19 de dezembro de 2018

UM FINAL DE ANO AGITADO


Neste caminhar para o final do 18.º ano do século XXI da Era de Cristo, muitas coisas vêm acontecendo não só no retângulo mais ocidental da Europa como também neste mesmo Velho Continente.
Começando pelo nosso país, as greves não param. Há 47 pré-avisos até final do ano, sendo que 11 setores da função pública estão em greve com essa intenção de continuidade. Não haverá um único dia sem paralisações, refere a comunicação social.
Neste mês de dezembro o setor da saúde é o mais afetado, com os enfermeiros que iniciaram a greve em 22 de novembro e já ameaçaram a continuidade em janeiro, com milhares de cirurgias adiadas, apesar do apelo ao bom senso por vários responsáveis do país, entre os quais o Presidente da República. A Ordem dos Enfermeiros tem vindo a descredibilizar-se publicamente, suscitando uma compreensível repulsa da sociedade portuguesa. O seu Movimento Greve Cirúrgica – que esteve na base da greve, lançou um fundo aberto ao público que recolheu mais de 360 mil euros para compensar os colegas que aderiram à paralisação. E já criou uma nova plataforma pública de recolha de fundos para a designada “greve cirúrgica 2”, desta vez para recolher até 14 de janeiro, 400 mil euros num “fundo solidário” com vista a ajudar os profissionais que aderirem e ficarem sem salário durante o período de protesto, tendo já recolhido 6100 euros em quatro horas, segundo a comunicação social. Que triste notícia, se não for peta, dum setor que se diz estar ao lado dos doentes quando se borrifam para os mesmos. E lamentável é ainda quem lhes dá apoio nas ajudas pecuniárias. Isto é pessoal que não passou pelas ventas do salazarismo, onde muitos comiam o pão que o diabo amassou, e que não era o das visões dos diabos em cada esquina que Passos Coelho pressagiara. Mas certamente ele aí está “encarnado” nalguns agitadores sobejamente conhecidos.
É que ainda há memórias curtas dos tempos da troika em que muitos andavam caladinhos e, agora, nada receiam, há dinheiro a jorros para satisfazer de imediato todas as reivindicações. Até atividades profissionais como a dos juízes fazem greves, quando tanto estas como a proteção civil, bombeiros, polícias, militares e outras análogas, deveriam ser proibidas.
Reivindique-se, sim, através de armas como o voto maciço, os melhoramentos nas zonas onde a demografia é cada vez mais fragilizada como o nosso Interior Beirão, e procure-se que os muitos ladrões de Portugal sejam condenados e não saiam para fora das grades enquanto não ressarcirem o país dos valores com que se locupletaram.
Com estas condutas irresponsáveis de muitos, não olhando a meios para atingir os seus fins, estão a preparar um lindo Portugal, não fazendo nada de diferente para proporcionar uma sociedade de bem-estar aos cidadãos, neste Portugal dos nossos netos.
No dia 10 deste mês de dezembro comemoraram-se os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos que defende valores universais ainda por realizar em vários países. O antigo Presidente da República, Jorge Sampaio, defendeu que “a celebração deste 70º aniversário deveria ser uma ocasião para lançar um alerta vermelho”.
A outra parte da agitação deste final de ano já é de todos conhecida, desde os “coletes amarelos”, que têm saído à rua todos os sábados desde 17 de novembro, em Paris, com o presidente Macron em verdadeiros apuros para conter a fúria dos manifestantes reivindicadores; até Theresa May com o seu problema do Brexit, aquela primeira-ministra que se diz ter sete vidas mas com o seu “Brexit” na incubadora. Este não é mais do que, finalmente, o divórcio esperado e ansiado pelo Reino Unido e a União Europeia, e, assim, vão as crises desta mesma União Europeia.
Já os “coletes amarelos” exprimem a revolta da classe média empobrecida, da França periférica, que já não acredita na via eleitoral. Macron não é De Gaulle e não estamos em 1968, pois dizia um dos “coletes amarelos” nos primeiros dias de protestos que as “elites francesas se preocupam muito com o fim do mundo, mas o povo está preocupado é com o fim do mês”.
Termino esta crónica deste ano de 2018, citando a parte final da crónica de Vicente Jorge Silva, in Público de 9 de dezembro, sob o título “Lições europeias do terramoto francês: É por isso que o terramoto francês suscita tantos motivos de alerta e reflexão a uma Europa já em depressão profunda. Quem escapa agora ao contágio do que acontece em França? Quando se perde o controlo dos acontecimentos e não se sabe como recuperá-lo, o pior é, infelizmente, sempre possível. Eis também uma lição para nós, portugueses, nestes tempos de greves e reivindicações em cadeia”.
Um Santo Natal e um Feliz Ano 2019.

(In "Notícias da Covilhã", de 20-12-2018)

11 de dezembro de 2018

A CHINA COMEÇA A ASSUSTAR A UNIÃO EUROPEIA

Quase que se podia dizer que sai um (Reino Unido) e entra outro (China), embora não seja a mesma coisa.
A China serão os novos donos de Portugal, pelos vistos. Longe vão os tempos em que víamos as imagens das gentes chinesas vestidas todas de igual, cor cinza e o mesmo modelo de vestuário, com bolsos e botões salientes, de gola apertada onde a gravata era inexistente, e de boina ou boné na cabeça.  Era uma autêntica farda. Tornava-se fastidioso, e todo o mundo chinês utilizava a bicicleta como meio de transporte. Era o tempo de Mao Tsé-Tung.
Noutra vertente, parece que ainda estou a ver na RTP1, então a preto e branco, no dia 25 de outubro de 1971 (uma segunda-feira), os representantes da República da China, da altura, na ONU, que foram um dos seus fundadores, a saírem da Assembleia-Geral das Nações Unidas, expulsos, e revoltados, para darem lugar aos representantes da República Popular da China, oficialmente com esta designação desde 1949, por via duma resolução aprovada por aquela Assembleia Geral. Ainda hoje se mantêm as duas Chinas, geradoras de melindres entre países, como Portugal, porque não se pode agradar a Deus e ao diabo, como no caso que se desenvolve, a bom ritmo, nas decisões entre o nosso país e a República Popular da China. A outra chamava-se Formosa e é hoje Taiwan. A culpa foi de Mao.
Aqui um parêntesis. Para se falar da China tem que resultar numa recolha vasta de importantes informações históricas pois se trata dum dos países mais antigos, aproximadamente 2000 a.C. Era baseada em monarquias hereditárias, conhecidas como dinastias, que terminaram com a queda da dinastia Qing em 1911. Fundou-se então, neste ano, a República da China que governou o continente chinês até 1949. Em 1945 a república chinesa adquiriu Taiwan do Império do Japão, após o fim da Segunda Guerra Mundial.
O Partido Comunista assumiu-se vitorioso perante o Partido Nacionalista e estabeleceu a República Popular da China, em 1 de outubro de 1949, enquanto o Nacionalista mudou a sede do seu governo para Taipé.
As forças armadas têm um efetivo de 2,3 milhões de soldados – o Exército de Libertação Popular – que é a maior força militar do mundo, em termos de número de tropas. A liberdade política é ainda muito restrita. O que é certo e verdade é que há uma contradição na Constituição da República Popular da China (RPC) ao nela se afirmar que os “direitos fundamentais” dos cidadãos incluem a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, o direito a um julgamento justo e à liberdade de religião, o sufrágio universal e o direito de propriedade, o que não conferem aos chineses proteção significativa, contra procedimentos penais do Estado. Recordam-se os Protestos na Praça da Paz Celestial (Tian’anmen), em 1976 e 1989, contra a repressão do regime chinês, que resultou em massacres. E tenha-se em atenção que a China executa mais pessoas do que qualquer outro país do mundo, respondendo por 72% do total mundial de execuções em 2009.
No entanto, a economia da República Popular da China é a segunda maior do mundo, sendo a nação com maior crescimento económico dos últimos 25 anos, com a média do crescimento do PIB em 10% por ano.
Este robusto crescimento económico, combinado com excelentes fatores internos como estabilidade política, grandes reservas em moeda estrangeira (a maior do mundo, com 818,9 biliões de dólares), mercado interno com grande potencial de crescimento, faz com que a China seja atualmente um dos melhores locais do mundo para investimentos estrangeiros, com uma avaliação de risco (Moody’s) A2, índice considerado excelente.
Desde a introdução de reformas económicas em 1978, a China tornou-se uma das economias de mais rápido crescimento no mundo, sendo o maior exportador e o terceiro maior importador de mercadorias do planeta.
É impressionante como conhecemos a China há umas décadas atrás e, face à industrialização, reduziu a taxa de pobreza de 53%, em 1981, para 8%, em 2001. Por isso é considerada uma superpotência emergente.
Pois cá tivemos a semana transata (dias 4 e 5 deste mês de dezembro), a visita a Portugal do 4.º  presidente chinês, Xi Jinping, sendo que a 1.ª visita dum presidente chinês se realizou em 1984 (de 16 a 19 de novembro), na pessoa de Li Xiannian; depois, a 2.ª em 1999 (26 e 27 de outubro), com Jiang Zemin; e a 3.ª  visita aconteceu em meados de novembro de 2010, com Hu Jintao, em condições muito diferentes das do atual presidente, pois nessa altura havia uma profunda crise europeia, mas foram investidos cerca de nove mil milhões de euros, pelo que a relação com a China é para continuar.
Portugal recebeu o presidente chinês para reforçar a cooperação entre os dois países. Efetivamente, com os “vistos gold”, o país abriu as portas ao espaço Schengen a mais de 4000 cidadãos chineses, como contrapartida de vários investimentos em território nacional. Nesta altura, o investimento direto estrangeiro da China atinge um total de 12 mil milhões de euros, abarcando setores desde a energia (Galp, REN, EDP) aos transportes (TAP), passando também pela área dos seguros (Fidelidade), saúde (Grupo Luz Saúde).
Tem sido argumentado de que os dois países têm 500 anos de conhecimento mútuo, incluindo uma transferência bem-sucedida da soberania de Macau. “Mas até onde Portugal deve ir na sua relação económica e política com a China para preservar a independência das suas decisões estratégicas e o estatuto de membro da União e da Nato?” Segundo o Coordenador do Centro de Estudos Asiáticos da Universidade de Aveiro, Carlos Rodrigues, “a aquisição de empresas portuguesas permite um acesso a conhecimento e tecnologia a que, de outra forma, seria muito difícil aceder”. E Miguel Santos Neves, especialista nas relações Portugal-China, professor na UAL, refere que “a China visa utilizar esta forte influência sobre Portugal para enfraquecer a União Europeia (UE) e a sua posição negocial face a Pequim”.
A UE teme a entrada pujante da China e esta vê também a sua história de sucesso a ser colocada sob ameaça pela mudança de atitude de outras potências mundiais, principalmente os Estados Unidos perante o sucesso chinês. Sim, a China, de país essencialmente agrícola, passou a maior exportador do mundo e segunda maior economia mundial, com mais de 800 milhões de chineses a deixarem de estar em situação de pobreza extrema, o que representa um contributo de cerca de 70% para a redução total da pobreza no planeta.
E, assim, Portugal e a China assinaram um “memorando” muito europeu, cujas “relações deram mais 17 passos em frente”, sendo que o primeiro destes acordos é um memorando de entendimento da chamada “nova Rota da Seda”, que envolve uma vertente terrestre e outra marítima, com ênfase nas estruturas.
Já vai longo o texto, pelo que me despeço com os votos de um Santo Natal e um Feliz Ano 2019.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 11-12-2018)

8 de dezembro de 2018

A CAMINHO DO CICLO DO NATAL


Este número d’O Combatente da Estrela vai sair na data em que se aproxima, a passos largos, o Natal.
Para as nossas crianças é a alegria das prendas, um período de férias mais prolongado para muitas outras, mas também o frenesim pelas notas escolares.
Para os jovens à procura de emprego, concluídos os seus cursos, licenciaturas, mestrados ou doutoramentos é a agitação para posteriormente poderem concorrer a esta ou aquela empresa, instituição ou estabelecimento de ensino, enviando currículos e mais currículos, cadastrarem-se no LinkedIn, e, alguns até, mandando o Brexit à fava, sonhando com recurso ao estrangeiro, mesmo na zona onde se constata a tentação ilusória e perigosa de repor fronteiras onde elas  deixaram de fazer sentido. Se para uns já existiam as dificuldades, para outros iniciam-se agora.
Para os reformados de menores posses, a esperança de que venha depressa o subsídio de Natal, agora que já não é por duodécimos.
Não falo de muitos dos abastados que são por vezes os que mais aferrolham preferindo chupar por um caroço, como sói dizer-se.
E há os verdadeiramente necessitados, alguns de pobreza envergonhada, que aguardam pelo bolo de Natal e um saco mais reforçado das instituições de solidariedade social. Ai se não fossem estas, como estaria este país?... Nesta Covilhã também há alguns sem-abrigo, lamentavelmente.
Depois existem os remediados, os da classe média, com predominância da baixa, para darem vida às atividades económicas, encherem de compras os hipermercados mormente neste período de Natal, integrarem as instituições e o associativismo no voluntariado de uma sã convivência, em vários domínios.
Se já durante o ano há os almoços e jantares comemorativos, nesta altura não falha, dias não são dias, são os jantares de Natal, por todos os recantos e com os seus encantos.
E venham de lá mais umas raspadinhas, que as há para todos os gostos, o euromilhões, e não esquecer a lotaria natalícia.
É também o desejado período de reunir as famílias, dar um abraço aos amigos que só por esta altura ocasionalmente se cruzam connosco, já que os habituais estão registados para as Boas-Festas. Amigos são amigos.
E a grande avalanche de aposentados, deste país envelhecido, mormente daqueles que já começam a pesar-lhes os anos, mas que não ficam parados a ver a banda passar, antes procuram manter as portas abertas duma associação, em movimento, por exemplo, ainda que com algumas interrupções momentâneas dos seus obreiros enquanto “motoristas” dos seus netos, mas com alegria, dão cartas na prossecução de tarefas, sem compensação, das quais algumas deveriam ser de obrigação do Estado.
Tenho vindo a falar sobre as pessoas, nos últimos números deste O Combatente da Estrela, e é neste âmbito que não posso descurar os sacrifícios por que muitos de nós, antigos Combatentes, passámos, alheios ao desconhecimento das últimas gerações, agora que se comemorou o centenário do Armistício da  Primeira Guerra Mundial, onde muitos jovens covilhanenses e da região beirã, para já não falar de milhares e milhares de jovens portugueses de então, vieram a deixar o mundo dos vivos, furados pelas balas do inimigo nas trincheiras.
Depois haveria de surgir uma outra, ainda pior, a Segunda Grande Guerra, em pouco mais de duas décadas.
E para nós, antigos Combatentes, chegaria a nossa vez, através das malditas guerras do Ultramar, guerras subversivas como os governantes de então a apelidavam. Muitos sofrem ainda o malfadado stress pós-traumático, tantas vezes aqui referido.
A Liga dos Combatentes, então criada, de cujo Núcleo da Covilhã, donde emergiu “O Combatente da Estrela”, não tem dado tréguas a várias ações em prol dos seus associados, e não só, em várias vertentes, tão sobejamente referidas neste órgão ao longo das suas páginas trimestrais.
As várias atividades desenvolvidas todos os anos, como no presente, são bem o testemunho duma casa acolhedora a todos os seus membros. E para isso, a atual Direção, que tomou posse em 27 de abril de 2018, é a continuadora do que acima foi referido, duma associação em movimento.
Sobre as guerras por que a nossa geração (os nascidos nos anos 30 a 50) passou, muitos em pleno teatro de guerra, vale a pena ler os testemunhos inseridos nos textos das pessoas que ainda têm paciência para recordar várias facetas desses terríveis tempos, e que aqui vamos registando, porque felizmente não pereceram.
Vale a pena também a atenção especial para o texto do antigo Combatente, Eduardo Tendeiro, que mencionamos na rubrica “Conte-nos a sua história”, ele um dos que integrou a guerra do Ultramar nos seus primórdios (foi meu professor em 1957/58, muito antes de ser chamado para o serviço militar obrigatório).
E, neste contexto, conforme foi referido no último número, jamais consigo aceitar a exuberância com que alguns apregoam aos sete ventos, mormente em atos públicos de apresentação das suas obras, que foram exilados deste país, porque não aceitavam as ideias ditatoriais do regime nem as guerras em que estava envolvido o país, quando, na verdade, foram tão só os fugitivos da Nação, tendo regressado após o 25 de Abril, incólumes, quando deveriam responder pelos seus atos pusilânimes de fugir à responsabilidade patriótica, ainda que com a mesma não concordassem. Em vez de se manterem caladinhos, surgem vitimizados e ufanos, sem coerência na sua razão de patriotismo.
Na esperança de continuarmos a prosseguir com o mesmo entusiasmo no próximo ano, desejamos a todos os Antigos Combatentes, Associados e suas Famílias, assim como aos prezados Leitores, um Santo Natal e um Feliz Ano 2019.


(In "O Combatente da Estrela", n.º 113, de dezembro de 2018)

CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA JOSÉ EDUARDO SANTOS TENDEIRO


Desta vez trazemos a esta rubrica um antigo combatente, do início da guerra no Ultramar, natural de Elvas mas que se radicou na Covilhã, onde exerceu a sua atividade no ensino (depois de professor passou a inspetor) com que se aposentou.
Tem sido colaborador desta publicação, e também da revista “O Combatente”, já escreveu um livro sobre a sua passagem pelo Ultramar, cujo título “Danos Colaterais” integrou uma das atividades deste Núcleo, em 2017, com a sua apresentação na Biblioteca Municipal da Covilhã.


 Estive lá
 
  Fui um dos que tiveram a felicidade de voltar.     Outros ficaram, jazendo.

  Tive um início de serviço militar normal.
  Incorporado em  Abril de 1959, frequentei o CSM em Mafra, fazendo especialização em transmissões de infantaria, credenciado para a chefia de um centro cripto. Passei à disponibilidade em Março de 1961.
  Liberto da obrigação militar, casei e organizei a viva. Mas a vida organizada durou pouco.
  Chamado de novo às fileiras, foi-me ordenada a frequência do “Curso de Caçadores Especiais” no Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE) em Lamego, de 17 de Julho a 2 de Agosto de 61 e posteriormente integrado no Batalhão de Caçadores Especiais nº357, na especialidade de transmissões da Companhia de Caçadores Especiais nº306, com destino a Angola, onde a situação era efervescente.
  Desembarquei em Luanda em 12 de Maio e no desfile feito na “Marginal”, o Batalhão foi recebido com flores lançadas das janelas dos edifícios. Éramos um acréscimo de segurança aos que temiam novas investidas dos “terroristas”.
  Recebidas viaturas, jipes e Unimogs novos e GMCs em bom estado, numa longa e extenuante marcha de 1035 quilómetros, atingimos o local indicado para o nosso estacionamento em 18 de Junho de 62.   Próximos da fronteira com o ex-Congo Belga, em pleno teatro de guerra,  construímos de raiz, com materiais recolhidos em sanzalas próximas ─ abandonadas─ o nosso estacionamento, baptizado Pangala, base das missões atribuídas: cortar linhas de movimentação  do IN ( o inimigo) e ocupação territorial.
  Sofremos o horror das minas que causaram  mortes ─ quatro─ e feridos graves evacuados.
  Morremos muitas vezes na incerteza do dia seguinte.
  Matámos na ânsia da retaliação, com o eco do grito de revolta de um corajoso missionário contra a exploração dos índios afirmando-os os verdadeiros senhores das suas terras e que “a nenhum título, nem o Papa nem o Rei de Espanha os podem privar desse direito!”
Talvez aqueles “terroristas”  sejam os verdadeiros senhores das suas terras e nem o Papa, nem o “rei” de Portugal, nem nós os possamos privar desse direito.

  Privações de água, de alimentos confeccionados e carências múltiplas assoberbaram-nos. Durante doze meses enfrentámos ainda as agruras de um clima pouco favorável em terreno desconhecido.
 Era a guerra.
  Na minha qualidade de responsável pelas comunicações rádio acresciam as queixas dos operacionais que, de noite, se viam  impossibilitados de usar os rádios distribuídos e, não raras vezes descarregavam em mim a sua frustração. Sucedia que nos tinham sido atribuídos emissores/receptores inapropriados. Funcionando em AM (amplitude modulada) e com reduzida potência, eram incapazes de vencer a estática que surgia com o pôr do sol. As operações nocturnas apeadas, desde o pôr ao nascer do sol, ficavam sem comunicações com a base. A despeito dessa certeza, sempre que havia uma acção nocturna, na “base” ─ a Companhia ─ havia uma escuta permanente tentando ouvir uma voz entre aqueles milhares de grilos em loucos desafios.
  Naquele tempo havia um único emissor/receptor capaz. Montado em viatura ou em estação o ANGRC-9, posteriormente dotado de um amplificador de sinal, cumpria a sua missão. Mas este aparelho dificilmente podia ser usado em patrulhas apeadas: eram necessários pelo menos dois militares para o transportarem, demorava muito tempo a ser preparado para operar e a sua utilização era penosa.
  Pesava ainda sobre mim o secretismo do conteúdo das mensagens recebidas que o operador cripto descodificava, eu conferia e assinava.

  Doze meses depois, trilhando o mesmo caminho, regressámos a Luanda onde ficámos “em prontidão” e guarnecendo pontos sensíveis da cidade.
  Deslocados posteriormente para o sul do rio Quanza, com a missão de zelar pela segurança das instalações petrolíferas de Cabo Ledo, com um pelotão deslocado na Muxima, em plena reserva de caça da Kissama, tivemos o merecido “Repouso do Guerreiro”.
  A 22 de Junho de 64, o Vera Cruz carregou-nos para a Metrópole com a tristeza de termos deixado para sempre quatro amigos no cemitério de S. Salvador do Congo.
   Mas a guerra não ficou lá: noites insones sob cacimbo cerrado,  tensão de uma deslocação em viatura num terreno possivelmente minado, sede mitigada com água suspeita, rações de combate odiadas, a dor raivosa de perder amigos, o desejo de retaliação, a incerteza do dia seguinte e de estarmos a fazer “o devido”, as recordações tenebrosas da guerra vieram connosco.
  Só o tempo vai limando esses “danos colaterais”.
J. Eduardo Tendeiro   (DEZ18)

NOTA: Por lapso, no n.º 112 desta publicação, o texto deste mesmo autor “Conversando”, foi assinado por “Eng.º Tendeiro”. Pede-se a vossa correcção.

(In "O Combatente da Estrela", n.º 113, dezembro 2018)

MEMÓRIAS DA EXTINTA “ERNESTO CRUZ” NUM ALMOÇO DE CONFRATERNIZAÇÃO








Esta é já a terceira vez que os antigos patrões da Ernesto Cruz quiseram confraternizar com os seus antigos trabalhadores, colaboradores com quem se irmanaram na recordação de muitos anos de trabalho em comum.
Recorde-se que a extinta empresa remontou a sua fundação a agosto de 1939 e a constituição de Ernesto Cruz & Cª surgiu em 1947. Foi iniciada pelos sócios Ernesto Cruz, António da Cunha Taborda, Fernando Lopes da Costa Alçada e Aníbal Mousaco Alçada. Teve então uma fase de desenvolvimento em grande ritmo, com cerca de 650 operários que se revezavam por turnos, passando para 614 em abril de 1974, altura em que já vinha a atravessar um período difícil, apesar de haver um excelente ambiente de trabalho. Houve então a necessidade de em 23 de outubro de 1974 ser pedida a intervenção estatal pela entidade patronal e pela Comissão de Trabalhadores, tendo esta chegado a realçar o facto de a empresa ser caso único no país onde a entidade patronal “não faz boicotes nem chantagens, antes pelo contrário, mostra-se aberta ao espírito de iniciativa dos trabalhadores”. Isto não evitou que o grupo de empresas Ernesto Cruz & Cª., Lda não acabasse por encerrar em 1990.
Em 6 de agosto de 1972 eram sócios: Fernando Lopes da Costa Alçada, Júlio Henrique Casaleiro Torres Cruz, Carlos Alberto Casaleiro Torres Cruz, Ernesto Henrique Casaleiro Torres Cruz, Maria Leonor Casaleiro Torres Cruz e Silva, José dos Santos Taborda, Francisco Manuel Pinheiro Alçada, João Carlos Pinheiro Alçada e Maria Leonor de Albergaria Pinheiro Alçada de Sousa Byrne.
O grande Homem desta empresa, e seu fundador, Ernesto Cruz, foi um visionário da indústria e grande vulto do principal clube da região – o Sporting da Covilhã (SCC) – onde foi presidente da Direção e levou, pela primeira vez, o clube à então Primeira Divisão Nacional, que nascera em 11 de novembro de 1906, e viria a falecer com 62 anos, em 6 de outubro de 1969, quando muito ainda se esperava desta grande figura covilhanense.
Entretanto, as instalações da empresa foram adquiridas pela UBI – Universidade da Beira Interior, onde se situa o Pólo das Ciências Sociais e Humanas, passando, muito justamente, a ser designado, em sua homenagem, Pólo Ernesto Cruz.
Por tudo isto, os sócios presentes neste almoço de confraternização, realizado num restaurante da cidade, no dia 16 de novembro, Carlos Alberto Casaleiro Torres Cruz (filho de Ernesto Cruz e atualmente o sócio n.º 1 do SCC) e Francisco Manuel Pinheiro Alçada, recolheram de todos bons momentos, sentindo-se “todos unidos num passado vivido com o mesmo objetivo, levarmos a empresa criada essencialmente por meu Pai a bom porto”, nas palavras do ex-sócio Carlos Cruz.
Neste almoço estiveram 62 participantes, onde se incluíam 15 familiares, ficando desde já decidido dar-lhe continuação no próximo ano.
É um exemplo para que outras extintas empresas possam relacionar laços de amizade no encontro de velhas memórias profissionais.


(In "Notícias da Covilhã" e "Jornal do Fundão", de 22/11/2018)

14 de novembro de 2018

OS 100 ANOS DA GRANDE GUERRA


Escrevo estas linhas exatamente no dia 11 de novembro, altura em que perfaz um centenário da assinatura do Armistício que pôs fim à Grande Guerra.
Jamais se pensaria que esta luta entre nações iria atingir tamanho morticínio em tanta gente, pessoas inocentes, que seriam forçadas a integrar contingentes para as frentes de batalha, em trincheiras, deste modo porquanto as táticas militares desenvolvidas antes da Primeira Guerra Mundial, esta que agora assinalamos o centenário do seu fim, não conseguiam acompanhar os avanços da tecnologia e se tornaram assim obsoletas. Tecnologia daqueles tempos em relação aos dias de hoje é como compararmos entre o dia e a noite.
Só que, desta Primeira Guerra Mundial, que é considerada por muitos historiadores como um marco no início do século XX, resultou em novas correlações de forças que se estabeleceram no mundo. Assim, foi o declínio da Europa e a ascensão dos Estados Unidos da América (EUA) à condição de principal potência mundial.
A Grande Guerra enfraqueceu a confiança da Europa em si própria. Os Estados Unidos viam-se já como diferentes e melhores que o resto do mundo. Esta guerra veio reforçar essa sua entendida superioridade.
Efetivamente, antes deste conflito, a Europa era o centro do mundo. Depois da guerra, esse centro foi para os Estados Unidos. A moeda de referência internacional deixou de ser a libra e passou a ser o dólar.
Neste dia 11 de novembro do ano da graça de 2018, líderes de todo o mundo reuniram-se em França para comemorar o Dia do Armistício.
Muito se contou, muito mais haveria a dizer sobre esta Guerra Mundial que seria a primeira para depois se despoletar uma Segunda Guerra Mundial, hecatombe de ainda piores proporções, em pouco mais de duas décadas. E para isso contribuíram as imposições ultrajantes do Tratado de Versalhes de 1919.
Desapareceram assim os impérios Alemão, Russo, Otomano e Austro-Húngaro e surgiu a criação de novos países na Europa e Médio Oriente. Vieram a perder a vida nesta Guerra Mundial, uma das maiores guerras da história, mais de nove milhões de combatentes, onde o grande sofrimento e a banalização da morte era uma evidência.
Portugal, escusadamente, também entrou nesta Grande Guerra, sem condições nem preparação militar, defrontando-se com as doenças, a fome e a degradação do equipamento militar. Participou neste primeiro conflito mundial ao lado dos Aliados, o que estava de acordo com as orientações da República, ainda recentemente instaurada. E isto aconteceu em março de 1916, quando a Inglaterra decidiu pedir ao Estado português o apresamento de todos os navios alemães e austro-húngaros presentes na costa lusitana. Esta atitude justificou a declaração oficial de guerra a Portugal pela Alemanha, em 9 de março daquele ano.
E, desta feita, em 1917, as primeiras tropas portuguesas, do Corpo Expedicionário Português, sob o comando do general Tamagnini de Abreu, seguiram para a Flandres, para essa lamentável guerra na Europa. Viria Portugal a envolver-se, depois, em combates em França, tendo a Inglaterra fornecido treinamento às tropas portuguesas, tal o estado em que elas iam.
Desta região beirã, e mormente da Covilhã, do Batalhão de Infantaria 21, também partiram jovens militares.
Os portugueses também tiveram grandes perdas, onde se incluíram militares desta região.
Alguns destacaram-se por atos de grande patriotismo em heroicas ações, como o soldado Aníbal Augusto Milhais, conhecido como o Soldado Milhões, o único militar português condecorado com a mais alta honraria nacional, a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, no campo de batalha em vez da habitual cerimónia pública em Lisboa.
Da Covilhã desde há muito se ouviu falar do soldado corneteiro José Antunes, conhecido por “Garri” que, em França, em plena guerra, com o seu apurado ouvido conseguiu captar os toques de clarim alemão que depois executava com grande perfeição. Desta forma, iludia o inimigo, pois fazia soar o toque de retirada, ou outro. Ter-lhe-á sido atribuída também a medalha daquela Ordem Militar. Isto vem referido em vários livros e jornais. Entretanto, numa posterior investigação de dois historiadores da Covilhã, que escreveram “A Covilhã e a Grande Guerra (1914-1918)” este nome não consta como tendo sido condecorado com esta insígnia. Como já faleceu e se desconhecem os familiares próximos, não há qualquer hipótese de recolher mais informações fidedignas, mantendo-se a possível lenda, já que a investigação foi feita com a existência de documentação autenticada.
Esperemos que este mundo global singra no caminho do entendimento e se eliminem logo à partida quaisquer tentativas de uma terceira guerra mundial.

(In "Notícias da Covilhã", de 15-11-2018)

13 de novembro de 2018

A WEB SUMMIT DO NOSSO CONTENTAMENTO


Os quatro dias deste importante evento já voaram. Foi uma lufada de vento. Nem tudo foi um perfume suave de fragância. Para além da participação de 1800 startups, 1200 oradores e perto de 70 mil participantes, número muito superior ao do transato ano, conforme a comunicação social noticiou, há que ter bem presente as palavras do presidente da República português: “O digital devia ser para a liberdade. Para abrir economias, sociedades, promover o diálogo e a tolerância, mas hoje em dia vemos o contrário em todo o mundo, vemos xenofobia, vemos intolerância, vemos racismo, vemos guerras comerciais, vemos fronteiras a fechar”.
Este evento teve ainda a participação do inventor da Web, Tim Berners-Lee e outros mui ilustres cérebros do digital, tendo sido bem frisado por Marcelo Rebelo de Sousa que “o digital não se pode esquecer do resto da sociedade”.
Importante mesmo foram os muitos avisos, para além dos já referidos, também, entre outros, o de Cristopher Wylie, programador britânico que denunciou o escândalo de dados do Facebook e da Cambridge Analytica, referindo, e muito bem, que “estamos a deixar-nos colonizar pelas empresas de tecnologia”, tratadas como “entidades divinas”. É que, de facto, para muitas pessoas, a confiança nas empresas de tecnologia sofreu danos, recordando-nos, por exemplo, os nossos dados pessoais roubados, num autêntico abuso. Mas isto daria pano para mangas…
O fundo de inovação social que o Governo apresentou é preciso que vá para a frente a fim de que sejam mesmo aproveitados o promover projetos nas áreas da educação, empregabilidade, igualdade do género e envelhecimento ativo, esperando também que a promessa do grupo Volkswagen para a abertura de um centro de desenvolvimento de software, em Lisboa, possa singrar.
Segundo o jornal Sol, foram percorridos 935 mil quilómetros, neste evento, em Lisboa, e consumidos 363 mil cafés, e, o jornal Público, que houve direito, noutras zonas de Lisboa, a copos de poncha e bolas-de-berlim, entre as ofertas. Tantos preciosismos para quê? Por acaso não falaram nos pastéis de Belém. Se isto fosse passado na mui nobre Cidade da Covilhã, teríamos que mencionar as cherovias.
Entre parêntesis, salientar, fora deste âmbito, os prémios para dois empreendedores da Covilhã, onde, entre vários, aqui instalados, acabam de vencer duas competições. A eCO2blocks, spin-off da Universidade da Beira Interior (UBI), venceu a final internacional da ClimateLauchpad, a mais importante competição mundial de ideias de negócio com base em tecnologias ambientalmente responsáveis. Foi uma ideia desenvolvida no Departamento de Engenharia Civil e Arquitetura (DECA), na pessoa do professor João Castro Gomes, e o estudante de doutoramento nesta área, Pedro Humbert. Neste concurso houve a participação de 135 concorrentes e isto aconteceu nos dias 1 e 2 de novembro, em Edimburgo, Escócia. Ganharam ainda o prémio Sistemas de Construção Sustentável. Este projeto empreendedor sugere que sejam utilizados produtos para a construção, como blocos, mas feitos a partir de resíduos, evitando assim o cimento e a utilização de água potável na respetiva produção que endurecem a absorver CO2. É propósito fazer com que este produto, que é amigo do ambiente, possa chegar ao mercado para revolucionar a construção.
Conforme já havia sido noticiado, também o empreendedor Pedro Pereira, sediado no Parkurbis-Parque de Ciência e Tecnologia da Covilhã, conquistou o prémio nacional TourismExplorers, através da startup Wicked-Cat. Assim, o representante da nossa Cidade da Covilhã, veio a vencer o projeto “Artist”, na grande final realizada no último dia do mês de outubro. Nesta segunda edição participaram 12 cidades portuguesas, entre as quais, como é óbvio, a Covilhã.
Após a Web Summit, e agora no nosso meio, a Universidade da Beira Interior (UBI) vai mostrar, durante dois dias, como chegar ao mercado de trabalho. Com a iniciativa “Olá Emprego! Start in UBI”, é seu objetivo promover o emprego, a formação e a internacionalização, com início no dia 13 de novembro, no pavilhão da ANIL. Trata-se de uma parceria entre a UBI, Câmara Municipal da Covilhã, Instituto de Emprego e Formação Profissional da Covilhã (IEFP) e a Associação Académica da UBI. Participarão cerca de 40 entidades ligada aos setores de emprego e formação.
Assim, os visitantes, até final, podem assistir a diversos painéis, com dedicação pela Relação entre a Escola e a Empresa, procura de emprego, empregabilidade e empreendedorismo, assim como a internacionalização.
Trata-se de uma importante vertente de conhecimentos.
Não vamos esmorecer por quaisquer tropeças que possam ainda vir a surgir pelo caminho, mas antes elevar o ânimo neste caminhar para a transformação do nosso país, e da nossa região, para que cada um não deixe de ter o seu emprego, com satisfação, neste aproximar a passos largos do final de mais um ano.


(In "fórum Covilhã", de 13-11-2018)

24 de outubro de 2018

2.º ENCONTRO DE ANTIGOS MORADORES DA RUA VASCO DA GAMA E DO SERRADO

Foram mais de uma centena, entre casais e aqueles que vinham sós. Foi no passado dia 13 de outubro. A um restaurante da Cidade, iam chegando muitos dos que já não se viam há décadas. E havia famílias daquela geração dos anos 40 do século passado, na sua maioria, em que eram muitos irmãos.
Vários encontros nostálgicos, tal como este, daqueles tempos da vivência entre vizinhos e amigos de outrora, da infância à juventude, se vêm despertando no emergir de novos encontros de amizade.
Estes vieram de vários pontos do País, tal como os irmãos Capelo radicados do Norte ao Algarve; o Galhano de Vila Franca de Xira; o Américo Ferreira e a irmã Gabriela, assim como a Maria José Duarte, de Lisboa, entre outros.
Foram sãos momentos de franco convívio, onde não faltou o fado na excelente voz de uma jovem.
A amizade, como sempre tenho dito, é uma festa. E quando ela perdura desde a infância e juventude, como em vários momentos foram recordados, independentemente das vicissitudes da vida, repercute-se de uma alegria redobrada.
É que, a partir dos anos 60 do mesmo século foi a irrevogável partida para outros pontos do retângulo português, e além-fronteiras, para as suas vidas profissionais e constituição de família.
De meninos e moços de outrora surgem agora já não como papás, mas com uma promoção superior, a de avós, neste ano da graça de 2018.
E assim se dissiparam alguns momentos que, parecendo hiperbólicos, mais não foram que resultantes da nostalgia de muitos de nós, todos no óbvio de mortais, mas procurando sempre um resquício de podermos abraçar os que ainda se mantêm no mundo dos vivos.
E o sol, antes do anunciado surgimento do furacão Leslie, disse-nos adeus até ao próximo encontro.

(In "fórum Covilhã", de 23-10-2018 e "Notícias da Covilhã", de  25-10-2018)

9 de outubro de 2018

OS CAVACOS DE CAVACO


Podia aqui voltar a falar de jornalismo, jornalistas e jornais, e da crise que atravessa este mar das letras, sejam elas por via do papel, ou pela online.
Ou, então, preambular sobre a Operação Marquês com o sorteio do juiz Ivo Rosa como escolha para a fase de instrução, na expressão da defesa de Sócrates, de que “finalmente há um juiz legal”.
Segundo o Público, “há quem considere este juiz um obstáculo por defender constantemente os direitos das pessoas investigadas, criando obstáculos às investigações”. Terá agora de se pôr a par dos 132 volumes e 903 apensos, que, tudo junto pesa mais de uma tonelada. E eu acrescento: de cavacos.
O ex-presidente Aníbal Cavaco – o Sr. Silva como uma vez lhe chamou Alberto João Jardim – emergiu duma interrupção prudencial, para sobressaltar as consciências dos governantes da “geringonça”.
Só que lançou cavacos para a fogueira, mas as faúlhas foram ter ao Presidente da República.
E é nesta investida do seu linguajar que a sua suspeição sobre o processo que conduziu à nomeação de Lucília Gago, em substituição, por termo de mandato, de Joana Marques Vidal, de Procuradora Geral da República, que lhe é endossada por Marcelo Rebelo de Sousa a resposta merecida: é que a decisão foi do Presidente da República e não do Governo de António Costa, com sentido de Estado.
Por isso, as “estranhíssimas” razões desta sua mexeriquice foi como sair-lhe o tiro pela culatra.
Efetivamente, Joana Marques Vidal cumpriu com competência e zelo o seu mandato, que ainda não terminou, e deu um “contributo decisivo” para a credibilização do Ministério Público, mas daí a que Cavaco considere que a sua não recondução é “a decisão mais estranha do mandato da ‘geringonça’”, que nem foi da sua responsabilidade, vai uma diferença muito grande.
Num ex-Presidente da República, como o Sr. Aníbal de Boliqueime foi, à profundidade das acusações é-lhe exigida, nesta especial condição, a ponderação das palavras, e não só quando ele a exigia aos outros. É preciso estar à altura do seu estatuto, como sempre o foram os seus antecessores. Como referiu Manuel Carvalho, in Público, “porque o que disse não corresponde à produção de uma qualquer ideia, à elaboração de uma crítica ou à sugestão de um caminho para o país: o que ele fez foi apenas insinuar que a não recondução de Joana Marques Vidal é consequência de ‘algo muito estranho’, tão estranho como um golpe de bastidores destinado a obstruir a Justiça e a proteger os poderosos”.
Pois é, se Cavaco vê no processo coisas “estranhíssimas”, deve revelá-las. E por que não recordar que foi Cavaco Silva, de Boliqueime, que nomeou Pinto Monteiro, o procurador da condescendência com as suspeitas dos então donos disto tudo?...
Meu Caro, Sr. Aníbal Cavaco Silva, ex-presidente de Portugal Continental, Açores, Madeira e Porto Santo, senhor da degustação do bolo-rei, e que nem um macaco a subir ao coqueiro em janeiro de 1990, de visita a São Tomé e Príncipe, se bem me lembro, na expressão, esta sim, saudosa de Vitorino Nemésio; termino esta minha crónica com excertos de Helena Sacadura Cabral, estes que valem mais ouvir que as narrativa de Vossa Excelência:
- “As criadas dos anos 70 passaram a ‘empregadas domésticas’ e preparam-se agora para receber a menção de ‘auxiliares de apoio doméstico’;
- De igual modo, extinguiram-se nas escolas os ‘contínuos’ que passaram todos a ‘auxiliares de ação educativa’ e agora são ‘assistentes operacionais’;
- Os vendedores de medicamentos, com alguma prosápia, tratam-se por ‘delegados de informação médica’;
- E pelo mesmo processo transmudaram-se os caixeiros-viajantes em ‘técnicos de vendas’;
- O aborto eufemizou-se em ‘interrupção voluntária da gravidez’;
- Os operários fizeram-se de repente ‘colaboradores’;
- As fábricas, essas, vistas de dentro são ‘unidades produtivas’ e vistas da estranja são ‘centros de decisão nacionais’;
- O analfabetismo desapareceu da crosta portuguesa, cedendo o passo a ‘iliteracia’ galopante;
- Desapareceram dos comboios as 1.ª e 2.º classes, para não ferir a suscetibilidade social das massas hierarquizadas, mas por imperscrutáveis necessidades de tesouraria continuam a cobrar-se preços distintos nas classes ‘Conforto’ e ‘Turística’;
- Aquietadas pela televisão, já não se veem por aí aos pinotes crianças irrequietas e ‘terroristas’; diz-se modernamente que têm um ‘comportamento disfuncional hiperativo’;
- Ainda há cegos, infelizmente. Mas como a palavra fosse considerada desagradável e até aviltante, quem não vê é considerado ‘invisual’. (O termo é gramaticalmente impróprio, como impróprio seria chamar inauditivos aos surdos – mas o ‘politicamente correto’ marimba-se para as regras gramaticais…).
- Para compor o ramalhete e se darem ares, as gentes cultas da praça desbocam-se em ‘implementações’, ‘posturas pró-ativas’, ‘políticas fraturantes’ e outros barbarismos da linguagem.
E assim linguajamos o Português, vagueando perdidos entre a ‘correção política’ e o novo-riquismo linguístico.
Já não se diz o que se pensa, tem de se pensar o que se diz de forma ‘politicamente correta’.
Hoje não se fala português… linguareja-se!”
Pois é, Sr. Aníbal Cavaco Silva, não é que o Senhor linguarejasse, mas, como sói dizer-se, e me perdoe por mor dos meus pecados: O Senhor meteu a pata na poça!...

(In " fórum Covilhã", de 09-10-2018)

4 de outubro de 2018

CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA JOÃO FERNANDO ALMEIDA MOTA


Reiniciamos neste número, conforme já foi referido no editorial, várias estórias da história de antigos Combatentes, associados deste Núcleo, covilhanenses, de raiz ou de coração, que também se viram obrigados um dia a partirem para terras longínquas em missão de soberania, deixando as famílias em sobressalto porquanto jamais sabiam o desfecho duma guerra subversiva entre povos irmãos, na teimosia ditatorial dos senhores dos governos do Portugal de então.
Enquanto uns mais não podiam que aceitar as ordens de marcha para as colónias – então referidas como províncias ultramarinas – outros fugiam deste Portugal amordaçado, quer por via da emigração de “assalto” ou, então, por linhas subterfugias logo que se aproximava o serviço militar, surgindo após o 25 de Abril num apanágio ufano de exilados.
O personagem que hoje trazemos a esta página, é mais um dos milhares de Portugueses que, deste País, percorrido de lés a lés, quer seja de Melgaço lá bem no Norte, até à açoriana Rabo de Peixe, cumpriram a sua missão e hoje sentem, o que foi a nostalgia, e os medos, quando naquelas terras além-mar foram forçados a ir, mas também o terem muitos sentido na pele o stress pós-traumático, como uma ferida irreversível que o Estado português deixou, na incompreensão, num mundo de jovens, hoje septuagenários e octogenários, alguns numa autêntica psicose que quase destruiu a família.

O João Mota, covilhanense nascido em 15 de dezembro de 1951, até foi um dos bafejados pela sorte na guerra de Moçambique, como mais à frente o mesmo descreve.
Na Escola Secundária Campos Melo (na altura Escola Industrial e Comercial) obteve o curso de técnico de tecelagem e, assim, passou pela indústria de lanifícios, em várias empresas do concelho da Covilhã, durante 48 anos, vindo a aposentar-se em janeiro de 2016.
Com os amigos covilhanenses, Victor Bicho, Carlos Silva e Jorge Carvalho, o João Mota iniciara então o serviço militar, no dia 25 de abril de 1972 (quem diria que daí por dois anos, este dia e mês seria uma data assinalável na história de Portugal!...
), no Regimento de Infantaria n.º 7 - RI 7, em Leiria. Daqui partiu para o Regimento de Transmissões, no Porto, onde tirou a especialidade de operador cripto, até julho de 1972. Formou depois uma Companhia com vista à mobilização para Moçambique – CART 7255 –, em Torres Novas, no mês de novembro deste ano, embarcando no avião para Moçambique no dia 11 de janeiro de 1973.
Todo o tempo foi passado no aldeamento chamado “MUFA”, que fica a meio caminho entre Tete e Cahora Bassa (Cabora Bassa durante o período colonial português). Era um quartel em oito casas pré-fabricadas, deixado ao exército português por uma empresa italiana, que fez obras na zona relacionadas com linhas de alta tensão, vindas da barragem para a África do Sul.
O João Mota, passado pouco tempo da sua chegada ali, foi incumbido pelo capitão da sua Companhia, da tarefa de projetar filmes nos aquartelamentos próximos e também para a população de cor. Era a chamada “psico” a funcionar, que, por determinação do departamento de logística em Nampula, quartel general, decidiu que assim se realizasse. Para o efeito entregaram todo o material: máquinas de projetar, filmes antigos, pano branco, para os mesmos poderem ser vistos.
O João Mota, durante todo este tempo, era visto como o homem que trazia distração e boa disposição para o mato. Mensalmente tinha que enviar um relatório para Nampula sobre qual a impressão dos espetadores, e bem assim sugestões, para elevar a moral. E, para isso, visitava todas as semanas, as obras da barragem, de enorme grandiosidade.
Tendo sido esta a sua tarefa no Ultramar, João Mota disse-nos que não se pode queixar, tendo regressado à então Metrópole em 5 de dezembro de 1974, sem que tivesse havido qualquer baixa ou ferido na sua Companhia.
Sendo sócio do Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes desde 1986, tem desempenhado vários cargos nos Corpos Gerentes desta instituição de grande mérito: Vogal da Direção, de 2014 a 2017; Secretário da Assembleia Geral, de 2015 a 2016, e atualmente Secretário da Direção.
E talvez porque a sua missão no Ultramar passou também por transmitir momentos de entretenimento, o João Mota é uma das personagens reais da ficcionada “Tertúlia Hotel Covilhã-Jardim”, a que é feita referência no editorial.

(In "O Combatente da Estrela", n.º 112 - Outubro/2018", digital)

RECOMEÇAR

É este o título que dei ao texto para este número. Efetivamente, o dicionário dá vários exemplos e para este verbo transitivo e intransitivo, quer dizer “começar de novo ou ter recomeço o que se interrompeu”. Isto é, “continuar”.
“Se bem me lembro”, na recordação de Vitorino Nemésio, foi no n.º 95 deste jornal, de janeiro a maio de 2014 que, então como subdiretor, sugeri a criação de três páginas distintas (“Entrevista a um Combatente”, “Sobre Desporto” e “Conte-nos a sua História”, de um antigo Combatente).
A “Entrevista a um Combatente” acabaria depois por se fundir na página alusiva a “Conte-nos a sua História”.
Entretanto, um convite do então CEO da Liberty Seguros em Portugal, insistiu para que escrevesse a “História dos Seguros em Portugal”, isto no dia 13 de junho de 2014, um mês depois de ter assumido a tarefa de subdiretor de O Combatente da Estrela.
Aguentei tanto quanto pude, com as duas responsabilidades, até que em 2 de janeiro de 2017 coloquei o problema à Direção deste Núcleo da Liga dos Combatentes, da minha impossibilidade de manter as duas colunas que então me propusera executar, continuando no entanto com o editorial, já que nem eu calculava que daqui para a frente iriam surgir centenas de horas de trabalho para a concretização do livro a que dei o título “O Documento Antigo – Uma outra forma de ver os Seguros”, referida no último número de “O Combatente da Estrela”.
Assim, o n.º 105, de janeiro a março de 2017 foi o último em que se mantiveram as referidas páginas, da minha responsabilidade, passando os posteriores números a ter inserida a página desportiva da responsabilidade do entusiasta pelo desporto citadino, Carlos Miguel Saraiva, mormente do Sporting Clube da Covilhã (SCC), de que eu já havia escrito quatro livros diferentes, e tive o prazer de prefaciar, e apresentar, a sua obra também sobre o SCC – “História do SCC” – tendo, para mim, a felicidade de ver alguém a dar continuidade, com assaz entusiasmo, ao maior clube da Beira Interior – o nosso SCC. Assim, o Miguel Saraiva tem-se encarregado, com muito mérito, dessa página n’O Combatente da Estrela.
Como já foi referido, sobre o livro que, com grande insistência me foi solicitado escrever, atrás referido, e para não faltar a um compromisso baseado na grande confiança em mim depositada, acabei por terminar o livro em 13 de junho passado, um trabalho de 896 páginas, comportando toda a história dos seguros desde a antiguidade até aos dias de hoje, em duas partes, conforme já referi, e, desta forma já inédito no mercado, reforcei esse ineditismo inserindo-lhe um cunho romanesco.
Na parte romanceada que originava pausas de ficcionadas tertúlias em vários pontos do País, com início em Valbom (Gondomar), Porto, Leiria, Algarve, Covilhã e Lisboa, foram inseridas várias personagens reais, na sua maioria covilhanenses, e outra fictícias, que se desenrolavam em estabelecimentos reais (confeitarias, cafés, tascas e restaurantes).
Dava assim oportunidade de falar sobre figuras e eventos históricos das localidades onde se desenvolviam as ficcionadas tertúlias. Por exemplo, na Covilhã, surgiram duas tertúlias: “Tertúlia Hotel Covilhã Jardim” e “Tertúlia do Celso”.

Na “Tertúlia Hotel Covilhã Jardim” tive o prazer de poder contar com personagens reais do Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes, entre os quais os amigos João Azevedo, João Mota, Victor Oliveira, José Matias, e ainda o João Petrucci.
A apresentação do livro, a cargo do novo CEO da Liberty Seguros em Portugal, Dr. Rogério Bicho, que ocorreu no Salão Nobre da Câmara Municipal da Covilhã, foi um êxito e daqui extraímos uma foto com os elementos tertulianos, personagens reais deste Núcleo, para o livro “O Documento Antigo – Uma outra forma de ver os Seguros”, onde estiveram presentes, e agradeço.
Assim, volvido mais de um ano e meio, volto à disponibilidade para recomeçar com a rubrica “Conte-nos a sua história”, que neste número se reporta ao antigo Combatente João Fernando Mota.

(In "O Combatente da Estrela", n.º 112 Outubro/2018, digital)

3 de outubro de 2018

O ZÉ DO MEGANE


Como entrámos no Outono, o tempo de férias praticamente acabou, começaram as aulas depois dos protestos dos professores, e dos taxistas terem terminado os seus, contra a “lei Uber”, para além de outros acontecimentos que foram dando corpo à “silly season”, houve algum tempo para leitura.
Pela minha parte, coube-me o deleite de, após ter devorado dois livros, passar a folhear despreocupadamente aquele que escrevi e foi apresentado no passado dia 8 de setembro.
Os meus dedos levaram-me indiscriminadamente para as páginas 119 e 120, da parte romanesca, na tertúlia de Valbom, mas desta vez a ter lugar no Restaurante Margarida, em Leça da Palmeira:
“- Psssstt… - Chamou à atenção o Zé do Megane, para o que se estava a passar, ali bem perto, à porta do restaurante, mas bem fora dele.
Um grupo de cinco turistas visitava o Porto. A carrinha com o cicerone parou à porta. Eram três lindas moças e dois esguios rapazes.
Então dizia o cicerone: Aqui é Leça da Palmeira e o Porto é intitulado pelos ilustres da História de Portugal, como a ‘Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto’.
Os sorrisos das moças às explicações do cicerone faziam inveja a quem passava, tal a sua graciosidade, todas de calças de ganga, curtas, a denunciarem as formas do corpo, para além dos seus cabelos compridos e uma de rabo de cavalo.
Os dois rapazes daquele grupo turista, tanto como elas, procuravam dos seus telemóveis obter as melhores fotografias.
Ao recuarem para obterem uma melhor panorâmica – cuidado com os automóveis!... – dizia o cicerone – uma das moças pisa inadvertidamente um velho que ali passava, de jornal debaixo do braço, e ainda uma caixinha de bolos, que comprara na pastelaria para o aniversário da sua Maria que fazia 80 anos, e, na outra mão, uma bengalinha, que por graça e mor do senhor doutor, o aconselhara a andar assim mais seguro.
Da pisadela, susto do velho, um pouco mais de vento, jornal para o chão, e logo duas páginas centrais voam e se enrolam num automóvel que passava.
Corou e deixou-se de sorrisos a pequena enquanto as suas colegas se riam.
Um dos rapazes corre atrás das páginas do jornal que voaram quando obriga um ciclomotorista a travar bruscamente e a estatelar-se no chão. Para além das calças rotas (rotas já elas estavam quando as comprou com aqueles buracos…) nada mais aconteceu, depois de mirar a Famel Zundap que não ficara danificada.
O rapaz do motociclo, após ter recebido pedidos de desculpa, por lhe terem ocasionado aquele susto, do turista e seus companheiros de viagem, bem como o cicerone, lá seguiu o seu caminho, tanto mais que as três gaiatas também o haviam fascinado.
Entretanto, o velho, de sua graça, Joaquim, vendo todo este espetáculo, acaba por dizer: - ‘Deixe lá o jornal, minina, era só p’rá mor de m’entreter com a minha Maria que hoje faz 80 anos. O pior foram os bolos que ficaram esborraçados!... Não viu que o rapazinho a correr atirou-me com a caixa ao chão e pisou os bolos?’
Deste episódio, o Zé do Megane que, entretanto, fizera interromper os trabalhos, e os seus companheiros tertulianos acabaram por se juntar à porta, assistindo a tudo, teve pena da moça e do velho, e não é que lhes pede para entrarem, e dá indicações ao empregado para arranjar uma caixinha de bolos, enquanto o Damasceno acabou por ir comprar o Correia da Manhã, do qual algumas páginas tinham voado e ficado incompleto…
Entretanto, o Benedito, finório, diz para o sr. Joaquim: - Olhe lá, já viu que as páginas que voaram do jornal eram estas… e apontou para aquelas em que surgiam, desnudadas, algumas celebridades…
- Olhe, Sinhor! … Não sei a sua graça… - Respondeu o sr. Joaquim ao Benedito: ‘Noutros tempos, eu binha à cidade de barco rabelo… Ainda m’alembra dos carros de bois birem carregar pipas de beinho fino, dos nabios à bela subindo’ …
E enquanto lhe servem um copo de branco, que lhe ofereceram, adianta-se: - ‘Bote aí!’
Bom, as três mocinhas, os dois rapazes e o cicerone lá seguiram o seu caminho, muito agradecidos com tudo o que lhes fizeram, com muitos pedidos de desculpa, sem que antes o Benedito conseguisse a aceitação de uma selfie com elas.
O sr. Joaquim também já se preparava para partir, enquanto o empregado foi retirar de perto da porta, para o lixo, a caixa dos bolos esmagados, quando o Manuel lhe pergunta:
- Então, a sua Maria faz hoje 80 anos? Parabéns!
- E olhe que eu, oficialmente, casei três bezes. Isso mesmo, três bezes! – Respondeu o sr. Joaquim.
Bom, e aqui terminou o drama, que não chegou a acontecer.
- Vamos continuar com o nosso programa, malta, senão também podem voar os nossos papéis – Ordenou o Fernando Gonçalves.”
E muitas, muitas mais histórias entre facto-ficção foram escritas. Fica somente esta pequena abordagem para os muitos que são possuidores do livro.


(In "Notícias da Covilhã", de 04-10-2018)

11 de setembro de 2018

O VATICANO E O SEXO


Último domingo de agosto. Dirijo-me à banca dos jornais e, à minha frente, na fila, uma senhora não se despega das raspadinhas, e eu com o Público na mão para pagar, aguardo a minha vez.
Não jogo, por isso não conheço o jogo da raspadinha. Mas lá vou ouvindo, como hoje: “Dê-me 10 euros que tenho desta raspadinha, mais 10 euros desta, e com os 10 euros de ainda esta, dê-me uma Dardos, uma Dominó, uma Grande Sorte, uma Horóscopo, uma Mega Cofre, e uma Mini Pé-De-Meia.
- “Até que enfim, vai chegar a minha vez…”, presumi, quando a senhora, olhando para as raspadinhas expostas, diz: “-Olhe, dê-me também uma MasterMix”.
- “Aguenta, meu!...” E lá chegou a minha vez.
E o tema dos jornais não descola, e com razão, sobre a “nefasta Cúria Romana que Francisco não soube e/ou não pôde renovar de alto a baixo”, conforme relata Vicente Jorge Silva no Público de hoje, sob o título “Assombrados pelo sexo”.
Como crente, pessoa de fé e católico, há muito que me sinto incomodado com a ineficácia do Vaticano, sobre o mau exemplo, o crime, os escândalos ocultos e protegidos sobre a pedofilia e não só.
Como é possível que os últimos Papas (alguns até já foram canonizados) não tivessem conseguido acionar o chicote da expulsão (e não suspensão) de padres e bispos que não deveriam exercer esses múnus?
O resultado está à vista: cada vez se vê reduzir o número de católicos e da sua prática, como se verifica na Irlanda que era quase cem por cento católica.
Já nem o Papa Francisco, de quem tanto se esperava, consegue dar a volta ao texto. Pois como diz ainda Vicente Jorge Silva, “já não é possível mascarar por mais tempo a evidência de que a pedofilia constitui a expressão mais perversa da longa relação doentia da Igreja Católica com o sexo – e que, como tem sido lembrado por tantas vozes, o celibato dos padres constitui um dos fatores mais decisivos dessa doença.”
Este tema levaria a um longo debate, certamente não conclusivo, mas a pergunta, ou muitas perguntas, ficariam à espera de respostas, mas respostas de ação e não para ser mais do mesmo:
- Como é possível um padre, ou bispo, consciente dos atos em que se envolveu, como a pedofilia, poder continuar a exercer os atos de culto?
- Como é possível um bispo, conhecedor dos atos de pedofilia (aquele que agora está mais em foco) encobrir o crime ou o escândalo do sacerdote sob a sua jurisdição?
- Com que autoridade, um bispo ou um sacerdote, nestas situações, tem de, do púlpito, soltar vozes de incitamento à conversão, ao respeito pelo próximo, e sei lá que mais?
E será que esses padres e bispos têm consciência do pecado que eles próprios praticam e aos outros pedem para não cometer?
Não chegou o longo tempo da fábrica da morte em nome da fé, através do funesto Tribunal do Santo Ofício instalado em Portugal por bula de 23 de maio de 1536, depois de grande insistência junto do Papa Paulo III por parte de D. João III, que só viria a apagar-se no reinado de D. José I, por decerto de 1768?
Não estou aqui a discutir o sexo dos anjos, mas tão só um problema que é de todos, católicos ou não, gravíssimo, e sob os auspícios da Santa Madre Igreja, ou seja, na figura dos seus representantes.
Será que o pedir perdão do Papa Francisco, pelo que tem acontecido ao longos dos tempos chega?
E se destas palavras surge algum exagero, fruto da minha revolta face à ineficácia, passividade do clero dito sério, dito consciente, referido como exemplar no cumprimento dos seus deveres para que foi ungido (com muitas honrosas exceções) pergunto, dum mar de quesitos que era necessário terem respostas:
- Qual a conclusão, fidedigna, da morte do Papa João Paulo I, conhecido como o Papa do Sorriso”, que apenas foi Papa 33 dias, entre 26 de agosto de 1978 até à data da sua morte, em 28 de setembro de 1978? Não quis ser coroado, deixando de usar a tiara papal. Embora João Paulo i tenha sido encontrado morto por uma freira que trabalhava com ele e o acordava havia muitos anos, a versão oficial divulgada pelo Vaticano diz que o seu corpo teria sido encontrado por um padre, um dos seus secretários. Enfarte do miocárdio, embolia pulmonar, o fomento de várias teorias de conspiração pelo facto de estar a descobrir escândalos financeiros envolvendo o Vaticano, numa hipótese apontada, ou o envenenamento durante a noite, noutra especulação. Seja como for, nada ainda foi esclarecido.
- O caso da vida sexual de D. Carlos Azevedo, bispo católico, acusado de homossexualidade prática, atualmente em Roma, está envolvido em acusações de comportamentos impróprios. Já existe alguma decisão sobre este caso? Pois claro que não.
- Também na nossa Diocese da Guarda se passou um caso de pedofilia com o então vice-reitor do Seminário do Fundão, padre Luís Mendes, a cumprir dez anos de prisão efetiva, e sempre protegido por D. Manuel Felício, bispo da Guarda. Será que o padre condenado, após cumprir a pena, pode continuar a exercer a sua missão de sacerdote, celebrando a Eucaristia?
Sobre este assunto escrevi um texto em 12-12-2017, sob o título “Abominação ou Aceitação”.
Segundo o bispo emérito das Forças Armadas, D. Januário Torgal Ferreira, “é necessária uma varredela na Cúria, afastando pessoas, quebrando o silêncio. A Cúria precisa de uma higienização muito profunda”.
Já o padre, professor e ensaísta, Anselmo Borges, diz “que não podemos andar eternamente a pedir desculpas. É preciso acabar de vez com este equívoco que é o celibato obrigatório dos padres”.
Também Isabel Allegro de Magalhães, professora catedrática e membro do Graal referiu: “Parece-me que ele (Papa Francisco) teve medo de ser drástico de mais, mas deveria tê-lo sido, nem que a Igreja tivesse ficado reduzida a dez padres”.

(In "fórum Covilhã", de 11-09-2018)