21 de fevereiro de 2024

UM TEMA PARA O MÊS DE FEVEREIRO

 

Não encontrei. Assoberbado com a arrumação do meu escritório, na base da eliminação de milhares de documentos que reputo já desnecessários, são dezenas de quilos de papel para o   Banco Alimentar. Aguardo também um novo PC já que não gosto de portátil. Esse encarrega-se de ser utilizado pela minha Mulher.

Felizmente que ainda vivo no tracinho com uma só data – a do nascimento. É trave-mestra onde a vida assenta, palco de alegrias e tristezas. Por isso, enquanto a outra data que se une ao tracinho não surgir, cá irei empenhar-me naquilo que eu mais gosto – a escrita.

Desta vez não desejo falar das reivindicações dos professores, dos médicos, das forças de segurança, dos agricultores, dos bombeiros, e de outros et ceteras. Muito embora me preocupe e revolte no sentido dos prós e dos contras. Nem mesmo das eleições antecipadas neste Portugal Continental e dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira.  

Diz com profundidade José Paulo Fafe, in Tal & Qual de 8 de março de 2023: “Basta olhar para o plenário para perceber que o mesmo, salvo poucas e honrosas exceções, não passa de um ‘espelho’ de uma sociedade que insiste em nivelar-se por baixo, e premiar os que se dispõem a aceitar as regras de um jogo viciado, em busca de uns efémeros dois ou três minutos de fama.  Onde há 30 ou 40 anos tinha assento muito do melhor que existia na nossa sociedade. Hoje o Parlamento reúne o refugo e as sobras de um país que teima promover no seu seio não os melhores, mas apenas os que, à falta de outra coisa, encontram no exercício da política a sua ocupação principal, usando-a como trampolim e porta giratória para lugares que, de outra forma, não estariam ao seu alcance.”

Desbarata-se muito dinheiro neste Portugal de todos nós. Se há problemas com um Banco a caminho duma possível falência, logo se arranjam formas de encontrar o antídoto para o problema.  Se há despedimentos por incapacidades gestoras, ou chico-espertismo de indemnizações indevidas, abafa-se com apoios milionários. Descoberta a careca, surgem os problemas adicionais, com recursos tribunais, e por aí fora.

O depauperado povo português continua a não ser ouvido, ou só quando há eleições, para resolver a eliminação de fatores adversos ao que havia sido combinado, como o exemplo das SCUTS nas A23 e A25. E lá estou eu a entrar naquilo que acima prometi: não meter hoje o bedelho em determinados assuntos. Enfim, defeitos da peça.

Revolta-me o conhecimento que nos chega, quase no segredo dos deuses, dos milhões que António Costa doou às antigas Colónias, que brada aos céus. E até milhões para um museu de Angola, salvo erro. Bolas! Assim não! Esse dinheiro faz falta ao povo português.

Fica, para terminar numa parte humorística, um interessante acontecimento que o meu Amigo João Brás teve, indiretamente, com o seu vizinho de então, arquiteto José Guerra Tavares, na casa onde viviam perto do Campo das Festas (o João ainda lá vive).

Corria o ano de 1980. À porta do Senhor Arquiteto, certamente por ausência temporária do mesmo, alguém interessado nos seus serviços lhe deixou um galo, com as patas atadas, dentro dum saco de serapilheira, juntamente com outras coisas. Tudo bem, os vizinhos não se incomodaram com a encomenda que ficara ali durante a noite. Só que o galo, de madrugada, começou a cantar e não parava. Foi quando os vizinhos foram alertados para resolver a situação.

E, por hoje, bonda, como dizia a minha Avó, que ainda vinha da Pousadinha para pagar a décima nas Finanças da Covilhã. Até à próxima!

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 21-02-2024)


17 de fevereiro de 2024

ALGUMAS EXPRESSÕES SAÍDAS DA PUBLICIDADE



 

Existe um extenso rol de expressões que, quase sem darmos conta, usamos com frequência. Na sua generalidade são de longa data. Ainda hoje existe alguma publicidade que não perdeu a sua oportunidade. E ainda é atraente. Outras já não passam de memórias do que já desapareceu.

 Para muitos ficou-nos entranhada. Torna-se agradável a sua recordação.

Lá vai o tempo, para os mais velhos, nos anos 60, 70 e 80, em que a RTP (inicialmente não havia outros canais) tinha uma publicidade que procurava resistir aos ventos da concorrência.  

Recordo estas: “Pois, Pois, J. Pimenta, Lda”; “Tody, todo o mundo vai tomar”; “Palavras para quê? Trata-se de um artista português e usa Pasta Medicinal Couto”.  Tal como a Desgarrada do Fado do Peixe Congelado, da recém-nascida SAPP – Serviço de Abastecimento de Peixe ao País, anos 60. Não só na televisão como na rádio, a publicidade aos detergentes TIDE (responsável pelo “branco mais branco não há”) e ao OMO, este com a saída de “OMO lava mais branco”; ou, já nos anos 80, a dona de casa nas memórias da infância com os “Glutões do Presto”. Quem foi criança nesta altura provavelmente terá acreditado que existiam mesmo uns bonequinhos verdes que saiam da embalagem do detergente para dar conta das nódoas mais difíceis. “Acreditar nos glutões” passou a ser sinónimo da ingenuidade de acreditar em coisas pouco razoáveis.   Sem ter em atenção datas, recordo-me de, nos produtos, como as farinhas: “Depois de uma maleita, Farinha Amparo o endireita”.

Já o sabão Sonasol teve momentos interessantes, pois no meu tempo de estudante, na Escola Industrial, enquanto nos agrupávamos à porta da sala de aula aguardando a vinda do professor(a), um divertido colega, o falecido João José Silva Coelho, servia de maestro ao coro gritante que incutíamos naquela publicidade que dava nos anos 60, ao Sonasol, entre outras: “A Maria... não conseguia... da roupa o encardido tirar..., mas a Maria agora já sabia que havia o sabão Sonasol !!!” Era uma risada entre todos e os colegas de outras turmas, ao longo dos corredores, ouvirem cantar-nos com estas brincadeiras; e até os professores entravam na sala em risos, nessa altura já nós todos caladinhos... Alegria estudantil. Outros tempos... Entretanto, a marca deste detergente daria um anúncio em 1997 que terminava “O algodão não engana”. É que há anúncios que entram na memória coletiva e passam a fazer parte da cultura popular. O zeloso mordomo descobre toda a sujidade invisível a olho nu, através do infalível teste do algodão. A expressão é usada sobretudo quando queremos desmascarar aquilo que, à primeira vista, parecia muito limpinho.

Mas também as campanhas institucionais nos fizeram fixar um anúncio surgido em 1986 e que continuamos a repetir: “Se conduzir, não beba”.

E, das várias pesquisas, como as de Tiago Taveira, in Lifestyle/Nostalgia, do Observador, também nos podemos voltar para anúncios encomendados a pessoas da cultura, como os poetas. E aí temos a expressão “Há mar e mar, há ir e voltar”. Devemos esta frase a Alexandre O’Neill, elevada a provérbio, criada para uma campanha do Instituto de Socorros a Náufragos para prevenir os afogamentos nas praias portuguesas.

Já o anúncio que marcaria a entrada da Coca-Cola em Portugal foi encomendado à agência Hora, onde trabalhava Fernando Pessoa, nos finais dos anos 20. O poeta foi responsável pelo slogan “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”, mas a campanha não saiu do papel e a bebida foi proibida por intervenção do médico Dr.  Ricardo Jorge, diretor da Saúde de Lisboa. Havia um duplo motivo: se o produto continha coca, da qual se extraía a cocaína, não podia ser vendido ao público; se não tinha coca, então anunciá-lo com esse nome seria publicidade enganosa. A marca só começou a ser vendida em Portugal em 1977, mas a frase ficou para a história.

“Aquela máquina”. Podemos até já nem nos lembrar do que fazia o “Homem da Regisconta” mas certamente que nos repercute na memória a voz forte de Fernando Girão a cantar “Aquela máquina!”, num anúncio repetido entre 1974 e meados dos anos 80. E todos nós, seja em que tarefa for, gostamos de ser “aquela máquina”.

E, socorrendo-me ainda de Tiago Tavares, vem a propósito “O que é Nacional é bom”. Muito antes de Scolari nos encher as janelas e os carros de bandeiras portuguesas, já a secular marca de massas, farinhas, cereais e bolachas apelava ao nosso patriotismo. No léxico comum, o slogan extravasou o âmbito da marca nascida em 1849 e serve hoje para exaltar a qualidade de todo o tipo de produtos portugueses.

“Vá para fora cá dentro” – O slogan lançado pelo então Ministério do Comércio e Turismo em 1995, numa campanha que desafiava os portugueses a passear pelo seu país, tornou-se tão natural.

“Falta-te um bocadinho assim” – Esta    é uma expressão com gesto incorporado. Quando estamos quase a conseguir atingir um objetivo, mas ainda falta o quase, há sempre alguém que aproxima o indicador do polegar...

- Há uma linha que separa...” – Esta expressão é mais recente, embora a marca de telecomunicações já tenha entretanto mudado de nome. Andou na boca de todos no início da década de 2000 e até então o líder do PS, António José Seguro, comentava o slogan: “Há uma linha que separa a austeridade da imoralidade”, disse em 2012, em relação à proposta do Governo para descer a TSU.

- “Poder, podia, mas não era a mesma coisa” – Poucos anos antes, aquando da introdução da fibra na sua oferta de serviços, a Zon teve uma campanha com figuras públicas, cujo mote foi repetido vezes sem conta, substituindo o nome da marca por aquilo que se quisesse, como por exemplo: “Podia viver sem o Lifestyle do Observador? Poder, podia, mas não era a mesma coisa.”

Muitas, mas muitas mais expressões existem, como as do Gato Fedorento, inspirada num desabafo de um concorrente do Big Brother. Foi usada imensas vezes. Quase sempre para acusarem outros de falarem e não fazerem nada. Ricardo Araújo Pereira naquela expressão de “Eles falam, falam, falam e não dizem nada” fazia uma caricatura dos que desprezam a palavra.

Por último, deixo a publicidade já com muitos aninhos, que adoro, recordando-me dos muitos Natais: – “Apetecia-me tomar algo”. O pedido feito pela madame ao motorista Ambrósio entrou para a história da publicidade orelhuda em 1995, prestando-se a algumas conotações menos ortodoxas no imaginário popular das relações patroa-motorista.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-02-2023)

1 de fevereiro de 2024

QUANDO O FUTEBOL CHEGOU À BEIRA BAIXA

 


O distrito de Portalegre é um dos que faz parcialmente fronteira com o de Castelo Branco. Aquele distrito alentejano surge na vanguarda da implantação do futebol no nosso país. A sua   Associação de Futebol, conjuntamente com as de Lisboa e Porto, vieram dar origem à criação da União Portuguesa de Futebol, em 31-03-1914. Em 28-05-1926 daria lugar à atual designação de Federação Portuguesa de Futebol.

A Beira Baixa, onde se insere o distrito de Castelo Branco e o concelho da Covilhã, veria, um pouco mais tarde, o nascimento de vários clubes. Era a ansiedade de desenvolver o desporto que começava a abraçar multidões. Outras regiões já o praticavam. O seu alvorecer situou-se por aqui dentro das duas primeiras décadas do século XX. Após a realização de alguns jogos de exibição durante a década de 10, seria no início dos anos 20 que o futebol ganharia mais projeção na região. Motivou assim a criação dos primeiros clubes. Na maioria dos casos tiveram uma vida efémera. Faltavam estruturas e organização que garantissem a longevidade das coletividades. Com o decorrer dos anos 20, o “desporto-rei” afirmou-se definitivamente em toda a Beira Interior. Começou a sentir-se a necessidade de “internacionalizar” as partidas. A proximidade com Espanha assim o permitia.  Passaram assim a serem usuais as partidas amigáveis entre equipas da Beira e da Extremadura espanhola, em inícios dos anos 30. Por volta de 1935, o futebol na região beirã, em especial na Cova da Beira, beneficiou com a criação da Federação dos Clubes Desportivos da Covilhã e Tortosendo. Este órgão passou a regular as relações entre os clubes locais.  Criou-se um ambiente propício a visitas de equipas importantes de outras regiões. Nessa altura, a 22 de março de 1936 surgiria a Associação de Futebol de Castelo Branco. Organizaria então o primeiro campeonato regional logo na temporada seguinte. Foi uma prova em que o Sporting da Covilhã foi imbatível.  Iria vencer todas as onze edições. E seriam os serranos a primeira equipa beirã a militar na I Divisão Nacional. Estrearam-se na prova em 1948/49 graças à conquista da II Divisão em 1947/48. Evidencio apenas os Clubes que se mantiveram durante mais tempo, até aos dias de hoje, como o Sporting Clube da Covilhã. Foi fundado em 2 de junho de 1923, sendo a 8ª filial do Sporting Clube de Portugal. O Sport Benfica e Castelo Branco, fundado em 24 de março de 1924 é a 7ª filial do Benfica.  E o Sport Tortosendo e Benfica, fundado em 1 de janeiro de 1925, é a sua 4ª filial. No entanto reporta-se a 31 de janeiro de 1922 com a designação de Tortosendo Sport Clube, dispensando-me de referenciar nomes anteriores que lhe deram a sua origem, assim como ao Sport Benfica e Castelo Branco.

Se verificarmos nas modernas estruturas que gerem o futebol, constatamos que o envolvimento das pessoas no fenómeno, abarca todas as condições e estratos sociais. Há até quem afirme, “ser um estádio de futebol, o único sítio onde se esbatem as diferenças entre as várias classes sociais.” É assim o lugar onde toda a gente é verdadeiramente igual, precisamente num jogo de futebol. A enorme amálgama que se cria entre uma multidão que assiste a um jogo, impossibilita distinguir entre um abastado industrial e um humilde operário. Na Beira Baixa isso também sempre aconteceu.

Cenas interessantes do fenómeno desportivo ocorridas em Castelo Branco. No dia 9 de junho de 1929, “O jogo entre a Associação Académica Albicastrense e o Sport Lisboa e Castelo Branco terminou trinta minutos depois de iniciado por ter rebentado a bola e não haver outra para a substituir”.

 Aquando da inauguração do Campo de Futebol do Vale do Romeiro, em Castelo Branco, em setembro de 1956, ocorreram dois jogos de futebol com atribuição de duas taças: uma seria resultante do encontro entre o Sacavenense e o Benfica de Castelo Branco, ganha pelos albicastrenses. A segunda taça caberia ao desfecho do encontro entre o Sporting da Covilhã e o Sport Lisboa e Benfica, ambos da I Divisão.

Nessa altura ainda não havia os meios rápidos de gravar o nome do vencedor na taça, pelo que os responsáveis do clube albicastrense, na presunção de que o vencedor seria à partida o Benfica, logo fizeram uma chapinha para colocar na taça do vencedor, com o nome do Benfica. Só que o vencedor foi o Sporting da Covilhã.  Ganhou o encontro por 1- 0, com o resultado feito no minuto inicial da primeira parte (in jornal “A Bola”, de 3-9-1956, golo marcado por Suarez).

Deu-se então uma demora prolongada na respetiva cerimónia, motivada por ter sido necessário que um técnico de ourivesaria da Cidade fizesse, a toda a pressa, uma nova “chapinha”, então com o nome do Sporting Clube da Covilhã. O sucedido foi motivo de imensa graça, não totalmente isenta de piadas. Segundo uma testemunha que assistiu a este jogo, ainda recentemente recordou a cena, com o muito tempo de espera para fazer entrega da taça.

Embora houvesse alguns ventos e marés nos jogos entre serramos e albicastrenses, fruto do entusiasmo de dérbis, os clubes e seus dirigentes sempre foram amigos, como beirões de gema.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In “O Olhanense”, de 01-02-2024)