23 de abril de 2014

RECORDANDO OS TEMPOS DO “ASILO”, NO FERVOR DAS MEMÓRIAS

Como fôra anunciado, realizou-se no sábado, 19 de abril, o almoço-convívio, seguido de visita às instalações da antiga escola primária – “O Asilo – Associação Protectora da Infância” – de antigos alunos, de várias gerações, daquele antigo estabelecimento de ensino, que foi uma referência na cidade dos lanifícios de então.
A alma e mentor da iniciativa foi o antigo aluno, José Alberto Almeida que, em conversa com o seu antigo colega de carteira, o hoje fadista Nuno da Câmara Pereira, decidiram memorizar os caminhos percorridos outrora no Asilo – a sua escola primária e a de muitos covilhanenses ou que aqui se radicaram temporariamente como foi o caso de Nuno da Câmara Pereira.
Complementarmente, o fadista lisboeta, sobejamente conhecido, cuja sua ação no âmbito da solidariedade
para com os mais desprotegidos é muito sensível, e atuante, ofereceu-se para apresentar um espetáculo no Teatro-Cine da Cidade da Covilhã, a título meramente gratuito, em favor da Associação de Deficientes da Covilhã, evento que veio a ser um grande êxito, com a casa repleta de gente.
Estes dois eventos foram distintos, competindo-me
tão só dar a conhecer o retumbante entusiasmo vivido neste grande convívio dos antigos alunos do “Asilo”, com Nuno da Câmara Pereira, espelhado nas memórias vividas de outrora, e na chegada dos “antigos” que éramos cada um de nós. Foi grande, de facto, pela alma de cada um dos presentes, apesar de como que alguma contradição pelo facto de terem participado pouco mais que duas dezenas de antigos alunos, face a sucessivas desistências de última hora. Mas como dos fracos não reza a história e valem mais poucos e bons, eis o que se veio a desfrutar deste encontro-convívio.
À chegada, no ponto de encontro, eram visíveis os rostos risonhos de cada um, ao encontrar antigos colegas da mesma escola, ainda que de gerações diferentes. Contavam-se peripécias dos tempos da escola primária, aventuras de outros tempos, para além das reguadas levadas do professor Poeta, principalmente, do professor Raul, ou de outros.
Chega Nuno da Câmara Pereira e logo faz referência às reguadas que levou do professor Manuel Poeta.
E já o João Nuno Saraiva, durante o almoço, apontava para uma cicatriz na testa, resultante duma pedrada que o atingira, fruto das rivalidade“Os da Escola pediram a batalha; os do Asilo ganharam a medalha”.
s entre escolas daquele tempo, em brincadeiras da rapaziada escolar, envolvendo o “Asilo” e a “Escola Central”, quando solta um brado daquele tempo, de imediato acompanhado pelo Luís Filipe Bonina:
Por vezes atravessavam-se as conversas entre uns e outros, no óbvio de cada um querer memorizar os tempos de meninos e moços.
Chega a hora de se ir ao encontro das memórias do “Asilo”, in loco, já com a chave na mão para abrir aquela porta da rua, estreitinha, dos Combatentes da Grande Guerra.
Uma caminhada, desde o restaurante até à antiga escola, com fotos pelo caminho. Interregno com uma passagem de Nuno da Câmara Pereira pela igreja de S. Francisco para visitar os túmulos de seus antepassados, já que ele é herdeiro da família de Pedro Álvares Cabral, neto na 16.ª geração.
No Asilo, incumbido que eu fôra de fazer uma súmula daquela instituição de prestígio, e das suas memórias, fundada em 9/6/1870; e da sua biblioteca – “a Frei Heitor Pinto” –; foi a vez de o famoso fadista cantar ali um fado, na sala onde levou reguadas do professor Poeta, e de fazer algumas considerações muitos oportunas sobre o campo da solidariedade neste tempo de crise. Seguiu-se uma visita ao pequeno recinto destinado ao recreio e à instrução da Mocidade Portuguesa, com a foto da praxe.
Foi, de facto, um dia inolvidável.

(In "Notícias da Covilhã", de 24.04.2014)

16 de abril de 2014

DE FRASES DOUTAS A HISTÓRIAS LOUCAS

Portugal indubitavelmente a acrescentar aos anais da sua História mais umas páginas de quarenta anos, na génese de um sonho lindo. Paradoxalmente traído, tantas vezes, na adequação de “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”.
Atentemos a mais de oito séculos da sua existência. Várias vezes emergiram perigos, ameaças e atos consumados na sua história bonita, convertida de vez em quando nas lágrimas e no sofrimento “duma austera, apagada e vil tristeza”, conforme o nosso Camões.
“A montanha pariu um rato”, quantas vezes, e, mesmo assim, não tem servido de exemplo a muitas cabecinhas pensadoras. Não se destruindo a si mesmos, como nobres de outrora, conseguiram colocar grande fatia da classe média em paralelo com os nossos irmãos da “arraia-miúda” ou “ventres ao sol”, da invenção de Fernão Lopes.
Neste sul da Europa, onde nos integramos, uma fisionomia invernosa; em contraste, o semblante primaveril dos países da vertente norte. Já poderíamos ter respirado dum certo desafogo. As enormes contrariedades por que estamos a passar não existiriam se, ao longo da nossa história, muitos dos principais governantes não se situassem no verso camoniano de “Um fraco rei faz fraca a forte gente”.
Dentre as necessidades prementes de hoje, a justiça portuguesa. Não funciona de forma a resolver os problemas que viraram o país ao avesso. Usos e abusos chegam ao caricato das prescrições. Atos que pedem severa punição. Recorde-se, há mais de 900 anos, o conselho do Conde D. Henrique, no seu leito de morte, a seu filho, ainda de tenra idade. Para o primeiro monarca de Portugal, D. Afonso Henriques: “Se um dia deixares de fazer justiça um palmo, logo ao outro dia se afastará de ti uma braça”.
E “a nós pertence fazer mercê aos indefesos e protege-los contra os poderosos”, é a decisão das Cortes de Coimbra, convocadas por D. Afonso II. Que fique na mente dos governantes deste País, e não daqueles que se arregimentam com a “governação” deste pedaço europeu, que, na expressão de Eça de Queiroz, em O Conde de Abranhos, “O governo não há-de cair – porque não é um edifício. Tem que sair com benzina – porque é uma nódoa”.
Saímos do “orgulhosamente sós” e da “evolução na continuidade”. Caso contrário, onde estaríamos? António de Spínola e Costa Gomes enganaram-se nas afirmações de que “Haveremos de continuar em África. Sim!” e “Venceremos”, no ano de 1974. Mais acertada foi a expressão do jornalista Eugénio Alves, durante a censura, relatando um jogo de futebol a pensar no Golpe das Caldas, que precedeu o 25 de abril: “Perdeu-se uma batalha mas não se perdeu a guerra”.
Após a reunião de vassalagem a Marcelo Caetano dos últimos generais leais ao regime ditatorial – “A brigada do Reumático” – já Manuel Alegre no “Pergunto ao vento que passa, notícias do meu país, o vento cala a desgraça, o vento nada me diz”, pôde haurir na sua poesia ao grande dia da libertação – 25 de abril daquele inesquecível ano de 1974.
D’”O estado a que isto chegou”, do saudoso Salgueiro Maia, veio a esperança. O seu indómito entusiasmo levou de vencida todos os escaravelhos que minavam este Portugal. E uma história louca não se concretizou, no Terreiro do Paço. Os disparos das forças do regime, ali, frente a frente, se quedaram.
Nestas últimas quatro décadas muita coisa se passou. A disputa do poder – “Olhe que não, doutor, olhe que não”; “O povo é sereno. É só fumaça!”; em 1975. Uma década depois, “Só fui fazer a rodagem”(1985) e “Nunca me engano e raramente tenho dúvidas” (1990).
Tempos desarticulados da governação. Muitas estórias pelo caminho de toda esta História de Portugal. Um FMI a ajudar a salvar da bancarrota nos anos 80. Em 2011, a Troika, de grande tormento. Termo do programa de ajustamento previsto para 17 de maio.
E foram Primeiros-ministros de Portugal a conduzir-nos para fobias: o “monstro”, o “pântano” e a “tanga”. Cavaco, com os dinheiros da União Europeia, fez-nos lembrar que “O ouro e os diamantes do Brasil foram a transfusão de sangue num corpo anémico”, conforme Oliveira Martins retratou as contas do reinado de D. João V, onde tanto entrou e tão pouco ficou. Dois outros a fugirem. Um a ser demitido forçosamente pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, fazendo recordar, no século XIII, a deposição de D. Sancho II por seu irmão D. Afonso III, por incapacidade governativa.
Aquilo que jamais se previra algum dia, neste Portugal, aconteceu: Bancos a serem ávidos da cobiça dos senhores da ladroagem. Brada aos céus! Justiça transformada em prescrição!
Basta! Estamos ávidos dum Portugal renovado.

(In "Notícias da Covilhã", de 17.04.2014)

8 de abril de 2014

DO 25 DE ABRIL DESFIGURADO À PRESCRIÇÃO

1 - Quando há quarenta anos vivi a Revolução dos Cravos, como tantos covilhanenses e portugueses, acordados por um sonho lindo, nem sequer passava pelas nossas cabeças que a vida ainda nos haveria de mostrar uma face de grandes dificuldades, por décadas em frente.
Naquela madrugada de quinta-feira tinha-me deitado já um pouco cansado de uma viagem profissional, e preparava-me para, no dia seguinte, uma visita de negócios, quando sou confrontado, de manhã, com as notícias de algo que se passava no País, fora do habitual.
No trajeto para o escritório, a polícia mostrava um semblante muito sério. Chegado ali, e juntamente com o colega, entramos em contacto com os nossos superiores hierárquicos para saber o ponto da situação e a conduta que se impunha. Já havia agitações por vários sítios, durante o dia, e os Bancos encerraram.
Para mim não era assim muita surpresa já que tinha acompanhado algumas reuniões da Comissão Democrática Eleitoral, e, aquando da Revolta das Caldas, naquele sábado da manhã de 18 de março de 1974, vinha eu de fim-de-semana, duma formação em Lisboa, no carro do Humberto Andrade, quando passámos por algumas viaturas militares, em atitude bélica, na zona de Abrantes, o que nos causou alguma estranheza.
Havia vivido 28 anos em ditadura, e terminado há três anos o serviço militar. Tinha uma vida mais desafogada com a mudança de vida profissional, da estatal para a privada.
Na flor da idade, e no entusiasmo da profissão, percorrendo os dois distritos – Guarda e Castelo Branco – com regressos a casa muitas vezes pela madrugada fora, começo por verificar os exageros de quem não estava habituado à democracia, e as vinganças que se traduziam, na força de que “o povo é quem mais ordena”, em mandar para a rua as hierarquias que não se compraziam com a vontade desse “povo” ainda desorganizado.
E surge o Processo Revolucionário em Curso (PREC), Comando Operacional do Continente (COPCON), em Lisboa; uma série de Governos Provisórios donde emergiu um período de grande desestabilização social, com os trabalhadores a ganharem enorme força sindical, na era comunista, com nacionalizações da Banca e dos Seguros, e a fugida de muitos empresários para o estrangeiro. Vem o Conselho da Revolução e uma nova Constituição Portuguesa até que os novos Governos Constitucionais tomam conta do País.
E, neste período de tempo, alguns petizes que mal palmilhavam os caminhos desta Terra de Santa Maria, iam crescendo, crescendo, e viriam a saltar para a ribalta da política, entre jotas, boys e girls, para hoje nos desgovernarem, pós feiras e mercados, beijos e abraços, na “catedral” de S. Bento e suas traseiras.
A integração na União Europeia foi de satisfação mas de imediato os protagonistas da governação não souberam aproveitar as ofertas dos fundos destinados à modernização e logo esfregaram as mãos de tanto rio de dinheiro.
Depois, vai um mundo de corrupção, ladroagem às ocultas e às claras, com uma justiça a não funcionar e a deixar prescrever processos e mais processos, com atitudes caricatas como na comunicação social recente.
Ainda hoje continua a emergir essa revolta – a prescrição –, algumas, propositadamente.
Volvidos 40 anos da Revolução do 25 de Abril, a Revolução dos Cravos, da Esperança, é hoje traduzida por contornos que a desfiguram, no descrédito em quem nos governa, nas atitudes de quem faz troça dos mais fragilizados em todas as vertentes, comprazendo-se com salários milionários, eliminando a classe média, e, numa atroz situação de incompreensível atitude para um humano, em que os mais ricos são uma fatia muito forte do conjunto dos mais pobres.
Quem haveria de pensar que após 48 anos de ditadura e implantada a democracia, num percurso de já quatro décadas, haveríamos de comemorar estes 40 anos de liberdade, numa situação draconiana, depois dum FMI nos anos oitenta, agora uma severa troika, com o choro de muitos, na míngua e redução do seu pão-nosso de cada dia, ao paradoxo dos salários incompreensíveis de muitos que ganham mais num mês que dezenas de trabalhadores num ano.
“Os Rapazes dos Tanques”, de Alfredo Cunha e Adelino Gomes, vem, numa esplêndida imaginação, dar corpo ao momento exato da definição do 25 de abril, como ato consumado em determinado momento, na “hora h”, em que “prescreveu” o tempo do brigadeiro Junqueira dos Reis que obrigara o cabo José Alves da Costa, há 40 anos, a disparar contra as forças de Salgueiro Maia. Se este patriota Alves da Costa tivesse dado ao gatilho, pergunto, onde estaria a data que hoje comemoramos, entre tristes e ledas madrugadas?
2. “Artistas da Nossa Terra”. No número de 25 de março deste quinzenário foi feita menção à “obra inacabada de Manuel Vaz Correia”, onde, segundo o autor, “muitos universitários bebem dos meus livros, para notícias e reportagens, mas não com o intuito de desenvolver a obra”.
Pois bem, como eu também sou um dos nomes que são inseridos na sua obra (2.º volume), a seu pedido de determinada altura, não posso deixar de sentir o meu descontentamento pela omissão da atividade profissional que desempenhei ao longo de 40 anos, lacuna infeliz porquanto foi o maior e melhor tempo da minha vida profissional. Segundo as suas palavras, “O escritor passa e a obra fica, e estou convencido que esta é uma obra que vai perdurar no tempo”; sim, fica a obra imperfeita na parte que me diz respeito, e, a propósito, também o autor foi beber a fontes dos meus livros, alguns elementos, nos seus inseridos.


(In "fórum Covilhã", de 08.04.2014)