”.
E, nesta “grande cidade de muitas e desvairadas gentes”, como se referiu Fernão Lopes, no século XV, termino esta crónica sugerindo a José Saramago que descanse um pouco com a sua Pilar del Rio, em Lanzarote, nas “suas” Canárias, e aproveite para passear o cão.

(In Notícias da Covilhã e Kaminhos de 23/08/2007)

5 de julho de 2007

O MANETA

Após uma adicional carga de trabalho em que me envolvi – porque quis – volto às crónicas.
Acabo de ler alguns comentários ao livro “Revolucionários!” lançado pelo movimento Compromisso Portugal, que inclui ensaios inéditos sobre o liberalismo político e económico em Portugal.
Na recordação das invasões francesas, Vasco Pulido Valente refere que “a mudança veio de fora. A invasão de Junot (a mais durável), a invasão de Soult (a de menos consequência), a invasão de Massena (a mais destrutiva) e até a tardia invasão de Marmont desfizeram o antigo regime”.
Foi o invasor que separou o Portugal velho do novo Portugal. Depois dele, as coisas não podiam tornar a ser o que tinham sido.
Falando de invasões, fala-se de guerras. Dezoito exércitos ocuparam, atravessaram e combateram em Portugal, vivendo, na generalidade, do terreno, para alimentar a tropa, os cavalos e as centenas de animais de tracção, de que dependiam os transportes.
Já na antiga 4.ª classe eu aprendi, há mais de meio século, da qual ainda guardo os livros desse tempo, que atrás dos invasores franceses nada ficava porque nada deixavam. Por isso, as campanhas começavam preferencialmente no Verão, a seguir às colheitas. Milhares de pessoas morriam de fome, tendo o país ficado arruinado e exausto. As pilhagens abundavam, chegando-se ao ponto de um camponês que escondesse um ovo, uma galinha ou um saco de milho, correr o grande risco de ser executado.
Rapidamente a tortura entrou nos costumes. Para sobreviver, a população começou a esconder géneros e gado, pelo que surgiu a intenção, dos invasores, de liquidar esta resistência.
“Mas quando o país se levantou contra o invasor, a violência tomou um carácter diferente. Um general de Junot, numa longa incursão pela Beira Litoral, pela Beira Alta e pelo Alentejo, inaugurou o contra-terrorismo. Esse general, Loison, o Maneta, porque não tinha um braço, acabou por inspirar a expressão “ir para o Maneta”, que permanece na língua”. Loison incendiou todas as aldeias por onde passava, saqueou Évora a matou toda a população dum pequeno lugar daquela região.
Mas Napoleão, embora perdendo, revolucionou o país, como revolucionara a Europa. A invasão e a guerra “provocaram” o “liberalismo” em Portugal.
Sempre fomos um país de dificuldades, de cobiças, e com a população sacrificada, e muitas vezes a mesma “foi para o Maneta”.
Depois duma grande esperança, com a Revolução dos Cravos há 33 anos, voltamos a impregnar-nos da sina do Maneta.
Até as nossas “esperanças”, em futebol, e o hóquei em patins – Santo Deus! – entraram numa crise e foram para o Maneta.
Não obstante muitos exemplos, a memória curta de muitos indígenas deste rincão à beira-mar plantado não deixa de nos preocupar, face a um egoísmo latente, na não colaboração no bem da comunidade onde se encontram inseridos.
E só quando há trovoada se lembram de Santa Bárbara!
Se muita coisa tivesse sido feita com reflexão, sem olharmos só para o nosso umbigo, neste país, de que muito continuamos a gostar, suportaríamos melhor as crises mundiais, e envolvíamo-nos com menos sobressaltados neste mundo globalizado.
Assim, cada um a puxar para seu lado, continuamos a ver a banda passar, e, na cauda da mesma vamos seguindo atrás dos nossos parceiros europeus. E, assim, continuamos a ir para o Maneta.

(In Notícias da Covilhã e Kaminhos de 05/07/2007)

24 de abril de 2007

DOS ENCONTROS DE AMIZADE AOS PAGODES

1 – A EFEMÉRIDE. Todos os anos há uma ou mais datas a assinalar, e, neste ano da graça de dois mil e sete, em que aos costumes já se vai dizendo nada, também é um ano de memórias.
Quase todos gostamos de comemorar, reunindo o grupo, numa envolvente de amizades, as festas de aniversário, os velhos tempos decorridos, décadas atrás, na vivência do tempo escolar, do ensino, da vida militar.
Acabo de participar num convívio de antigos colegas da mesma empresa. Foi adquirida por outra multinacional, há quatro anos. Na maioria, colegas já retirados do serviço, ladeando com outros ainda no activo, ou já noutras situações do mesmo âmbito profissional, ou, ainda, integrados noutras empresas congéneres. Ficou, no entanto, nos mentores do encontro, a vontade nostálgica de reunir todos quantos viveram juntos longos períodos da vida profissional. Se, ocasiões, houve tristes, muitas mais foram de ledas passagens numa vida de trabalho. Coruche foi a terra seleccionada para a excelência dum convívio à maneira do Manuel Jorge, de Leiria, onde, antigos directores, quadros e demais colegas da mesma empresa, a palavra amizade encontrou sintonia perfeita, que o diga o covilhanense Paulo Roseta, e Sousa Soares, antigo bastonário e actual Presidente da Assembleia-Geral da Ordem dos Engenheiros, com laços na família do Conde da Covilhã e amigo da nossa UBI.
Se exceptuarmos os vinte anos do falecimento de um dos génios da música portuguesa – Zeca Afonso – este é o ano dos cinquentenários, tanto a nível europeu, nacional, e mesmo regional.
Cinquenta anos, celebrou a União Europeia com a assinatura do Tratado do Roma que marcou o início da Comunidade Europeia, em 1957.
Neste mesmo ano, Isabel II de Inglaterra visitou oficialmente Portugal, com o General Craveiro Lopes como Presidente da República, numa exaltação para os portugueses.
A RTP, há meio século, iniciou as emissões a preto e branco, num único canal, servindo regimes e governos.
E, enquanto nos vamos aproximando do ocaso, mais um cinquentenário – os 50 anos da participação do Sporting Clube da Covilhã na Final da Taça de Portugal.
2 – PAGODE 1. Os portugueses têm artimanhas surrealistas. Veja-se o caso do homem que combinou com outro de Mangualde, assaltar um banco, na América, pela via de um telemóvel, sentando-se, quieto, à espera que o assalto se concretizasse suavemente, numa ingenuidade que mais amedrontou o assaltante que o assaltado.
PAGODE 2. O “covilhanense” José Sócrates, numa embrulhada curricular: ou é “engenheiro” ou licenciado em engenharia; e o descrédito emerge nas universidades privadas em torno da autenticidade do seu ensino. Não chegava já Armando Vara, licenciado na antevéspera da sua nomeação para a CGD!
PAGODE 3. A admissão de grande quantidade de assessores do actual governo, ultrapassando os anteriores é notória. “São às dezenas. Às centenas. Aos bandos. Assessores, conselheiros, consultores, especialistas, tarefeiros e avençados. São novos, têm licenciaturas, mestrados e MBA, talvez até doutoramentos. Sabem tudo de imagem e apresentação”, António Barreto, in “Público”, de 8-4-2007. Palavras para quê?
PAGODE 4. Na radiografia de várias promessas ainda por cumprir, “a economia vai devagar, o desemprego acelera, os impostos subiram, há mais funcionários, o impasse existe na justiça”, etc.., in DN de 11 de Março.
PAGODE 5. (Rei dos pagodes). Chega-nos ao conhecimento, não só agora, mas já há uns tempos atrás, as centenas de reformas de ouro, dos vários ministérios, dos vários ministros, dos vários vereadores, dos luxuosos subsídios de reintegração, com menos de 60 anos, e até com a idade dum cinquentenário. Muitos são sobejamente conhecidos e até defendem acerrimamente a igualdade de oportunidades para todos.
PAGODES CITADINOS. Os jovens estudantes da Campos Melo da Covilhã são expulsos de Espanha, com bebedeiras, envolvendo-se em brincadeiras malévolas, danificando espaços, em actos de vandalismo, desconhecedores de que a liberdade tem regras. Também fui finalista, e fiz digressão por Espanha, na década de 60, mas havia o respeitinho incutido pelo director desta mesma Escola, Ernesto Melo e Castro, e de outros professores, como Fernanda Bandeira e Rodolfo Passaporte. São só achas para a fogueira de uma educação que deve emergir principalmente nas ausências dos familiares.
O PAGODE persiste no nosso Sporting da Covilhã, fazendo uma figura paupérrima neste campeonato, não conseguindo, contudo, defraudar os pergaminhos de que se revestiu a história do clube. Honrar a camisola não é um dever, mas tão só uma obrigação.
O PAGODE continua com os furtos a estabelecimentos desta cidade, com uma PSP por vezes inoperante, com os seus elementos distribuídos pelas suas secretarias e outros locais que não os dos “profissionais” dos furtos e roubos.
Ficamos por aqui, de tanto pagode.

(In Notícias da Covilhã de 24/04/2007)

14 de março de 2007

OS GRANDES COVILHANENSES

A RTP está a terminar o concurso “Os Grandes Portugueses”, baseado num programa que já surgiu noutros países, tendo já sido seleccionadas as 10 figuras para o concurso final.
Não tenho acompanhado a sua selecção, por desinteresse quanto à forma como se tratam figuras históricas, no respigo de algumas observações de ocasião e, antes, com figuras então muito discutíveis.
Na perplexidade das escolhas, como é natural, mas também com situações aberrantes numa mistura de futebolistas, ditadores de direita com ditadores de esquerda, e outros que nada têm de suficiente mérito quanto à sua qualidade de melhor português de sempre, os historiadores criticam agora o tratamento dado às figuras históricas.
Mas a dezena já foi reunida e todos os seleccionados já não pertencem ao mundo dos vivos.
Penso mesmo que, dos dez melhores até ao que vier a ser eleito como primeiro, muito haveria que dizer. Jamais se consegue encontrar verdadeiramente o melhor, o que merece cem por cento.
Se D. Afonso Henriques foi o homem da génese da nossa nacionalidade, mesmo a chatear-se com a mãe, já D. João II foi o homem da grande expansão marítima. Como encontrar aqui a diferença para uma escolha acertada?
De Fernando Pessoa ao imortal Luís de Camões, como do Infante D. Henrique ao descobridor Vasco da Gama, poderia haver dificuldades de selecção. O mesmo já não se compreende, nas curtas memórias, a inserção, no grupo dos 10, das figuras que representam as duas ditaduras antagónicas.
Mas, democraticamente, o povo decide, “o povo é sereno e isto é só fumaça”.
Daí que me volte agora para a nossa Covilhã. Com tanta gente a poder ocupar parte do seu tempo em algo de inovador, fora do comum dos mortais, em prol daquela que ainda encima o ex-libris de Manchester Lusitana, mas agora mais de laboriosa Cidade Universitária, bem podem fazer um trabalho de registo escrito sobre as figuras proeminentes que foram e são na vida covilhanense, em tantas vertentes do trabalho: operário, industrial, comercial, docente, associativo, cultural, religioso, do voluntariado, e por aí fora, gentes que podiam ser objecto de uma consulta às mentes concelhias, para serem reunidos no “livro covilhanense”, com critérios de rigorosidade plena, sob consulta popular.
Há trabalhos de pesquisa, que fazem parte das estantes, sobre algumas figuras e eventos covilhanenses, nomeadamente dois livros de José Mendes dos Santos, homem simples e humilde que a Covilhã muito lhe deve na divulgação cultural, proprietário que foi da saudosa Livraria Nacional, que chegou a ser a melhor da Beira Interior, até à saída daquele seu proprietário e sua esposa.
Tanta gente da nossa gente, difícil de enumerar, reunida num só trabalho, seria de reconhecido mérito. Memorizo apenas alguns: Pêro da Covilhã, Mateus Fernandes, Rui Faleiro, Fernão Penteado, Frei Heitor Pinto, D. Cristóvão de Castro, D. José Valério da Cruz, Gregório Nunes Giraldes, José Maria da Silva Campos Melo, “Morais do Convento”, Visconde da Coriscada, Francisco Maria Rodrigues Oliveira Grainha, José Ramalho, Dr. José Ranito Baltazar, Dr. Carlos Coelho, Cónego Manuel do Nascimento Anaquim, Dr. Júlio Anahory do Quental Calheiros – Conde da Covilhã, Tenente João José Amaro, Dr. Celestino David, Eduardo Malta, Prof. Dr. António Pereira Coelho, António Alçada Batista, Dr. Duarte Cordeiro de Almeida Simões, Dr. Manuel de Castro Martins, Arquitecto Manuel João Calais, Paulo de Oliveira, Dr. António Plácido da Costa, Dr. António Santos Viegas, Ernesto Cruz, Adolfo Rosa, João Carapito Donas, João Leitão, Artur de Almeida Campos, Mário da Costa Quintela, Prof. António Esteves Lopes, Alexandre Galvão Aibéo, Jerónimo José Monteiro, Prof. Dr. Arnaldo Saraiva, Eduardo Malta, Engº. Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro e seu pai, Engº. Ernesto de Campos Melo e Castro, Dr. João Malaca Casteleiro, Padre Joaquim Alves Brás, José Maria Campos Melo, Sebastião Santos Júlio, Artur de Moura Quintela, Dr. José Freire Antunes, e tantos outros, numa achega de memória, para quem se quiser atrever a esta aventura duma viagem pelo passado, sem esquecer o presente e visionando o futuro.

(In Notícias da Covilhã de 14/03/2007)

7 de fevereiro de 2007

O DIREITO DE OPINAR

Crescendo e moldando a adolescência nas dificuldades emergentes duma vida de sacrifício, era então o fruto de tempos duros duma paz e tranquilidade balofas que se viviam neste país, há mais de meio século, que nos obrigavam a tomar decisões para a passagem duma vivência de pouca esperança.
Ultrapassada a fase lúdica da bola de trapos, ou do arco de metal ou borracha, com um guiador em arame retorcido, do jogo das escondidas ou do salto ao pino, surgia na juventude uma imaginativa teia de ocupações do tempo que voava.
Na teimosia dessa teia, desenhada num espaço temporal de grandes restrições, rapidamente se conseguia um proveitoso tirocínio cultural, frequentando a velha biblioteca municipal.
Inconformando-nos com o conformismo, mas deixando quase sempre a banda passar, se permutavam as palavras pelos actos.
Com o advento do 25 de Abril, os censores às ordens do seu amo foram automaticamente suprimidos.
Surgiram novas gerações, que da festa dos cravos apenas ouviram falar. Não sabendo comparar a penúria de outros tempos, e não só do contraste entre as fraldas de tecido lavável e as descartáveis de hoje, pois sentiram o seu rabinho mais confortável, alguns dão agora hossanas a Salazar, afinal, esse “sacrossanto” homem cujo nome já deveria estar no Vaticano para o processo de canonização.
De defeitos e virtudes todos temos um pouco. Mas é cada vez mais difícil encaixar nestas categorias as características com que somos confrontados no dia-a-dia.
É também certo e verdade que não somos tão bons como pensamos nem tão maus como tememos.
Há por aí muito patriotismo acéfalo, num menear de cabeça com base nas suas conveniências. Sobre isto haveria muito que falar.
É uma honra e um risco escrever no jornal, e, como alguém afirmou, quase nada é óbvio.
Para um grande número de pessoas, a primeira angústia relativa a “escrever no jornal” fala de uma eventual falta de assunto, e onde encontrar a inspiração.
A segunda ansiedade relaciona-se à exposição pública de ideias, onde ainda é corrente o tirar vantagem de tudo e o ficar em cima do muro, não sendo fácil deixar de opinar sobre certos eventos, pessoas e assuntos.
Uma das tribulações está ligada ao risco do engano, da ignorância e do mero erro humano, para já não falar nas gafes ou mesmo nas gralhas jornalísticas, pois se algo surge no jornal deverá ter um mínimo de veracidade, exigindo mesmo reflexão e investigação.
O que se fala pode ser imediatamente levado pelo vento, mas o escrito tem mais facilidade de ser ampliado na memória. E não há nostalgia mais cruel do que encontrar um pedaço de jornal envelopando uma esquecida peça de estanho, que falava de eventos como de pessoas já falecidas, as quais já não exercem sobre o mundo o menor poder, a menor influência, o menor prestígio ou a menor importância. Aquilo que nos parecia fundamental e grandioso, agora transformado em papel de embrulho e não em pedaço de memória, levam-nos à conclusão que os jornais, como os humanos, desaparecem, deixam de ser importantes e, tendo um começo, têm também um fim. Entre outros, na nossa região existiu o Raio, que ainda hoje se memoriza; de âmbito nacional, havia o Século, Diário Popular, República, A Capital, Diário de Lisboa, O Jornal, A Voz, Novidades, Diário da Manhã, e muitas revistas entre as quais a Flama.
O Notícias da Covilhã continua na sua caminhada de informar, galgando os anos a caminho do centenário, o que muito nos apraz, conseguindo resistir a ventos e marés.
Pode haver perplexidade do colunista na hora do comentário, principalmente quando se assiste ao espectáculo de multidões crentes e fanáticas a chorarem com luto feito de raiva, numa idolatria inconcebível, certas figuras controversas. Como haveremos de comentar o horrendo espectáculo de ver uma criança a assistir ao desaparecimento dos pais num tsunami ou numa guerra? Ou as imagens de grande mérito que fazem cartazes, pela sua importância, objecto de publicidade às notícias da SIC?
Há quem se agarre às letras como o desespero daquele que necessita de calafetar as frinchas por onde as ideias se escapam. Mas também ouvimos dizer que os colunistas interessantes não são aqueles que têm grandes ideias, mas aqueles que sabem maquilhar com estilo as debilidades do pensamento.
Chegou à nossa estante o livro “A Nossa Antologia” – XIII Volume – 2006, da Associação Portuguesa de Poetas, liderada pela covilhanense Maria Ivone Manteigueiro Vairinho – em cuja obra a mesma reflecte a sua dose de influência e paixão pelas gentes covilhanenses, apesar de há muitos anos radicada em Lisboa.
No livro recorda o seu casamento, “num dia radioso de Outono, um dia tão bonito, com o Largo da Igreja de S. João de Malta cheio de gente, com o Senhor Padre Carreto a tentar impor ordem na avalanche de pessoas que entrou na igreja e se empoleirou nos bancos para ver os noivos”. Recordamos também este evento, como muitos covilhanenses que conheciam a dinâmica cultural, no âmbito das letras e do teatro, da simpática jovem de então que acabara o seu curso na Escola Industrial e Comercial Campos Melo.

(In "Noticias da Covilhã" de 07/02/2007 E "Kaminhos")