Corria o ano de 1968, não me recordando se o homem de Santa Comba Dão já tinha caído da cadeira, pois sei que foi nesse ano, a 28 de Setembro, que Marcello Caetano substituiu Salazar, e iniciava as suas “conversas em família”.
Mas antes, no dia 15 de Janeiro, iniciámos uma viagem (por dever patriótico, para uns; por obrigatoriedade, para outros), a caminho de Tavira, para o serviço militar que era de obrigação, e passámos, pela primeira vez, por uma estação de caminho de ferro de nome Boliqueime, onde chegámos já de noite.
Tal nome nada nos dizia. Mesmo no campo da instrução militar – a Atalaia –; onde nós, instruendos do 1.º ciclo do curso de sargentos milicianos, ouvíamos falar das terras vizinhas: Conceição de Tavira, Luz de Tavira, Boliqueime, donde eram alguns vendedores ambulantes que acompanhavam os pelotões nos períodos da instrução, para, nos intervalos, venderem as suas bebidas, sandes, amendoins, chocolates; Boliqueime surgia várias vezes nos nossos ouvidos.
O 1.º cabo miliciano Santa Rita, que era um dos nossos monitores, e jogava futebol no Farense; assim como a Ti Almerinda, que também acompanhava a malta com a sua cesta de bebidas; eram de Boliqueime.
Alguns, como eu, tentámos safar-nos da tropa, mas o meu chico espertismo não deu resultado, viajando, por conta da Fazenda Pública (que isto em tempo de guerra no Ultramar não era para brincar, e, nos dias de hoje, quem quiser ser mercenário que o seja), para a Região Militar de Évora, e para o Hospital Militar Principal, da Estrela, em Lisboa (aí encontrei a estagiar, como enfermeiro militar, o António João Poupinho, antigo colega da Campos Melo); e, vai daí, regresso, após várias semanas, a Tavira; e lá vem novamente Boliqueime de enfadar.
As deslocações à Covilhã, de comboio, para um fim-de-semana, eram impossíveis, face à distância. Salvou-se, uma vez, a viagem de automóvel, de Tavira à Covilhã, no mini do Agostinho Paiva, dos Penedos Altos, juntamente com o Luís Fiadeiro (nós, a repetir o 1.º ciclo do referido curso, por não nos termos livrado da tropa; e o Agostinho, terminando o 2.º ciclo como atirador de infantaria). Foi só o azar de dois furos no mini, o que nos atrasou a chegada a casa.
E a única vez que nos livrámos de Boliqueime...cuja “repercussão” , desconhecíamos, na futurologia.
Isto de futurologia até tem muito que se lhe diga. Tenho a certeza que se me candidatasse a Presidente da República ganhava as eleições, na 2.ª volta… Que raio, porque é que não hei-de poder dizer que tenho a certeza, se os outros candidatos também o disseram?!
À tangente, ou próximo do empate – como quiserem – o homem de Boliqueime ganhou; os ânimos serenaram.
Não irá haver milagres, como também não irá haver perturbações. O povo é sereno.
Mas voltamos a Boliqueime. O senhor professor “chumbou” no mesmo, e num só ano, do Curso Geral do Comércio, como eu também. Que coincidência...
O Senhor de Boliqueime coleccionou, no seu currículo político “primeiras vezes”. Foi o primeiro governante a conseguir uma maioria absoluta; foi o primeiro homem da direita portuguesa a ser eleito Presidente da República; conseguiu logo à primeira volta. Não conseguiu, contudo, transformar Manuel Alegre em Manuel Triste, mas antes num Manuel Conformado.
Mário Soares, primeiro, aclamado como na entrada triunfal de Cristo em Jerusalém; depois, a crucifixão. Mas, não sendo homem de rancores, no seu íntimo certamente estará desenhado o pensamento de “perdoo-vos, porque não soubestes o que fizestes”. O retrato que a história vai guardar de si não vai ser diminuído por esta aventura, que nem chegou a ser uma Alcácer Quibir.
Em tempo de balanço, e sem muro das lamentações, com ou sem OPAS hostis, e sem pensar sequer na lenta dissolução dos partidos, urge a coabitação entre vencedores e vencidos, evitando-se eufemismos hilariantes.
Portugal não pode continuar a ver a banda passar, seja em Boliqueime ou em Melgaço, na açoriana Rabo de Peixe ou em Alcafozes; no interior ou no litoral.
A colaboração prometida entre presidência da República e governo deseja-se, na perspectiva de se rectificar o que está menos bom, e conseguirmos apanhar não o comboio para Tavira do meu tempo, passando por Boliqueime, frio ou demasiado quente, mas antes a carruagem da frente com ar condicionado.
(In “ Notícias da Covilhã”, de 16/02/2006; e diário digital Kaminhos)