20 de dezembro de 2019

NATAIS

Nesta quadra natalícia vamos ter oportunidade de fechar o ano 2019 com o último número desta publicação, como já vem sendo habitual. Fazemos uma reflexão de muitos natais que foram passados pelos antigos Combatentes, no teatro bélico, tenham eles sido provenientes da I Grande Guerra ou das Guerras Coloniais.
Sobre estes últimos, sentimos na proximidade a vivência desses dias de natais, melancólicos, duma nostalgia contida, lacrimejantes.
Felizmente que, para alguns, a sorte bafejou-os no âmbito das lutas entre irmãos em guerra, tendo ficado destacados em posições estratégicas de segurança. No entanto, sempre ficou a saudade da família na longitude dos mares, a anos de espera para o abraço da chegada feliz, quantos a ela tiveram a dita de o conseguir, pois não viria contemplar todos.
E porque estas guerras fratricidas terminaram com o 25 de Abril de 1974, a nossa reflexão insere-se no período compreendido entre 1914 e 1974, ou seja, de seis décadas.
São referências a alguns eventos surgidos nesta periodicidade.
Se nos reportarmos ao ano 1914, foi o início da I Guerra Mundial. As luzes do esplendor, que indicavam um futuro soberbo, foram subitamente apagadas, com o assassinato em Sarajevo, do herdeiro do trono austríaco, o arquiduque Francisco Fernando. Este incidente mergulhou, sobretudo a Europa, numa guerra sem precedentes, que viria a convocar para a frente de combate, durante os quatro anos do conflito, cerca de 65 milhões de homens oriundos de mais de vinte países. Foram quatro natais vividos sob o fogo da I Guerra Mundial.
Em 1919 foi a revolta na América Latina, com a morte de Zapata. No México viveram-se natais de instabilidade, desde a demissão, em 1911, do governo absolutista de Porfírio Diaz. Solidifica-se o movimento do campesinato índio liderado por Emiliano Zapata, que faz da Terra e Liberdade palavras de ordem para o seu projeto de libertação. O então novo governo mexicano operou reformas agrárias e fez aprovar uma constituição socialista. O movimento Zapatista, porém, continuou insatisfeito e o conflito manteve-se. No Natal de 1919, o México chorava a morte de Emiliano Zapata – o primeiro herói da América Latina do século XX.
Em 1926 Portugal entrava na era da ditadura militar. Este golpe, que visava aniquilar a I República demoliberal, iniciou-se em Braga e depressa se estendeu às restantes cidades portuguesas. O Natal de 1926, em Portugal, foi o primeiro de muitos que viriam a constituir a época do Estado Novo.
O Natal de 1927 foi marcado pelo “Cantor de Jazz”. A primeira longa-metragem com palavras faladas estreou-se em Nova Iorque em 1927 e fez a delícia das plateias de todo o mundo. Estava, definitivamente, aberta a era da 7ª Maravilha do Mundo.
Em 1933, Adolf Hitler, com a vitória eleitoral dos nazis, é nomeado chanceler do Reich. Apostado em fazer emergir a Alemanha das imensas humilhações a que havia sido submetida, promete aos alemães obrigar o mundo a reconhecer a supremacia da raça germânica. No Natal de 1933, a maioria dos alemães acreditava na melhoria das condições de vida. Neste mesmo Natal, a maioria dos alemães estava longe de perceber o pesadelo que o novo chanceler iria representar para toda a humanidade.
Em 1941, a obsessão pela supremacia da raça ariana levou a anos sem fim de perseguição aos judeus. Nesse ano, quando ainda pairava no ar o espetro da I Guerra Mundial, Hitler ordenou a invasão da União Soviética, marcando o início da II Guerra Mundial. Os conflitos deram-se por terra, mar e ar e envolveram quase todos os continentes. Foram, sem dúvida, os natais mais tristes do século XX, sendo mesmo os de toda a história da humanidade.
Em 1944, seria o Dia D. As forças aliadas desembarcaram na costa da Normandia com uma única missão: acabar com o domínio nazi na Europa. Foram precisos 4 mil navios e 10 mil aviões para cumprir tal objetivo. O Natal de 1944 marcou, pois, o princípio do fim das ambições da supremacia ariana.
1945, a bomba atómica. Em Hiroshima, o exército americano deixou cair a primeira bomba atómica. Calcula-se que tenham morrido cerca de 100 mil pessoas e foram dezenas de milhares de mutilados. Três dias depois, uma bomba igual explodiu, por ordem dos americanos, em Nagasaki. Com a inevitável rendição do império do Sol Nascente e com o suicídio de Adolf Hitler, assinalou-se o fim da II Guerra Mundial.
O Natal de 1947 foi de glória para Portugal. A seleção nacional de hóquei em patins venceu, pela primeira vez, o campeonato do mundo. Um título reconquistado nos dois anos seguintes.
No Natal de 1948, o Mundo chorou a morte de Mohandas Gandhi, por assassínio – o homem que tudo fez para acabar com a intolerância religiosa, acabando por ser vítima dela.
Em 1959 foi a revolução cubana. Pela boca de Fidel de Castro saíram as palavras de ordem: “Pátria ou muerte. Venceremos.” No Natal deste ano o mundo assistiu ao virar de costas entre Cuba e os Estados Unidos, originando um conflito que perduraria durante muitos anos.
Em 1961, iríamos assistir à divisão da Alemanha. A construção de um muro que dividia a parte ocidental de Berlim, da parte comunista, com o objetivo de acabar com o êxodo de alemães de Leste para o Ocidente, fez com que o Natal de 1961 de numerosas famílias alemãs fosse vivido entre a revolta e a saudade dos familiares que ficaram para lá do muro da vergonha.
No ano de 1962 foi a estranha morte de Marilyn Monroe. A imagem do vento a soprar sobre ela ainda persiste na memória de todos nós. Marilyn Monroe é um dos mitos do século XX. Foi indubitavelmente uma das pessoas mais fotografadas. Entre Hollywood e Nova Iorque- Ela provocava o mundo. Entre homens da sua vida, dizem encontrar-se o então Presidente dos Estados Unidos, John Kennedy. Em 1962, a morte estranha de Marilyn foi, certamente, um dos temas de conversa da noite de Natal.
Já o Natal de 1963 foi de luto para os americanos que viram seu mais jovem Presidente, John Fitzgerald Kennedy, ser brutalmente assassinado, aquando de uma visita oficial a Dallas.
Em dezembro, no Natal de 1968, o mundo ainda pensava nos acontecimentos de maio em França. Foram noites de barricadas, manifestações e greves convocadas pelos estudantes, às quais se juntaram trabalhadores e a população em geral. A França paralisou. O general De Gaulle tremeu, mas não caiu e o mundo assistia, comovido, à força da união das vozes que gritavam contra as garras do capitalismo.
No Natal de 1969, o mundo ainda não acreditava. Neil Armstrong, a bordo da missão espacial Apolo II, chegava à Lua e, entre passinhos pequenos, protagonizou o maior passo da humanidade ao colocar a bandeira americana no solo lunar.
E chegávamos ao Natal de 1974, com a conquista da liberdade. O Movimento das Forças Armadas organizou um golpe de Estado em Portugal para pôr fim ao Estado Novo.  Marcelo Caetano foi afastado e iniciou-se a era da liberdade e democracia. Neste Natal, os portugueses estavam ainda completamente embriagados pelas comemorações do 1º de Maio, pelas sucessivas manifestações populares que a liberdade não só garantia, como também estimulava.
E assim terminou também a guerra nas Colónias, estas então designadas Províncias Ultramarinas. Já a guerra nas Colónias, entre os povos africanos, sob dominação portuguesa, chamava-se a Guerra do Ultramar.
Encontramo-nos, felizmente, neste Natal de 2019, em liberdade.
Votos de um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo.

(In "O Combatente da Estrela", nº. 117, de dezembro de 2019)

16 de dezembro de 2019

MINHAS MEMÓRIAS DE EQUIPAS HISTÓRICAS E SUAS VEDETAS


Vem este meu último texto do ano da graça de dois mil e dezanove, no conceituado Jornal O Olhanense; de que sinto enorme prazer em marcar presença ao longo de um quarto de século (como o tempo passa!...), transpondo da região beirã para a algarvia o meu espírito de serrano; dar lugar a algumas memórias duma vivência que foi ímpar em relação aos dias de hoje.
Foi assim que no já distante ano de 1992 recebi no meu escritório, num atendedor automático de chamadas, a voz algarvia de Augusto Ramos Teixeira, olhanense de gema, que já não se encontra no mundo dos vivos mas deixou marcas na coletividade olhanense, aquando da minha pesquisa de antigos atletas algarvios que passaram pelo meu clube da Terra – o Sporting Clube da Covilhã –, para um dos quatro livros que escrevi sobre o Clube, pois que  o Algarve havia sido um alfobre desses homens do futebol: Rita, Hélder, irmãos Cavém, Cabrita, Eminêncio, Palmeiro e outros mais.
Pela voz de Herculano Valente, também já desaparecido, dei então início à publicação de alguns textos, por vezes com dificuldade por falta de espaço, mas é na dinâmica de Mário Proença que, após eu ter ficado perplexo com aquele falecimento, me encoraja, até aos dias de hoje, no prosseguimento duma colaboração, ficando então um espaço quinzenal em “Ecos da Beira Serra”.
E, sem menosprezar os predecessores, longe de ferir qualquer suscetibilidade, o Jornal tomou um rumo de substancial melhoria, onde encontrei um espaço num emparceirar duma similaridade de gostos na memorização do que foram outros tempos.
Pena é que mais colaboradores não deem, com a sua escrita, mais voz ao jornal, aliviando assim muito do que, sozinho, se multiplica o Diretor Adjunto.
E foi por ver no número de 15 de novembro um resultado da 9ª jornada do Campeonato de Portugal – Olhanense, 5 Fabril do Barreio, 0 – que me recordei dos bons velhos tempos do Grupo Desportivo da CUF, que depois passou por Quimigal, e agora com a designação de Fabril do Barreiro.
Neste contexto, transpôs-me o meu pensamento para os tempos da juventude onde via jogar a CUF, o Lusitano de Évora, o Oriental, o Caldas, o Atlético, o Olhanense e o Sporting da Covilhã, na então designada I Divisão Nacional (hoje, I Liga).
E é nesse navegar que vou recordar alguns encontros da Divisão Maior do futebol português, cujos jogadores foram tantas vezes objeto de destaque nos relatos de futebol (dribles, potentes remates, grandes defesas, penaltis defendidos ou indefensáveis, golos, etc.) na Emissora Nacional, Rádio Clube Português ou Rádio Renascença, pelas vozes sobejamente conhecidas de Artur Agostinho, Carlos Cruz ou Nuno Brás, ou no único canal televisivo a preto e branco – RTP, pela voz do praticamente único comentador desportivo, à altura, Alves dos Santos.
Memorizando algumas equipas em que intervieram o Sporting Clube Olhanense (SCO) e o Sporting Clube da Covilhã (SCC), exclusivamente nas I e II Divisões Nacionais, com o objetivo de recordar alguns dos seus habituais jogadores, passo a indicar, sem mencionar os resultados desses encontros, já que o objetivo intencional é recordar as equipas e alguns dos seus valorosos jogadores:
Época 1948/49, na 3ª. Jornada, na Covilhã, as equipas alinharam da seguinte forma: SCC: António José; Roqui e Leopoldo; Fonseca da Silva, Pedro Costa e Fialho; Livramento, Martinho, Carlos Ferreira, Tomé e Noronha. SCO: Abraão, Rodrigues e Eminêncio; Acácio, Grazina e Loulé; Soares, Paulo, Cabrita, Salvador e Carmo.
Na 16ª Jornada, em Olhão, as equipas: SCO: Abraão, Rodrigues e Nogueira; Januário, Grazina e Loulé; Moreira, Joaquim Paulo, Soares, Salvador e Carmo. SCC: Ramalhoso, Roqui e Pedro Costa; Szabo, Fialho e Leopoldo; Livramento, Diamantino, José Pedro, Tomé e Martinho.
Época 1949/50, na 9.ª Jornada, em Olhão, as equipas: SCO: Abraão; Rodrigues, Nogueira e Loulé; Acácio e Grazina; Eusébio, Soares, Cabrita, João da Palma e Eminêncio. SCC: António José, Roqui, Pedro Costa e José Pedro; Diamantino e Fialho; Livramento, Martin, Simonyi, Tomé e Guedes.
Na 22ª. Jornada, na Covilhã, as equipas: SCC: António José, Roqui, José da Costa e José Pedro; Diamantino e Fialho; Carlos Ferreira, Martin, Simonyi, Tomé e Livramento. SCO: Abraão; Rodrigues, Nogueira e Loulé; Eusébio e Grazina; Soares, Joaquim Paulo, Cabrita, João da Palma e Eminêncio.
Época 1950/51, na 4ª. Jornada, na Covilhã, as equipas alinharam: SCC: António José; Eminêncio e Oliveira; Diamantino, Mário Reis e Fialho; Carlos Ferreira, Martin, Simonyi, Tomé e Livramento. SCO: Abraão; Rodrigues, Eusébio e Abreu; Nogueira e Grazina; Marques, Joaquim Paulo, Cabrita, João da Palma e João Manuel.
De notar que o jogador Eminêncio havia-se transferido do SCO para o SCC.
Na 17ª. Jornada, em Olhão, as equipas alinharam: SCO: Abraão; Rodrigues, Grazina e Acácio; Abreu e Cirilo; Machado, Soares, Vinício, Cabrita e Joaquim Paulo. SCC: António José; Roqui, Mário Reis e Oliveira; Diamantino e Fialho; Livramento, Martin, Simonyi, Tomé e Eminêncio.
Um parêntesis para fazer aqui uma breve referência à Época 1951/52, em que o Olhanense ficou no Campeonato Nacional da II Divisão, e, na 4ª. Jornada, no jogo com o Portalegrense, em Portalegre; assim como na 5ª Jornada, com o Farense, em Olhão, jogou na baliza o Rita e não jogou Cabrita.
Também em Évora, na 6ª Jornada, com o Lusitano do Évora (LEV), as equipas alinharam assim: LEV: Martelo; Polido, Vale e Soeiro; Madeira e Paulo; Domingo, Di Paola, Teixeira da Silva, Duarte e Hilário. SCO: Rita, Rodrigues, Tavares e Eusébio; Muñoz e Fernandes; Vinício, Soares, Curro, Paulo e Arménio.
Na 15ª. Jornada, em Olhão, as equipas alinharam: SCO: Rita, Tavares, Grazina e Eusébio; Januário e Fernando; Vinício, Soares, Curro, Joaquim Paulo e Arménio. LEV: Vital; Polido, Vale e Domingos; Madeira e Paulo; Pepe, Martinho, Teixeira da Silva, Duarte e Hilário.
Época 1953/54, ainda no Campeonato Nacional da II Divisão – Zona C., em Olhão. Na 4ª Jornada, com a CUF do Barreiro: SCO: Abraão, Graça, Tavares e João Manuel, Toupeiro e Fernandes; Coelho, Mourão, Vinício, Casaca e Pais. C.U.F.: Libânio; Matos, Carreira e Celestino; Orlando e Vale; Barriga, Vasques, Sérgio, Luís e André.
Na 15ª Jornada, no Barreiro: C.U.F.: Libânio, Matos e Celestino; Orlando, Carreira e João Vale; Sérgio, Vasques, Aureliano, Luís e André. SCO: Silvestre; Graça e João Manuel; Osvaldo, Tavares e Fernandes; Simões, Santiago, Vinício, Del Duca e Casaca.
Época 1957/58, Fase Final – Campeonato Nacional da II Divisão. Na Covilhã, as equipas alinharam da seguinte forma: SCC: Rita; Hélder, Lourenço e Couceiro; Lãzinha e Cabrita; Martin, Martinho, Tonho, Amílcar e Óscar Silva. SCO: Abade; Alfredo, Bento e Nunes; Poeira e Reina; Costa, Ângelo, Amândio, Parra e Sílvio.
Note-se que aqui já jogaram no SCC os atletas oriundos do SCO, donde se transferiram: Rita e Cabrita.
Época 1958/59, no Torneio de Competência para a I Divisão, com a CUF, na 2.ª Jornada, em Olhão, as equipas posicionaram-se assim: SCO: Abade; Alfredo, Rui e Reina; Madeira e Toupeiro; Ângelo, Parra, Campos, Gralho e Nuno. C.U.F.: José Maria; Durand, Palma e Abalroado; Oliveira e Vale; Rodrigues, Orlando, Bispo, Carlos Alberto e Uria.
Na 4.ª Jornada, em Olhão, com o Barreirense (BAR): SCO: Abade, Alfredo, Bento e Toupeiro; madeira e Reina; Vinício, Campos, Ângelo, Nuno e Parra. BAR: Bráulio; Faneca, Abrantes e Lança; Pinto e Artur; Madeira, Correia, José Augusto, Faia e Moyano.
Na 5ª Jornada, no Porto, com o Salgueiros (SAL), as equipas alinharam: SAL: Adelino; Geninho, Gonçalves e Chau; Branco e Lenine; Chico, Paraíba, Sampaio, Tai e Benje. SCO: Abade: Alfredo, Toupeiro e Bento; Madeira e Reina; Vinício, Ângelo, Parra, Gralho e Viegas.
Na 7ª Jornada, no Barreiro, com a C.U.F., as equipas: CUF: José Maria; José Luís, Palma e Durand; Carlos Alberto e Orlando; Gastão, Rodrigues, Oliveira, João Gomes e Uria. SCO: Abade; Alfredo, Rui e Bento; Madeira e Reina; Vinício, Ângelo, Campos, Cava e Nuno.
Época 1961/62, no Campeonato Nacional da I Divisão, logo na 1.ª Jornada, em Olhão, com o SCC, as equipas alinharam: SCO: Filhó (ex-Farense); Alfredo, Luciano e José Maria (ex-Farense); Madeira e Reina; Matias, Gralho, Campos, Mateus (ex-Caldas) e Armando (ex-Marinhense). SCC: Rita; Lourenço, Carlos Alberto (ex-Leixões) e Couceiro; Patiño e Lãzinha; Manteigueiro, Chacho, Adventino (ex- Lusitano), Adriano (ex-Boavista) e Palmeiro Antunes (ex-CUF).
Na 2.ª Jornada, em Coimbra, com a Académica (ACA), as equipas: ACA: Maló; Curado, Torres e Araújo; Moreira e Abreu; Rocha, Gaio, Chipenda, Miranda e Armando. SCO: Filhó; Alfredo, Luciano e Nunes; Reina e Rui; Matias, Madeira, Campos, Mateus e Armando.
Na 3.ª Jornada, em Olhão, com o Benfica (SLB): SCO: Filhó; Alfredo; Luciano e Nunes; Reina e Rui; Matias, Campos, Madeira, Mateus e Armando. SLB: Costa Pereira; Ângelo, Serra e Cruz; Neto e Cavém; José Augusto, Santana, Eusébio, Águas e Coluna.
Na 4.ª Jornada, em Évora, com o Lusitano de Évora: LEV: Vital; Piscas, Falé e Paixão; Sousa e Vicente; Adelino, Tonho, Walter, Miguel e José Pedro. SCO: Filhó; Alfredo, Luciano e Nunes; Reina e Rui; Matias, Campos, Madeira, Mateus e Armando.
Como se pode tornar algo fastidioso, para além do espaço que o não permite, tão só referir, para memória de muitos, as equipas adversárias do SCO. Assim, na 5ª Jornada, em Olhão, com o F. C. Porto, que alinhou: Américo; Virgílio, Festas e Mesquita; Ivan e Paula; Carlos Duarte, Ponto, Azumir, Hernani e Serafim.
Na 6.ª Jornada, com o Atlético, este alinhou: Pinho; Ferreira e Saturnino; Trenque, Luz e Inácio; Moreira, Carlos Alberto. Gomes, Peres e Palmeiro.
A 7ª Jornada foi com a CUF, e a 8ª Jornada com o Vitória de Guimarães, onde militavam os jogadores que formaram a seguinte equipa: Ramin; Freitas, Silveira e Daniel: Caiçara e Virgílio; Augusto Silva, Pedras, Amaro, Romeu e Nunes.
Na 9ª. Jornada coube a vez do Beira Mar, então com esta equipa: Bastos; Valente, Liberal e Moreira; Amândio e Evaristo; Miguel, Marçal, Garcia, Paulino e Azevedo.
À 10ª Jornada coube a vez do Sporting que se apresentou com a seguinte formação: Carvalho; Lino, Morato e Hilário; Pérides e Mendes; Hugo, Figueiredo, Diego, Geo e Morais.
Na 11ª. Jornada apresentou-se o Leixões com a seguinte equipa: Roldão; Rocha, Santana e Pacheco; Jacinto e Ventura; Chico, Osvaldo Silva, Oliveira, Ernesto e Gomes.
Na 12ª Jornada surgiria o Salgueiros; e na 13ª o Belenenses, que alinhou com José Pereira; Narciso, Pires e Rosendo; Vicente e Cordeiro, Iaúca, Matateu, Estêvão, Salvador e Peres.
Enfim, surgiria a última jornada da 1ª. volta (14ª) com o Sporting da Covilhã, na cidade serrana, numa altura efervescente para os Leões da Serra face a um castigo imposto pela FPF a cinco jogadores do SCC (Rita, Couceiro, Lanzinha, Chacho e Palmeiro Antunes), que, após reclamação ilibaram do mesmo o Lanzinha, no jogo com o Leixões, em Matosinhos, em janeiro de 1962, com o árbitro aveirense (interessado na manutenção do Beira Mar na I Divisão…), José Porfírio, de má memória. Assim, a equipa apresentou-se na Covilhã sem aqueles importantes jogadores para o clube, da seguinte forma: Alves Pereira; Patiño, Cavém e Lourenço; Lãzinha e Carlos Alberto; Manteigueiro, Adriano, Adventino, Chacho e Amilcar. E o Olhanense apresentou a seguinte formação: António Paulo; Rui, Luciano e Nunes; Madeira e Reina; Matias, Campos, Cardoso, Mateus e Armando. O encontro foi arbitrado pelo Dr. Décio de Freitas, de Lisboa.
Como eu, muitos de nós nos recordamos desses valorosos jogadores que passaram pelos vários campos do país, muitos deles de saudosa memória.
Votos de um Feliz Natal para todos quantos são obreiros do “nosso” quinzenário “O Olhanense”, para os leitores e também para a histórica coletividade olhanense, que um dia espero ainda ver de novo, entre os maiores do futebol português, emparceirando com o clube serrano. E que o Ano Novo traga as maiores venturas para todos.


(In "O Olhanense", de 15-12-2019)

11 de dezembro de 2019

CELEBRAR O NATAL AO RITMO DOS TEMPOS


No País, o seu sentido é generalizado. Mas poderá ser diferente noutros locais planetários. Embora pareça uma instituição imutável, o Natal foi sempre refletindo as diferentes épocas.
Este ano, antes da época natalícia, tivemos o anúncio da pretensão dos nossos governantes de passarmos a bater o record do (in)sucesso escolar, passando uma esponja pelos chumbos até ao 9.º ano. Uma “prenda de Natal”. De harmonia com uma avaliação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), cerca de 20% dos alunos com 15 anos não adquirem competências mínimas. Ao fim de dez anos de escolaridade, cerca de um quinto dos alunos portugueses continua a não as ter para resolver situações do dia-a-dia. Estes resultados foram mostrados pelo PISA. Paradoxalmente, Portugal é o único país da OCDE a “registar melhorias significativas no desempenho dos seus alunos a leitura, matemática e ciências ao longo da sua participação no PISA”, mostrando ligeiras quedas em áreas importantes como as ciências ou a literacia do português. Certo é que em 2018, cerca de 22% dos alunos com 15 anos consideravam que ler “é uma perda de tempo”.
Temos a 25ª Conferência das Partes (COP25) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, em Madrid, a arrancar sobre o signo da emergência, sendo que “É preciso fazer mais e mais depressa”, segundo disse o secretário-geral da ONU, António Guterres. Será que vai ser um sucesso, após o choque Trump-Macron?
Outra Cimeira – da Nato –, em Londres, para celebrar os seus 70 anos, acabou por não fugir à turbulência que atingiu as relações transatlânticas desde a eleição de Trump, com Macron a declarar a “morte cerebral” da Aliança, e com os seus aliados europeus a não querem ouvir falar de tal coisa. Certo é que a NATO foi a mais forte e duradoura das alianças da história. Acabou sem história. Os aliados passaram por cima das divergências, e assinalaram estas sete décadas do evento com uma declaração de unidade e cooperação. Faz-se um interregno para novo embate em 2021, enquanto Macron passa a ver-se confrontado com uma greve geral na perspetiva de paralisar a França, neste dezembro explosivo.
 “Eu vim de longe, de muito longe, o que eu andei p’ra’qui chegar” –, da canção de José Mário Branco. Poder-se-ia aplicar à chegada a Lisboa da Greta Thunberg, de 16 anos, que passou 21 dias numa viagem atribulada, seguindo depois para a COP25, em Madrid, para pedir mais ação aos líderes mundiais contra a crise climática. Após 10 horas de comboio, chegaria na manhã do dia 6 de dezembro a Madrid, indo participar durante a tarde na Marcha pelo Clima. Não basta uma associação de moradores de Toledo oferecer à jovem ativista sueca um burro para viajar de Lisboa até Madrid, afirmando estar “conscientes da importância de sensibilizar o mundo sobre a situação ambiental”, sabendo-se que nunca emitimos tanto dióxido de carbono desde que há registo fidedignos, ou seja, no ano 1880. É preciso passar das palavras de boas intenções da Cimeira, aos atos. Greta Thunberg diz que lhe roubaram a infância e os seus sonhos, mas esqueceu-se que vive num dos países mais ricos do mundo, com devido acesso a educação, saúde e proteção social, em contraste com outras crianças de países africanos e de outras paragens, devastados pela fome e pelas guerras. Um fenómeno anterior mais semelhante a este é o da paquistanesa Malala Yousafzai, na causa da educação das meninas.
Aludindo ao título desta crónica, fica o memorizar de algumas décadas atrás. Anos 40, com o mundo em guerra. Não eram tempos alegres, os de Natal. O ambiente em Portugal não podia ser de grande animação, mesmo sem o país estar diretamente envolvido no conflito. Eram tempos de escassez, era preciso poupar, e qualquer sinal de ostentação no Natal só podia ser visto como de mau gosto. A década não permitia grandes euforias e o Natal era sobretudo ocasião, à boa maneira do Estado Novo, de mostrar caridade para com “os pobrezinhos”. As notícias da guerra enchiam os jornais. E a revista Eva do Natal fazia o seu sorteio anual de vários prémios de valor, iniciativa que a transformou numa verdadeira instituição nacional. Na noite de Natal de 1943, não houve ataques à Alemanha nem ataques alemães aos aliados. Em 1945, os portugueses – e o mundo – festejam finalmente o primeiro Natal sem guerra. Um acontecimento, surgido pela primeira vez em 1944, começava já a revelar-se como grande instituição que viria a ser. A iniciativa era do Diário de Notícias, o “Natal dos Hospitais”, realizado naquele ano no D. Estefânia, em Lisboa. Anos 50, o mundo está mais otimista. O Natal era a altura em que os perus desciam à cidade – e isto aconteceu até aos anos 70. A situação económica melhora. Aparecem nos jornais anúncios a voos das grandes companhias internacionais para a Suíça e Alemanha, ou até América do Sul e Próximo Oriente. Faz-se publicidade às máquinas fotográficas Kodak, a aspiradores, rádios, eletrodomésticos. O jornal Mundo Desportivo promove um concurso que tem como primeiro prémio uma Lambretta. E o regime decide eleger a “rapariga modelo”. Os bodos aos pobres continuam, as meninas nas escolas competem fazer o berço mais bonito para oferecer a uma família pobre que esteja à espera de mais um filho. E as grandes empresas – General Motors, Kodak, Shell, Sacor, Mobil Oil – oferecem festas de Natal aos filhos dos seus funcionários, todas elas com direito a notícia (e em muitos casos fotografia) nos jornais diários. Nas principais cidades do país, o Automóvel Clube de Portugal promove o Natal do Sinaleiro, em que os automobilistas deixam prendas junto dos polícias sinaleiros.
Sinal do novo clima de desanuviamento na Europa, os jornais referem a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, um passo para a União Europeia. Nos anos 60, o mundo acelerou. O nível de vida dos portugueses foi subindo gradualmente, mas muitas famílias ainda podiam ser descritas como “remediadas”. O dinheiro “ia dando”, mas para um dia “um bocadinho melhor” era preciso fazer algumas economias. Não é por acaso que em 1960 surge o Cabaz do Natal, uma iniciativa do Clube das Donas de Casa, que se torna um enorme sucesso. O mundo começa a mudar e um dos fatores dessa mudança era a televisão, que chegou a Portugal em 1957. O Natal dos Hospitais já conta com a colaboração da Radiotelevisão e da Philips portuguesa. Portugal parece mais aberto a esse mundo que lhe chega agora pela televisão. Os bancos começam a fazer publicidade nos jornais e aconselham a que se pague as compras de Natal em cheques. O mundo parece girar mais depressa. E, no entanto, Portugal continua a ser um país pobre e de emigrantes, que no Natal regressam para estar com as famílias. O ano de 1965 ficou marcado por uma enorme tragédia: perto de três dezenas de mortos e mais de uma centena de feridos no descarrilamento do Sud-Express.
 Em 1969, o homem vai à Lua. Anos 70, o (nosso) mundo mudou. Se abrirmos os jornais de dezembro de 1974, não temos dúvidas de que alguma coisa mudou em Portugal. Há circo, como em todos os natais, mas desta vez é o Circo do Povo, em frente à Fonte Luminosa, em Lisboa, e oferecido pelas Forças Armadas. Também o Circo Mariano faz publicar um comunicado em que agradece “a todas as entidades civis e militares e ao público em geral”                                                                                           a simpatia com que foi recebido na capital. E o Casino do Estoril para a noite de réveillon “Lili Ivanova, grande vedeta da canção da Bulgária”. Começam a surgir notícias sobre mais empresas que decidem pagar o subsídio de Natal.
Mas os anos 80, mais despreocupados e otimistas, vinham a caminho, e o Natal seria diferente – outra vez.
Sobre a consoada, Maria de Lourdes Modesto, uma das maiores divulgadoras da cozinha tradicional portuguesa, diz que, antigamente havia tantas mesas de Natal quantas as zonas do país. No Alentejo comia-se carne de porco ou até cação de coentrada. No Norte o bacalhau. Depois com o tempo e por força da influência da televisão, a ceia de Natal    dos portugueses foi ficando cada vez mais parecida. Naquele tempo dos anos 30, não havia Pai Natal, havia Menino Jesus.  O presépio era a coisa mais importante do Natal e os presentes, em qualquer classe social, não tinham nada a ver com o que existe agora. 
Segundo dizia Ramalho Ortigão, o verdadeiro Natal tradicionalista era o do Norte, o Natal minhoto. Aí o bacalhau é rei, aparecendo cozido ou em bolinhos. E também o polvo guisado.
Hoje, por todo o Portugal começou a comer-se bacalhau cozido com batatas, e couves, regado com azeite e vinagre, para além das rabanadas (em muitos locais chamadas “fatias douradas”) e as filhós.  No dia 25 é dia de peru, e os doces: farófias, lampreia de ovos, sonhos, sem esquecer o bolo-rei que chegou a Lisboa em 1869, através da Confeitaria Nacional. O bolo terá sido momentaneamente vítima da política, quando, depois do fim da Monarquia e com a instauração da República, alguns defenderam que ele teria de acabar. No entanto, os industriais de confeitaria deram-lhes a volta, continuando a fabricar o bolo-rei mas com outra designação, havendo quem lhe chamasse “ex-bolo-rei” ou “bolo de Natal” e “bolo de Ano Novo”. No entanto o bolo sobreviveu a esta crise e recuperou o seu nome. O bolo-rei espalhou-se pelo país, tal como o bacalhau. E o Natal dos portugueses é, à mesa, cada vez mais parecido.
Termino esta crónica do ano 2019 na reafirmação dos votos de parabéns e de longa vida ao Jornal fórum Covilhã, pelo seu 8º aniversário. Um órgão da comunicação social há muito reconhecido pela sua seriedade, isenção e comprometido com os valores e desenvolvimento da região beirã.
Boas Festas, com votos de um excelente Natal e um Feliz Ano Novo.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 11-12-2019)

27 de novembro de 2019

GRITOS


Outono boreal a chegar ao fim. Este equinócio, agora de frio, chuva e vento, traz o cambiante das folhas amarelas no chão. E do vendedor de castanhas no Pelourinho. De vez em quando o arco-íris a emoldurar a Cidade.

Aproxima-se o solstício de inverno.

Entre estes momentos específicos, temos vindo a ouvir uma variedade de GRITOS. Coincidência. Um livro cai-me da estante ao resvalar do escadote. As suas folhas desnudam-se no “Grito do Ipiranga”. Acontecimento ocorrido a 7 de setembro de 1822 que simboliza a independência do Brasil – “Independência ou morte!”

“Order! Order!” – É o peculiar grito do speaker (presidente) da Câmara dos Comuns do Reino Unido, John Bercow, tornado uma personagem essencial para os milhões de pessoas em todo o mundo que descobriram o mistério do funcionamento do Parlamento britânico por causa do “Brexit”. Entrou há dias pela última vez em Westminster. Esteve dez anos no cargo, mas nos últimos três o seu grito de “Order” foi especialmente ouvido, tal a desordem nos espíritos causados pelo “Brexit”.

“Veneza está a afundar-se, é preciso salvar Veneza!” Gritos de alarme, como há bem pouco tempo ecoou em Itália repercutiu-se em todo o mundo. A Praça de São Marcos inundada. Há uns anos, em pleno verão estivemos lá sentados numa esplanada. Nesta praça tivemos que, num ápice, nos levantar, quando a água repentinamente surgira por debaixo das mesas e cadeiras e já nos começava a molhar os pés. Sempre foi assim, mas desta vez foi exagerado.

“Zero saiu da Internet e tomou as ruas”. Cerca de 13 mil agentes da PSP e militares da GNR participaram de forma pacífica na manifestação do dia 21 de novembro. O anónimo Movimento Zero passou a ter milhares de rostos e ocupou as ruas. Deixou de ser anónimo. No Marquês de Pombal venderam-se T-shirts do Movimento zero. Milhares vestiram-nas. “Zero, Zero, Zero…” foi a palavra de ordem gritada ao longo de toda a marcha. E, enquanto gritavam, levantavam os punhos, juntando o polegar com o indicador desenhando um zero. “Certamente que muitos dos manifestantes nem sequer sabiam que aquele gesto é também usado pela extrema-direita em muitos países do mundo. Em gritos e cartazes pretendiam os manifestantes sensibilizar a cidadania para a imensa panóplia de problemas das forças de segurança”. Aqui se posicionou o deputado da extrema direita, André Ventura. Lamentável, entre frustrações justas e as inaceitáveis apropriações.

Ao grito das gentes do Interior, aquele que fica fora de Lisboa, respondeu o Governo com três secretarias de Estado para fora da capital. Qual o critério para terem de ir umas e não outras secretarias, quando se verifica que como único e previsível critério será o da proximidade dos governantes dos locais escolhidos? Vai existir um verdadeiro plano de ação, ou é mais um faz de conta? Isto porque basta ter ouvido Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial. na sua expressão de que iria “gerir o declínio…” do Interior! Para afinal, fazer o quê desta parcela do território português? Está mais que visto que passará a ser “Tudo como dantes, Quartel General em Abrantes”.

Gritos dos Srs. H.  – Henrique Galvão e Humberto Delgado foram dois notáveis personagens da nossa história do século XX. Ambos haviam sido declarados apoiantes de Salazar e do Estado Novo, até meados do século passado. Paradoxalmente, ambos foram posteriormente profundamente seus inimigos.  O grito de “obviamente demito-o”, saído da boca de Humberto Delgado, referindo-se a Salazar, conduzi-lo-ia ao caminho da morte por assassínio.  Já o grito de Henrique Galvão, com o desvio do navio Santa Maria no mar das Caraíbas iria chamar, de novo, as atenções internacionais para a falta de liberdade no Portugal de Salazar. À frente deste audacioso golpe político estavam Galvão e Delgado…

Depois há outros gritos, como os de Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF, ou dos secretários-gerais da CGTP e UGT.

Gritos suavíssimos – Para terminar este final de ano, mencionamos os gritos finlandeses com a chegada da Finlândia, pela primeira vez na sua história, desde a sua estreia em jogos internacionais, em 22 de outubro de 1911, pela sua passagem à fase final de uma grande prova – o Euro 2020.

Votos com gritos de Boas Festas de Natal.

(In "Notícias da Covilhã", de 28-11-2019)

13 de novembro de 2019

O CHICO-ESPERTISMO DE JUAN SEBASTIÁN ELCANO

Com o português Fernão de Magalhães, que comandou a expedição da viagem que iria ser conhecida por circum-navegação, partiu numa das cinco naus, o espanhol Juan Sebastián Elcano, no dia 20 de setembro de 1519.
Nascido em Getaria, Guipúscoa no ano de 1476, quatro anos mais novo que o português, foi um explorador, navegador e marinheiro.
Tendo completado 23 anos, Sebastián Elcano passou a ser dono e capitão do seu próprio navio mas devido a problemas financeiros fugiu para Sevilha onde aprendeu a sua arte de navegação, tornando-se piloto.
Estabelecido em Sevilha tornou-se capitão de navio mercante. Após violar a lei espanhola ao entregar um navio a banqueiros genoveses como pagamento de uma dívida, Elcano procurou o perdão do rei D. Carlos I de Espanha, inscrevendo-se assim como oficial na expedição liderada por Fernão de Magalhães às Molucas.
Estávamos então na Idade Média, cujo comércio das especiarias era considerado de longe o mais rentável para a época pois que o mais pequeno volume de mercadoria garantia a maior margem de lucro. No século XV, um único saco de pimenta tinha mais valor que uma vida humana.
Da mesma forma que hoje grande parte da economia do mundo moderno se baseia no petróleo, grande parte da economia do mundo medieval firmava-se no comércio dos produtos do Oriente, mormente nas especiarias: cravo, canela, pimenta, malagueta, noz-moscada, mirra, incenso.
Se a Fernão de Magalhães lhe era recusado pelo monarca português, D. Manuel I, primeiro a indemnização pelo cavalo morto, depois a gratificação pelas feridas em combate, durante a escaramuça às portas de Azamor, que o deixara coxo o resto da vida; e o aumento da moradia; e também  de navegar para as Molucas; e por fim qualquer outro serviço, ele tornou-se para D. Manuel além dum fardo, um inútil. Também o covilhanense Ruy Faleiro tinha razões de queixa de D. Manuel, talvez por este lhe ter negado o posto de lente na Universidade de Coimbra. Tal não acontecia na conduta dos espanhóis para com Elcano.
Magalhães teve consigo um acompanhante e intérprete, Enrique de Malaca, um jovem escravo que havia adquirido, o qual viria a permanecer ao seu lado e ser-lhe fiel até à sua morte. Entretanto Juan Sebastián Elcano acabava por ser poupado por Fernão de Magalhães, depois daquele ter participado num motim falhado nas costas da Patagónia, contra Magalhães.
Ninguém sabia exatamente a dimensão do mundo, nem a sua morfologia, assim como as direções para o percorrer. Um dos grandes enigmas geográficos da Idade Média era a localização.
Depois do motim falhado, a nau San Antonio foi confiada a Juan Sebastián Elcano, não obstante ter procurado impedir que Magalhães concretizasse a sua ideia. Noutra altura, seria chamado como eleito pelo destino de concluir a obra de Fernão de Magalhães.
O mestre de armas Gomez de Espinosa havia sido o mais fiel apoiante de Magalhães e, a bordo do Trinidad viria a perecer ingloriamente, após sofrimentos, juntamente com os seus companheiros de desgraça, sendo esquecidos pela ingratidão da História. Juan Sebastián Elcano será imortalizado, precisamente o chico-esperto que quis impedir o feito de Magalhães e que se revoltou contra o seu almirante.
Poucos dias depois da batalha de Mactan, onde viria a ficar sem vida Fernão de Magalhães, o rei de Cebu, Humabon, e o escravo de Magalhães, Enrique, armam uma cilada aos principais oficiais da armada. Cada um com as suas razões, ambos se sentindo traídos e humilhados, sendo que Enrique tem motivos porque os oficiais da armada ameaçam mantê-lo em escravidão, apesar das ordens deixadas por Magalhães no seu testamento; e Humabon porque “estes europeus cristãos, declarando-se tocados pela graça do seu Deus e invulneráveis, convenceram-no a prestar-lhes vassalagem – e, afinal foram vencidos por um dos seus vassalos”.
Os dois conspiradores organizaram um jantar de homenagem e de despedida dos principais tripulantes da armada, que acabaria por se transformar num autêntico massacre.
Os sobreviventes decidiram abandonar a nau Concepción nas Filipinas já que não havia homens suficientes para manobrar três navios. A armada, agora reduzida à Trinidad e à Victoria, chegou às Molucas em novembro de 1521, seis meses depois dos trágicos acontecimentos ocorridos em Cebu. A nau Trinidad, necessitando de reparações urgentes não pode seguir viagem a tempo de aproveitar os ventos de monção.
Sebastián Elcano foi um dos poucos oficiais que se salvaram do massacre de Cebu. O covilhanense Ruy Faleiro, parceiro de Magalhães nos primeiros tempos, foi encarcerado mal entrou em Portugal. Só aquele que se ergueu contra Magalhães, Sebastián Elcano, arrebanhou todas as glórias aos que lhe foram fiéis, aos que morreram.
Quando, no dia 9 de julho de 1522 a extenuada nau Victoria se aproximou das ilhas de Cabo Verde, após cinco meses de uma viagem ininterrupta, já só com trinta e um espanhóis e três indígenas, Elcano, mais uma vez chico-esperto, decidiu arriscar e enganar os portugueses quanto à verdadeira identidade. Antes de enviar alguns homens a terra num batel, a fim de comprarem mantimentos, obrigou a tripulação a jurar solenemente que não dariam a entender aos portugueses, nem por uma palavra, que eles eram o que restava da frota de Magalhães e que regressavam da viagem à volta do mundo, sendo os marinheiros instruídos a contar uma peta. E a 6 de setembro de 1522 chegava ao fim o maior feito marítimo de todos os tempos.
Participantes da região beirã nesta viagem de circum-navegação: Afonso Gonçalves, da Guarda, despenseiro da Victoria. Desertou nas ilhas Marianas, onde foi morto em finais de agosto de 1522. Domingos Álvares, da Covilhã, grumete da Trinidad. Faleceu em 7 de junho de 1522.
Dos 18 sobreviventes que chegaram a Espanha havia um único português – Francisco Rodrigues – , marinheiro, nascido em 1482, que não sabia ler e afirmara inicialmente que era castelhano.
__________
Pesquisas: “MAGALHÃES o homem e o seu feitio”, de Stefan Zweig; “Nos Passos de Magalhães”, de Gonçalo Cadilhe; “A Viagem de Fernão de Magalhães e os Portugueses”, de José Manuel Garcia.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 13-11-2019)

6 de novembro de 2019

BILHETE-POSTAL


Praticamente quase não se utiliza. Mas o mesmo não aconteceu até finais da década de oitenta do século passado. A circular pelo Correio sem envelope e com o porte de valor inferior ao das cartas comuns. Tinha e tem ainda o inconveniente de terceiros poderem vir a ler o seu conteúdo, por vezes algo reservado entre o remetente e o destinatário. A privacidade não existe, como no caso de serviços de contencioso do fisco ou judicial. Estes agora optaram pelas cartas registadas.

Consta que o primeiro cartão-postal, bilhete-postal ou simplesmente postal foi emitido no século XIX existindo, contudo, versões diferentes sobre a sua invenção.

Também existiu o aerograma, tipo de carta que se enviava pelo correio aéreo, sem necessidade de sobrescrito. Tinha uma tarifa diferente da do resto da correspondência. O uso deste termo foi oficialmente aprovado na União Postal Universal de 1952. Amplamente divulgado pelo seu uso durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Em Portugal, ganhou fama durante a Guerra Colonial, como meio de comunicação preferencial entre as famílias na Metrópole e as tropas destacadas em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau em virtude de ser um meio grátis de correspondência, mantido pelo antigo SPM (Serviço Postal Militar). Entre 1961 e 1974 o Movimento Nacional Feminino foi a organização responsável pela emissão dos aerogramas militares, tendo editado mais de 300 milhões de aerogramas. Eu próprio escrevi alguns aerogramas para meu irmão, então destacado como combatente na Guiné, nos finais da década de sessenta do século passado.

O título desta crónica vem a propósito de, com alguma surpresa, ter recebido de uma autarquia o agradecimento, em simples postal, da oferta que fizera do meu último livro para a sua biblioteca municipal. Pensei que já não se usasse o bilhete-postal.

E porque me referi também à privacidade, veja-se o que deu azo à leitura, em simples bilhetes-postais, bastante em uso na altura, no período de 1969 a 1971, quando prestava serviço militar no RI 12, na Guarda. Em cima da habitual mesinha de jogos ou do balcão do bar da sala de sargentos entregavam o correio. Dois bilhetes-postais arrastaram-se por ali alguns dias, por ausência dos seus destinatários, furriéis milicianos. Um era dum familiar do camarada que fora transferido para um hospital em Coimbra, o Gaio de Belmonte, a fim de sofrer uma intervenção hemorroidal. O furriel Oliveira, de Melo, atrevidote e sempre com sentido de humor, escreveu na diagonal do bilhete-postal que seria enviado para o doente em Coimbra: “Melhoras cobre”. Quando o camarada doente regressou ao RI 12, perguntou-me o que significavam aquelas palavras. Resposta: “Então não sabes que o símbolo químico do cobre é ‘cu’?”.

Outro bilhete-postal, sem escrúpulos por quem viesse a ler, face à exposição da correspondência, reportava-se à esposa dum camarada que com alguma aflição lhe recomendava a compra dum contracetivo: “se não vamos ter mais um bebé…”

Estes eram os inconvenientes do Bilhete-Postal, em tempos em que ainda não existiam os telemóveis, nem a Internet, e as chamadas telefónicas eram caras e morosas.

O ideal era escrever uma carta. A modernidade, com o mundo digital ao nosso dispor, transformou radicalmente o mundo que nos rodeia. Mário Zambujal escreveu o seu romance: “Já não se escrevem cartas de amor”.

Vem aí o período ainda propício para alguns teimosos no envio de postais. É o período do Natal, com os postais de Boas-Festas.


(In "Notícias da Covilhã", de 07-11-2019)

30 de outubro de 2019

POR ONDE ANDAM ALGUNS CLUBES DA HISTÓRIA DO FUTEBOL PORTUGUÊS


Naqueles tempos chamava-se I Divisão, hoje é a I Liga de Futebol. Mas como tudo começou foi com o Campeonato de Portugal, que se iniciou na época 1921/22, cujo campeão foi o F.C. Porto. No ano seguinte seria campeão o Sporting. Seguir-se-iam, como vencedores das respetivas finais e consequentemente Campeões de Portugal: Olhanense, que em 08-06-1924, em Lisboa, venceria o F. C. Porto, e, dentre outros, o Marítimo, e o Carcavelinhos que em 30-06-1928, em Lisboa, ganhou na final ao Sporting. Terminou esta primeira competição oficial, em 26-06-1938, com o triunfo do Sporting em Lisboa, sobre o Benfica.

Uma derrota com Espanha por nove golos sem resposta alertou os portugueses para o atraso do seu futebol, sendo que a humilhação mereceu as mais irónicas piadas da época e acabou por ser o reflexo da ineficácia de uma competição – Campeonato de Portugal – que não oferecia aos clubes, e, consequentemente aos atletas, a competição necessária para se baterem de igual para igual com outras seleções. Havia, pois, que se concluir que o futuro do futebol português dependia da regularidade e rigor das competições.

Encetou-se assim o processo que viria a conduzir à criação do Campeonato da I Liga.

A Direção federativa aprovou os regulamentos e decidiu organizar os campeonatos da Liga, deixando, no entanto, expresso em ata: “ficou resolvido promover a título experimental os campeonatos da Liga, I e II Divisões, sem prejuízo dos Campeonatos Distritais, nem do Campeonato de Portugal”.

Ao Campeonato da I Liga (I Divisão), limitou-se a entrada a oito clubes de um número reduzido de Associações (Lisboa, Porto, Coimbra e Setúbal). O primeiro vencedor da prova foi o F. C. Porto, seguido do Sporting, Benfica e Belenenses.

O Campeonato da II Liga apresentou o especial atrativo de a final ser disputada entre o melhor clube do Norte e o melhor do Sul.

Estes campeonatos da Liga tiveram apenas quatro edições em cada Divisão (1934/35 a 1937/38) Não sendo a prova ideal, os campeonatos das Ligas acabariam por abrir caminho ao novo modelo que surgiu em 1938/39, com a formação de um verdadeiro Campeonato Nacional – I e II Divisões. E, mais uma vez, seria o F. C. Porto o primeiro campeão, na época iniciada em 1938/39.

E então vamos ao assunto que dá ênfase ao título deste texto. Vários clubes que hoje militam por outras divisões secundárias, como o atual Campeonato de Portugal, fruto de contingências das suas vidas e da situação do País no âmbito desportivo e económico, das regiões e sua interioridade, por exemplo, tiveram altos e baixos. Uns fundiram-se com outros; outros ainda tão só acabaram por ser extintos. Históricos que foram do futebol português e que dos mesmos ficam referências das suas atuações e dos atletas. Muitos deles se evidenciaram por todos esses palcos dos campos de futebol em Portugal. Por exemplo, na primeira edição do Campeonato Nacional da I Divisão, realizado na época 1938/39, jogou o Académico do Porto (Académico Futebol Clube), que deixou de ter a secção de futebol; e o Casa Pia. Na época seguinte, o Carcavelinhos (Carcavelinhos Football Club) que se viria a fundir com o União de Lisboa e a criar o Atlético Clube de Portugal; depois, o Unidos Lisboa. E, nas épocas seguintes, sem indicação de datas, o Leça, Unidos do Barreiro, para, na época 1943/44 participar o Atlético, resultante da fusão de dois clubes como já vimos; o Salgueiros (Sport Comércio e Salgueiros) que em 2004 extinguiu a secção de futebol sénior, acabando por ser criado o Salgueiros 08; Sport Lisboa e Elvas que em 1947 se fundiu com o Sporting Clube de Elvas, de que resultou o atual Elvas Clube Alentejano dos Desportos. Depois a Oliveirense, Famalicão, Sanjoanense, Lusitano Vila Real Santo António.

O Sporting da Covilhã entra nesta competição na época 1948/49, e o Olhanense muito antes, em 1941/42. O Oriental inicia-se na I Divisão na época 1950/51 e o Lusitano de Évora, em 1952/53. A CUF surgiria com a sua estreia em 1954/55, autêntico histórico do futebol português, conseguindo atrair bons jogadores pois garantia-lhes empregos estáveis nas fábricas da CUF. Com o desmantelamento da CUF o clube acabou por entrar em declínio tendo dado origem ao Grupo Desportivo Fabril, sendo que ainda passou por Quimigal. O Torreense em 1955/56, assim como o Caldas. O Beira-Mar viria a aparecer entre os maiores, na época 1961/62, e o Feirense na seguinte. O Varzim e o Seixal inaugurariam a sua entrada na I Divisão, em 1963/64. O Tirsense na época 1967/68 e o União de Tomar, em 1969/70. O Farense só entraria em 1970/71, o Montijo(Grupo Desportivo de Montijo) e o União de Coimbra em 1972/73. O G. D. Montijo no final dos anos 90 entrou numa crise económica que resultou em 2007 no fim deste clube, sendo criado o Clube Olímpico do Montijo. O Sporting de Espinho, na época 1974/75. O Portimonense em 1976/77. O Marítimo e o Riopele (Grupo Desportivo Riopele), na época 1977/78, tendo este  entrado na história por ser o clube proveniente da cidade mais pequena de sempre a participar na I Divisão: Pousada de Saramagos. Era tal como a CUF um clube-empresa, os jogadores eram também trabalhadores. Subiu ao primeiro escalão em 1977 tendo descido logo a seguir. Após descidas sucessivas, o clube foi extinto em 1981. O Académico de Viseu, em 1978/79. O União de Leiria e o Rio Ave, em 1979/80. O Penafiel e o Amora em 1980/81. Ainda o Ginásio de Alcobaça em 1982/83. O Recreio de Águeda surgiria na I Divisão na época de 1983/84, e o Vizela, em 1984/85. O Chaves e o Desportiva das Aves em 1985/86. O Estrela da Amadora, (o Clube de Futebol Estrela da Amadora já foi extinto) e Fafe, em 1988/89. Já o União da Madeira integraria a I Divisão na época 1989/90, e o Gil Vicente em 1990/91. O Paços de Ferreira em 1991/92. O Leça regressaria volvidos 54 anos, na época 1995/96, e também inaugurariam a sua entrada na I Divisão, o Felgueiras (o Futebol Clube de Felgueiras já foi extinto) e o Campomaiorense.

O Campeonato Nacional da II Divisão começou a disputar-se na época de 1938/39, após a grande transformação operada nas provas nacionais, com a extinção dos Campeonatos da I e II Ligas e do Campeonato de Portugal.

Em substituição das anteriores provas surgiriam o Campeonato da I e II Divisões, Taça de Portugal e Campeonato Nacional de Juniores.

De 1958/59 a 1975/76, o Nacional da II Divisão foi disputado em duas Zonas (Norte e Sul) conquistando os vencedores de cada zona o direito de subirem à I Divisão Nacional.

A partir de 1976/77 foi o referido campeonato dividido em três zonas distintas – Norte, Centro e Sul.

Na época 1990/91, a II Divisão (principal), passou a designar-se de II Divisão de Honra, sendo encontrados entre os três primeiros classificados os que sobem no ano imediato à I Divisão.

 A II Divisão, por zonas, passou a designar-se de II Divisão “B”, com acesso direto à Divisão de Honra.

O Campeonato Nacional da III Divisão surgiria em 1947/48, tendo os regionais e distritais acabado por perder muita da sua antiga importância uma vez que passaram a dar acesso à III Divisão.

Depois de várias alterações hoje existem a I e II Liga de Futebol, o Campeonato de Portugal e os Campeonatos Distritais.
(In "O Olhanense", de 01-11-2019)

9 de outubro de 2019

O INJUSTIÇADO MAGALHÃES


Século XV, ano de 1480, nasce em Portugal em local incerto, presumindo-se no Norte, uma criança a quem foi dado o nome de Fernão de Magalhães. Na sua juventude, aos 25 anos (1505) estava a prestar serviço militar na Índia.

Mas já antes havia ingressado como pajem na corte da rainha D. Leonor, mulher de D. João II, aos 14 anos.

Em 1488, Bartolomeu Dias regressa dobrando o Cabo da Boa Esperança; em 1492, Cristóvão Colombo é recebido por D. João II, a caminho de Sevilha, após a descoberta da América; Vasco da Gama faz a descoberta do caminho marítimo para a Índia em 1498, isto querendo dizer que, a nível científico têm tanta importância na passagem da Idade Medieval à Idade Moderna, quanto, em Itália, a nível artístico, o Renascimento, ou na Alemanha, de âmbito religioso, a Reforma.

Magalhães vem a ser figura assinalável nos anais da história de Portugal e, talvez noutra vertente, também na história de Espanha. Uma personalidade dotada aos caprichos da incompreensão de alguns, da dúvida e de ódios, a par de um homem sem medos, valoroso, combativo, rigoroso e aventureiro, a quem, paradoxalmente, lhe é reconhecido o real valor ao leme de uma ideia, de uma empresa, de um projeto comum europeu: o do conhecimento da verdadeira dimensão do mundo.

Sobre Fernão de Magalhães talvez seja importante referir que à morte de D. João II, em 1495, a corte se dividiu quanto à sucessão em duas fações. A primeira que insiste que o trono seja entregue a D. Jorge, filho bastardo do rei. A segunda, liderada pela rainha, defende a ascensão ao trono de D. Manuel, irmão de D. Leonor, primo de D. João II. Alguns historiadores colocam a hipótese de a família de Magalhães ter apoiado a primeira fação, ou seja, a que acabará por perder a corrida ao trono.

Originaria assim, que, volvidos anos, e por repetidas vezes, havia hostilidade de D. Manuel I a todos e quaisquer pedidos e projetos que lhe seriam apresentados por Fernão de Magalhães. Uma vingança? Se não, pelo menos uma injustiça!

Assim, juntamente com o nosso conterrâneo, covilhanense Ruy Faleiro, também fora das graças do rei D. Manuel I, colocam-se ao serviço do rei de Castela, D. Carlos I, mais tarde o imperador Carlos V, contra a vontade, não declarada, do monarca português, para uma viagem marítima à terra das especiarias, pelo ocidente, donde emanava a riqueza. Era também esta a direção que o Papa apontava aos espanhóis, havendo, no entanto, uma barreira atravessada no caminho: o continente recém-descoberto da América, do que se dizia, erradamente, não poder ser contornado por sul. No entanto, Fernão de Magalhães teria já a informação precisa de haver aí uma passagem. Estaria assim disposto a pôr o seu segredo e o do seu amigo Ruy Faleiro ao serviço da coroa espanhola, se lhe fosse disponibilizada uma frota.

Mas havia o medo de navegar para sul face a fábulas que surgiam, quase intransponível para o Papa de forma a arranjar homens para as primeiras expedições como quando Gil Eanes, em 1434 dobrou o pretensamente intransponível cabo. Assim, o Papa assegurou a cada participante, para as primeiras expedições, a remissão completa dos seus pecados.

E Magalhães lá vai conseguir uma frota de cinco naus, sendo que a maior é a San Antonio, sob o comando de Juan de Cartagena; a Trinidad vai ser capitaneada por Magalhães; depois, a Concepcion, comandada por Gaspar Quesada; a Victoria, capitaneada por Luis de Mendonça; a Santiago, por João Serrão.

A viagem, ao longo do seu percurso, torna-se atribulada, com tempestades e naufrágios, com problemas com alguns nativos, e a fome. Uma das embarcações volta para trás, desertando, e existe um motim no porto de S. Julião que vai dar lugar à condenação à morte horrível de dois deles e outros tantos deixados na praia deserta, incluindo um padre cúmplice, condenados ao degredo.

O grande capitão e homem sem medo, Fernando de Magalhães, após já ter cumprido a sua missão, que foi a passagem estreita a sul, já nas Filipinas, enfrenta na peleja corpo a corpo o muçulmano Lapu-Lapu, em Mactan, e morre, sendo a debandada dos poucos homens de Magalhães, que nem o seu corpo conseguem trazer, ficando sem se saber qual o destino que lhe deram.

Depois de tantas injustiças do nosso rei D. Manuel I, em dizer não a tudo que fosse pedido por Magalhães, nem sequer a sua família (mulher e dois filhos menores) que pouco tempo depois faleceram, tiveram direito a qualquer importância.

Até Vasco da Gama aconselhou D. Manuel I a assassinar Magalhães!

Valeu, para limpar o bom nome de Magalhães, face às informações erradas que transmitiram os desertores da nau San Antonio, as declarações do jovem italiano Pigafetta, escrivão de todo o tempo da expedição, sobrevivente e um dos 18 que conseguiram chegar a San Lucar de Barrameda, ele, diplomata e homem de letras que, ao serviço do embaixador do Vaticano chegou em 1518, a Valladolid, na altura a sede da corte espanhola. Depressa descobriu que em Sevilha se preparava uma expedição aos limites do mundo e consegue ser admitido como membro da tripulação.

Pois é, de cerca de 260 tripulantes e cinco navios à largada, a 20 de setembro de 1519, houve um navio e 18 sobreviventes, no seu regresso, a 6 de setembro de 1522, três anos depois.

O nome de Magalhães em ruas ou avenidas em Portugal jamais foi de grande opção. Recordo que existe, por exemplo, em Coimbra, a Avenida Fernão de Magalhães, pois foi aí que eu, pela primeira vez fui multado por estacionamento indevido, decorria o ano de 1973.

E já que a Covilhã tem a Rua Ruy Faleiro por que não dar o nome de Fernão de Magalhães a uma rua ou avenida desta Cidade, como agora fizeram, estranhamente, com o nome do líder pacifista indiano Gandhi, nas comemorações dos 150 anos do seu nascimento, quando, afinal, até comemoramos os 500 anos da 1ª Viagem de Circum-Navegação, iniciada pelo português Fernão de Magalhães, símbolo admirável do início do processo de globalização que vivemos e da força de vontade dos homens em conseguirem alcançar grandes desígnios por que anseiam?

Saudamos o lançamento do livro do Covilhanense, Dr. João Morgado, sob o título Fernão de Magalhães e A Ave-do-Paraíso”.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 09-10-2019)

27 de setembro de 2019

ESQUECIMENTO NÃO É UMA PALAVRA BONITA

Nesta terceira publicação d’O Combatente da Estrela, do ano da graça de 2019, que corresponde ao número 116; no regresso generalizado das férias, passados os pontos nevrálgicos da greve dos motoristas de matérias perigosas, e ainda a manterem-se alguns incêndios a devastar este País, mas já com os estudantes que vão entrar pela primeira vez para as universidades a verem confirmadas  muitas das entradas a contento das suas opções, na expetativa das eleições para as legislativas já à porta; deixamos ainda memória do bom comportamento dos nossos atletas nas provas internacionais a ganharem medalhas que vão do ouro e prata ao bronze, e  também a seleção nacional de todos nós a transmitir-nos alegria e esperança no desfraldar garbosamente da bandeira nacional.
Este órgão trimestral do Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes continua a chegar às mãos de muitos leitores e é patente, também em muitos, o desejo que chegue às suas caixas de correio, tornando-se incómoda uma reclamação de não recebimento.
Continua este Núcleo com as suas atividades programadas e a Sede, mesmo neste período de veraneio, a ter visitas de associados, numa exemplaridade para outras instituições ou coletividades que se salvam geralmente com a existência do bar, para alguém poder marcar o ponto.
Os tempos já não são como os de outrora, em que o associativismo marcava uma maior presença de associados, então mercê da falta de oportunidades que hoje existem já a partir de casa, mas sente-se ainda, apesar dos meios da modernidade onde as vias tecnológicas marcam a sua incondicional diferença, que o contacto humano gera a necessidade da sobrevivência.
As memórias dos antigos combatentes continuam ainda bem vivas nas conversas e na escrita, assim como as lamentações por quem sofreu na pele e no espírito os danos resultantes duma guerra para onde muitos foram lançados sem vontade alguma da sua participação.
E é nestes Núcleos da Liga dos Combatentes que reconhecemos como a generalidade da juventude das gerações de 40 a 60 do pretérito século foram atirados para as feras.
Então vamos entrar na falta de lembrança, de memória, omissão, falha, lapso, desprezo, perda de sensibilidade, abandono, adormecimento, indiferença, olvido, ou o que queiram atribuir ao ato ou efeito de esquecer, que dá força ao título deste editorial.
Muito bem a propósito, o Presidente da Liga dos Combatentes, tenente-general Joaquim Chito Rodrigues lamentou e constatou o facto de ninguém falar sobre os problemas dos antigos combatentes na pré-campanha para as legislativas de 6 de outubro. Ele mesmo chamou à atenção para a necessidade de o Governo publicar o Estatuto dos Antigos Combatentes. Este documento chegou a ter uma versão inicial nesta legislatura, mas acabou por ser novamente adiado. E referiu: “Queremos um estatuto que dignifique o combatente e que reconheça aos antigos combatentes o direito a apoios económicos e sociais”.
O que é certo é que na recolha de opiniões junto dos combatentes foi reconhecido por todos os partidos que era necessário incluir medidas nesse estatuto. O próprio Presidente da República tem afirmado a necessidade de que o Governo publique o Estatuto dos Antigos Combatentes.
Mas também é certo e verdade que o esquecimento é uma palavra negra para os antigos combatentes, fartos de esperar.
E por que não lembrar na descolonização todos quantos foram soldados guineenses e doutras colónias, que serviram Portugal de 61 a 74, deixados para trás após o 25 de Abril, vindo a ser executados em praça pública?
Enfim, a história está feita de muitas outras terríveis estórias, mas não completa, e dos que regressaram à Metrópole de então, muitos com mazelas incuráveis, o esquecimento não é palavra vã. Ele existe e há que fazer com que seja eliminado na salvaguarda dos interesses dos Antigos Combatentes.

(In "O Combatente da Estrela" , n.º 116, de outubro de 2019)

18 de setembro de 2019

LOUCOS NA CASA COMUM


Se há alguma coisa que me leva à repugnância são as passagens da história dos escravos de todo o mundo que ainda hoje, em pleno século XXI, persiste nalgumas partes incivilizadas do planeta.

No Código Negro francês, promulgado por Luís XIV em 1685, no seu artigo 44 declarava os negros como móveis para efeitos de seguro, de tal forma que se a escrava engravidasse não era crime considerado de ofensa à pessoa, mas sim à propriedade, e os donos das escravas começavam a entrar em acordos com os imputados autores, deles recebendo uma soma que os absolvia das penas. Eram frequentes as compras de escravas grávidas por uma razão algo insólita: o adquirente comprava previsivelmente dois escravos pelo preço de um!

No século I d. C., o louco Nero (Nero Cláudio César Augusto Germânico, nascido com o nome Lúcio Domício Enobarbo), jovem imperador, teve o seu reinado associado à tirania e à extravagância. Recordado ainda por uma série de execuções sistemáticas, incluindo a da sua própria mãe, e sobretudo pela crença generalizada de que, enquanto Roma ardia, ele estaria compondo com a sua lira, além de ser um implacável perseguidor dos cristãos.

Recuando para o século II a.C., podemos, ao acaso, focarmos Delenda est Carthago (“Cartago deve ser destruída”), com Catão, o Velho, a inflamar seus compatriotas sobre a necessidade de iniciar o quanto antes a Terceira Guerra Púnica e a destruição total de Cartago. Naquela época, durante as sessões do Senado e fora delas, repetia no final aquela frase que o imortalizou para a história.

A nossa Casa Comum persiste, ainda hoje, em gravitar de muitos loucos que pretendem incutir a submissão a quem não obedecer aos seus propósitos de destruição.

Estão na vanguarda Donald Trump e Jair Bolsonaro. Este tem permitido a destruição da floresta Amazónia, a qual já arde há muitos dias. Bolsonaro bloqueou relevantes verbas para a proteção e conservação do maior pulmão do mundo. O Governo brasileiro tem atacado, sem precedentes, os povos indígenas da selva, com o fim de os destruir e lhes saquear as terras. As queimadas tiveram um acréscimo de 82% este ano! Estima-se em 20% o oxigénio que de lá vem.

Com um demente no poder do Brasil, se não meterem Bolsonaro numa camisa-de-forças, não sabemos até onde isto vai parar! Nos 130 anos de República, o Brasil já teve toda a espécie de presidentes. Mas Jair Bolsonaro está batendo todos os recordes do pior presidente de sempre. É o ódio ou desprezo por índios, gays, transexuais, feministas, crianças, professores, estudantes, cientistas, pesquisadores, artistas, jornalistas, pacifistas, imigrantes, deficientes mentais, dependentes químicos, presidiários, desaparecidos políticos, ambientalistas, veganos e pessoas oriundas do Nordeste do Brasil. Vive manifestando o seu apreço e a sua admiração por torturadores da ditadura militar, polícias corruptos que dominam e extorquem os habitantes das favelas, assassinos profissionais, fabricantes de armas, devastadores do ambiente, garimpeiros ilegais em terras indígenas.

Bolsonaro e Macron trocam insultos enquanto a Amazónia arde. Jair Bolsonaro chegou ao ponto de, no G7, ter feito comentários “desrespeitosos” sobre a idade da primeira-dama francesa, Brigitte, que é 24 anos mais velha que o marido.

Mas já antes bradava por terras de Cristóvão Colombo outro louco – Donald Trump, a brincar com a humanidade, rasgando acordos internacionais, como o acordo nuclear com a Rússia sobre a proibição de mísseis nucleares de curto e médio alcance, assinado em 1987; saída do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas; anunciou ainda a retirada dos Estados Unidos do Tratado Internacional de Comércio de Armas com a ONU, importante acordo, assinado por 130 países em 2013.

São alguns dos loucos da Casa Comum, colocados nos pedestais por outros insensatos, talvez loucos de mudança, sem medir as consequências de um tal ato de loucura na altura das suas decisões, democráticas ou não.


(In "Notícias da Covilhã", de 19-09-2019)

11 de setembro de 2019

NÃO BELISQUEM AS FÉRIAS


Escrevo esta crónica no último dia de agosto porquanto decidi continuar “a andar por aí”, e, por isso, numa “aliança” com amigos, surgiu um prolongamento de férias.

Faço assim uma paragem na arrumação do arquivo do meu escritório, onde milhares de recortes de jornais, apontamentos, recolhas antigas de documentação, tudo acumulado ao longo de mais de quatro décadas (mas arrumadinho…) levam o destino fatal, selecionando somente algumas preciosidades. A fatalidade do deitar fora vai, entretanto, servir de pequeno contributo para o Banco Alimentar, na sua recolha de papel.

Nesta de arrumações, a casualidade trouxe-me uma notícia da Visão, de 20.01.2017, que achei interessante: “A comida picante pode ser o segredo para uma vida saudável e mais longa”. Publicada numa rede social, logo aí encontrei amigos que, tal como eu, adoram este paladar e, sem ser necessário ler os papelinhos que os muitos “astrólogos” nos vão colocando nos para-brisas dos automóveis, oferecendo os seus serviços milagrosos, ficámos na esperança de andar por aí mais uns anitos…

Se os pardais já se sentem incomodados pela dificuldade em encontrar onde debicar, pelo norte, centro e sul, os javalis devastam campos e culturas. São notícias que, de certo modo nos vão atormentando, mesmo quem viaja.

Mas o que continua a chegar todos os dias aos vários meios de comunicação social, são as crises sociais, políticas e humanas.

Não faltam os sobejados disparates dos líderes americano e brasileiro para termos, como europeus, que gramar as tolices do novo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, com as suas mentiras até ao golpe final – aconteceu a 29 de agosto, com a anunciada suspensão do Parlamento inglês entre 10 de setembro e 14 de outubro, “nesta manifestação radical de como referendos com perguntas simples para questões complexas abrem o caminho a que líderes sem escrúpulos consigam levar a sua avante, de mentira em mentira, até à entorse democrática final”.

Efetivamente, foi no dia 23 de junho de 2016 que os eleitores do Reino Unido foram às urnas para responder à seguinte pergunta: “Deverá o Reino Unido permanecer como membro da União Europeia, ou deixar a União Europeia?”. As respostas possíveis eram “permanecer como membro da União Europeia” e “deixar a União Europeia”. Dos cerca de 46 milhões de eleitores, 72,2% foram votar; 51,9% dos votos foram na segunda opção. Desde então, a União Europeia entrou no “Brexit”.

Conforme Rui Tavares refere no “Público”, “esta johnsoniana suspensão do parlamento para forçar um ‘Brexit’ sem acordo é a mesma que fazer batota para ultrapassar a linha do golo”. É que Boris pôs a rainha a vandalizar a democracia com a decisão do primeiro-ministro britânico de suspender o Parlamento até à véspera do “Brexit” – para impedir a democracia parlamentar de funcionar. No ocaso do reinado de Isabel II é envolvida numa golpada institucional sem moral nem ética.

Isto faz-me lembrar, recuando para o ano 2008, em que no dia 19 de novembro, no tempo de el-rei D. Sócrates I de Portugal, a líder do PSD, Manuela Ferreira Leite foi longe na ironia de querer explicar por que falham os governos, dizendo que mais vale suspender por uns meses a democracia para se poder fazer todas as reformas necessárias e só depois, então, repô.la. Discursava, como convidada, na Câmara de Comércio Luso-Americana, em Lisboa.

E, com o GPS das minhas memórias, temos o que vai pelo nosso retângulo à beira-mar plantado, com as eleições a aproximarem-se a passos largos.

Do insulto “geringonça”, saído das palavras inseridas no “Público” por Vasco Pulido Valente e aproveitadas no Parlamento por Paulo Portas, paradoxalmente iria transformar-se numa palavra acarinhada pelo país. Os medos e receios não se tornaram realidade, ficando apenas para assombrar os partidos de direita. Quatro anos depois, os portugueses, e não só, fazem um balanço positivo.

E porque tenho que ainda dar umas voltas, termino com uma homenagem para o povo timorense, nas comemorações dos 20 anos do referendo que lhe proporcionou sair das garras da Indonésia e ganhar a independência do seu país.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 11-09-2019)

30 de agosto de 2019

TEORIA DAS PROBABILIDADES


Todos já ouvimos falar nos seguros de vida, nos planos de previdência, e num mundo ligado à proteção das pessoas e bens, tendo uma seguradora adotado o bonito slogan: “Pela Proteção dos Valores da Vida”.
Muitos de nós fomos obrigados a ter de efetuar contratos de seguro de vida no âmbito dos empréstimos à habitação, e não só, pelas entidades bancárias.
E como a morte está certa mas não se sabe quanto ela acontece, digamos mais concretamente a morte natural, não falando já na motivada por acidente, assim surgiu a necessidade de salvaguardar compromissos assumidos e a proteção de pessoas dependentes, minimizando os efeitos negativos da falta das que eram a alavanca ou suporte da vida familiar ou empresarial.
E é nesta vertente de risco puro, colocando de parte a que se reporta à constituição de um   pecúlio para o futuro, que mais se faz sentir um plano de previdência deste teor.
Pois bem, sobre parte deste assunto já me referi em maio passado sob o tema “A Proteção das Pessoas e Bens é Ancestral”, salientando que a intenção de proteger as mesmas do revés das suas vidas já vem da Antiguidade, podendo-se mencionar o IV milénio a.C., na Mesopotâmia.
Não vou aqui historiar vários casos porque haveria pano para mangas, mas tão só referir que tudo indica que no ano 582 a. C. houve um caso equivalente ao estabelecimento de uma pensão vitalícia. Quem se quiser dar ao trabalho de, na Bíblia, analisar uns versículos do 2.º Livro dos Reis, poderá verificar já a preocupação existente com o futuro das pessoas desamparadas.
Para que pudesse surgir o preço de um seguro (prémio) o mais justo possível para os tempos, os atuários tiveram que se socorrer da parte científica baseada em cálculos de probabilidades que vieram surgindo, ao longo dos séculos, por eminentes matemáticos.
Em quatro extenuantes anos de pesquisas que deram lugar à obra “O Documento Antigo – Uma Outra Forma de Ver os Seguros”, podemos então verificar que o cálculo das probabilidades, depois de convertido em teoria, foi uma das mais importantes descobertas na história das matemáticas, tendo tido uma significativa influência em muitos domínios.
Iniciado em meados do século XVI, o processo que iria conduzir à teoria das probabilidades continuou a desenvolver-se até à atualidade.
Segundo Lorraine Daston, muitos matemáticos argumentam que esta teoria só atingiu o seu estatuto pleno de ramo autónomo das matemáticas em 1933. No entanto, mesmo depois daquela data, continuaram a registar-se progressos no campo da matemática das probabilidades.
Nos primeiros tempos o cálculo das probabilidades foi inspirado exclusivamente pelos jogos de azar, mas as suas aplicações foram-se multiplicando, salientando-se a sua decisiva influência na modernização do seguro a partir do início do século XVIII.
Muitas foram as definições de probabilidades ao longo dos tempos, à medida que os conceitos e as técnicas foram evoluindo.
Seria interessante explanar aqui os vários cérebros que contribuíram em grande escala para a ciência das matemáticas mas tal é impossível. Assim, apenas alguns deles:
Pierre Léon Boutroux adotou a seguinte definição para a expressão matemática da probabilidade: “entende-se por probabilidade de um acontecimento a relação entre o número de casos favoráveis e o número total de casos possíveis”.
Pierre-Simon Laplace em 1812, à luz dos conhecimentos da altura referiu que “em experiências aleatórias com um espaço de resultados finito, de uma dada dimensão, em que todos os acontecimentos elementares são igualmente prováveis e incompatíveis e, se alguns desses acontecimentos são favoráveis à ocorrência de um determinado acontecimento, então a probabilidade de realização desse acontecimento é dada pelo quociente entre o número de casos favoráveis à ocorrência do acontecimento e o número de casos possíveis dessa experiência aleatória”.
Siméon-Denis Poisson surge com a definição: “a probabilidade de um acontecimento é a razão que temos de acreditar que ele terá lugar, ou que teve lugar”.
De facto, as probabilidades, que até cerca de 1750 foram inspiradas apenas pelos jogos de azar, acabaram depois por ter muitas aplicações, uma das quais, bastante relevante, foi a do seu emprego aos casos de justiça.
Lorraine Daston considera que “enquanto a probabilidade dos testemunhos teve claros antecedentes nos critérios judiciais aplicados nos tribunais, a probabilidade dos julgamentos foi uma aplicação sem precedentes na jurisprudência”.
Voltaire (pseudónimo de François-Marie Arouet), num ensaio sobre as probabilidades em caso de justiça, publicado em 1772, afirmou: “quase toda a vida humana gira sobre probabilidades”.
No que toca aos Gregos, apesar da enorme importância que tiveram na aritmética, Tales (624 – 546), Pitágoras (582 – 587), Aristóteles (364 – 322) e Arquimedes (287 – 212), a sua contribuição no domínio da análise combinatória passou bastante despercebida.
Foi sobretudo através dos Romanos que se deu conta da contribuição grega.
Pode considerar-se que as três datas que mais marcaram o processo de criação da teoria das probabilidades foram 1654, 1657 e 1713, respeitando as duas primeiras à criação dos fundamentos daquela teoria, por Pascal, Fermat e Huygens, enquanto a terceira assinala a formalização da própria teoria, com a publicação da obra de J. Bernoulli.
E vou terminar com a enumeração de alguns dos cientistas que deram lugar a esta teoria das probabilidades: Pierre de Montmort, Nicolaus (I) Bernoulli, Abraham de Moivre, Edmond Halley (com a sua Tábua de Halley, divulgada em 1693, considerada a origem da ciência atuarial).
Boas Férias!


(In "O Olhanense", de 01-09-2019)

14 de agosto de 2019

NÓS E OS INGLESES


Neste período da silly season, com o verão convidativo para um descanso, uma oportunidade de partilhar com amigos ou familiares momentos de distração, traz-nos também, por vezes, falta de alguma inspiração.
As televisões secam-nos com repetições de notícias de incêndios, aqueles casos de violência doméstica, e outros fastidiosos acontecimentos.
Os jornais são uma fonte abundante de informação. Os bons jornais, onde radicam homens da sapiência, deleitam-nos com a sua opinião emanada da história real dos acontecimentos, mas também como pensadores. Quando assim acontece, é um fascínio.
E é ainda nos regionais onde vamos encontrar a particularidade do meio que a todos envolve, na proximidade de se poder fazer sentir o bem ou mal-estar das nossas vidas.
Já a notícia sensacionalista é verberada num ou outro jornal, que acaba por ser sobejamente conhecido, ainda que muitas vezes a própria novidade só se tenha dela conhecimento por via desse órgão; no entanto surge carregada de nuvens de negativismo.
Desde imemoriais tempos tivemos ligação com os ingleses, nos bons e maus momentos. São conhecidas as expressões: “Pontualidade britânica” , “Sair à inglesa” (que, deste costume inglês, daria mais tarde lugar à expressão “Sair à francesa”), ou “Para inglês ver”
O caso do “Brexit”, com o desentendimento entre a União Europeia e Theresa May, e agora o novo líder britânico, Boris Johnson, ocupam grande espaço nos telejornais e nas páginas dos diários.
Os ventos sopram forte por este planeta fora, e nós, europeus, vemo-nos também numa miragem de outros ventos agitados, como este.
Em 23 de julho, a comunicação social noticiava que Portugal e o Reino Unido celebraram três acordos para a ciência, na data da comemoração dos 650 anos da aliança luso-britânica.
Durante esta aliança com mais de seis séculos, Portugal e Inglaterra estiveram lado a lado nos bons momentos, mas também em situações antagónicas.
Recordemos uma pequena viagem pelo passado das relações luso-britânicas, já que “nenhum país estrangeiro não lusófono teve tanta relevância para a História de Portugal como o Reino Unido e os seus antecessores Grã-Bretanha e Inglaterra – três maneiras de designar, na parte que nos respeita, a mesma realidade”.
Em 1147, guerreiros ingleses a caminho da Palestina, na II Cruzada, ajudaram D. Afonso Henriques a conquistar Lisboa aos mouros. Em 1189, cruzados ingleses também ajudaram D. Sancho I a conquistar Silves aos mouros. Em 1308, Eduardo VII, da Inglaterra, celebra com Portugal um novo tratado de comércio, que reitera e reforça o de 1294.
Em 1372, o rei D. Fernando de Portugal e representantes de Henrique III, de Inglaterra assinam em Tagilde, perto de Guimarães, um tratado de aliança entre os dois países, “para sempre, por mar e por terra, contra D. Henrique, que ora se chama rei de Castela, e contra D. Pedro, rei de Aragão”. Este tratado continua hoje em vigor e é o mais antigo do mundo.
Em 1383, D. João I faz acionar a aliança inglesa e pede auxílio militar contra Castela a Ricardo II, o qual acedeu e recrutou os arqueiros para esse efeito. Estes participaram em Portugal na Batalha de Aljubarrota, ao lado das forças de D. João I e do condestável D. Nuno Álvares Pereira, contra os invasores castelhanos, os seus aliados franceses, e a maior parte da nobreza portuguesa, esta liderada por Juan I de Castela.
Em 1386, o Tratado de Windsor firma, em termos de “amizade perpétua”, a aliança anglo-portuguesa. Em 1387, D. João I de Portugal casa-se com Filipa de Lencastre (Philippa of Lancaster), que será a mãe da “Ínclita Geração”. Em 1429, a Inglaterra pede frequentemente auxílio a Portugal e nobres portugueses combatem a seu lado.
Em 1580, Filipe II de Espanha torna-se também rei de Portugal e o nosso país passa a ser visto como inimigo pelos ingleses, em guerra com a Espanha.
Em 1806, o imperador francês Napoleão Bonaparte decreta o Bloqueio Continental, que proíbe os outros países de manterem relações comerciais com o Reino Unido. Portugal fica “entalado” entre o poderio francês e a ligação à Grã-Bretanha. Em 1808, o general Arthur Wellesley desembarca em Portugal com tropas britânicas e, organizando um exército anglo-luso, inicia a guerra vitoriosa contra os franceses.
Também o futebol entraria em Portugal por influência inglesa. Em 1875, Henry Hilton, que estuda em Londres mas passa as férias na quinta dos pais, na Madeira, leva uma bola para a ilha e introduz o futebol em território português.
Em 1890, o Reino Unido envia a Portugal um ultimato obrigando o velho aliado a deixar de reivindicar a posse dos territórios africanos entre Angola e Moçambique, representado no “Mapa Cor-de-Rosa”. A enorme reação popular antibritânica em Portugal é uma das causas da implantação da República. Em 1898, aproveitando a crise financeira em que Portugal está mergulhado, o Reino Unido e a Alemanha assinam a convenção de Londres, que propõe a partilha das colónias portuguesas de África. No entanto, no ano seguinte, o rei português D. Carlos consegue induzir o governo britânico a assinar um acordo que ratifica o tratado de 1661, garantindo a integridade dos domínios coloniais.
Muito haveria a dizer sobre as relações ancestrais entre ingleses e portugueses, mas o espaço não o permite, no entanto, a amizade entre os dois povos foi muito maior, e em 1957 a rainha Isabel II efetuou a sua primeira visita a Portugal. Fiquemos por aqui.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 14-08-2019)