16 de setembro de 2015

O ILUSTRE COVILHANENSE, DR. DUARTE SIMÕES, COM A ALMA DE UM GRANDE VISIONÁRIO


Fisicamente era de uma grande estatura, mas muito inferior à grandeza da sua alma, numa forte nobreza de caráter, probo, onde a sua magnanimidade se impunha como visionário em prol da sua Covilhã.

De horizontes largos, bem depressa integrou um grupo de dinâmicos e corajosos covilhanenses, em redor do grupo de trabalho para o Planeamento Regional da Cova da Beira, no qual viria a emergir o ensino superior na Covilhã, através da fundação do Instituto Politécnico, em 11 de agosto de 1973, com a entrada dos primeiros alunos dos cursos de Engenharia Têxtil e Administração e Contabilidade, no quadro da então chamada “Reforma Veiga Simão”. Esses primeiros 143 alunos foram recebidos em 1975.

Volvida meia dúzia de anos, surgia assim, em julho de 1979, a conversão do Instituo Politécnico em Instituto Universitário da Beira Interior (Lei 44/79, de 11 de setembro); e, em 30 de abril de 1986, o Instituto Universitário passa à atual Universidade da Beira Interior.

Mas voltando a esta insigne figura, de seu nome completo, Duarte de Almeida Cordeiro Simões, nasceu na Covilhã em 28 de fevereiro de 1927. Com 11 anos ingressou no Colégio Militar onde estudou até ao 7.º ano (atual 12º). Não sendo seduzido pela carreira militar, optou por se matricular, no ano de 1945, no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, no qual completou 4 licenciaturas (Administração Comercial, Finanças, Aduaneiras e Diplomacia).

Iniciou a sua atividade docente na Escola Industrial e Comercial Campos Melo da Covilhã, como professor provisório, nos anos 1952/1955, seguindo depois para a Escola Comercial Veiga Beirão, em Lisboa, nos anos 1955/1956. Viria a interromper a sua atividade docente, durante seis anos, passando a exercer as funções de Gestor em várias empresas privadas, quando, em 1962, regressa ao ensino, passando por Caldas da Rainha, Lisboa e, finalmente, fixando-se na sua Terra natal – a Covilhã. É assim que, de 1965 a 1974 vem a acumular as funções docentes com as de gestor público e secretário-geral do grupo de trabalho para o Planeamento Regional da Cova da Beira.

E concretiza-se o seu grande sonho, num pensamento há muito gerado na sua mente. A criação em 1974 dos Institutos Politécnicos em Portugal foi a ocasião chegada, a grande oportunidade. O Instituto Politécnico da Covilhã abriu uma nova etapa da história do ensino. O Dr. Duarte Simões vem a ser o seu primeiro diretor. Vem a dedicar-se com todo o empenho à grande tarefa de transformar a que fora, em tempos, a “Real Fábrica de Panos” numa grande catedral do ensino, contribuindo assim para o ressurgir daquela que fora a cidade lã – cidade fábrica, na cidade da cultura.

Só que, muito cedo, esta notável figura covilhanense deixou o mundo dos vivos, no malogrado dia 8 de agosto de 1979.

Tendo o diretor da Escola Industrial e Comercial Campos Melo da Covilhã, Eng.º Ernesto de Melo e Castro, atingido a reforma, coube ao Dr. Duarte Simões tomar interinamente a direção da mesma, de 1966 a 1967. Verificaram-se imediatamente alterações: cursos têxteis de formação equiparados em igualdade e equivalência aos cursos gerais de Comércio. Pediu autorização para funcionarem as secções preparatórias aos institutos. Conseguiu a criação do curso de Habilitação Complementar para os Institutos, a funcionar em regime de experiência piloto, por ordem do Ministro da Educação Nacional, Veiga Simão, no sentido de preparar a entrada dos alunos nos institutos universitários a criar por aquele membro do Governo.

Em 1972 foi nomeado como correspondente do Fundo de Fomento de Exportação, cessando as suas funções em junho de 1974 e, bem assim, as de diretor interino dos Serviços Municipalizados da Covilhã.

Podemos mesmo dizer que foi o Dr. Duarte Simões o principal dinamizador e homem-chave das comemorações do Centenário da Cidade da Covilhã, da realização das Feiras de Atividades Económicas, do Parque Industrial, e da Cooperativa dos Fruticultores, entre outras suas iniciativas. Foi ainda o responsável por relatórios visando a criação do Ensino Pós-Secundário na Covilhã, em colaboração, reorganização e reconversão da indústria de lanifícios; relatório de proposta para planeamento da Cova da Beira; sobre os Serviços Municipalizados, e Serra da Estrela – Desenvolvimento Turístico.

Por despacho do Ministro da Educação e Cultura de 18 de setembro de 1974 foi nomeado para a Comissão Instaladora do Instituto Politécnico da Covilhã, lugar criado pelo Decreto-Lei n.º 402/73, de agosto passado. Em 10 de setembro do mesmo ano foi nomeado Presidente daquela que viria a ser a Universidade da Beira Interior.

Na Escola Industrial foi professor de Contabilidade e Cálculo Comercial. Ainda chegou a ser meu professor de Contabilidade, embora por pouco tempo.

Foi autor das seguintes obras: Planeamento Regional, Poesia – Esperança e Ânimo, Serra da Estrela (Bases para programação do seu desenvolvimento turístico – 1975).

Casou com a Dr.ª Maria Ascensão Albuquerque Amaral de Figueiredo Simões, também ela dedicada à Escola Campos Melo, e à Covilhã, tendo sido a Presidente do Conselho Diretivo aquando das Comemorações do Centenário da Escola Campos Melo.

Com o desaparecimento do Dr. Duarte Simões, a cidade e região ficaram mais pobres. A Covilhã admirava-o pelo seu dinamismo, o seu espírito empreendedor e lutador por tudo quanto representava o progresso da região.

A edilidade covilhanense deliberou dar o seu nome a uma das ruas da cidade e homenageá-lo, a título póstumo, com a medalha de ouro da cidade.
(In "Notícias da Covilhã", de 17.09.2015)

8 de setembro de 2015

AQUELA QUE FOI A MONO-INDÚSTRIA NA COVILHÃ

Os tempos mudaram. As crises generalizadas que o País sempre enfrentou, desde que foi fundado, acentuaram-se nalguns setores. Um deles foi o da indústria de lanifícios.
Os dias que correm, face às transformações no mundo, com a globalização, na modernidade, com as descobertas científicas, são incomparáveis aos de ontem.
Contudo, há modos de vida que se encontram enraizados nas populações, que deram prosseguimento à vivência local dos mesmos, como o sangue a correr nas suas veias.
Hoje, a Covilhã, já não é a Covilhã da mono-indústria mas duma vertente de atividades que vão do ensino universitário, maioritariamente, a uma série de pequenas indústrias, com exceção de meia dúzia de grandes empresas de lanifícios; comércio em menor escala, e diversidade de serviços, entre os quais as novas tecnologias.
As crises da indústria de lanifícios na Covilhã são ancestrais. Hoje vemos a existência de muito poucas empresas fabris, entre as quais a maior ibérica, comparativamente com as de mais de uma centena de outrora.
Preservam-se ainda muitos imóveis das antigas fábricas de lanifícios, quase todos devolutos ou em adiantado estado de degradação, com as suas gigantes chaminés, que são ainda o ex-líbris da Covilhã, continuando a tecer o futuro.
A grande crise da indústria de lanifícios do século XX acentuou-se, remontando há quase meio século. Trinta mil pessoas a viver juntas nesta cidade interior do País – referência ao ano de 1968, altura em que deixei a Covilhã temporariamente, durante 42 meses, para cumprir o serviço militar obrigatório.
A Covilhã, inteira, dependia de 130 fábricas que aqui laboravam 48 a 50 por cento da produção nacional de lanifícios. Um terço da população desta cidade, de então (dez mil operários inscritos), trabalhando nesta indústria, sentiam grandes dificuldades, com seus fracos salários.
Nessa altura, já 23 fábricas haviam encerrado por falência. Alguns empresários colocavam os bens em nome de seus filhos, com a tendência para se criarem sociedades de capital limitado. Capitalistas e agiotas aproveitavam a situação, fazendo negócios chorudos para as necessidades imediatas, empurrando o industrial na ruína ou em situações de grande dificuldade. A banca impunha condições exigentes, como nas aberturas de crédito.
Mas em qualquer outro ponto do País onde se trabalhasse em lanifícios, encontravam-se operários e técnicos covilhanenses, com nítida fuga de mão-de-obra para o estrangeiro.
A Covilhã esteve durante muito tempo, com as suas crises têxteis, de costas voltadas para a Serra. Havia uma ideia errada do fenómeno sócio-económico desta cidade. A presença de tão grande concentração industrial com dezenas de fábricas que descem a serra e se estendem pelos vales, e a aparência próspera dos seus habitantes, induziam em erro. Havia uma vida artificial com as pessoas a usufruírem de artigos de luxo em detrimento de bens de primeira necessidade. Nessa altura havia um único hotel na Covilhã – “Solneve”, de Artur de Almeida Campos, que não teve nos seus descendentes a sua força empresarial.
O investimento no equipamento industrial, iniciado 15 anos antes, por parte de empresários, movimentou números elevadíssimos, confiando no futuro, pensando principalmente nas exportações.
Se bem que esta tenha sido a mola real para o desenvolvimento da indústria têxtil covilhanense, foi, simultaneamente, uma das razões principais da crise que então se principiou a delinear. Um dos motivos maiores da crise financeira dos empresários foi no corte de crédito que os bancos fizeram, ou as condições a curto prazo, insustentáveis. Outras causas das dificuldades foi o fraco poder de compra do mercado nacional. Segundo o falecido industrial José Rabaça, o que acontecia na Covilhã era a existência de um excessivo número de micro-empresas. Depois, na Covilhã não havia a indústria completa mas sim a setorial. Enquanto na fábrica completa tudo se conjuga para uma fabricação de artigo final, mais economicamente produzido, nas atividades setoriais procura-se atingir o mesmo benefício à custa do sacrifício da secção alheia. A maior empresa de lanifícios do nosso país não possuía ainda secção de acabamentos (ultimação).
A reconversão desta indústria deparou com um obstáculo intransponível: a falta de preparação de muitos industriais e o seu feroz individualismo. Era o tradicionalismo familiar que imperava. Fábricas passando de pais para filhos. Estes, em muitos casos, com evidente impreparação.
Também a inexistência de um Instituto Industrial na Covilhã. Havia apenas a Escola Industrial e Comercial Campos Melo. Hoje o problema está resolvido com a Universidade da Beira Interior.
Ainda não tínhamos entrado na União Europeia mas, entretanto, segundo acordos da EFTA, logo que um produto atingisse ou ultrapasse 15 por cento de exportações, deixava de estar sob proteção pautal, podendo assim os produtos de outros parceiros entrar livremente no nosso pobre mercado, com concorrência aberta da Grã- Bretanha e da Suíça.
Depois da lã da região, com a industrialização, a Covilhã passou a ser um consumidor dos grandes fornecedores mundiais de lã – a África do Sul, a Austrália e a Nova Zelândia. Mas nunca deixou de se mover em volta da sua indústria secular.
Para obstar aos problemas da mono-indústria, nunca foi levado a sério, ou com entusiasmo férreo, o desenvolvimento do Turismo, numa zona privilegiada como é a Serra da Estrela, com a sua porta principal na Covilhã.
Naquela altura, há quase meio século, o turismo na Covilhã não passava duma pequena sala iluminada, no Centro Cívico, onde se encontrava um taciturno funcionário dizendo quase não a tudo, embora com um sorriso, porque não havia informações. Para além do “Solneve”, existia apenas, nas Penhas da Saúde, a “Estalagem do Pastor” e o velho “Hotel das Penhas da Saúde”.
Os operários e empregados dos lanifícios recebiam à semana, dando assim a ilusão de um desafogo económico na Covilhã. O dinheiro corria sempre. Havia sempre dinheiro fresco. As casas comerciais utilizavam as pequenas prestações mensais – “as deixas” – que atraíam o operariado. Um fato não se pagava, descontava-se na féria. Daqui o poder andar-se bem vestido, ou gastar dinheiro numas cervejas ou nuns cafés. O “Montalto”, à sexta-feira tinha os agiotas e espetadores que desde a hora do almoço aguardavam que um empresário aflito lhes vendesse uma letra de 70 contos por 40, ou lhes pedissem empréstimos para pagar a féria ao pessoal, preferindo este sistema à busca direta de um banco, a fim de que este não se apercebesse das dificuldades em que se debatia. Era o coração de uma crise que se reforçava na Covilhã.
Hoje, apesar das várias crises, a Covilhã está indubitavelmente muito melhor. Outros tempos.


(In "fórum Covilhã", de 08.09.2015)