16 de fevereiro de 2018

PAU PARA TODA A OBRA


Hoje, dez de fevereiro do ano da graça de dois mil e dezoito, da era de Cristo, cá dos lados da encosta da Serra da Estrela, na vetusta cidade dos lanifícios e, hoje, mais universitária, deu-me na gana de parar o horizonte de outros temas, e passar a outro estilo de conteúdos. Volto-me então, um pouco, para os solos que pisei, pela primeira vez, vai fazer meio século, por essas terras algarvias onde se insere a importante cidade de Olhão, da restauração.
Efetivamente, foi em 16 de janeiro de 1968 que fui pela primeira vez ao Algarve, então por obrigação militar, em Tavira.
Já escrevia no jornal da minha Terra, embora com pouca regularidade, desde 1964, porque também havia que acautelar os assuntos a abordar, face à PIDE, não me fosse rondar, como a tantos operários, e não só, da Covilhã, que sofreram nas investidas daquela famigerada polícia política.
E, memorizando um pouco os tempos de outrora, como retrata tantas vezes o diretor-adjunto deste quinzenário, nas suas páginas, aprouve-me a minha passagem efémera pela cidade de Olhão, com alguns camaradas, onde aí escrevi um postal ilustrado para a minha namorada, na Covilhã. Ainda não tinham sido inventados os telemóveis… e as chamadas telefónicas, para além de caras, eram interurbanas.
Longe estaria no meu pensamento que, umas décadas mais à frente, ser-me-ia propício vaguear o meu pensamento por Olhão, através das páginas de um periódico, substituindo assim o piso de ruas por páginas de papel.
E é n’O Olhanense que me agrada ver conteúdos tão diversificados, numa base de cultura espelhada em vários artigos de opinião, e na memorização das vivências de outrora, por um insigne cérebro que, tal como eu penso, não é a terceira nem a quarta idade que nos faz parar porque consideramos que a mesma que atingimos é, mais exatamente, a idade da plenitude.
Como em tudo, há sempre alguém que é a roldana, a mola impulsionadora, o chamado “pau para toda a obra” que é conhecedor, sabe do seu ofício, sem do mesmo colher frutos financeiros porque sabe que superiores a esses estão os advindos do amor à causa e o prazer indelével de fazer andar, não deixar parar, não deixar perecer.
Assim vai “O Olhanense”, onde tenho o prazer de quinzenalmente estar presente, com os sacrifícios que se reconhecem, mas com a alma de gentes que sabem acompanhar quem dirige este importante periódico, já de referência nacional, extravasando o âmbito regional.
Gostaria de ver mais artigos de opinião, ou crónicas, da parte feminina, para poderem enriquecer também, com a sua contribuição, o quinzenário de todos nós. Tal como os jardins, também nos jornais ficam bem as flores, porque delas emergem muitas outras interessantes formas de ver e de pensar.
Apercebo-me pelos relatos do principal responsável da continuidade deste quinzenário que, tal como está acontecendo noutros periódicos, a pera não é doce e as dificuldades são grandes, mais enegrecidas, por vezes, pela indiferença de alguns, mas isto é generalizado.
É preciso é continuar a inovar porque quem está de fora sabe perfeitamente que o rumo do Jornal “O Olhanense” está bem traçado, tem sentido, está valorizado, não é um quinzenário exclusivamente desportivo, mas um periódico verdadeiramente cultural.
Por isso, o caminho é continuar em frente, sem desanimar. E venha o próximo número.


(In "O Olhanense", de 15-2-2018)

14 de fevereiro de 2018

DA CORRUPÇÃO AO CHICO-ESPERTISMO


Saio à rua, depois de dar uma olhadela pelas notícias online, e dirijo-me para a minha habitual banca dos jornais, ao jardim, onde os mesmos se encontram desde já reservados.
Saúdo uma vizinha que há muito tempo não via, pergunto se está tudo bem e responde: “Só que, ai, ai, os meus joelhos é que não ajudam!”. Depois outra, a mesma pergunta, e vai daí: “Sabe, Sr. João, o meu problema é a coluna, esta maldita doença!”. Até que resolvi não perguntar mais nada, senão quando surge um amigo, e, nos cumprimentos da praxe, lá vem outra história das doenças da idade. “Sabes? Isto é da PDI!” Ao que eu lhe respondi, sem que ele contasse com esta contradição do vulgarizado significado da sigla: “Olha, toca a todos, a “Potência Deficitária Incomodativa!...”
Antes de entrar no tema em epígrafe, penso mesmo que os trabalhadores que se deixam instrumentalizar demasiado pelos partidos, cujos sindicatos a que estão afetos dizem os defender, poderão ver-se mais tarde envolvidos numa nuvem de arrependimento pelas opções tomadas, como é o caso da Autoeuropa, pelas teimosias que vão levando. Uns dizem que são os comunistas os culpados; certo é que parece que a Autoeuropa está antes afeta à UGT. Se a empresa se deslocasse para o estrangeiro, ou se retirasse para outro local, como outras fizeram, caso da Opel da Azambuja, seria melhor para os trabalhadores ficarem sem emprego? Pois é, o subsídio do desemprego, as reformas antecipadas, etc., sempre resolvem alguma coisa. Mas o mais estranho é que não se trata de quaisquer colaboradores, mas de trabalhadores que se encontram bem pagos, quando muitos licenciado nem ganham metade do seu salário.
Já os encerramentos da ex-Triumph e da Ricon são apontados como “uma infeliz coincidência” num dos períodos mais positivos do setor com forte volume de exportações, lamentando-se os muitos trabalhadores que rumam para o desemprego.
Mas vamos para o tema que hoje trouxe para este espaço, não obstante ele já ter sido debatido nos vários órgãos da comunicação social ad nauseam, uma vez que também o diabo não chegou a vir naquele célebre setembro de Passos Coelho, porque afinal ele já estava/está entranhado no seio e no pensamento de muitos, de várias praças deste país. Portanto, nem vale a pena Manuela Ferreira Leite sugerir ao “novo” PSD para que venda a alma ao diabo para pôr a esquerda na rua.
Deste fartote de corrupção, entre alta e baixa, fraca e forte, verificada ao longo dos tempos, mas mais acentuada nos dias de hoje, isto no que se repercute no nosso País, entendi classificá-la em três partes: corrupção de 1.ª, de 2ª e de 3.ª categorias.
Eu explico, exemplificando, a começar da mais baixa para a mais elevada. Considero corrupto ou corrompido de 3.ª categoria, aquele romeno que me enganou à entrada do Lidl vendendo-me o almanaque Borda D’Água pelo preço que apontou e vinha inserido na capa do mesmo; e que eu, pensando ser um original como tantos vendidos nas bancas e papelarias, verifiquei depois que era fotocopiado. Até onde vai o chico-espertismo. Ou, então, o recebimento por parte dos serviços da secretaria de um Lar da Terceira Idade, de boa reputação, desta Cidade laneira, de uma luxuosa “comparticipação por fora” para se ter hipótese de ali ser internado um familiar idoso, em que não é passado um recibo comprovativo, o que, para além de transgressão fiscal, também se ficou a desconhecer para que bolso seguiu a volumosa quantia extra, como entrada, para além das mensalidades e outras despesas mais.
Corrupto ou corrompido de 2ª categoria pia mais fino, e aí temos, sem vergonha, o aluguer de uma casa, a um mãe e filho adulto, pobres, sem condições condignas de habitabilidade, onde nem sequer cabe uma cama pequena para um deles dormir, nem os mínimos eletrodomésticos, imprimindo uma desumanização à face da Terra, neste século XXI. Onde estão as fiscalizações ativas e decisórias, para poder impedir o desiderato dos proprietários chico-espertos? Isto também se passa na mais importante cidade dos lanifícios e universitária da Beira Interior. Nesta vertente de categoria ainda integro aquele perito de seguradoras que, subtilmente, indicava clientes aos comerciais para, passado pouco tempo, numa sua prévia combinação com os referidos segurados, passarem a existir sinistros em catadupa, forjados. Descoberto este seu chico-espertismo, e já não sabendo como se desenrascar, acabou num suicídio na A23.
Corrupto ou corrompido de primeira categoria são então os de maior evidência, geralmente ligados a uma teia, envolvidos num polvo (sobre este mesmo tema – “O Polvo” – escrevi um texto em 2 de setembro de 2005, publicado no Notícias da Covilhã, que se encontra em grande parte atual), cujas formas tentaculares de fugir às responsabilidades e se habilitarem ao sorteio da ilibação produz tempo e mais tempo até se chegar ao ponto final dos julgamentos. E, depois, há os recursos, e mais recursos. Aqui vamos encontrar os já muito comentados casos da Operação Marquês, Operação Lex, Operação Fizz, entre outros, para além dos que vão emergindo, como a falsificação de cheques da Segurança Social, o desvio de milhões, pelo reitor de uma universidade privada, não esquecendo os casos da PT, da queda do BES, e por aí fora.
Nesta categoria não há corruptos de fraco gabarito. Podemos, sim, encontrar alguns novos-riquismos e narcisismos doentios.
“Sim, vivemos num país profundamente corrupto”, é o título duma crónica de João Miguel Tavares, do Público.
Estranha-se que outros casos de corrupção não tenham tido qualquer desfecho da Justiça, continuando hoje ainda vivos e, outros, condenados a prisão, como Oliveira e Costa, passeiam livremente.
Se o período Sócrates-Pinto Monteiro foi o “mais negro” da Justiça, conforme atesta no seu livro o juiz jubilado António Bernardo Colaço, não se compreende a pretensão de afastar a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal. Segundo o versado é que a remoção da procuradora não evitará o julgamento de Sócrates, mas pode facilitar o adiamento para após eleições. Chico-espertismo!
Por tudo isto se vê que todos os casos conhecidos são reveladores da transversalidade da corrupção entre as diversas classes sociais, envolvendo todos os setores da sociedade e da economia.
Pode alegar-se que a justiça está a funcionar normalmente e a fazer o que tem de ser feito, o que é um dado positivo.

(In "Notícias da Covilhã", de 15-2-2018)

13 de fevereiro de 2018

2018 – ANO DE EFEMÉRIDES, MAS TAMBÉM RUMO À 4.ª REVOLUÇÃO INDUSTRIAL


Depois de terem sido badalados intensamente outros temas, como foram os incêndios do ano findo, e, agora, o ranking das escolas, trago ao leitor memórias que hoje se perpetuam de há meio século, que neste ano se efemerizam, atingindo o cinquentenário dos respetivos acontecimentos, tendo entrado na história do planeta, todas deixando marcas do seu surgimento.
Alguns chamaram a 1968 o ano de todas as revoluções. Uma vaga de movimentos revolucionários sacudiu o mundo há 50 anos, ano em que eu fui cumprir o serviço militar obrigatório, logo em janeiro, por onde andei 42 meses, daí que pouco me tivesse apercebido de alguns destes mesmos acontecimentos. Tínhamos pouco acesso aos jornais e a televisão, de um só canal, a preto e branco, não estava tanto ao nosso alcance como em nossas casas.
Se bem que no final desse ano de 1968 todas as aspirações revolucionárias tinham fracassado, sem nada mudar, o que é certo e verdade é que também já nada continuou a ser igual, nesta parte no que concerne aos jovens estudantes. É que as suas consequências tiveram uma grande importância. Estas revoluções tiveram uma peculiaridade porquanto não pretendiam conquistar o poder, mas tão só mudá-lo.
Se Paris simbolizou esta agitação também houve outros lugares onde tal viriam a surgir, nomeadamente em Berlim, Praga, Roma, Cidade do México. A China mantinha-se na Revolução Cultural. Vivia-se também a guerra do Vietname já numa fase crítica.
Não obstante haver prosperidade, os distúrbios eram indício de um profundo descontentamento. As reivindicações falavam na esperança num mundo melhor. Eram discutidas as estruturas políticas, então vistas como autoritárias. Era, segundo os jovens estudantes, um modelo consumista de um capitalismo obcecado com a rentabilidade. Os processos revolucionários até então tinham estado associados a classes sociais específicas ou a grupos políticos definidos. Os processos revolucionários de 1968 correspondiam aos estados de consciência da geração nascida no pós-guerra. Os universitários foram então os promotores, que tinham aumentado maciçamente quando o ensino superior deixou de ser privilégio só para alguns.
Estas grandes convulsões, não só das que agora me refiro, podem ser retratadas, tanto quanto possível, pela sua ordem cronológica.
Assim, no primeiro dia do primeiro mês desse ano, o Vietcong atacou a embaixada dos Estados Unidos em Saigão, mas, passados poucos dias iniciava-se a Primavera de Praga, na então Checoslováquia, com Dubcek a assumir a sua liderança, numa tentativa de democratizar o regime. Contudo, a Guerra Fria aniquilou a experiência e mergulhou o país numa onda de frustração. No 1.º dia de fevereiro surgiam as brutais imagens de Eddie Adams da guerra do Vietname que impressionaram o mundo. Em meados de março de há cinquenta anos, dava-se o massacre de My Lai no Vietname. Entretanto era encerrada a Universidade de Nanterre, em França. No final deste mês emergiram os distúrbios e repressão racial em Memphis, nos Estados Unidos.
Os primeiros Jogos Olímpicos da América Latina começaram-se a preparar no mês seguinte (abril), no México, mas é também nos primeiros dias deste mês e ano que é assassinado Martin Luther King. Maio viria a ver os confrontos entre os Guardas Vermelhos e o exército a recrudescerem na China, em plena Revolução Cultural. E o célebre “Maio de 68” iria ver o seu início com a Noite das Barricadas em Paris, ponto de inflexão do maio francês.
Encontrava-me no serviço militar em Tavira quando, na parada, oiço na “Rádio CISMI”, daquela unidade militar com o mesmo nome, que, naquele dia 5 de junho de 1968, o senador e candidato favorito às primárias democratas nos Estados Unidos, Robert F. Kennedy, era assassinado.  Entretanto, naquele mesmo mês, das eleições em França saiu vencedor o Partido Gaulista e acabaram os protestos dos estudantes, não voltando a haver outra convulsão de caraterísticas inovadoras e criativas que lhe seja comparável. Os jovens desse tempo hoje andam por perto dos 65/70 anos. Também a religião tinha a sua marca de acontecimentos neste ano, e, assim, em 25 de julho o Papa Paulo VI condenava o uso dos contracetivos na encíclica Humanae vitae. O mês de agosto seria marcado com festivais rock como o de Venice Beach, nos Estados Unidos, mostrando o apogeu da contracultura e da emancipação sexual. A União Soviética (URSS) invadiu a Checoslováquia e, no final deste mês surgiram manifestações nos Estados Unidos contra a guerra do Vietname, na Convenção do Partido Democrata em Chicago.
Em setembro nascia a Teologia da Libertação, com Hans Küng a publicar o manifesto Declaração pela Liberdade da Teologia. O mês de outubro seria terrível para o México, com o Massacre da Praça das Três Culturas. Entretanto, de 12 a 27 deste mesmo mês, realizaram-se os XIX Jogos Olímpicos, na capital mexicana.
O novo presidente americano, Richard Nixon, viu alcançada a sua vitória nas eleições nos Estados Unidos, realizadas no dia 5 de novembro de 1968. Para o último mês do ano, Mao Tsé-tung lançou a campanha de “reeducação” dos jovens das cidades, enviados para campos de trabalhos rurais na China. E, entretanto, a Apollo 8 entrava na órbitra lunar e os astronautas Borman, Lovell e Anders viam, pela primeira vez na história, a face oculta da Lua.
E, daí para cá, o mundo foi evoluindo de tal forma que hoje estamos a rumar a uma 4.ª revolução industrial. Recordemos que foi no século XVIII, em Inglaterra, que se deu a Primeira Revolução Industrial, com a máquina a vapor e do carvão.  Na viragem do século XIX para o século XX, nos Estados Unidos, na Alemanha e em Inglaterra, surgiu a Segunda Revolução Industrial, do petróleo, do motor de combustão interna, do motor elétrico e da produção em massa.  Na segunda metade do século XX, tivemos a Terceira Revolução Industrial, da computação e da Internet.
Bom, a Quarta Revolução Industrial é agora, de acordo com Schwab, e outros, a revolução da digitalização maciça, da aprendizagem automática e da robotização, mas também da nanotecnologia e dos novos materiais, e da biotecnologia, ou seja, tecnologias que fundem os mundos físico, digital e biológico.
Antes das revoluções industriais usávamos as fontes de energia primária (o sol, a água e o vento). As sucessivas revoluções industriais tiveram como consequência um aumento enorme no nível de prosperidade da humanidade, em conjunto com alterações sociais profundas, como o reconhecimento de direitos humanos universais, a alteração nos padrões de fertilidade e o aumento da esperança média de vida.
A Quarta Revolução Industrial traz enormes promessas, por exemplo, com a massificação do carro elétrico, muito mais eficiente que o carro a gasolina ou gasóleo entre outras.

(In "fórum Covilhã", de 13-2-2018)