30 de agosto de 2017

PINÁCULO DA VERTENTE DE INCÊNDIOS

1 Verão horrível. As sirenes já não tocam nos quartéis. Os bombeiros não conseguem lá parar. Estão na faina mais que habitual dos incêndios. Exaustos por essas serras, por essas florestas de pinheiros e eucaliptos e de muito mato; muitas zonas íngremes e de difícil acesso. Ouvem-se as sirenes a uivar, sim, das viaturas dos bombeiros a caminho de mais um fogo, outro, e mais outro. Não há descanso para os soldados da paz, mas também para o diabo que não veio em setembro passado, conforme o líder das hostes contrárias anunciou, mas chegou agora. É o satanás destes momentos de sobressalto em muitas gentes deste Portugal sofredor. E o inferno não pensado, deste tamanho, foi avassalando por este País fora. Aviões e helicópteros a despejar água sobre os fogos enquanto é possível. O socorro contínuo emana das viaturas de combate a incêndios. Populações aflitas com os seus haveres. Algumas gentes numa teimosia de preferir que se avizinhe o perigo demoníaco das chamas, a abandonar a casa e os animais. Presidentes das autarquias na linha da frente para dar o brado alarmante do inferno no seu concelho, na sua freguesia; aquela enorme extensão de área ardida, que se reacende, não se sabe por que diabo tal aconteceu! É insólito em Portugal esta avalanche de fogos seguidos, como que combinados!
Chegaram a emergir, num só dia, mais de duas centenas de incêndios neste pobre País. Milhares de hectares consumidos pelas chamas. Batemos o record de fogos surgidos, em relação a toda a Europa. O que é isto?!
Ambientalistas criticam falta de medidas para combater a seca, com enorme percentagem da severa e extrema. Peritos propõem câmaras de vigilância e máquinas de limpeza das florestas. Outros, fazem recomendações sobre a reforma florestal. Fazem-se declarações preventivas de calamidade pública em muitos concelhos do País. Os jornalistas vão dando conta in loco, do que vai acontecendo, várias vezes nos canais de televisão, que preenchem a maior parte do tempo dos seus telejornais, e não só, sobre estes eventos trazidos por Lúcifer.
 E lá apanharam alguns partidários do Maligno, perto duma centena – pirómanos, não, porque segundo Cristina Soeiro, Chefe do Gabinete de Psicologia da Escola da PJ, em Portugal nós não temos pirómanos –, mas sim incendiários (aquele que pratica o ato de colocar fogo com intenção), que divide em três grupos: os detidos com problemas psiquiátricos; os que agem em busca do benefício próprio; e os que buscam vantagens pessoais ou profissionais.
2 Mas, bolas, isto vai acontecendo todos os anos, na época de incêndios por que se passou a designar o Verão. Há 27 anos, por esta altura, deu-se o grande incêndio da Serra da Estrela, em que houve uma vítima mortal no Parque de Campismo do Pião. Falou-se em prevenção. Não me lembro se se terá falado na reorganização da floresta. Mas recordo-me que, há 14 anos, nos primeiros dias de agosto de 2003, quando arderam 300 mil hectares no nosso País, a VISÃO fez uma entrevista a Gonçalo Ribeiro Teles, que não perdeu um pingo de atualidade. Continuam, ano após ano na permissividade da celebração do eucaliplal, nada se aprendendo com o que se vai passando todos os anos, e, passado este período crítico, altamente severo, voltam-se aos temas, sem solução, da floresta de eucaliptos e pinheiros, as falhas da proteção civil, a falta de condições de trabalho dos nossos bombeiros. E o resultado desta operação é que o País está completamente desordenado. Viu-se agora com os milhares de incêndios que assolaram o País.
Pedrógão: evacuações foram feitas às cegas e sem coordenação. Um quarto dos municípios não tem plano contra incêndios, alerta a Quercus.
José Massano Monteiro, professor da Escola Superior Agrária do IPCB, e membro sénior da Ordem dos Engenheiros e Colégio de Engenharia Florestal, em entrevista recente a um semanário desta região, disse que “é urgente que se recorra cada vez mais à engenharia florestal e cada vez menos à indústria do fogo (ao mero combate)”.
 E, mais uma vez, a pergunta: como foi isto possível? Talvez a resposta: Administração Interna e Proteção Civil não se entendem, serão como que umas organizações desorganizadas. Em vez de procurarem encontrar a solução para o problema, puseram-se a lamentar o problema endossando a culpabilidade de uns para os outros. E, nesta vertente de incêndios, bonda, como dizia a minha avó!
3 – Outros incêndios começaram. Noutra vertente. Política. As Autárquicas estão quase à porta. Muitas janelas já se escancararam para soltar os mais diversos gritos, os lampejos de lançar atoardas impensáveis, aos seus mais diretos adversários, que, para muitos, são mais propriamente inimigos. Que isto de política, neste caso vertente das autárquicas, há muitos amigos mas da onça.
Também Paulo Duarte, em artigo de opinião num semanário regional, inerente a um estudo que efetuou, constatou que “nos anos em que houve eleições o número de incêndios é sempre superior aos anos imediatamente anterior e seguinte, com exceção para 2013”.
Por todo o País, os partidos combinam-se em 26 tipos de alianças nas eleições locais.
Na Cova da Beira, é a Covilhã que apresenta maior número de candidaturas, num total de seis (BE, CDS/PP, CDU, DE NOVO COVILHÃ, PSD/PPM e PS). Viva a democracia!
Há uma panóplia de opções. Mas também a responsabilidade nas decisões, agora que já são sobejamente conhecidos os candidatos.
Nestas andanças, suponhamos que um candidato, durante muito tempo vagueou em perfis falsos e blogs anónimos, insurgindo-se com atitudes pusilânimes contra o líder da catedral. Como votar nele? Suponhamos que outro candidato, na sua ferocidade de não olhar a meios para atingir os fins, teve como baluarte a mentira, para onde penderá o meu voto? Temos presente a Barragem do Viriato, que alimenta a Cidade, e que um candidato alega que vai deixar de ter água dentro de um mês. Mas a edilidade afirma o contrário, que é só alarme eleitoral do adversário, tanto mais que a água nem sequer vai ser racionada. Quem for o autor da peta, como vai ser a minha confiança no voto do candidato desta patranha? Será que é o diabo que, no seu disfarce, aí vem, anunciado por Passos Coelho? E, como votar num candidato, em analogia com o que refere o ex-líder do PSD, Marques Mendes, desafiando os partidos políticos a proibirem as pessoas condenadas por “crimes especialmente graves” de serem candidatas a eleições?
É consciente refletir por que se fizeram obras a qualquer preço, se alhearam do endividamento, se marimbaram para a destruição de património histórico que jamais conseguirá ser reerguido. Como votar numa candidatura aqui inserida nesta responsabilidade?
Se a ida às urnas (ainda) está com alguma ligeira distância, o mesmo não se pode dizer das polémicas. E, por cá, também abundam: voltando à construção da nova barragem, já em 1992 se dizia na comunicação social que “nova barragem deve estar concluída em 1994”. Afinal, já lá vão 23 anos.
E, neste folclore político, em que os partidos preveem gastar quase 35 milhões nas autárquicas, melhor será fechar a caixa de Pandora. No dia 1 de outubro, vamos ver o que as populações exprimem de sua justiça.


(In "Notícias da Covilhã", de 31/08/2017)





8 de agosto de 2017

Uf!

Cheguei a este oitavo dia do oitavo mês do ano dois mil e dezassete da era de Cristo sem uma pinga de inspiração. Tal a caloraça e a seca. Que isto de noticiários vão sendo mesmo uma autêntica seca. A repetição das notícias do mesmo teor – incêndios, roubo de armas, aviões que matam pessoas na praia, para se voltar a uma retrospetiva de outros incêndios já passados, como o das Andanças – já que os drones, por enquanto, deixaram de nos assustar. Mas lamentando não se ter mão nesta gravíssima crise da proteção civil, das comunicações especiais – uma tal dona Siresp – que não funcionam, quando, na hora h, se deduzia que havia ali aquela ajuda salvífica. Mas não! A responsável pelo Ministério da Administração Interna onde estava? Aqui, falar sobre este assunto, tão badalado, é também já uma outra seca.
Até para o título desta crónica saiu uma expressão onomatopeica. Vamos continuar.
Considerando que está a decorrer a 79.ª Volta a Portugal em Bicicleta, volta-se a minha tardia inspiração para além-fronteiras (incluindo as imaginárias), e vemos que a palavra da atualidade – populismo – em Portugal continua impopular. É, pois, um olhar sobre este fenómeno que especialistas e comentadores internacionais se espantam com a falta de uma força populista relevante no nosso país. Segundo o jornalista António Rolo Duarte, do Público, “Na União Europeia, há mesmo apenas dois países onde o populismo continua a passar à margem a nível nacional. Portugal é um deles (o outro é Malta)”.
O deslumbramento com a normal discussão política entre os portugueses, ausentando-se do populismo, tem merecido especial atenção por parte de uma imprensa estrangeira. Dizem que se vive por cá como um “oásis de estabilidade”. Já António Guterres, no princípio deste ano, referiu-se assim: “Um grande orgulho, Portugal, um país onde o populismo não dá votos”.
A exceção portuguesa pode ser vista como um fenómeno positivo para o país. “O populismo tem como base uma divisão clara da sociedade em dois grupos homogéneos – as elites, que são inerentemente corruptas, e por isso devem ser excluídas, e o povo, que é puro e cuja vontade deve ser tomada como lei. Não é uma ideologia negativa em si”.
Se verificarmos, Nelson Mandela, por exemplo, usou o populismo para fins nobres.
Ideias comuns como o “país dos brandos costumes”, ou opiniões sobre o sucesso da “geringonça” terão servido para justificar um fenómeno que não é simples. Também a ausência de um aumento súbito de população estrangeira desde 1976, de números significativos de refugiados, e de crimes mediáticos associados à imigração (caso do terrorismo) leva as gentes portuguesas a não se sentirem ameaçadas. Apenas quatro por cento dos portugueses veem a imigração como um dos principais problemas do país (a média europeia é de 26 por cento). Portugal tem a segunda taxa de imigração mais baixa da UE.
Contudo, a usurpação da História, para fins populistas, colide em obstáculos de grande importância, no caso português. Vejamos: na memória coletiva, a nostalgia que envolve o império além-mar perde lugar para o grande trauma provocado pela Guerra Colonial. Deu assim ideia de um império com uma perceção negativa. O discurso nacionalista é hoje associado à opressão, à injustiça legal e social, e acima de tudo ao subdesenvolvimento que caraterizaram o Estado Novo.
Cá, no seio das nossas gentes, só nas últimas décadas António Marinho e Pinto teve algum sucesso com uma política populista. Foi uma situação episódica que se abateu em grande parte devido à sua inconsistência ao nível da presença política e desorganização em termos de dinâmica partidária. Muito mais haveria a dizer sobre populismo, mas importante é referir que a ilusão política portuguesa tem reduzido espaço para um novo partido. Da extrema-esquerda à direita temos cinco partidos sólidos, que ocupam bem o espaço ideológico. E, assim, o nosso país continua a ser exceção, numa Europa cada vez mais radical – um espaço onde o populismo é tudo menos popular.
Com tudo o que se tem passado, como atrás referido, o Governo passou um mau bocado, mas não parece atingido na sua popularidade nem na sua força política. Aliás, no plano estritamente político, pensamos que o país está parado. Não há nas três forças políticas que suportam o Governo nenhum movimento interior que conteste a atual aliança. Assim, vamos entrar na silly season.
Começam, no entanto, a soltarem-se os nomes dos integrantes das listas de cada candidato às autárquicas.

Lá para setembro será o foguetório antecipado de alguns, na presunção de que os foguetes não lhes rebentam nas mãos; para outros, a esperança de encontrar um lugarzinho na vereação. Das canas dos foguetes vão sair miríades de promessas. Esperamos, pelo menos, que algumas sejam cumpridas, no seu devido lugar.

(In "Fórum Covilhã", de 08-08-2017)