11 de agosto de 2016

A PONTE

1 - Todos os anos há efemérides. Nuns mais que noutros. Eventos mais celebrizados para uns que viveram nesses tempos, ou, então, memórias que ficam para a história.
Por exemplo, eu ainda não tinha vindo ao mundo, nem meus trisavós, quando Vasco da Gama chegou à Índia, por mar. Nem mesmo pouco depois, quando das guerras intestinas com Pedro Álvares Cabral face à segunda opção por D. Manuel I, que encarregara este da nova missão à Índia, deixando o outro, Gama, furioso. No entanto, as comemorações fazem-se duma forma generalizada.
Mas lembro-me da inauguração da Ponte Salazar, hoje designada Ponte 25 de Abril. Tinha eu vinte anos, e ainda era de menoridade. Nesses tempos só se adquiria a maioridade aos 21 anos!...
Antes desta ponte, só tinha atravessado uma outra verdadeiramente importante – a Ponte Marechal Carmona, conhecida também por “Ponte de Vila Franca de Xira” – numa excursão a Lisboa, regressando pela Figueira da Foz, no estio de 1957, ou seja, nove anos antes. Organizada pelo Francisco Carrola, foi nessa altura que o seu falecido irmão, António, conheceu a namorada com a qual viria a casar.
A família Melchior, entre as quais me recordo da Olga, também participou. Assim como outra família: dois irmãos, Cristóvão, e a mãe. Um deles, mais velho, andou comigo na “Primária”, no Asilo. Para além destas reminiscências do passado varreram-se da memória outros nomes, que, certamente, face às suas idades, já passaram para o outro lado da vida. São mais de 50 anos!
Mas voltemos à Ponte Salazar, hoje Ponte 25 de Abril. A sua construção foi conseguida, depois dos primeiros esboços que serviram de inspiração à estrutura que hoje conhecemos, corria o ano da graça de 1876, com o engenheiro Miguel Pais. Os esforços para a construção de uma ponte voltaram a surgir m 1953 quando o Ministério das Obras Públicas era liderado por José Frederico Ulrich. Mas só em 1960 apresentou as quatro propostas concorrentes, sendo o contrato para a construção assinado em 21 de fevereiro de 1961, pela empresa norte americana United States Steel Export Company, líder da produção de aço à escala mundial.
Houve um investimento de 2,2 milhões de contos (equivalente a onze milhões de euros), tendo os trabalhos começado em novembro de 1962, num desafio de engenharia sem precedentes no país. As suas quase 73 mil toneladas de aço e os 263 mil metros quadrados de betão foram trabalhados por 14 empresas, 11 das quais portuguesas. Durante o período de construção chegaram a trabalhar na ponte três mil empregados num só dia. Ainda antes de estar completa, a ponte sobreviveu a dois terramotos.
Menos de dois meses antes da inauguração da Ponte Salazar (à altura) tinha eu ido à inspeção militar, naquele sábado de 11 de junho de 1966, nas instalações do então já extinto, ou em vias de extinção, quartel do Batalhão de Caçadores 2 (hoje instalações da Universidade da Beira Interior). Resultado: apurado para todo o serviço militar. Havia então completado o Curso de Formação Geral do Comércio e efetuado o exame de aptidão, na Escola Industrial e Comercial Campos Melo, e, no dia 30 de março a 2 de abril, desse ano de 1966, fomos na viagem de finalistas a Santiago de Compostela.
E Madalena Iglésias representava Portugal no Festival RTP da Canção, com a canção “Ele e Ela”.
Pelas bandas da Covilhã, o Sporting local (SCC) mantinha-se na II Divisão Nacional, tentando a subida, na Zona Norte, com boa participação na Taça Ribeiro dos Reis. O velho Cardona, que vendia gelados, mas também bolos, quando o SCC metia um golo, tocava a sineta no Santos Pinto. Pelo Pelourinho, caminhava o conhecido Humberto, vendendo a lotaria, sempre a fumar. Na Câmara Municipal da Covilhã, João Lanzinha, onde era funcionário – capitão dos Leões da Serra, ia preparando o arrumar das chuteiras. O êxodo da emigração ainda se mantinha. E o contrabando também. Dava-nos jeito que o cabo de cantoneiros dos Vales dos Rio, que tinha um comércio na terra, nos vendesse diverso material mais barato: canetas Pelikan, rádios transístores National, e outras coisas mais.
Entretanto, a ponte foi inaugurada em 6 de agosto de 1966, num sábado, que, segundo Salazar, preferia que tivesse não o seu nome, mas o de “Ponte de Lisboa”. O nome acabaria no entanto por ser “Ponte Salazar” até 1974, em que foi substituído por “Ponte 25 de Abril”.
O Norte e o Sul do país ficaram assim mais próximos com a inauguração da ponte sobre o Tejo, sendo, à altura, uma das maiores do mundo. Embora estivesse previsto desde o projeto inicial, só em 1999 é que os comboios começaram a passar sob o tabuleiro superior da ponte.
A “Ponte sobre o Tejo” permitiu uma abertura de oportunidades nos dois sentidos, quer para a Margem Sul quer para a Margem Norte, mas também ligou o país.
2 – Faleceu o António “Pinga”. Figura carismática da Cidade, humilde e educado, há muitos anos que escolheu um modo de vida não condizente com os tempos da sociedade atual. Chegou a viver bem, e até foi antigo Combatente no Ultramar. O seu local habitual era, até há pouco tempo, na zona do Pelourinho. Aí encontrava pouso onde muitos amigos dele tinham compaixão. Mas não chegava. Era preciso fazer algo mais. Retirá-lo, e ao irmão, do emaranhado de penumbra onde se encontrava, numa casa a desmoronar-se. E encontrar meios de subsistência, higiene e saúde, a que sempre se furtaram. A maior solidariedade, há muitos anos sob a orientação da Conferência Vicentina da zona, num trabalho muitas vezes insano, mas de persistência, lá conseguiu uma casa, em condições habitacionais, com a colaboração dos serviços sociais da edilidade covilhanense, já que da anterior autarquia os esforços haviam sido em vão, mas, mesmo assim, a solução neste emaranhado mental de vivência do “Pinga”, e seu irmão, tudo dificultavam. A persistência dos vicentinos mantinha-se nas várias vertentes da solidariedade, inclusive, no seu transporte e acompanhamento aos serviços hospitalares.
Após o falecimento da mãe e do irmão mais velho (que tinha uma viola) não lhe conhecemos família para além do irmão mais novo com quem vivia, também em idêntica situação mórbida, e uma sobrinha. A sua maior família, muito grande, foi a vicentina, que sempre lhe prestou assistência, mesmo contrariando a vontade do “Pinga” e do irmão.
E a forma como esta Figura era conhecida na Cidade, há longos anos, numa indigência a todos os títulos escusada, mas na exemplaridade duma grande humildade e educação, levou a que o António “Pinga”, de seu nome António Manuel Ascensão Jorge, tivesse; de muita gente que quase encheu a Igreja de S. Francisco, e nas muitas manifestações de pesar, nas redes sociais; um funeral de uma Figura de memória.
Faleceu no dia 1 de agosto, data em que completaria 71 anos.

(In "Notícias da Covilhã", de 11-08-2016)

9 de agosto de 2016

SÃO FÉRIAS, SENHORES

Com esta canícula, em período de férias, iniciada a silly season (quando alguns dizem que neste ano a mesma nem chegou a existir), com o futebol ainda em preparação para as grandes contendas desportivas, na época que já emergiu para novas grandes decisões, não há grande inspiração para o cronista.
Os portugueses numa onda ganhadora de títulos. Ainda não se vê D. Marcelo I, da era de Costa, cansado de tanta atribuição de comendas. Que isto de medalhas é só mandar executá-las. Estamos na Europa (e prenúncio na América) com o feminino a botar de sua justiça: Angela Merkel, Theresa May e Hillary Clinton. Há pelo menos um respirar de alívio por falta de tédio: deixou de se falar tanto em sanções, atentados, Brexit, o êxtase patriótico no retorno à unidade orgânica da pátria com o fim das divisões malvadas, ainda que temporariamente enquanto o cachecol da seleção esteve em todos, e, como diz Pacheco Pereira, também “com os artistas menores do PSD, porque o maior mantém a compostura de primeiro-ministro no exílio. Traz a bandeirinha à lapela e a zanga com o destino que lhe deu a geringonça no bolso”. Entretanto, Portugal ganhou mais um título – “A Taça das Zero Sanções”.
Mas para se ganhar no campeonato político é preciso uma intensa atividade, com a persistência como último fôlego, no tempo de compensação das disputas desportivas da alta competição, ou no seu período de prolongamento.
Consta que valeu terem os “árbitros assistentes” Jean-Claude Juncker (luxemburguês) e Carlos Moedas (português) levantado bem as bandeirinhas ao “árbitro” Jeroen Dijsselbloem que queria assinalar grande penalidade contra Portugal.
Agora o estranho é que o Goldman Sachs tenha escolhido outro árbitro, que passou à reserva, José Manuel Durão Barroso, lusitano, para ir apanhar Pokémons “americanos”, nos seus jardins, considerada já uma escolha provocatória.
É que Barroso ocupou durante dois anos o cargo de primeiro-ministro de Portugal e dez anos presidente da Comissão Europeia, sem ter conseguido pescar em Portugal peixe algum para além do cherne. E em Bruxelas ser um alto servidor de Merkel, varrendo o lixo para debaixo do tapete. Ele que foi apanhado a dormir pela crise que em 2008 varreu a Europa.
Bom, mas agora são férias, senhores.
É uma oportunidade para na recente febre da busca de Pokémons encontrarmos, como têm dito, um valioso analisador do estado da nossa vida coletiva.
Pelas Américas teremos eleições presidenciais lá para Novembro. Donald Trump devia ir numa cápsula para outro planeta, o despromovido Plutão.
Mas, já que estou numa destas de visitar, pela segunda vez, Israel e Jerusalém, daqui por uns dias, como o fizera há nove anos, trago a este espaço as principais figuras israelitas do momento, que, tal como por outras bandas do planeta, têm as suas composturas próprias, aceites por uns, repudiadas por outros.
O Primeiro-ministro é Benjamin Netanyahu, nascido em 1949, do partido Likud, que está cumprindo o seu 2.º mandato, e que iniciou em 31 de março de 2009 (o 1.º mandato exerceu-o de 18 de junho de 1996 a 6 de julho de 1999).
O cargo de Primeiro-ministro do Estado de Israel é o mais alto do governo, apesar de que oficialmente o Chefe de Estado seja o Presidente.
Mas há uma outra figura, controversa, que se chama Avigdor Lieberman, o mais contestado, que é o ministro da Defesa de Israel, desta potência nuclear, campeã da ocupação ilegal de outro povo.
Os árabes israelitas, ou seja, palestinianos que ficaram com cidadania israelita em 1948, são hoje um quinto da população de Israel. O equivalente a dois milhões de portugueses, só que com menos direitos.
Lieberman é um judeu de língua russa, nascido na ex-URSS, como muitos que vieram entretanto morar para Israel. Em julho passado Lieberman resolveu comparar o escritor Mahmoud Darwish a Hitler e dizer que os poemas dele são “um fuel do terrorismo”, segundo narra a jornalista Alexandra Lucas Coelho, a residir em Jerusalém, “ofendendo assim não apenas todos os palestinianos, como milhões de árabes que têm Darwish como um dos maiores nomes da sua cultura”.
Mahmoud Darwish, que morreu em 2008, foi sempre um laico. Nascido na Galileia, teve de fugir com a família para o Líbano em 1947. Quando voltou, depois da declaração do Estado de Israel, já não podia ser cidadão. Fez-se comunista em Haifa, no Norte de Israel, integrando a OLP, já no exílio, e escreveu a declaração nacional da Palestina para Arafat ler. Saiu da OLP em desacordo com os Acordos de Oslo, que não resolviam a questão dos refugiados palestinianos no Líbano, Síria e Jordânia. Ao mesmo tempo não punha em causa a existência de Israel, defendendo a solução dois estados. Foi um forte crítico do Hamas, e da divisão palestiniana em 2007. Os palestinianos veneram-no como símbolo nacional. A sua prosa e poesia fazem parte de currículos escolares do Levante ao Magrebe.
Mahmoud Darwish quando namorava a judia Tamar Ben Ami, escreveu várias cartas de amor, e alguns poemas, alguns deles vistos pelos palestinianos como uma referência à pátria.
Antes de Tamar, outra judia marcou o seu percurso: Shoshana Lapidot, professora de hebraico, enviada pelo governador militar para Yasif, a aldeia onde a família do poeta se instalou quando o pai decidiu fugir das tendas de refugiados no Líbano.
Observemos a doçura dos versos do poeta Darwish para a sua amada Tamar Ben Ami, a quem considerava a judia de “olhos cor de mel”: “Tamari (diminutivo carinhoso), não estou a escrever mas a sussurrar ao teu ouvido/ (…) Estás no meu quarto/na minha cama/na minha mala/no meu livro/na minha caneta/no meu coração e no meu sangue/ Teu Mahmoud.”

Em 1967, Mahmoud Darwish foi preso, porque as autoridades militares israelitas consideravam os seus poemas subversivos. Em 1970, ele mudou-se para Moscovo. Em 1992, Darwish entrou na Cisjordânia pondo fim ao exílio.

(In "fórum Covilhã", de 09-08-2016)