18 de janeiro de 2017

ESTÓRIAS DA HISTÓRIA – II

Com este mesmo título publiquei um artigo em 23 de março de 2006. Vem a propósito, para esta crónica, o que então escrevera há mais de uma década.
Falemos então de Mário Soares e António Costa que, indubitavelmente, irão ficar nas páginas da História de Portugal, por motivos diferentes.
A geração que hoje se situa entre os 40 e os 50 anos não esteve à altura do legado do 25 de Abril. Não correspondeu às expetativas emanadas deste movimento depois de a Europa ter também deixado de ser o sonho após a perda de África.
É que o lugar do sonho depressa foi ocupado por uma geração sem sentido, fascinada com o novo-riquismo do dinheiro a crédito e no facilitismo bancário. O resultado de hoje foi deixar aos filhos um país menos esperançoso.
Mário Soares ensaiou um caminho em busca de um Portugal aberto, moderno e cosmopolita. Foi um lutador antes e após 25 de Abril, na firme convicção de que só se curariam as feridas do fim do império e de eliminar a pobreza de âmbito material e moral do salazarismo se o seu destino se fixasse ao das democracias do Ocidente. Ele e os democratas que inspiraram o 25 de Abril ajudaram a derrotar as tentativas totalitárias do Verão de 1975. Neste sentido muito bem ilustrou Manuel Carvalho, na sua “Memória futura”, do Público. Quase tudo já se escreveu e se disse sobre Mário Soares, o qual inequivocamente se irá perpetuar nos anais da história portuguesa. O povo português soube responder, em várias vertentes, no seu último adeus: “Obrigado, Mário Soares!”. Sendo laico e agnóstico esteve na defesa da Igreja. E, dando grande exemplo a muitos católicos, esteve casado com a sua única mulher, Maria Barroso, quase sete décadas.
Não tive contactos com Mário Soares mas algumas vezes estive perto dele. Na sua primeira visita à Covilhã, e à porta da sede do Partido Socialista, então sediada na Rua Comendador Campos Melo, depois de muitos abraços e beijos, onde não faltava a popular Seabra, falava num acontecimento importante, que não recordo, que dizia vir publicado no Diário de Notícias desse dia, o qual ainda não tinha comprado. Como eu levava o jornal debaixo do braço, apressei-me a oferecer-lho.
Naquele ano de 2006, no meu aludido artigo, registava o facto de que Portugal atravessava a crise mais prolongada dos últimos 25 anos, pois que, em vez de uma doença súbita, a então crise era de uma agonia prolongada. Os anos foram passando e os receios mantiveram-se. Vamos respirando um pouco melhor.
Memorizando algumas efemérides da altura, saltei para o ano 1961 com o pretexto de recordar o líder soviético, Nikita Krustchev, que denunciou Estaline, com o seu “discurso secreto” deixando sementes que germinaram com Gorbatchov. Vivia-se a guerra fria com o presidente americano John Kennedy a manter os Estados Unidos mergulhado no pântano vietnamita e no fracasso da Baía dos Porcos, em Cuba, na crise dos mísseis nucleares.
Naquela década de 60, do precedente século, em Portugal vivia-se a ditadura e o mundo exigia, na ONU (hoje com o português António Guterres como seu secretário-geral) a independência das colónias portuguesas. Nikita Krutchev, que era a favor da libertação das mesmas (então designadas províncias ultramarinas), numa ida às Nações Unidas, para se fazer ouvir, proporcionou um espetáculo cujas fotos correram as capas dos jornais portugueses, ao bater com o sapato, que descalçara, na tribuna donde pretendia falar. Em Portugal, cada vez mais pressionado para entregar as colónias, viu-se confrontado com Nehru a mandar invadir Goa. Surgiram assim, por todo o País, grandes manifestações patrióticas contra a invasão da Índia Portuguesa. Também as houve na Covilhã. Da Escola Industrial, o diretor Ernesto de Melo e Castro dava ordens: “Todos à manifestação ao Pelourinho!”. Eu também lá estive no meio da multidão que, num ápice, se aglomerou. Bandeiras e cartazes improvisados serviam para a manifestação contra a invasão da Índia Portuguesa, em cuja possessão ultramarina se encontravam muitos militares portugueses a tentar resistir. Recordo-me, no Pelourinho, de alguns colegas estudantes da Escola Industrial, do Liceu e do Colégio Moderno, no meio daquele maralhal. Entre eles havia um cartaz empunhado pelo estudante João Rosa Lã (anos mais tarde viria a ser Embaixador de Portugal em Madrid, Paris e Marrocos) que dizia: “Deem Toddy ao Krustchev!”. Nesse tempo passava todos os dias pela televisão (de um único canal a preto e branco) a publicidade ao Toddy.
É aqui que surge agora António Costa, numa visita histórica à Índia, incluindo Goa donde tem a sua origem. É, de facto, “uma ocasião política que nos permite entrever o arco que vai da primeira globalização – quando Vasco da Gama chegou à Índia em 1498 – até à crise da globalização presente”, nas palavras de Rui Tavares. De facto, é esta em que um político português com origens em Goa e no antigo Estado Português da Índia visita a República da Índia.
As relações entre Portugal e a Índia não foram fáceis. Curioso é que, no mesmo ano em que o primeiro-ministro português, António Costa, nasceu, em 1961, Goa foi anexada pela Índia, junto com os outros territórios portugueses no subcontinente indiano.
A Índia é o segundo país mais populoso do mundo, com uma das economias mundiais que mais cresce.
A grande esperança é que desta visita venham vantagens acrescidas para Portugal.





 (In "Notícias da Covilhã", de 19-01-2017)

10 de janeiro de 2017

A NOVA IGNORÂNCIA

Vem o título desta primeira crónica do ano da graça de 2017 a ser reflexo das que escreveram José Pacheco Pereira no Público de 31 de dezembro, e a resposta, de António Guerreiro, na revista Ípsilon de 6 de janeiro. Depois, a repercussão das críticas, inseridas no mesmo jornal de 7 de janeiro, por Pacheco Pereira.
“Parece que falar da ignorância coloca logo quem o faz numa situação de arrogância intelectual”, diz Pacheco Pereira.
“Acompanha outro tipo de fenómenos como o populismo, a chamada “pós-verdade”, a circulação indiferenciada de notícias falsas, e, o que é mais grave, a indiferença sobre a sua verificação”.
Temos visto, de vez em quando, de uma forma subtil mas, paradoxalmente, na envolvente de uma raiva não contida, algumas críticas direcionadas para textos publicados por articulistas em periódicos desta região, que incomodam quem critica, sem a frontalidade na nomeação dos seus autores, evitando o óbvio contraditório. Serão assim sempre censurados no âmbito da cobardia. São, geralmente, os detentores de espaços que não só lhes pertencem, mas que se julgam como tal, arrogados num pedestal em que para aí se arrastaram.
Os casos, verídicos, que nos chegaram ao conhecimento, da forma como algumas instituições deixaram passar alunos, nas “Novas Oportunidades”, para obtenção dos 9.º e 12.º anos brada aos céus; e como alguns alunos do ensino superior redigem, assobiando para o lado quanto à ortografia, é de autêntica risada, melhor dizendo, tristeza. Isto nada tem a ver com o facto de termos sido uns ases, pela primeira vez acima da média da OCDE, com os melhores resultados de sempre nos testes PISA 2015, em Literacia Científica, Leitura e Matemática.
E, embora tenhamos as gerações mais qualificadas, estamos alheios à nova ignorância. É que a sociedade potencia o uso das novas tecnologias que fazem as pessoas olharem para os telemóveis centenas de vezes, diariamente, com os adolescentes na linha da frente. Não há as grandes relações humanas de vizinhança, de companhia e amizade, sem interações de grupos, na interpretação bem lúcida quão esclarecedora de Pacheco Pereira. A maior punição para um adolescente é retirar-lhe o telemóvel. É deprimente ver em qualquer sítio, seja na entrada da escola, num restaurante, ou mesmo na rua, pessoas que embora estejam juntas, não se falam. Falam para o invisível, do aparelho que sai do bolso, ou então nem da mão sai, estando sempre numa atenção latente ao telemóvel, mandando mensagens, enviando fotografias, tirando Selfies, entrando no Facebook, às catervas de vezes ao dia. Nesta ignorância que integra a sociedade, deixou de haver silêncio e tempo para pensar, deixando a curiosidade de olhar para fora, ao invés se metem na sua abstração. E ninguém os detenha, os incomode, os irrite, deixem-nos em paz. Se atentarmos no que se escreve no Facebook, ficamos a conhecer melhor as pessoas na sua ignorância, que, nalguns casos, é de pasmar, independentemente de terem ou não algum canudo.  
Já António Guerreiro contesta: “E tal como não há “nova ignorância”, também não é novo querer combatê-la com os instrumentos da crítica da ideologia. Mas como pode Pacheco Pereira excluir-se do processo da “nova ignorância”, e denunciá-la, se participa ativamente nos meios que a produzem? A esta pergunta também me vejo obrigado a responder: não tenho tais ilusões e estou consciente da contradição a que me exponho semanalmente”.
Pelo que se deduz, na contemplação das redes sociais, muitos dos seus utilizadores têm aqui a sua fonte onde vêm beber quase toda a sua informação. Não será esta, quantas vezes, uma “nova ignorância” no ataque ao saber? E, tal como António Guerreiro escreve, também todos os que escrevemos nos jornais nos expomos à crítica, se bem que é da discussão que nasce a luz, segundo o provérbio.
Vamos agora ter neste novo ano um dos maiores riscos para o mundo com a presidência ignorante dos Estados Unidos em que as redes sociais o alcantilaram ao poder. Nestes ventos de “trumpestade”, a vitória de Donald Trump constitui a segunda grande surpresa internacional do ano, depois do Brexit. E como em relação ao “adeus europeu” de Londres, com Trump na Casa Branca, sabemos melhor quem perdeu do que quem venceu. Será que o povo americano foi assim tão ignorante, elegendo um presidente politicamente incorreto, populista, reacionário, isolacionista, racista, demagogo, machista, sexista, aventureiro, impreparado, e o mais que se lhe queira chamar? É óbvio que venceu, e em democracia os resultados de uma eleição são sempre legítimos.
Habituámo-nos a olhar para os EUA como a maior democracia do mundo e ao seu presidente como o líder do mundo livre. Os verdadeiros democratas não conseguem ver isso em Donald Trump.

Tendo ocorrido o falecimento do primeiro Presidente da República civil, Mário Soares, após a Revolução dos Cravos, no dia 7 de janeiro, que sucedera ao general Ramalho Eanes, aquele que foi um grande democrata e eterno lutador pela liberdade, com justiça quase todos os jornais dizem: “Obrigado Mário Soares!”.


(In "Fórum Covilhã", de 10-01-2017)