31 de julho de 2012

PORQUE…


No pouco tempo que ando a pé, lamentando tal comodismo, observo, refletindo sobre algo que vejo na minha cidade, umas coisas do meu agrado, outras de torcer o nariz…

Dou graças por ver dois dos meus antigos professores inseridos em placas toponímicas da minha Covilhã.

Manuel de Castro Martins foi um daqueles professores que me incutiu o gosto pela escrita, desde o Ciclo Preparatório, nos finais da década de cinquenta; já sua extremosa esposa, Edite Castro Martins, sem papas na língua, reconheceu que eu sabia mais francês que o Petit que brilhava nas orais…

Porque isto eram outros tempos, do rigor e de quem só passava de ano quem sabia, e se sabia…

Manuel João Calais, arquiteto, outro dos meus professores de outrora, também com direito a uma placa toponímica. É o reconhecimento da cidade a quem à mesma tanto deu do seu saber, da sua vida profissional, e dos estudos feitos sobre monumentos da região.

Duarte Simões, outro dos meus professores, ainda que efemeramente, teve jus a ser inserido em toponímia covilhanense, ele, o responsável pelo ensino superior na cidade.

Já outros nomes me deixam alguma reflexão do porquê de se encontrarem com direito a esta “veneração”. Eu que sou contra o excesso de bairrismo que leva à mentira declarada. Em muitos casos das minhas pesquisas deparei-me com falsidades no que haviam escrito, enfim, era o tempo em que as pessoas se podiam iludir.

Mas um dos meus porquês, é o facto de não reconhecer porque é que a edilidade, teimosa, não confere dignidade de inserção numa das placas toponímicas da cidade, a um Homem insigne e respeitador que deu pelo nome de Padre José Domingues Carreto, devendo o Largo Manuel Pais de Oliveira (quem foi esta figura?), ali mesmo junto ao local onde foi o seu múnus, ser substituído pelo nome do sacerdote que a cidade muito lhe deveu.

Transportando estas minhas observações do setor das ruas da cidade, agora para outros horizontes, vai uma reflexão para o dia em que, na celebração do chamado ferido municipal, se reconhecem, homenageando, determinadas figuras ou instituições citadinas.

Se algumas são, de facto, merecedoras indiscutíveis desse reconhecimento, outras deixam a população a assobiar para o lado quando têm conhecimento dessas decisões camarárias…

Porque até mesmo não fica bem á edilidade anunciar precocemente quem vai homenagear, como tem feito por várias vezes, retirando aos homenageados e à população, aquele pendor de surpresa.

E porque isto de surpresas, neste país desmazelado, já deixam de o ser, tal o hábito a que nos acomodaram nestes brandos costumes; e já que as notícias por antecipação são também como que uma tradição, sou tão só a sugerir o meu ponto de vista, na homenagem que urge seja feita a pessoas e instituições que, certamente nem gostarão de aqui se ver referenciadas, tal a sua humildade, mas cuja missão é credora desse reconhecimento, nomeadamente:

- As Conferências de S. Vicente de Paulo da Cidade, representadas pelo seu Conselho de Zona, que tanto têm trabalhado e solucionado inúmeros problemas a centenas de carenciados, muito deles da pobreza envergonhada;

- O digno arcipreste da cidade, Padre Fernando Brito dos Santos, duma humildade sem precedentes e que na doença não vê obstáculo para um trabalho fecundo em prol de toda a cidade, ele que já deveria ter tido o reconhecido do prelado com a sua nomeação de cónego. Se for necessário levanta-se um mar de jovens de outrora, adultos-jovens de hoje, e também a juventude atual para recordar tudo o que lhe devem, mesmo nos tempos em que o silenciamento era lei.

- José Manuel Amarelo Correia – um homem de envergadura no apoio aos que enveredaram pelo alcoolismo e outros males da sociedade de hoje, num entusiasmo sem precedentes, fundando instituições para o apoio aos mesmos.

Muito haveria que dizer, mas fico por aqui porque o espaço o não permite, deixando contudo ainda muitos porquês por contestar.

(In “O Olhanense” e “Notícias da Covilhã”, de 31.07.2012)

18 de julho de 2012

CONTENTAMENTO DESCONTENTE


Último dia do mês de junho do ano da graça de 2012 - o da "era continuada das crises". 

O autocarro foi a caminho do Estádio do Inatel, em Lisboa, para um encontro com centenas de colegas, suas famílias e amigos, no centenário da multinacional que a todos envolveu.

Alegria, amizade, dinâmica, solidariedade. No final, os motoristas dos autocarros de  Castelo Branco e da Guarda informam, depois de receberem reclamações pela sua ausência, que só podiam circular com as viaturas uma hora mais tarde, e, ao frio, com crianças, lá fomos vendo partir os colegas e sua comitiva para os outros ponto do País. Responsabilidades da "Cosmos", com o regresso, tardio, à uma hora e vinte da manhã.

Na ida, aproveito alguma leitura dos cadernos e revistas do Expresso, que o colega de viagem acabara de comprar na área de serviço de Abrantes. Para além dum texto de Pedro Mexia, delicio-me com a clarividência da escrita desenvolta de Clara Ferreira Alves. E, neste contentamento pelo orgulho e amor-próprio nacional face ao êxito dos homens da redondinha, no Europeu, sem descurar o "nosso" craque, salvador da pátria futebolística, uma “descontente” forma de sentir a glória de um rapaz, na comparação com a desgraça de milhares de seus compatriotas.

E a cronista diz: "Conheço uma rapariga que todos os dias faz quatro horas de transportes públicos para acumular dois salários mínimos. Conheço brilhantes médicos em hospitais públicos quando podiam ter escolhido brilhantes carreiras em hospitais privados. Conheço cientistas e militares com sentido de missão que ganham menos de dois mil euros por mês. Conheço estudantes pobres que não desistem das notas. Conheço estudantes ricos que não desistem de trabalhar como se fossem pobres. Conheço jovens atletas que treinam fora das horas de estudo e trabalho por uma medalha. Sei de jovens idealistas em balcões e call-centers, velhos dignos que comem uma vez por dia, imigrantes explorados que trabalham sete dias por semana para poderem ganhar mais. Sei de gente doente que todos os dias vai a luta e de gente sã que não desiste da gente doente. Sei de gente que sofre em silêncio e de gente que silencia o sofrimento dos outros aliviando-o".

E, ainda: " A proeza física do grande entretenimento que é o futebol ainda é mais admirada do que o Prémio Nobel da Medicina ou da Literatura".

Para terminar: "Vemos o nosso deus, o nosso herói, o nosso Hércules, o nosso Aquiles, o nosso Alexandre, enfiar bolas numa baliza e ensaiar uns passos de dança mitológica". "(...) O que ninguém quer saber é dos pequenos heróis do quotidiano quando ali, naquele instante de glória coletiva, o nosso Ronaldo marca um golinho, E assim, um rapaz de vinte anos, com umas pernas dotadas e um cabelo descampado, tornou-se o carregador oficial da bandeira e do amor-próprio de um país desesperado e humilhado. Faz sentido? Na verdade, o talento do rapaz é dele, mas foi apurado nas melhores equipas estrangeiras em países estrangeiros que lhe pagam o suficiente para ele poder estoirar Ferraris e top models, comprar filhos na América, comprar uns amigos que atiram pessoas ao Tejo quando estão chateados, fazer casas com o Souto Moura e, de um modo geral, ganhar o dinheirinho do BES e viver como um princepezinho".

Os gregos, com um papel importante na história e na cultura do mundo, esvasiaram-se do seu contentamento e, nalgumas mentes de hoje, talvez lhes tenham surgido o pensamento de uma "ressurreição". Se se pudessem levantar dos seus túmulos os filósofos Sócrates (nada de confusões...), Platão, Aristóteles, Ptolomeu, Diógenes, para poderem, duma forma eloquente, dizer à senhora Merkel que a  pujança da Alemanha é humilhante para o resto da Europa que está arruinada, cada vez mais em cada dia que passa, seria um grande lenitivo para as gentes gregas, e não só! Não queremos uma ditadura europeia.

No descontentamento dos cortes das pensões e dos salários na função pública, veio agora a satisfação pela decisão do Tribunal Constitucional, já que Cavaco Silva, como já nos habituou, não passa tão só duma cabecinha pensadora,  e, então, encolhe os ombros nas decisões que devria tomar em tempo oportuno.

No contentamento dos “novos oportunismos” de licenciaturas, mais um caso para ver como vai o Parlamento, o Governo, o País, cheio de doutores da mula ruça. Outrora, orgulhosamento líamos nos livros da instrução primária: Portugal é um país de escritores, de cientistas, de sábios e de santos. Hoje, é um Portugal de muitos chicos-espertos, de oportunistas, de mentirosos e de corrompidos. Vale a pena meditar!

( In jornal Olhanense, de 15.05.2012 e Notícias da Covilhã, de 18.07.2012)