29 de maio de 2008

PROFUSÃO DE EVENTOS

Corria o final do ano 1964. Numa das páginas do NC um pequeno texto meu. Era trabalhador e estudante. Dava assim início à minha participação escrita na imprensa.
Disseminou-se depois por outros órgãos regionais. O que ia escrevinhando chegou também a um regional algarvio, de cuja publicação – O Olhanense – tive conhecimento do falecimento súbito do seu Director, neste mês de Maio. Foi um bom amigo. Depois de breves passagens por alguns diários, também o orgulho de ver referências a uma minha publicação num diário de Salamanca.
Mas é para o Notícias da Covilhã que o Word do meu computador tem os caracteres mais aderentes pelo entusiasmo da escrita. E já vai no 95.º ano da sua vivência. Em prol da cidade e da região. Na defesa dos seus interesses. Na denúncia de algumas ervas daninhas que por vezes emergem em prejuízo desta Terra e das suas gentes. Em favor dos valores da vida. Portanto, a Covilhã muito deve a este órgão da comunicação social, o mais antigo da região, com assaz energia para chegar ao centenário.
Eventos citadinos acontecem com alguma regularidade e várias efemérides, de âmbito nacional ou mundial, são celebradas todos os anos, umas com mais intensidade que outras.
A “Bênção das Pastas” na Covilhã é já um fenómeno de atracção obrigatória de muita gente, arrastada numa corrente familiar e de amigos, com ponto de convergência no Monumento de Nossa Senhora da Conceição. Já faz parte do cartaz académico, não só da UBI, como da cidade. Este ano, cerca de 10000 pessoas terão estado naquele local, e nas suas envolventes. Fez lembrar vários acontecimentos de outrora que, naquele mesmo sítio, foi também o ponto aglutinador de gentes, oriundas de várias redondezas, e provenientes mormente do povo humilde.
Actualmente as pessoas puderam instalar-se nos espaços verdes do recinto e nos degraus do mesmo, com cadeirinhas, ou mesmo no chão, aproveitando algumas sombras de árvores; e com os muros de acesso ao monumento repletos de gente. O sol sorria com muito calor durante as cerimónias.
Outrora, em verdadeiras romarias, as pessoas sentavam-se em mantas de ourelos e cobertores, pelo matagal que se estendia ao monumento, onde os pinheiros abundavam e as suas sombras eram um lenitivo para as longas caminhadas. Vinham de todos os cantos da cidade e arredores. E das freguesias rurais mais próximas. Outros, porém, vinham nas carreiras da Auto-Tranportes do José Nunes Correia. Traziam o farnel ou merendas nas alcofas e cabazes de verga, chegando bem cedo para tomar um lugar aprazível e de uma sombra. Ocupado o seu espaço, logo algumas mulheres, e não só, aproveitavam para descalçar os sapatos que faziam bolhas de água nos pés. Assim foram os acontecimentos do Grande Congresso Mariano da Diocese da Guarda, em 26 de Maio de 1954 (com cerca de 50.000 pessoas no encerramento, diziam as notícias da época); as Festas Comemorativas do Centenário de Lourdes, de 27 a 29 de Junho de 1958, com a participação do Núncio Apostólico, Cardeal D. Fernando Cento, italiano, (20.000 pessoas, diziam); e em 20 de Maio de 1961, a romagem ao monumento aquando da apoteótica recepção das Relíquias do Santo Condestável, com a entrega e colocação no monumento de uma réplica da espada de D. Nuno Álvares Pereira.
“Maio de 68” é uma data que fica eternizada para a história do mundo ocidental com a revolta dos estudantes franceses aos quais se vieram a juntar os operários. Foi uma autêntica machadada nos governantes franceses, com o Presidente De Gaulle e o Primeiro-Ministro Georges Pompidou a serem como que apanhados de surpresa. E da revolta, que ia engrossando a aderência de manifestantes, dos milhares para os milhões, numa paralisia global do país, surgiram as expressões de “É proibido proibir” e “É obrigatório ter prazer”. O Maio de 68 foi o repensar de todas as formas de poder e das relações de autoridade, o ponto de ruptura com as normas sociais, sexuais e políticas que até aí vigoravam.
Não dei conta deste acontecimento porquanto me encontrava na recruta, em Tavira, sem ouvir notícias, e o tempo era pouco, quer para escrever à namorada e à família (era assim na altura, pois não havia telemóveis e os telefonemas não tinham as facilidades e a celeridade dos dias de hoje), quer para me preparar para não chumbar no curso de sargentos milicianos, para onde me enviaram por obrigação. E tinha receio da guerra colonial.
“O 25 de Abril” começa a ser tratado por alguns como mais um feriado, assim o fazem os canais privados, e a RTP a mostrar pela enésima vez o filme de Maria de Medeiros “Capitães de Abril”. Há que não cair na indiferença total de um lado nem no lugar-comum gasto do “Grândola Vila Morena” ou “E Depois do Adeus” do outro. As celebrações têm que evoluir com o tempo e não ficarem agarradas ao mesmo de sempre. E Cavaco Silva a pedir o fim da venda de ilusões na política, preocupado com o alheamento dos jovens sobre a democracia, muitos deles sem saber o significado desta efeméride.
Outros eventos ficam para trás, por falta de espaço: os “100 Anos do Regicídio”, os “50 Anos da Campanha Eleitoral de Humberto Delgado” cuja viúva completou agora 100 anos, os “200 Anos da Fuga de D. João VI e da Família Real para o Brasil”, os “400 Anos do Nascimento do Padre António Vieira”, os “90 Anos da Batalha de La Lys”, os “60 Anos do Estado de Israel”, entre outros. Muito mais gostaríamos de aqui referir porque celebrar é também fazer acontecer, e, por vezes, é preciso a coragem de ter coragem.


(In Noticias da Covilhã e Kaminhos de 29/05/2008)