29 de julho de 2014

DOS OITO SÉCULOS DA LÍNGUA PORTUGUESA À POBRE DIPLOMACIA

Escrevo esta crónica em 23 de julho de 2014, exatamente no dia em que, em Dili (Timor), o Presidente da República e o Primeiro-Ministro de Portugal participam na Cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, vulgo CPLP. Mas já lá vamos.
Há um mês atrás, mais precisamente no dia 27 de junho, segundo as narrativas, como agora sói dizer-se, comemoraram-se os oitocentos anos sobre o mais antigo documento oficial conhecido em língua portuguesa, a nível de Estado – o mais antigo documento régio na nossa língua, o qual se reporta ao testamento do terceiro rei de Portugal, D. Afonso II.
Poderia ter sido uma carta de amor, dum príncipe para a sua amada, por exemplo, mas não seria considerado, porque se trataria dum documento, ainda que autêntico, mas de cariz particular.
Mesmo tendo em conta que a data daquele documento é de 27 de Junho de 1214, originando assim o nascimento da Língua Portuguesa, certo é que, como qualquer ser, ele já existe antes de nascer.
Conforme refere José Ribeiro e Castro, “Comparando, digamos, pois, que esses outros textos da nossa língua, coevos ou anteriores – Notícia de Fiadores, Auto de Partilha, Notícia de Torto, Cantigas de poesia trovadoresca – são os “pontapés na barriga da mãe” da nossa língua em processo final de gestação, de afirmação e de ascensão”.
D. Afonso II limitou-se a usar uma língua que já existia e já era usada pelo seu povo, antes de ele a usar também. Aquele documento é já considerado escrito em português e não galaico-portucalense e, além disso, é arredado o latim muito antes de D. Dinis, em 1290, ter tornado oficial e obrigatório o curso e o uso do português.
Santo António de Lisboa (Fernando de Bulhões), que nascera antes do surgimento da Língua Portuguesa, viria a falecer 18 anos depois do nascimento desta mesma língua.
Assumida como oficial, séculos volvidos tem uma enorme evolução, sendo uma das mais importantes línguas globais contemporâneas: a terceira língua europeia global, terceira língua nas Américas, a terceira língua do Ocidente, a quarta mais falada do mundo, a mais usada no Hemisfério Sul e crescente em África. A língua em Portugal representa 17% do PIB. Perante os desafios da globalização, a língua portuguesa é falada em todo o mundo por quase 300 milhões de pessoas.
“A língua que falamos não é apenas comunicação ou forma de fazer um negócio. É uma forma de sentir e de lembrar; um registo, arca de muitas memórias; um modo de pensar, uma maneira de ser – e de dizer. É espaço de cultura, mar de muitas culturas, um traço de união, uma ligação. É passado e é futuro; é história. É poesia e discurso, sussurro e murmúrios, segredos, gritaria, declamação, conversa, bate-papo, discussão e debate, palestra, comércio, conto e romance, imagem, filosofia, ensaio, ciência, oração, música e canção, até silêncio. É um abraço. É raiz e é caminho. É horizonte, passado e destino” (Tribuna Manifesto 2014 - Público).
A língua portuguesa cresceu e modificou-se em caminhos diversos conforme as geografias. Portugal e Brasil manteve uma unidade ortográfica até aos últimos tempos da monarquia portuguesa mas caminhou para uma separação em termos de expressão linguística.
Devido à colonização, África viu-se em dificuldades com o português como língua oficial porquanto, nesse papel, estavam as línguas maternas; e não as do colonizador, com os seus crioulos próprios; outros, as línguas correspondentes a etnias. Os movimentos de libertação africanos optaram pelo português no momento de escolher uma língua oficial devido à necessidade de evitar divisões.
Depois da celebração destes 800 anos da Língua Portuguesa, agora, a pretexto da mesma língua, assistimos a um vergonhoso ato de submissão que a História de Portugal vai registar, através da admissão oficial da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), conforme referimos no primeiro parágrafo deste texto.
Tendo Brasil e Angola estado de acordo, assim como os restantes países de língua de expressão portuguesa, Portugal, conformado à sua pequenez, a fim de não ficar isolado, lá seguiu curvando-se a tamanha desfaçatez.
Não lhe foi possível levantar alto a bandeira da Língua, apesar de alguma resistência do Presidente da República e do Primeiro-Ministro portugueses.
É a diplomacia que temos, “que é, por um lado a diplomacia da concórdia e do apaziguamento e por outro a da subserviência e da permissividade”, de se sentir incapaz de dizer “basta” à farsa de apresentar um rosto “humano” a uma ditadura que só deveria merecer condenação e desprezo.
E, no meio disto, mais interessados estavam todos os outros países em trazer para a Comunidade um novo parceiro, o nono, com o seu petróleo, porque, quando Lula da Silva, então Presidente do Brasil, apoiou a candidatura de Teodoro Obiang, o responsável pelas Relações Exteriores do Brasil lá soube dizer: “Negócios são Negócios”.
Quando é o dinheirinho a cintilar não há olhos voltados para os direitos humanos, sejam lá os países que forem, e as palavras leva-as o vento. Que o digam os ausentes da Cimeira, Dilma Rousseff (Brasil) e José Eduardo dos Santos (Angola). E, até, ironia da história, o ditador Obiang foi levado de início pela mão de Xanana Gusmão e “aceite” sem qualquer votação à custa de um pontapé no protocolo, entrando para a foto de família, obviamente com ele, tirada extraordinariamente, antes de consumada a admissão.
Era tal o forte desejo que Teodoro Obiang entrasse para a CPLP, com estes atropelos ao protocolo, que a vergonha imperou na Cimeira, passando uma rasteira aos representantes do Estado Português. Agora certamente iremos pagar um preço alto que não nos livra do peso da vergonha.
Valha-nos ao menos o Presidente da República que se impôs para que ficassem registadas disposições a cumprir por Obiang no que concerne à abolição da pena de morte e à introdução da língua portuguesa no seu país, disposições a que o homem da Guiné Equatorial se estava a esquivar.

Vamos aguardar pelos novos capítulos desta novela política, que dá para pensar, lá isso dá!
(In "fórum Covilhã", de 29.07.2014)

23 de julho de 2014

DIRETORES DE UM JORNAL

Desde longa data que me familiarizei com os jornais. Mesmo nos tempos de estudante em que nos meus bolsos não havia um único tostão; pois que lá isso de “semanada” nunca soube o que era; nem sequer para tomar uma bica que custava doze ou quinze tostões, conforme fosse no Café do Sporting, no Estrela, no Central, no Café Leitão, no Solneve ou no Montalto.
Mas era na antiga biblioteca municipal, ao jardim, que aí lia os semanários da região (Notícias da Covilhã, Jornal do Fundão e o extinto Beira Baixa), mas também o Diário de Notícias, o Diário Popular, O Comércio do Porto, a Flama, a Vida Ribatejana, uma olhadela pelo Novidades e A Voz, e, sempre que estivesse disponível, a República.
Aos 18 anos (era então funcionário administrativo na Câmara Municipal) deu-me um impulso de começar a redigir o primeiro texto, em Cartas ao Diretor, aproveitando uma qualquer Hermes, Underwood ou Remington disponível nos intervalos do almoço, ou um pouco depois da hora de saída. Ainda não tinham sido inventados os computadores.
O texto já estava feito, era só datilografá-lo, por vezes com alguma curiosidade dos outros funcionários, na sua maioria já fora do mundo dos vivos.
O “Notícias da Covilhã” era ali pertinho, um pouco mais acima, e, vai daí, naquela tarde de 14 de novembro de 1964, dirijo-me a alguém da redação e é então que sou recebido, com grande simpatia, pelo único redator, Alfredo Nunes Pereira. Conversámos sobre a falta de um museu na Covilhã, naquela altura – tema do meu artigo – e, a partir daí, ainda que aleatoriamente, inicio o contato mais assíduo com os jornais. Tinha então iniciado funções como novo diretor, no “Notícias da Covilhã”, o Cónego Dr. António Mendes Fernandes, cumulativamente com a de diretor do Centro Cultural e Social, substituindo, nas duas partes, o Padre José de Andrade.
E é na vontade indómita para a escrita, com a qual sonhava, que vêm a surgir as monografias de duas das maiores instituições da cidade covilhanense, sem nunca largar as teclas das máquinas de escrever, e agora dos computadores, para as crónicas e textos informativos.
Neste âmbito, venho a conhecer outras figuras ligadas à comunicação social e ao meio social, com quem venho a desfrutar de uma amizade, e, nalguns casos, de colaboração assídua nos seus órgãos de comunicação como é o jornal “O Olhanense”, com uma página quinzenal sobre esta região, há vários anos.
Mas embora esteja em contato com os leitores noutros jornais, algumas revistas e boletins, é no “Notícias da Covilhã” que mais tempo tenho dada aos meus textos despretensiosos.
Neste contexto, por duas vezes chegaram às minhas mãos dois livros da autoria de um excelente Amigo, ex-Diretor do “Notícias da Covilhã”, o Cónego Dr. Mendes Fernandes. O primeiro – “60 Anos de Sacerdócio ao Serviço da Igreja e da Comunidade” – foi em 11.10.2006; o mais recente – “Que falta ao Mundo para Viver em Paz, Verdades Evangelizadoras para o Nosso Tempo” – chegou em 07.07.2014.
Este Homem, na sua provecta idade a caminho do centenário, apesar de se encontrar refugiado no melhor Lar que é a sua residência familiar, não suspendeu a caneta (que é um dos símbolos da sua vida), como ele diz.
A leitura deste seu livro (o último de uma vasta obra) levou-me a uma suave pausa na meditação do que escreveu, denunciando com frontalidade tudo o que se passou e passa neste nosso país empobrecido, mas também de pobreza pelos valores da vida.
Várias citações de autores, nesta sua obra, e outras expressões suas, são de uma profundeza espiritual que a um católico, como eu, deu prazer ler, num momento em que nos embrenhamos em muitas coisas, atendendo a várias solicitações às quais, por vezes, não podemos, ou não queremos, dizer não.
E, de facto, como cita, “É a paz que liberta o homem da sua condição de escravo e lhe dá o título de livre”. Depois: “Plantar e enraizar a paz é obra de Deus, arranca-la da raiz é obra do inimigo”. “Mas todos nós sabemos que os últimos dois séculos foram os mais sangrentos de toda a história. Em muitas nações desceu-se o último degrau da desumanização”. Não é o que se está a passar com estas mortes na Palestina e na Ucrânia?
E é assim que refere ainda: “Todos os humanismos baseados em filosofias que absolutizaram o finito e eclipsaram o infinito (Deus), faliram estrondosamente depois de terem provocado as maiores tragédias e convulsões sociais”.
Muito haveria a comentar sobre este interessante livro mas não quero deixar de referir, sobre uma leitura que faz de vários Papas, a influência que teve João Paulo II, seu grande admirador, e de todos nós, no acordo do desarmamento nuclear assinado em 08/12/1987 por Mikhail Gorbachev, onde interveio o presidente polaco Jaruselski, abrindo assim a possibilidade de uma coexistência pacífica entre o Leste e o Ocidente.
Quase por último, mais esta citação no seu livro: “Não esqueças – Jamais serás arrogante com os humildes mas também não sejas humilde com os arrogantes”.

Termino do muito que haveria a dizer da sua obra, e que serve para inspiração de outros textos, esta também sua inspiração sobre Nossa Senhora: “Se o mar que por todo o mundo se derrama – Tivesse tanto de amor como tem de água fria, – O seu nome não seria mar – Seria MARIA.

(In "Notícias da Covilhã", de 24.07.2014)

8 de julho de 2014

A PROSTITUTA, O CORRUPTO E O PIB

Nunca se falou tanto em prostituição e corrupção como nos últimos anos deste século XXI.
A primeira diz-se ser a profissão mais velha do mundo, pois já existia antes de Cristo. E até terá dado origem à primeira publicidade do planeta. Recordo-me, numa viagem pela Turquia, nos anos 90, algures que já não memorizo, de ver uns sinais alusivos ao sexo, gravados no chão sob granito, que ali permaneciam preservados há séculos, indiciando que, ali perto, existia uma casa de prostituição. Daí, a primeira publicidade que terá sido conhecida.
Mas, o homem corrupto emerge às mãos cheias, quando menos se espera, e, muitas vezes, donde menos se contava vir. Ele tanto é o bem-falante, o de falinhas mansas, o altivo, como o cara de santinho. Neste país de chicos espertos como de otários, não há como andar sempre desconfiado, desconfiado, sim, porque já não há palavra (salvo honrosas exceções) que faça lei, como se procedia religiosamente noutros tempos.
Os jornais estão cheios de casos, que já não causam estrondo, e que, no âmbito da corrupção, levam uma infinidade de tempo para se solucionarem pela fragilizada via judicial, um dos grandes problemas que Portugal enfrenta. E é vê-los sob fiança, pulseira eletrónica ou prisão domiciliária quando deviam estar devidamente presos.
Não é preciso se dissiparem por lugares sertanejos, em pouco conhecidas vilas ou aldeias, ou por pacatas cidades deste país, porque eles surgem perto de nós, nos ecrãs televisivos ou páginas de jornais (sem ser necessário no “Correio da Manhã”), numa foleirice institucionalizada, alguns dos quais num ardente desejo de serem chamados por doutores, engenheiros, poetas ou escritores.
E entre a que vende o seu corpinho e o que sonega e “endossa”, com ardil, para as suas algibeiras, o que é do erário público, assim vai Portugal vivendo. Este Portugal que acata sem discussão o que a União Europeia decreta, passando as estatísticas nacionais a acrescentar ao valor do Produto Interno Bruto (PIB) a riqueza produzida com atividades de prostituição, tráfico e contrabando. Neste contexto, o Instituto Nacional de Estatística avalia que a ideia, a aplicar a partir de setembro, valerá 700 milhões de euros. Chegou-se à conclusão que, para Portugal, o benefício será de 0,4%.
Nesta “genial” imoralidade, em que na receita da prostituição está sendo tido em conta também o tráfico de droga (e de tabaco, não?), transformam um roubo (o tráfico de cocaína, por exemplo) em receita. É de bradar aos céus, como já se pretende trabalhar oficialmente com dinheiro criminoso de lucros ilegais. E não será assim que se poderá fomentar o tráfico de crianças e mulheres, ao invés de o combater eficazmente, criminalizando-o?
Pois é, um dia destes, no preenchimento de algum formulário para qualquer ato oficial, aquela que é considerada a profissão mais velha do mundo já poderá, na pessoa da mulher, escrever-se “trabalhadora do sexo”. E será vê-las nos centros de saúde e consultas hospitalares a indicarem aquela como sua natural profissão, e, sabe-se lá, “publicitando” no imediato e in loco a sua “atividade profissional”.
O “Público”, de 15 de junho, referia que “a inclusão do dinheiro do tráfico de droga e da prostituição nos cálculos do PIB não suscita oposição. Mas falta permitir que as prostitutas se coletem nas Finanças e debater a criação de circuitos legais para drogas leves”. É que, já em 12 do mesmo mês, se referia, em parangonas, que “Sexo e drogas aumentam o PIB – As atividades e negócios ilegais, como a prostituição e contrabando, vão aumentar a riqueza nacional em 640 milhões de euros. O INE calcula o valor da economia paralela em 20,8 mil milhões. Cerca de 13% do PIB tem a ver com a chamada economia não observada”.
Para onde vai esta (des)União Europeia? As prostitutas a serem consideradas como “trabalhadoras do sexo”? Não! Um dia poderemos vir a ter umas quantas Cicciolinas na Assembleia da República. Como eu ando enganado, pensando que, afinal, já não é nenhum objetivo civilizacional acabar com a prostituição!
Voltando à corrupção, como é que banqueiros envolvidos em evasão fiscal e manipulação de contas não são impedidos de exercerem atividades na banca?
Como é que um antigo comandante da Proteção Civil tem o arrojo de se gabar na comunicação social de ter podido gastar 80 milhões sem prestar contas?
O que é que vai acontecer aos médicos que foram apanhados a trabalhar em vários locais à mesma hora, ou seja, em hospitais privados e, simultaneamente, a mamar o dinheiro de todos os contribuintes? E as fraudes nas farmácias?
Pelo que tenho que concordar com José Saramago quando disse que “Em Portugal, não há direita, não há esquerda, nem há centro, há sim um grupo de salafrários que se alternam nos governos, para ver quem rouba mais”.
E, nesta repulsa pelo que se passa no nosso País, lá está o eterno Eça de Queiroz, sempre atualizado como a bíblia dos nossos dias, quando, no meio desta bagunça, há sempre alguém que sofre, e, por isso “em Portugal a emigração não é, como em toda a parte, a transbordação de uma população que sobra; mas a fuga de uma população que sofre”.

(In " fórum Covilhã", de 08-07-014)