19 de dezembro de 2018

UM FINAL DE ANO AGITADO


Neste caminhar para o final do 18.º ano do século XXI da Era de Cristo, muitas coisas vêm acontecendo não só no retângulo mais ocidental da Europa como também neste mesmo Velho Continente.
Começando pelo nosso país, as greves não param. Há 47 pré-avisos até final do ano, sendo que 11 setores da função pública estão em greve com essa intenção de continuidade. Não haverá um único dia sem paralisações, refere a comunicação social.
Neste mês de dezembro o setor da saúde é o mais afetado, com os enfermeiros que iniciaram a greve em 22 de novembro e já ameaçaram a continuidade em janeiro, com milhares de cirurgias adiadas, apesar do apelo ao bom senso por vários responsáveis do país, entre os quais o Presidente da República. A Ordem dos Enfermeiros tem vindo a descredibilizar-se publicamente, suscitando uma compreensível repulsa da sociedade portuguesa. O seu Movimento Greve Cirúrgica – que esteve na base da greve, lançou um fundo aberto ao público que recolheu mais de 360 mil euros para compensar os colegas que aderiram à paralisação. E já criou uma nova plataforma pública de recolha de fundos para a designada “greve cirúrgica 2”, desta vez para recolher até 14 de janeiro, 400 mil euros num “fundo solidário” com vista a ajudar os profissionais que aderirem e ficarem sem salário durante o período de protesto, tendo já recolhido 6100 euros em quatro horas, segundo a comunicação social. Que triste notícia, se não for peta, dum setor que se diz estar ao lado dos doentes quando se borrifam para os mesmos. E lamentável é ainda quem lhes dá apoio nas ajudas pecuniárias. Isto é pessoal que não passou pelas ventas do salazarismo, onde muitos comiam o pão que o diabo amassou, e que não era o das visões dos diabos em cada esquina que Passos Coelho pressagiara. Mas certamente ele aí está “encarnado” nalguns agitadores sobejamente conhecidos.
É que ainda há memórias curtas dos tempos da troika em que muitos andavam caladinhos e, agora, nada receiam, há dinheiro a jorros para satisfazer de imediato todas as reivindicações. Até atividades profissionais como a dos juízes fazem greves, quando tanto estas como a proteção civil, bombeiros, polícias, militares e outras análogas, deveriam ser proibidas.
Reivindique-se, sim, através de armas como o voto maciço, os melhoramentos nas zonas onde a demografia é cada vez mais fragilizada como o nosso Interior Beirão, e procure-se que os muitos ladrões de Portugal sejam condenados e não saiam para fora das grades enquanto não ressarcirem o país dos valores com que se locupletaram.
Com estas condutas irresponsáveis de muitos, não olhando a meios para atingir os seus fins, estão a preparar um lindo Portugal, não fazendo nada de diferente para proporcionar uma sociedade de bem-estar aos cidadãos, neste Portugal dos nossos netos.
No dia 10 deste mês de dezembro comemoraram-se os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos que defende valores universais ainda por realizar em vários países. O antigo Presidente da República, Jorge Sampaio, defendeu que “a celebração deste 70º aniversário deveria ser uma ocasião para lançar um alerta vermelho”.
A outra parte da agitação deste final de ano já é de todos conhecida, desde os “coletes amarelos”, que têm saído à rua todos os sábados desde 17 de novembro, em Paris, com o presidente Macron em verdadeiros apuros para conter a fúria dos manifestantes reivindicadores; até Theresa May com o seu problema do Brexit, aquela primeira-ministra que se diz ter sete vidas mas com o seu “Brexit” na incubadora. Este não é mais do que, finalmente, o divórcio esperado e ansiado pelo Reino Unido e a União Europeia, e, assim, vão as crises desta mesma União Europeia.
Já os “coletes amarelos” exprimem a revolta da classe média empobrecida, da França periférica, que já não acredita na via eleitoral. Macron não é De Gaulle e não estamos em 1968, pois dizia um dos “coletes amarelos” nos primeiros dias de protestos que as “elites francesas se preocupam muito com o fim do mundo, mas o povo está preocupado é com o fim do mês”.
Termino esta crónica deste ano de 2018, citando a parte final da crónica de Vicente Jorge Silva, in Público de 9 de dezembro, sob o título “Lições europeias do terramoto francês: É por isso que o terramoto francês suscita tantos motivos de alerta e reflexão a uma Europa já em depressão profunda. Quem escapa agora ao contágio do que acontece em França? Quando se perde o controlo dos acontecimentos e não se sabe como recuperá-lo, o pior é, infelizmente, sempre possível. Eis também uma lição para nós, portugueses, nestes tempos de greves e reivindicações em cadeia”.
Um Santo Natal e um Feliz Ano 2019.

(In "Notícias da Covilhã", de 20-12-2018)

11 de dezembro de 2018

A CHINA COMEÇA A ASSUSTAR A UNIÃO EUROPEIA

Quase que se podia dizer que sai um (Reino Unido) e entra outro (China), embora não seja a mesma coisa.
A China serão os novos donos de Portugal, pelos vistos. Longe vão os tempos em que víamos as imagens das gentes chinesas vestidas todas de igual, cor cinza e o mesmo modelo de vestuário, com bolsos e botões salientes, de gola apertada onde a gravata era inexistente, e de boina ou boné na cabeça.  Era uma autêntica farda. Tornava-se fastidioso, e todo o mundo chinês utilizava a bicicleta como meio de transporte. Era o tempo de Mao Tsé-Tung.
Noutra vertente, parece que ainda estou a ver na RTP1, então a preto e branco, no dia 25 de outubro de 1971 (uma segunda-feira), os representantes da República da China, da altura, na ONU, que foram um dos seus fundadores, a saírem da Assembleia-Geral das Nações Unidas, expulsos, e revoltados, para darem lugar aos representantes da República Popular da China, oficialmente com esta designação desde 1949, por via duma resolução aprovada por aquela Assembleia Geral. Ainda hoje se mantêm as duas Chinas, geradoras de melindres entre países, como Portugal, porque não se pode agradar a Deus e ao diabo, como no caso que se desenvolve, a bom ritmo, nas decisões entre o nosso país e a República Popular da China. A outra chamava-se Formosa e é hoje Taiwan. A culpa foi de Mao.
Aqui um parêntesis. Para se falar da China tem que resultar numa recolha vasta de importantes informações históricas pois se trata dum dos países mais antigos, aproximadamente 2000 a.C. Era baseada em monarquias hereditárias, conhecidas como dinastias, que terminaram com a queda da dinastia Qing em 1911. Fundou-se então, neste ano, a República da China que governou o continente chinês até 1949. Em 1945 a república chinesa adquiriu Taiwan do Império do Japão, após o fim da Segunda Guerra Mundial.
O Partido Comunista assumiu-se vitorioso perante o Partido Nacionalista e estabeleceu a República Popular da China, em 1 de outubro de 1949, enquanto o Nacionalista mudou a sede do seu governo para Taipé.
As forças armadas têm um efetivo de 2,3 milhões de soldados – o Exército de Libertação Popular – que é a maior força militar do mundo, em termos de número de tropas. A liberdade política é ainda muito restrita. O que é certo e verdade é que há uma contradição na Constituição da República Popular da China (RPC) ao nela se afirmar que os “direitos fundamentais” dos cidadãos incluem a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, o direito a um julgamento justo e à liberdade de religião, o sufrágio universal e o direito de propriedade, o que não conferem aos chineses proteção significativa, contra procedimentos penais do Estado. Recordam-se os Protestos na Praça da Paz Celestial (Tian’anmen), em 1976 e 1989, contra a repressão do regime chinês, que resultou em massacres. E tenha-se em atenção que a China executa mais pessoas do que qualquer outro país do mundo, respondendo por 72% do total mundial de execuções em 2009.
No entanto, a economia da República Popular da China é a segunda maior do mundo, sendo a nação com maior crescimento económico dos últimos 25 anos, com a média do crescimento do PIB em 10% por ano.
Este robusto crescimento económico, combinado com excelentes fatores internos como estabilidade política, grandes reservas em moeda estrangeira (a maior do mundo, com 818,9 biliões de dólares), mercado interno com grande potencial de crescimento, faz com que a China seja atualmente um dos melhores locais do mundo para investimentos estrangeiros, com uma avaliação de risco (Moody’s) A2, índice considerado excelente.
Desde a introdução de reformas económicas em 1978, a China tornou-se uma das economias de mais rápido crescimento no mundo, sendo o maior exportador e o terceiro maior importador de mercadorias do planeta.
É impressionante como conhecemos a China há umas décadas atrás e, face à industrialização, reduziu a taxa de pobreza de 53%, em 1981, para 8%, em 2001. Por isso é considerada uma superpotência emergente.
Pois cá tivemos a semana transata (dias 4 e 5 deste mês de dezembro), a visita a Portugal do 4.º  presidente chinês, Xi Jinping, sendo que a 1.ª visita dum presidente chinês se realizou em 1984 (de 16 a 19 de novembro), na pessoa de Li Xiannian; depois, a 2.ª em 1999 (26 e 27 de outubro), com Jiang Zemin; e a 3.ª  visita aconteceu em meados de novembro de 2010, com Hu Jintao, em condições muito diferentes das do atual presidente, pois nessa altura havia uma profunda crise europeia, mas foram investidos cerca de nove mil milhões de euros, pelo que a relação com a China é para continuar.
Portugal recebeu o presidente chinês para reforçar a cooperação entre os dois países. Efetivamente, com os “vistos gold”, o país abriu as portas ao espaço Schengen a mais de 4000 cidadãos chineses, como contrapartida de vários investimentos em território nacional. Nesta altura, o investimento direto estrangeiro da China atinge um total de 12 mil milhões de euros, abarcando setores desde a energia (Galp, REN, EDP) aos transportes (TAP), passando também pela área dos seguros (Fidelidade), saúde (Grupo Luz Saúde).
Tem sido argumentado de que os dois países têm 500 anos de conhecimento mútuo, incluindo uma transferência bem-sucedida da soberania de Macau. “Mas até onde Portugal deve ir na sua relação económica e política com a China para preservar a independência das suas decisões estratégicas e o estatuto de membro da União e da Nato?” Segundo o Coordenador do Centro de Estudos Asiáticos da Universidade de Aveiro, Carlos Rodrigues, “a aquisição de empresas portuguesas permite um acesso a conhecimento e tecnologia a que, de outra forma, seria muito difícil aceder”. E Miguel Santos Neves, especialista nas relações Portugal-China, professor na UAL, refere que “a China visa utilizar esta forte influência sobre Portugal para enfraquecer a União Europeia (UE) e a sua posição negocial face a Pequim”.
A UE teme a entrada pujante da China e esta vê também a sua história de sucesso a ser colocada sob ameaça pela mudança de atitude de outras potências mundiais, principalmente os Estados Unidos perante o sucesso chinês. Sim, a China, de país essencialmente agrícola, passou a maior exportador do mundo e segunda maior economia mundial, com mais de 800 milhões de chineses a deixarem de estar em situação de pobreza extrema, o que representa um contributo de cerca de 70% para a redução total da pobreza no planeta.
E, assim, Portugal e a China assinaram um “memorando” muito europeu, cujas “relações deram mais 17 passos em frente”, sendo que o primeiro destes acordos é um memorando de entendimento da chamada “nova Rota da Seda”, que envolve uma vertente terrestre e outra marítima, com ênfase nas estruturas.
Já vai longo o texto, pelo que me despeço com os votos de um Santo Natal e um Feliz Ano 2019.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 11-12-2018)

8 de dezembro de 2018

A CAMINHO DO CICLO DO NATAL


Este número d’O Combatente da Estrela vai sair na data em que se aproxima, a passos largos, o Natal.
Para as nossas crianças é a alegria das prendas, um período de férias mais prolongado para muitas outras, mas também o frenesim pelas notas escolares.
Para os jovens à procura de emprego, concluídos os seus cursos, licenciaturas, mestrados ou doutoramentos é a agitação para posteriormente poderem concorrer a esta ou aquela empresa, instituição ou estabelecimento de ensino, enviando currículos e mais currículos, cadastrarem-se no LinkedIn, e, alguns até, mandando o Brexit à fava, sonhando com recurso ao estrangeiro, mesmo na zona onde se constata a tentação ilusória e perigosa de repor fronteiras onde elas  deixaram de fazer sentido. Se para uns já existiam as dificuldades, para outros iniciam-se agora.
Para os reformados de menores posses, a esperança de que venha depressa o subsídio de Natal, agora que já não é por duodécimos.
Não falo de muitos dos abastados que são por vezes os que mais aferrolham preferindo chupar por um caroço, como sói dizer-se.
E há os verdadeiramente necessitados, alguns de pobreza envergonhada, que aguardam pelo bolo de Natal e um saco mais reforçado das instituições de solidariedade social. Ai se não fossem estas, como estaria este país?... Nesta Covilhã também há alguns sem-abrigo, lamentavelmente.
Depois existem os remediados, os da classe média, com predominância da baixa, para darem vida às atividades económicas, encherem de compras os hipermercados mormente neste período de Natal, integrarem as instituições e o associativismo no voluntariado de uma sã convivência, em vários domínios.
Se já durante o ano há os almoços e jantares comemorativos, nesta altura não falha, dias não são dias, são os jantares de Natal, por todos os recantos e com os seus encantos.
E venham de lá mais umas raspadinhas, que as há para todos os gostos, o euromilhões, e não esquecer a lotaria natalícia.
É também o desejado período de reunir as famílias, dar um abraço aos amigos que só por esta altura ocasionalmente se cruzam connosco, já que os habituais estão registados para as Boas-Festas. Amigos são amigos.
E a grande avalanche de aposentados, deste país envelhecido, mormente daqueles que já começam a pesar-lhes os anos, mas que não ficam parados a ver a banda passar, antes procuram manter as portas abertas duma associação, em movimento, por exemplo, ainda que com algumas interrupções momentâneas dos seus obreiros enquanto “motoristas” dos seus netos, mas com alegria, dão cartas na prossecução de tarefas, sem compensação, das quais algumas deveriam ser de obrigação do Estado.
Tenho vindo a falar sobre as pessoas, nos últimos números deste O Combatente da Estrela, e é neste âmbito que não posso descurar os sacrifícios por que muitos de nós, antigos Combatentes, passámos, alheios ao desconhecimento das últimas gerações, agora que se comemorou o centenário do Armistício da  Primeira Guerra Mundial, onde muitos jovens covilhanenses e da região beirã, para já não falar de milhares e milhares de jovens portugueses de então, vieram a deixar o mundo dos vivos, furados pelas balas do inimigo nas trincheiras.
Depois haveria de surgir uma outra, ainda pior, a Segunda Grande Guerra, em pouco mais de duas décadas.
E para nós, antigos Combatentes, chegaria a nossa vez, através das malditas guerras do Ultramar, guerras subversivas como os governantes de então a apelidavam. Muitos sofrem ainda o malfadado stress pós-traumático, tantas vezes aqui referido.
A Liga dos Combatentes, então criada, de cujo Núcleo da Covilhã, donde emergiu “O Combatente da Estrela”, não tem dado tréguas a várias ações em prol dos seus associados, e não só, em várias vertentes, tão sobejamente referidas neste órgão ao longo das suas páginas trimestrais.
As várias atividades desenvolvidas todos os anos, como no presente, são bem o testemunho duma casa acolhedora a todos os seus membros. E para isso, a atual Direção, que tomou posse em 27 de abril de 2018, é a continuadora do que acima foi referido, duma associação em movimento.
Sobre as guerras por que a nossa geração (os nascidos nos anos 30 a 50) passou, muitos em pleno teatro de guerra, vale a pena ler os testemunhos inseridos nos textos das pessoas que ainda têm paciência para recordar várias facetas desses terríveis tempos, e que aqui vamos registando, porque felizmente não pereceram.
Vale a pena também a atenção especial para o texto do antigo Combatente, Eduardo Tendeiro, que mencionamos na rubrica “Conte-nos a sua história”, ele um dos que integrou a guerra do Ultramar nos seus primórdios (foi meu professor em 1957/58, muito antes de ser chamado para o serviço militar obrigatório).
E, neste contexto, conforme foi referido no último número, jamais consigo aceitar a exuberância com que alguns apregoam aos sete ventos, mormente em atos públicos de apresentação das suas obras, que foram exilados deste país, porque não aceitavam as ideias ditatoriais do regime nem as guerras em que estava envolvido o país, quando, na verdade, foram tão só os fugitivos da Nação, tendo regressado após o 25 de Abril, incólumes, quando deveriam responder pelos seus atos pusilânimes de fugir à responsabilidade patriótica, ainda que com a mesma não concordassem. Em vez de se manterem caladinhos, surgem vitimizados e ufanos, sem coerência na sua razão de patriotismo.
Na esperança de continuarmos a prosseguir com o mesmo entusiasmo no próximo ano, desejamos a todos os Antigos Combatentes, Associados e suas Famílias, assim como aos prezados Leitores, um Santo Natal e um Feliz Ano 2019.


(In "O Combatente da Estrela", n.º 113, de dezembro de 2018)

CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA JOSÉ EDUARDO SANTOS TENDEIRO


Desta vez trazemos a esta rubrica um antigo combatente, do início da guerra no Ultramar, natural de Elvas mas que se radicou na Covilhã, onde exerceu a sua atividade no ensino (depois de professor passou a inspetor) com que se aposentou.
Tem sido colaborador desta publicação, e também da revista “O Combatente”, já escreveu um livro sobre a sua passagem pelo Ultramar, cujo título “Danos Colaterais” integrou uma das atividades deste Núcleo, em 2017, com a sua apresentação na Biblioteca Municipal da Covilhã.


 Estive lá
 
  Fui um dos que tiveram a felicidade de voltar.     Outros ficaram, jazendo.

  Tive um início de serviço militar normal.
  Incorporado em  Abril de 1959, frequentei o CSM em Mafra, fazendo especialização em transmissões de infantaria, credenciado para a chefia de um centro cripto. Passei à disponibilidade em Março de 1961.
  Liberto da obrigação militar, casei e organizei a viva. Mas a vida organizada durou pouco.
  Chamado de novo às fileiras, foi-me ordenada a frequência do “Curso de Caçadores Especiais” no Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE) em Lamego, de 17 de Julho a 2 de Agosto de 61 e posteriormente integrado no Batalhão de Caçadores Especiais nº357, na especialidade de transmissões da Companhia de Caçadores Especiais nº306, com destino a Angola, onde a situação era efervescente.
  Desembarquei em Luanda em 12 de Maio e no desfile feito na “Marginal”, o Batalhão foi recebido com flores lançadas das janelas dos edifícios. Éramos um acréscimo de segurança aos que temiam novas investidas dos “terroristas”.
  Recebidas viaturas, jipes e Unimogs novos e GMCs em bom estado, numa longa e extenuante marcha de 1035 quilómetros, atingimos o local indicado para o nosso estacionamento em 18 de Junho de 62.   Próximos da fronteira com o ex-Congo Belga, em pleno teatro de guerra,  construímos de raiz, com materiais recolhidos em sanzalas próximas ─ abandonadas─ o nosso estacionamento, baptizado Pangala, base das missões atribuídas: cortar linhas de movimentação  do IN ( o inimigo) e ocupação territorial.
  Sofremos o horror das minas que causaram  mortes ─ quatro─ e feridos graves evacuados.
  Morremos muitas vezes na incerteza do dia seguinte.
  Matámos na ânsia da retaliação, com o eco do grito de revolta de um corajoso missionário contra a exploração dos índios afirmando-os os verdadeiros senhores das suas terras e que “a nenhum título, nem o Papa nem o Rei de Espanha os podem privar desse direito!”
Talvez aqueles “terroristas”  sejam os verdadeiros senhores das suas terras e nem o Papa, nem o “rei” de Portugal, nem nós os possamos privar desse direito.

  Privações de água, de alimentos confeccionados e carências múltiplas assoberbaram-nos. Durante doze meses enfrentámos ainda as agruras de um clima pouco favorável em terreno desconhecido.
 Era a guerra.
  Na minha qualidade de responsável pelas comunicações rádio acresciam as queixas dos operacionais que, de noite, se viam  impossibilitados de usar os rádios distribuídos e, não raras vezes descarregavam em mim a sua frustração. Sucedia que nos tinham sido atribuídos emissores/receptores inapropriados. Funcionando em AM (amplitude modulada) e com reduzida potência, eram incapazes de vencer a estática que surgia com o pôr do sol. As operações nocturnas apeadas, desde o pôr ao nascer do sol, ficavam sem comunicações com a base. A despeito dessa certeza, sempre que havia uma acção nocturna, na “base” ─ a Companhia ─ havia uma escuta permanente tentando ouvir uma voz entre aqueles milhares de grilos em loucos desafios.
  Naquele tempo havia um único emissor/receptor capaz. Montado em viatura ou em estação o ANGRC-9, posteriormente dotado de um amplificador de sinal, cumpria a sua missão. Mas este aparelho dificilmente podia ser usado em patrulhas apeadas: eram necessários pelo menos dois militares para o transportarem, demorava muito tempo a ser preparado para operar e a sua utilização era penosa.
  Pesava ainda sobre mim o secretismo do conteúdo das mensagens recebidas que o operador cripto descodificava, eu conferia e assinava.

  Doze meses depois, trilhando o mesmo caminho, regressámos a Luanda onde ficámos “em prontidão” e guarnecendo pontos sensíveis da cidade.
  Deslocados posteriormente para o sul do rio Quanza, com a missão de zelar pela segurança das instalações petrolíferas de Cabo Ledo, com um pelotão deslocado na Muxima, em plena reserva de caça da Kissama, tivemos o merecido “Repouso do Guerreiro”.
  A 22 de Junho de 64, o Vera Cruz carregou-nos para a Metrópole com a tristeza de termos deixado para sempre quatro amigos no cemitério de S. Salvador do Congo.
   Mas a guerra não ficou lá: noites insones sob cacimbo cerrado,  tensão de uma deslocação em viatura num terreno possivelmente minado, sede mitigada com água suspeita, rações de combate odiadas, a dor raivosa de perder amigos, o desejo de retaliação, a incerteza do dia seguinte e de estarmos a fazer “o devido”, as recordações tenebrosas da guerra vieram connosco.
  Só o tempo vai limando esses “danos colaterais”.
J. Eduardo Tendeiro   (DEZ18)

NOTA: Por lapso, no n.º 112 desta publicação, o texto deste mesmo autor “Conversando”, foi assinado por “Eng.º Tendeiro”. Pede-se a vossa correcção.

(In "O Combatente da Estrela", n.º 113, dezembro 2018)

MEMÓRIAS DA EXTINTA “ERNESTO CRUZ” NUM ALMOÇO DE CONFRATERNIZAÇÃO








Esta é já a terceira vez que os antigos patrões da Ernesto Cruz quiseram confraternizar com os seus antigos trabalhadores, colaboradores com quem se irmanaram na recordação de muitos anos de trabalho em comum.
Recorde-se que a extinta empresa remontou a sua fundação a agosto de 1939 e a constituição de Ernesto Cruz & Cª surgiu em 1947. Foi iniciada pelos sócios Ernesto Cruz, António da Cunha Taborda, Fernando Lopes da Costa Alçada e Aníbal Mousaco Alçada. Teve então uma fase de desenvolvimento em grande ritmo, com cerca de 650 operários que se revezavam por turnos, passando para 614 em abril de 1974, altura em que já vinha a atravessar um período difícil, apesar de haver um excelente ambiente de trabalho. Houve então a necessidade de em 23 de outubro de 1974 ser pedida a intervenção estatal pela entidade patronal e pela Comissão de Trabalhadores, tendo esta chegado a realçar o facto de a empresa ser caso único no país onde a entidade patronal “não faz boicotes nem chantagens, antes pelo contrário, mostra-se aberta ao espírito de iniciativa dos trabalhadores”. Isto não evitou que o grupo de empresas Ernesto Cruz & Cª., Lda não acabasse por encerrar em 1990.
Em 6 de agosto de 1972 eram sócios: Fernando Lopes da Costa Alçada, Júlio Henrique Casaleiro Torres Cruz, Carlos Alberto Casaleiro Torres Cruz, Ernesto Henrique Casaleiro Torres Cruz, Maria Leonor Casaleiro Torres Cruz e Silva, José dos Santos Taborda, Francisco Manuel Pinheiro Alçada, João Carlos Pinheiro Alçada e Maria Leonor de Albergaria Pinheiro Alçada de Sousa Byrne.
O grande Homem desta empresa, e seu fundador, Ernesto Cruz, foi um visionário da indústria e grande vulto do principal clube da região – o Sporting da Covilhã (SCC) – onde foi presidente da Direção e levou, pela primeira vez, o clube à então Primeira Divisão Nacional, que nascera em 11 de novembro de 1906, e viria a falecer com 62 anos, em 6 de outubro de 1969, quando muito ainda se esperava desta grande figura covilhanense.
Entretanto, as instalações da empresa foram adquiridas pela UBI – Universidade da Beira Interior, onde se situa o Pólo das Ciências Sociais e Humanas, passando, muito justamente, a ser designado, em sua homenagem, Pólo Ernesto Cruz.
Por tudo isto, os sócios presentes neste almoço de confraternização, realizado num restaurante da cidade, no dia 16 de novembro, Carlos Alberto Casaleiro Torres Cruz (filho de Ernesto Cruz e atualmente o sócio n.º 1 do SCC) e Francisco Manuel Pinheiro Alçada, recolheram de todos bons momentos, sentindo-se “todos unidos num passado vivido com o mesmo objetivo, levarmos a empresa criada essencialmente por meu Pai a bom porto”, nas palavras do ex-sócio Carlos Cruz.
Neste almoço estiveram 62 participantes, onde se incluíam 15 familiares, ficando desde já decidido dar-lhe continuação no próximo ano.
É um exemplo para que outras extintas empresas possam relacionar laços de amizade no encontro de velhas memórias profissionais.


(In "Notícias da Covilhã" e "Jornal do Fundão", de 22/11/2018)