28 de maio de 2014

COMO ALGUNS RESSUSCITARAM

Por todo o planeta vamos encontrando relatos de acontecimentos algo estranhos. Para os dias que correm, quase não é surpresa. Noutros tempos, pelas bandas de cá, se não era conveniente a notícia, abafava-se.
Há algum tempo o Daily Mail informava que um homem do Mississippi, nos Estados Unidos, foi dado como morto e já estava na morgue, quando se descobriu que ainda respirava. Já se encontrava dentro de um saco, na morgue, quando os funcionários o viram a mover-se e descobriram que afinal estava vivo. Os médicos acreditaram que o pacemaker lhe parou, tendo voltado a funcionar algumas horas depois. William, o “ressuscitado”, viria a afirmar sentir-se feliz por ainda estar vivo.
Também na China, um bebé declarado morto, escapou da cremação ao chorar. Salvou-se assim de ter sido cremado vivo. O certificado de óbito foi passado e o bebé, do sexo masculino, foi enviado para uma funerária, tendo os funcionários da empresa ouvido a criança a chorar.
São notícias de um horror tremendo mas não pensem que isto só se passou nos outros países e continentes.
Por cá, neste Portugal de outros tempos, como também de hoje, situações se contaram que merecem uma profunda reflexão. A forma como algumas pessoas são consideradas já falecidas, na negligência da sua autenticidade, é arrepiante. Como o caso que conto abaixo. Para além de outros, do conhecimento público, inseridos na comunicação social, objeto de vias judiciais. Também sabemos que, em hospitais e lares de terceira idade, por vezes coisas se passam, de menos atenção com aqueles que, já de tão fragilizados nem se sabem queixar, originando o dormir para um sono eterno. Todavia, existe uma aparente contradição de sorrisos e formas de trato, na frente dos familiares.
O Jorge, anualmente participa comigo na confraternização dum grupo de casais amigos, recordando velhos tempos da meninice e juventude. É um bom amigo. Nos anos sessenta teve um grave acidente automóvel, quando viajava num mini cooper, juntamente com mais quatro colegas militares, a caminho da unidade militar. Ele ia à civil e os seus colegas fardados. A notícia repentina surgia nos jornais (ainda não havia Internet nem as novas tecnologias): “Um grave acidente automóvel, do qual resultou quatro militares gravemente feridos e um civil morto”.
O Jorge (o “civil morto” mas ainda vivo) foi levado para a morgue e a família já se preparava para o luto quando alguém, que ia levantar o “cadáver”, vê cair-lhe o braço do corpo e, na observação imediata, constata que o morto, afinal, estava vivo.
Vamos a outras formas de “ressurreição” dum desaparecido, ainda que seja um palito importante e, por isso, a necessidade dum exército, de polícias, para ver se se encontra o dito cujo, que, pela sua óbvia dificuldade, é como encontrar uma agulha no palheiro…
Manuel Baltazar , o Manuel “Palito” fica nos anais da justiça à portuguesa  por ser como que um Tarzan ou um Robin dos Bosques, conseguindo fugir à Polícia Judiciária e à GNR, depois de ter matado a sogra e uma tia e ferido a ex-mulher e a filha. Resistiu à perseguição destas forças a pé e a cavalo, durante 34 dias.
O que é estranho é que este foragido consegue colocar no ridículo as forças de segurança que, não obstante tantos meios empregues para o “caçar”, e a quantidade de elementos na sua busca, é ele próprio que se dirige a sua casa, onde dormiu e tomou banho, quando se apregoa que a PJ é uma polícia do melhor que há no Mundo e a GNR que ombreou em operações internacionais desde o Iraque a Timor, passando pelo Afeganistão, profissionais treinados para enfrentar sem medo terroristas experimentados. Isto é a força policial do nosso País, agora colocada a ridículo, neste Portugal profundo.

E se a GNR, enquanto andou à procura do palito pelas matas do imenso território de São João da Pesqueira, tivesse também sido incumbida, como os agentes da PSP, em Lisboa, de participarem na preparação para a criação duma mega bandeira nacional para o 10 de junho, de tampinhas recicláveis, então, ainda hoje o ressuscitado Manuel “Palito” podia ir passeando pelos arredores até à sua casa.

(In "Notícias da Covilhã", de 29.05.2014)

19 de maio de 2014

“TRIBUNA DESPORTIVA” - SEMANÁRIO DESPORTIVO REGIONAL DE ELEIÇÃO

Duas décadas a manter-se de pé, sem interrupção, ao serviço do desporto regional, é obra! Sim, Senhor, incontestavelmente, entre ventos e marés, a “Tribuna Desportiva” tem sabido granjear a simpatia e aderência dum público de afeição pelo desporto desta região da Beira Interior.
Tive o prazer de, nos seus primórdios, ainda que duma forma efémera (anos 1995 e 1996), ter podido colaborar nas suas páginas, com os títulos “Ao Virar da Página” e “Vultos do Desporto d’Outrora”.
Mas o que me trás a este apontamento não são as memórias, e muito menos qualquer saudosismo retrógrado, mas tão só a justiça que é de enaltecer, em tempos de forte crise, o trabalho de excelência dos obreiros deste semanário, reflectida nos seus 1000 números atingidos na última edição, sendo, desta forma, indubitavelmente um semanário de eleição.
E afirmo-o categoricamente, porque são os homens da pena, ou melhor, da gravação in loco, nos eventos, e da máquina fotográfica, na objectiva da oportunidade, da ”Tribuna Desportiva”, como também na pessoa do seu director, Pedro Martins, que, não abandonando precocemente o local desses mesmos eventos, quer sejam encontros desportivos quer assembleias gerais, por exemplo, quer ainda várias celebrações comemorativas, conseguem dar notícia global do que ali se passou. É que, quando, por vezes, decisões importantes ou curiosas ficam para último, na sua generalidade outros órgãos da comunicação social já deram o fora porque lhes bateu à porta o enfado do prolongamento para além do desejável. E, assim, notícias marcantes ficaram omissas ou no segredo dos deuses.
E é nestas situações comportamentais, em termos de estar com a notícia global, que se proporcionam as futuras pesquisas para as estórias que vão inserir-se na história.
Depois, é todo o mundo de resultados e os comentários possíveis de todas as categorias de encontros, das várias modalidades, de âmbito nacional repercutido nesta região, ou distrital, “dando voz a todo o desporto do distrito de Castelo Branco” e a “todo o desporto da Beira Interior”.
E é pela leitura do futebol juvenil que muitos, como eu, vão buscar as informações que desejam dos seus “meninos” e também o gosto de ver noutras modalidades, como o atletismo, os nomes dos filhos e netos, algumas vezes nos respectivos pódios.
Por outro lado, também alguma frustração (mas disso não tem culpa a “Tribuna Desportiva”) ao ler resultados de golos sofridos, num total de 152, contra 13 marcados..., mas isto é que é o fidedigno da informação.


Aqui fica o meu apreço com os votos de longa vida ao serviço do desporto regional.

(In "Tribuna Desportiva", de 19/05/2014)

17 de maio de 2014

MONUMENTO AO SOLDADO DESCONHECIDO


Pensava eu que este monumento, que perpetua sentimento de homenagem aos Mortos na Grande Guerra e no Ultramar, como também é conhecido, de naturais do Concelho da Covilhã, era propriedade municipal.

Por informação do Presidente da Direção da Liga dos Combatentes do Núcleo da Covilhã, vim a saber que o mesmo é património da Liga dos Combatentes.

E isto a propósito de mais uma vez ter sido objeto de vandalismo, no mês de março, com danificação de uma das placas retangulares, em mármore, onde se encontram inseridos os nomes de falecidos em combate, de militares do Concelho da Covilhã; e também do furto de uma das duas esferas armilares, em mármore, que encimavam as extremidades do monumento.

Estes atos são geralmente praticados, sob efeito do álcool, por uma juventude que deveria ser exemplo por força de se encontrarem na cidade empenhados na formação académica para um futuro melhor mas que, lamentavelmente, a ocultas das autoridades, que quantas das vezes não estão no local certo à hora exata, danificam património. São uns quantos que, mais tarde, já sob a responsabilidade de lideranças em instituições, vêm a ser, eles próprios, a condenar tais atos.

Os excessos de práticas que nada condizem com os bons costumes, e certamente com a educação que trouxeram de suas famílias, deveriam ser, sem apelo nem agravo, condenados com sanções que fossem exemplares, logo que detetados.

Este monumento esteve inicialmente colocado no Largo 5 de outubro, aquando da sua inauguração em 15 de junho de 1930, pelo então Presidente da República, General Óscar Carmona.

Nos finais da década de 50 do século passado foi mudado para junto do Jardim Municipal, na Avenida Frei Heitor Pinto.

Estas habituais danificações nas partes mais sensíveis do monumento situam-se na parte em mármore que foi acrescentada e inaugurada em 23 de outubro de 1999 pelo Presidente da Liga dos Combatentes, General Baltazar Barroco e pelo Presidente do Município Covilhanense de então, Carlos Pinto.

Este monumento teve origem nos atos de bravura desempenhados pelos militares do então Regimento de Infantaria 21, sediado na Covilhã, na linha da frente, na Batalha de La Lys, na Flandres, durante a Primeira Grande Guerra, e também em Moçambique.

Logo que terminou a Grande Guerra, decidiram memorizar os combatentes do Concelho da Covilhã, que na mesma lutaram com coragem e valentia, e construir um monumento em memória dos soldados que nela faleceram, e dos que nunca se conheceu a nacionalidade ou família, a que se designou “Soldado Desconhecido”.

Este vandalismo sobre o monumento ao Soldado Desconhecido não é só de agora. Recordo que já em 15 de janeiro de 1965, já lá vai quase meio século, publiquei no “Notícias da Covilhã” uma gazetilha alusiva a um pequeno ato de vandalismo que consistiu na quebra da baioneta da espingarda do Soldado Desconhecido, a qual, depois de novamente colocada, continuou a ser alvo, por várias ocasiões, da sua danificação.

E assim me expressei:

 

O SOLDADO DESCONHECIDO

Passeava p’lo jardim,

Ao cheiro do alecrim,

Entoando canções não alheias,

Um garoto das nossas aldeias.

Vê em pedra uma figura!

Com uma tal estatura,

Olha em frente,

Depois ri e diz p’ra gente,

Com uma tal gargalhada:

“Partiram o cano à espingarda…”

Já outros o terão contemplado,

Pois isto há tempos foi passado,

Mas ainda agora,

O Soldado espera a hora

P’ra que seja tratado…

Terá ou não razão,

O rapazito em questão?

                                         J.J. Nunes
 
(In "O Combatente da Estrela", n.º 95, Janeiro a Maio de 2014)

VAMOS FALAR DO DESPORTO CITADINO, E NÃO SÓ


É indubitável que o desporto é uma das formas de passar, duma forma salutar, algum tempo das nossas vidas. Na ênfase dos anseios pelos êxitos dos nossos clubes de afeição, nestes tempos difíceis, somos abalados com crises e políticas nefastas dos nossos governantes. São essas formas de conduzir a governação que têm levado a uma degradação do sustentáculo de bem-estar na sociedade em que nos encontramos inseridos – o trabalho.

Enquanto caminhamos por essas estradas, caminhos, complexos desportivos, e campos fora, numa de manter a boa forma física e o sistema cardíaco e muscular, e, como atrás referi, no entusiasmo pelos clubes da nossa predileção, quer seja no acompanhamento dos filhos ou netos nas competições desportivas onde se integram, quer seja no “ir aos futebol” ver os seniores, descarregamos, no horizonte do relvado sob céu azul, alguns problemas do dia-a-dia, das jornadas de cada um, e, no paradoxo o carregamento de baterias para o resto dos dias/semanas, como sói dizer-se.

Neste espírito de “mens sana in corpore sano”, vamos memorizando factos, mas também figuras, muitas das quais acompanhámos durante a nossa juventude; outras com elas vibrámos nos lances, dribles, golos, gritos de Ipiranga em situações nevrálgicas mas que, num ápice, surgiu o golo salvador de safar a época.

Muitos são agora objeto de uma nostalgia de bons velhos tempos de outrora, quase idolatrados, mas, pelo menos, memorizados, se não quando amiudadas vezes objeto de amizades proporcionadoras das suas memórias com encontros apelativos às recordações desses tempos.

E, depois, são também as famílias que acabam por se juntar ao coro de amizades, naquela de que “recordar é viver”.

É neste contexto que trago o primeiro remate de recordações dos que ainda se encontram no mundo dos vivos, velhas glórias do grande embaixador da cidade laneira, hoje universitária – o Sporting Clube da Covilhã (SCC) –, para quem vai já um gesto de parabéns, e as maiores felicidades por conseguirem a manutenção na II Liga do futebol português.

Saliento tão só os homens que integraram as equipas da divisão maior do futebol em Portugal, no clube serrano, então designada por I divisão, em duas fases distintas. O grande período que foi das épocas de 1948/49 a 1961/62, com um interregno em 1957/58, e o período mais recente e último, que integrou as épocas de 1985/86 e 1987/88.

Muitos dos antigos atletas e treinadores, com quem privei pessoal ou indiretamente, já desapareceram do mundo dos vivos.

Vestiram a camisola do SCC, no período compreendido entre as épocas 1948/49 e 1961/62, entre os maiores do futebol português, 27 atletas, que participaram em jogos oficiais do Campeonato Nacional. Não estão aqui considerados os suplentes que nunca integraram jogos oficiais, assim como não está considerada a sua participação nas várias fases da Taça de Portugal. Por aqui se pode ver o tempo que permaneciam ao serviço das cores serranas, em relação aos tempos atuais.

Já durante o período que integrou as duas épocas correspondentes a 1985/86 e 1987/88, vestiram a camisola do SCC, durante a I Divisão, 45 atletas.

Dos tempos áureos da I Divisão, compreendidos no primeiro escalão a que acima me reporto, encontram-se ainda vivos, felizmente, se bem que alguns deles bastante doentes e incapacitados: Adventino Gorgulho Pedro (Algarve), Albertino (guarda-redes, Costa da Caparica), Amílcar Cavem (Coimbra), Amílcar Gonçalves (Gouveia), António Jorge Porcel (estrangeiro), António Lourenço (Lisboa), Fernando Cabrita (internado num lar em Caneças), Fernando Pires (Covilhã), João Lanzinha (Covilhã), João Tomé (Setúbal), Jorge Nicolau (Covilhã), José Romeiro “Coureles” (Lisboa), Palmeiro Antunes (Lisboa), e Vitoriano Suarez (S. Paulo/Brasil).

Desconheço as situações e paradeiro de Pérides, Patiño e Chacho.

Ainda durante o primeiro período em análise, foi Pedro Martin Sanz que realizou mais jogos ao serviço dos Leões da Serra, num total de 194. Seguiram-se-lhe: Helder Toledo, 170; Amilcar Cavém, 148; Bento Couceiro, 142; e José Rita, 130, quase todos falecidos, exceto Amilcar Cavém.

Já no segundo período em análise, foi Germano que mais vezes vestiu a camisola serrana, num total de 55; seguiram-se-lhe: João Sousa “Joanito”, 46; António José Real, 41; Gouveia, 37; e Celso Maciel, 35.

Quanto a melhores marcadores, para o primeiro período de análise (1948/49 a 1961/62), o 1º foi André Simonyi, com 74 golos ao serviço do SCC; 2.º Vitoriano Suarez, 66; 3.º Manuel Livramento, 53; 4.º João Tomé, 41; 5.º Carlos Ferreira, 32 golos marcados.

Já no segundo período de análise (1985/86 e 1987/88), o 1.º foi Celso Maciel, com 10 golos; 2.º Jacques, com 7; 3.º Artur Semedo, 5; 4.º Paulo Roberto, 4; 5.º Biri, 4.

João Tomé completou 90 anos do passado dia 3 de maio e, por intermédio de seu filho Fernando Tomé, que jogou no Vitória de Setúbal e no Sporting Clube de Portugal, demonstrou muito carinho pelo SCC e pelas pessoas que ainda o contactam colocando uma foto com a camisola do SCC no facebook.

Fernando Pires, meu vizinho, que foi o autor do golo do SCC na final para a Taça de Portugal com o Benfica, na época 1956/1957 é outra das velhas glórias do SCC que ainda passeia pelas ruas da cidade, assim como João Lanzinha.

J.J.Nunes


(In "O Combatente da Estrela", n.º 95, de Janeiro a Maio de 2014)

CONTINUAR


É numa vertente de colaboração que mantenho, com muito gosto, e empenho, o registo de alguns textos ou crónicas n’O Combatente da Estrela, desde há já algum tempo.

 Neste número 95, algumas alterações surgiram na ficha técnica, passando, assim, a ter a responsabilidade, que até aqui me era alheia, de uma cooperação com o diretor deste órgão periódico do Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes.

Sendo certo que esta publicação tem vindo a crescer desde que veio à luz do tempo, em janeiro de 1988, com o seu primeiro número, também é certo que a responsabilidade da sua feitura tem recaído, sempre, desde a sua génese, na pessoa do seu diretor, ombreando assim, praticamente sozinho, com o peso de todas as responsabilidades inerentes à sua conceção.

“O Combatente da Estrela” chega às mãos de cerca de dois milhares de leitores, mormente para os seus associados, mas também é lido em várias instituições, associações e coletividades. Bate à porta de cada um, quer pela via papel, quer também online.

Para além de textos de opinião, com óbvia incidência sobre a vida e as memórias dos combatentes, histórias e vivências das lutas nas guerras do Ultramar, também as pessoas, covilhanenses de raiz ou de coração, e os factos, têm nas páginas deste jornal, oportunidade de fazer jus ao registo dessas mesmas figuras e desses mesmos factos.

Tudo isto assenta na pedra basilar de que este jornal, pequeno no seu formato mas, paradoxalmente, grande na sua alma, será sempre intransigente na defesa dos caminhos da estrela que guia a Covilhã, onde se encontra inserido, e sua região, e, consequentemente, também nos valores da vida que devem desfraldar na nossa Pátria.

Não obstante as dificuldades económicas que grassam por todo o lado, poderemos pensar, com um aumento substancial de associados, ainda que com sacrifício, de passar a periodicidade deste jornal para mensal. Fica aqui o desafio.

Uma dúvida que pode emergir no que concerne à qualidade de associados, na sua obrigatoriedade, é oportuno que se esclareça que podem ser associados do Núcleo da Liga dos Combatentes da Covilhã, também outras pessoas, de ambos os sexos, independentemente de terem sido antigos combatentes, integrando a categoria estatutária.

No meu caso concreto, eu que cumpri o serviço militar obrigatório, de 16/1/1968 a 20/7/1971, também não fui mobilizado para o Ultramar, e, por conseguinte, não fui antigo combatente, o que não que dizer que não comungue das memórias contadas de familiares, amigos e antigos colegas que combateram nas Colónias, pela Pátria; e, também, não deixe de me interessar, e preocupar, com os efeitos nefastos que levaram muitos antigos combatentes a sofrerem, ainda hoje, física e psicologicamente, a sua passagem pelo mundo da guerra, sob a obrigatoriedade de um regime ditatorial de então.

No entanto, não posso deixar de também sentir que a juventude das décadas de 60 e 70, até ao 25 de abril de 1974, em cujo período me incluo, sofreu ainda em território continental, os efeitos negativos de não poder resolver a sua vida profissional, adequada às suas aptidões, numa altura em que o emprego não tinha as dificuldades como as de hoje, pelo facto das entidades patronais não desejaram assumir compromissos antes da conclusão do serviço militar obrigatório.

E, por vezes, como foi o meu caso, juntávamo-nos no serviço militar, obrigatório, mais que um elemento do agregado familiar.

Ao mesmo tempo, estivemos no serviço militar, eu e um irmão (eu, no Continente, e meu irmão, na Guiné), com as dificuldades inerentes para as famílias. Muitos outros casos análogos existiram.

É, pois, com este espírito de boa vontade, que nos propomos dar continuidade, mais forte, ao jornal “O Combatente da Estrela”.
 

Agradecemos que nos façam chegar as vossas opiniões.
 
(In "O Combatente da Estrela", n.º 95, de Janº. a Maio de 2014)

14 de maio de 2014

CAIXA DE PANDORA

Esta história da mitologia grega é talvez a mais perturbadora. Este mito diz-nos que numa caixa foram fechados todos os males da humanidade, tais como os desentendimentos, as guerras, a violência, as doenças, a discórdia e a injustiça. E é assim que se relata que Pandora foi enviada por Zeus ao reino dos titãs, proibida que foi de abrir uma caixa, que até era mais um jarro, prenda de casamento para seu marido Epimeteu. Não resistiu e, vai daí, abre-a e liberta todos os males. No entanto apressou-se a fechá-la antes que todos fugissem mas só a esperança conseguiu permanecer. É estranho que, neste rol, se encontra a esperança como um dos males do mundo.
Desde então a história da Pandora está associada com fazer o mal que não pode ser desfeito.
Dentre várias interpretações, a esperança está guardada sendo, por isso, bom; duma forma mais pessimista, a esperança está guardada dentro da caixa e a humanidade está sem esperança.
 Outra versão, Friedrich Nietzche diz que “Zeus quis que os homens, por mais torturados que fossem pelos outros males, não rejeitassem a vida, mas continuassem a deixar-se torturar. Para isso lhes deu a esperança: ela é na verdade o pior dos males, pois prolonga o suplício dos homens”.
Ora bem, vindo a propósito a esperança, o Governo criou um “Grupo de Trabalho” para recomendar os investimentos em transportes – ferroviário e rodoviário – até ao ano 2020, gerando no País uma lista de prioridades com custos que ascendem a cinco mil milhões de euros.
E é aqui que se abre uma “caixa de Pandora”, sabido de antemão que não terá aquele valor para investir nas redes de ferrovia, rodovia, portos e aeroportos.
Como é óbvio nestas circunstâncias, terá que haver um forte rigor, é também boa norma de conduta que esse rigor seja visto duma forma humana e não de favorecer mais esta ou aquela região, pois todos são filhos de Deus e respiram o mesmo ar.
É preciso que sobre o Interior, o mais desfavorecido em relação ao litoral, exista uma coesão nacional e, numa vertente de combate às desigualdades do País, haja uma visão dum propósito da democracia, neste grande evento que ainda comemoramos das quatro décadas da esperança de abril.
Mas, o que é certo é que Pandora não conseguiu recuperar para a sua caixa alguns males que afetam esta região da Cova da Beira, e, não obstante “Caixa de Pandora” ter as mesmas iniciais de PPC (Pedro Passos Coelho), ainda que alteradas, continuam em liberdade os males saídos da “caixa”, como tal desentendimentos, injustiça e discórdia, não obstante violências verbais, guerras de bastidores e clima mórbido nas conversações porque não passam de promessas não cumpridas.
Razão tinha um antigo presidente do Vitória de Guimarães que disse: “O que hoje é verdade, amanhã é mentira”.
A ligação rodoviária da Covilhã a Coimbra é uma via de coesão nacional, que poderá ajudar a desenvolver a região, segundo as palavras do presidente da edilidade covilhanense, e reclama, como todos os covilhanenses, de raiz ou de coração, todos quantos na região covilhanense se encontram radicados, IC6 para Coimbra, uma via de coesão “prioritária” e “fundamental” ao desenvolvimento da região.
A construção do IC6 é uma necessidade tão premente, fazendo a ligação da Covilhã a Coimbra, “como de pão para a boca”, ainda nas palavras do presidente da Câmara da Covilhã.
Só é estranho, ou talvez não por ser do partido do governo, que um deputado municipal ainda mantenha reservas sobre esta necessidade, necessidade que é do tamanho da Serra da Estrela. É preferível continuarmos a falar na estrada das Pedras Lavradas, há tantos anos?

Outro assunto de não somenos importância é a arreliadora ligação ferroviária da Covilhã à Guarda, há anos parada, e que não há maneira de o único “mal” recolhido da “Caixa de Pandora” – a esperança – se transformar numa realidade, para grande benefício de que carece também a Covilhã, a Guarda e suas regiões; e não venha a ser uma falsa esperança, como já estamos habituados, e cansados.

(In "Notícias da Covilhã", de 15.05.2014)

13 de maio de 2014

Ó PAPÃO VAI-TE EMBORA!

Era assim que as crianças mais pequenas do meu tempo ouviam de seus pais e avós esta expressão temerosa, para que os meninos fechassem os olhos e o sono chegasse mais rápido.
Depois, a juventude, e os mais velhos, ao longo dum período prepotente de negridão salazarista e marcelista, viu o papão inserido nas forças pidescas. E as mentes mórbidas de pensamento, em cuja patologia só viam que único era só um partido, e único um só pensamento, viam a forma de suprir algum atrevimento através da criação, e difusão, de muitos papões.
Já na minha juventude, e num período em que passei pelo funcionalismo público, fui obrigado a assinar documentos para o ingresso e promoção de carreira, subscrevendo um juramento por obrigação, mais ou menos nestes termos: “Declaro cumprir a Constituição de 1933 e repudiar o comunismo e as suas ideias subversivas”.
Surgiram entretanto os assaltos para a emigração clandestina; e a fugida de alguns cérebros para França, Alemanha e outros países, com o pomposo título de exilados, mais não terão sido que fugidos à Guerra do Ultramar, mandando às favas o serviço militar, com muitos a ocultar o medo do papão e a ter que enfrentar as guerras fratricidas.
E aquilo que muitas vezes era realidade, transformava-se no boato –  e “o boato fere como uma lâmina” – lia-se nuns cartazes expostos nos refeitórios do RI 12, na Guarda.
E “O povo português não está preparado para a democracia, será o caos, tem muito que aprender” era assim a visão tacanha dos senhores do outro tempo, na tentação da perenidade dos papões.
- “Ó papão vai-te embora de cima deste telhado, deixa o menino dormir um soninho descansado”, terá sido a inspiração destemida do capitão Salgueiro Maia, no histórico 25 de abril de 1974, que terá afastado o grande papão e muitos outros papões encapotados do berço de muitos meninos que, entretanto, embora crescendo, crescendo, se foram sentindo muito bem com as canções de embalar.
Talvez por isso, dois meninos, de 10 e 11 anos, nesse desfolhar da aurora de 25 de abril de há 40 anos, de sua graça, “Pedrinho dos coelhos” e “Paulito dos postigos”, respetivamente, embalados por estas canções, um dia se uniriam na memória de virem a ser recriadores do medo, dos tais “papões”.
E chegámos ao fim do capítulo deste livro, cuja leitura já dura três anos, com a ressurreição das “canções de embalar”, insufladas num comovente papão – a troika vai-se embora, mas continua a ficar o papão.
Estamos fartos daqueles dois meninos de outros tempos, homens da (des)governação de hoje, com mais uns quantos outros apaniguados papões, por nos terem cantado tantas vezes as suas canções de embalar; mas, como abéculas que são, nem repararam que não nos conseguem fazer dormir.
E a troika é como a história do papão. Para poupar mais uns cêntimos arruínam-se populações e encerra-se tudo: Finanças, escolas, hospitais, juntas de freguesia, e tantos et cetera.
Pois é, antigamente, havia o império do medo pela coação da força; hoje há também medo, ainda que mascarado na democracia, que muitos querem que perca a dignidade.
A Ministra das Finanças veio dizer que estamos melhor do que há dois anos, entrando na dança do marketing do Governo que integra, mas esqueceu-se que já não há canções de embalar que nos façam dormir, quando a maioria da população está empobrecida e as instituições de solidariedade social, onde se sobressaem as da caridade, estão cada vez mais sobrelotadas de atendimento à fome que grassa em muita gente, gente que já perdeu o medo ao papão.
E os ricos estão cada vez mais ricos numa afronta que explica os dez por cento do PIB que auferiram em 2013. Essas fortunas correspondem a 16,7 mil milhões de euros distribuídos por vinte e cinco famílias.
Palavras para quê? Ó papão vai-te embora, e, de “saída limpa”, leva também toda esta escumalha que está provocando uma sujidade intoxicante neste Portugal à beira-mar quase afogado.

Venha depressa o 25 de maio para que o povo possa cantar, ele sim, a este maldito governo, a sua última canção de embalar e dizer-lhe: “Ó papão vai-te embora!”.

(In "fórum Covilhã", de 13.05.2014)