16 de novembro de 2016

DOUTORES NO PAÍS DAS MENTIRAS

Já não é só de agora que casos como os que recentemente ocorreram no seio do Governo vêm, em muitas cabecinhas pensadoras, conferir-lhes um superior status social na ostentação de um título.
É indubitável que os recentes casos de falsas licenciaturas são mais esse sinal da importância que no nosso país se atribui a ser tratado por “Doutor” ou “Engenheiro”.
Não é que um curso superior não seja importante para a vida profissional de quem o completa apesar de nos últimos anos ter aumentado o número de desempregados licenciados e estarem cheios os call centers e os hipermercados com licenciados.
O que é certo e verdade é que este fenómeno não se encontra noutros países europeus, a começar por Espanha e muito menos na Grã-Bretanha.
Parece-nos que se tem verificado esta tendência para a mentira numa altura de mais facilitismo para obtenção de uma licenciatura pelo Processo de Bolonha, o que veio já algumas empresas a preferirem para os seus quadros quem obteve os seus cursos pré Bolonha.
É que na política quase vai valendo tudo, não havendo receio (o que é de estranhar) que se venha a descobrir o que se esconde no véu da mentira. Será que haverá tanta ingenuidade nos pseudodoutores? E, pior ainda, nos que no âmbito do amiguismo ou jogo de interesses (com a agravante de se verificaram em serviços do Estado), dão encobrimento a esta ostentação?
Curioso, a pretexto deste assunto, um caso que se passou com um antigo colega, conimbricense, na então minha atividade profissional, nos finais dos anos setenta do século passado, ou princípios de oitenta, durante uma reunião nacional de formação, em Lisboa. Ali ouvimos um grande elogio aquele colega, pelo subdiretor da empresa, porque, aquele colega, “na sua humildade, nem sequer se vangloriou de ter já completado duas licenciaturas, o que se apraz registar”. Passado pouco tempo já o mesmo constava com o título de“Dr.” atrás do seu nome, nas comunicações de serviço, e até colocado em tarefas num serviço hierarquicamente superior. Também pouco tempo durou esta surpresa, porque outra vinha pôr cobro à mentira que tinha apresentado no seio da empresa, quando chegaram à conclusão que confiaram na palavra mas não se concretizou na realidade. Resultado: o homem ainda não tinha concluído os cursos. E a situação foi voltar-se o feitiço contra o feiticeiro. Aqui fica bem patente aquela velha expressão de que mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo.
E, voltando à ostentação do título de “doutor”, foi notório, após as últimas eleições autárquicas num concelho desta região, a envolvência em polémicas do anterior presidente da autarquia que completara o curso superior havia poucos meses, a tentar denegrir publicamente o atual presidente, tratando-o por “senhor”, este que tem o curso superior há mais de duas décadas, enquanto que o polémico ex-autarca fazia salientar na escrita o seu “nobre” título de “Dr.”, quase sempre no uso do subterfúgio. Aqui está uma prova de que a imagem dos títulos pesam no ego de algumas pessoas.
Há dias houve uma chamada de atenção quando surgiu na net a notícia de haver certificados do 12.º ano à venda. O país enlouqueceu!
Ora, o assunto em questão reporta-se às notícias vindas a público relativamente às falsas licenciaturas de Nuno Félix e Rui Roque, respetivamente adjunto dos Assuntos Regionais do primeiro-ministro António Costa; e chefe de gabinete do secretário de Estado da Juventude e do Desporto, do mesmo Governo, com a sua inserção no Diário da República.
Já anteriormente houve outros “falsos licenciados”, no primeiro Governo de Passos Coelho, com Miguel Relvas, a quem lhe foi retirada a licenciatura; e também José Sócrates tinha visto a sua licenciatura pela Universidade Independente ser posta em causa pela forma irregular como teria sido concluída. A equivalência concedida ao antigo primeiro-ministro foi considerada nula, mas este manteve o título de engenheiro.
Mas será que não se pode chegar aos pontos mais elevados da política, ou de outras situações normais da vida deste pedaço do planeta mais ocidental da Europa, sem um curso superior? Que eu saiba, houve um grande Presidente do Brasil, de nome Lula da Silva, e um grande escritor português que chegou a Prémio Nobel da Literatura – José Saramago –, que não eram doutores nem engenheiros.
Nesta petulância que vem grassando pelo país em que, não poucas vezes, se protege o atrevimento, se enaltece a ignorância e se honra o demérito, não seria ocasião soberana para se tomarem decisões definitivas e rigorosas para pôr fim a este descrédito e abusos? E, se começarmos a revolver a terra de má semente caída, ainda temos que nos preocupar com aqueles que plagiam, e escrevem livros, a ser verdade, como tendo sido outros, objeto de notícias recentes na comunicação social. É que, como diz João Miguel Tavares, “a cultura jobs for the boys está muito longe de ter esmorecido”.
E tocamos também num ponto, conforme refere José Pacheco Pereira: “A contínua degradação da política e do pessoal político (…) e a crescente importância de carreiras pseudoprofissionalizadas, que se fazem dentro dos partidos por critérios que pouco têm que ver com a seriedade, o mérito, a capacidade política, profissional e técnica, têm mais que ver com fidelidades e intrigas de grupo e com acesso ao poder do Estado por via do poder partidário”.

E até recordamos uma expressão antiga dos chamados “doutores da mula ruça”. Terá sido talvez por isso que, no domingo, dia 6 de novembro, estes doutores da TVI transmitiram parcialmente a missa da Igreja de S. Tiago, na Covilhã, no aniversário da Fraternidade Nuno Álvares, parcial e não globalmente, quando no programa dava das 11 às 12,30 horas. Pois é, como alguém disse, reclamando para aquela estação televisiva: “A publicidade pesa mais alto”. No entanto, apraz registar a resposta da TVI, horas depois, ao reclamante: “Informamos que a sua crítica construtiva mereceu a nossa melhor atenção e foi reencaminhada para a nossa Direção de Programação”.

(In "Notícias da Covilhã", de 17-11-2016)

8 de novembro de 2016

A CIMEIRA DA CPLP E A ILEGITIMIDADE DE UMA ADESÃO

Sobre este assunto me referi, neste mesmo espaço, no verão de 2014 (“Dos oito séculos da Língua Portuguesa à pobre diplomacia”).
Volto ao tema face à Cimeira da Comunidade dos Povos da Língua Portuguesa (CPLP), realizada em Brasília, na República Federal do Brasil, nos dias 31 de outubro e 1 de novembro.
Como é sabido, esta Comunidade completou, em julho, 20 anos e a personalidade inspiradora da sua criação dá pelo nome de Jaime Gama, então Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, ainda que já tivesse sido sonhada por muitos ao longo dos tempos, mais de uma década antes do seu nascimento. Pois tal aconteceu aquando de uma sua visita oficial a Cabo Verde, em 1983, para uma reunião dos membros dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), na qual se referiu nestes termos: “O processo mais adequado para tornar consistente e descentralizar o diálogo tricontinental dos sete países de língua portuguesa espalhados por África, Europa e América seria realizar cimeiras rotativas bienais de Chefes de Estado ou Governo, promover encontros anuais de Ministros de Negócios Estrangeiros, efetivar consultas políticas frequentes entre diretores políticos e encontros regulares de representantes na ONU ou em outras organizações internacionais, bem como avançar com a constituição de um grupo de língua portuguesa no seio da União Interparlamentar”.
O mundo vivia tempos de Guerra Fria e o Brasil estava no processo de transição democrática. A diplomacia portuguesa vivia momentos eufóricos e de grande atividade na sequência da assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à CEE.
O processo evoluiu e ganhou a dinâmica decisiva na década de 90, mas já então, em novembro de 1989, no Brasil, no primeiro encontro de Chefes de Estado e de Governo dos países de Língua Portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe), a convite de José Sarney, Presidente brasileiro, se decidiu criar o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), cuja instituição se ocuparia da promoção e difusão do idioma comum da Comunidade.
Com a evolução na continuidade, depois de vários eventos realizados, e decisões tomadas, em 17 de julho de 1996, em Lisboa, na nova Cimeira é criada a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O número de países aderentes passou a oito, em 20 de maio de 2002, com a independência de Timor-Leste. Entretanto, depois de um circunstanciado processo de adesão, em 2014, surgiu o nono membro da Comunidade – a Guiné Equatorial.
Tendo em conta que a CPLP se rege por princípios entre os quais o “primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social”, têm vindo a surgir incompatibilidades com a Guiné Equatorial, desde do seu início, em virtude do seu presidente Teodoro Obiang não abolir a pena de morte, refugiando-se em subterfúgios; assim como não se fala o português (ainda que tenha mencionado ser acolhida como a terceira língua falada no país), no ridículo advindo de um país em que sabe que, para integrar a Comunidade, a primeira razão de ser é a língua portuguesa; e cuja página oficial da Internet está apenas disponível em espanhol, inglês e francês. A adesão da Guiné Equatorial, em 2014, teve patrocinadores fortes como Angola, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau; e o Brasil, com a sua carta de interesses.
Esta organização internacional parece estar em declínio face a opiniões diversificadas de cidadãos dos vários países integrantes, numa deceção com que encaram o presente e o futuro de uma comunidade cuja existência parece dizer cada vez menos aos milhões de cidadãos que dela fazem parte, onde a crise, que atingiu vários países, e as consequências da globalização, são fatores influentes nas tomadas de posição.
Depois, foi o abrir de portas a novos membros, como a Guiné Equatorial, que não partilham os valores democráticos e a defesa dos direitos humanos.
Ora, nas negociações desta última Cimeira, em Brasília, em que o Primeiro-ministro português, António Costa, propôs “liberdade de fixação de residência” na CPLP, sendo uma boa ideia e justa não deixa de ser despropositada já que, penso, jamais passará pela peneira dos parceiros do espaço Schengen, os quais já sentem na pele os efeitos com os migrantes que teimam com a Europa para poderem viver com tranquilidade. Nas mesmas negociações tratou-se da entrada de cinco novos países como observadores associados – República Checa, Eslováquia, Hungria, Costa do Marfim e Uruguai – que assim se juntam às Ilhas Maurícias, Namíbia, Senegal, Turquia, Japão e Geórgia.
Pois bem, em vez da Guiné Equatorial, preferia a admissão do Uruguai, que, embora falando o espanhol, não tem idioma oficial; e também pela razão história “de que a República Oriental do Uruguai, como é seu nome constitucional, foi criada para servir de tampão entre o Brasil e a Argentina, sucessora do império português e do império espanhol. Muita gente já ouviu falar da uruguaia Colónia do Sacramento, que foi a mais meridional das cidades portuguesas e se situa em frente a Buenos Aires. Todo o Uruguai foi, no início do século XIX, parte do Reino Unido de Portugal, do Brasil e dos Algarves, com o nome de Província Cisplatina. Após 1822, o Uruguai passou a fazer parte do Império Brasileiro. Em 1825, o Uruguai tornou-se independente”. E a língua portuguesa é de ensino obrigatório nas escolas do país. A pena de morte foi abolida em 1907.
Sabemos, contudo, que é enorme o potencial da CPLP já que se prevê que o número de falantes de português em todo o mundo ultrapasse os 300 milhões, em meados do século. Por outro lado, metade das novas reservas de gás e petróleo recentemente descobertas situam-se no seu espaço.

Esta crónica não nos permite inserir mais conteúdo importante, como é óbvio, pois daria pano para mangas, como sói dizer-se. No entanto referir que nesta XI Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) houve a congratulação com a escolha de António Guterres para o cargo de Secretário-Geral das Nações Unidas, “o primeiro cidadão de um Estado membro da CPLP a ocupar tão elevada posição”.

(In "fórum Covilhã", de 08-11-2016)