26 de agosto de 2015

A ÍNCLITA GERAÇÃO TAMBÉM REFERENCIOU A COVILHÃ

Desde sempre Portugal esteve envolvido em crises e soube encontrar soluções. Umas vezes, por ousadia, outras, pelo génio e sapiência dos seus homens e mulheres.
Nos tempos que correm, e ao longo destes quase nove séculos da existência de Portugal, não deixam de surgir indesejáveis dificuldades, tantas vezes evitáveis, presságio de sustos doutrora.
No dia 21 de agosto comemoraram-se os 600 anos da tomada de Ceuta. Este feito histórico, que poderia ter redundado num desastre, acabou por ter um fim feliz, fruto da participação, neste ato audacioso, da “Ínclita Geração”.
Na Europa já não havia lugar para mais aventuras. Fora feita a paz com os castelhanos, ainda não total, e, assim, também a sua desistência de nos perseguir, resolvida que foi a crise de sucessão originada com a morte de D. Fernando. Após o “Interregno”,1383 -1385, e a derrota dos castelhanos na Batalha de Aljubarrota em 14 de agosto de 1385, com o reforço da chamada Aliança Inglesa através do casamento entre o Mestre de Avis – D. João I e D. Filipa de Lencastre; com o génio do audaz militar, Condestável Nuno Álvares Pereira, eis que a inspiração, o sonho, é ultrapassar as fronteiras europeias. Ali tão perto ficava o norte de África muçulmano.
Após a Batalha de Aljubarrota, era ratificada, no Porto, por D. João I, em 6 de outubro de 1385, a mercê que concede a renda do souto de Alcambar, ao convento de S. Francisco da Covilhã destinada a concluir as obras da igreja (atualmente Igreja de Nossa Senhora da Conceição).
Os portugueses, que constituíam apenas um milhão de habitantes, contra os dez milhões de hoje, na madrugada de 21 de agosto de 1415, quando o sol começou a nascer, proporcionaram aos habitantes de Ceuta, ver “na linha do horizonte um cenário tão grandioso como assustador”. Eram 20 mil homens que desembarcavam nas mais de 200 naus, fustas e galés, armados por D. João I. Pela primeira vez, na história de Portugal de menos de quatro séculos, os portugueses arriscaram sair do seu cantinho europeu na conquista dum pedaço de África.
D. João I, então com 58 anos, desde muito cedo encontrou o apoio entusiástico dos seus filhos mais velhos, D. Duarte, D. Henrique e D. Pedro. Após resolvidas as incertezas sobre vários pontos: distância e ausência de meio de transporte para chegar a Ceuta; a falta de gente; o futuro das relações com Castela; sobre os proveitos a tirar da conquista, bem como custos de manutenção da praça, garantido o apoio dos filhos, procurou também a aliança do condestável, D. Nuno Álvares Pereira, que se tornara a estrela do regime, agora com 55 anos, assim como da sua mulher, D. Filipa de Lencastre. Os filhos do rei ficaram encarregados cada um da sua missão, cabendo ao infante D. Henrique responsabilizar-se pelas tropas das Beiras e Trás-os-Montes que embarcariam no Porto a 13 ou a 14 de julho. Neste contingente seguiam covilhanenses, entre os quais D. Diogo Álvares da Cunha, colaborador do Infante D. Henrique, aquando da tomada de Ceuta. Frei Diogo Álvares da Cunha, que professou na Ordem de Cristo após aquela expedição, era neto da rainha D. Leonor Teles e de seu primeiro marido, João Lourenço da Cunha. A tomada da cidade de Ceuta para muitos marcou o início da expansão. A 19 de maio de 1426, D. Diogo entrou no capítulo geral da sua ordem de Tomar. Após a expedição às Canárias, em 1424, passou a ser comendador do Castelejo e Castelo Novo. Em 1438 recebeu 15.781 reis de soldo pelo seu serviço em Ceuta. Está sepultado na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, na Covilhã, onde é visível uma lápide com inscrição.
Entretanto um surto de peste, a poucos meses da partida, veio dificultar os planos, e D. João I parte viúvo para Ceuta, porquanto D. Filipa de Lencastre sucumbe desta doença, em 19 de julho de 1415. Também, D. Nuno Álvares Pereira, idoso e cansado, tentou adiar a partida.
O que é certo e verdade é que, independentemente destas dificuldades com que não contavam, aconteceu, com ousadia, mas com êxito, a tomada de Ceuta a 21 de agosto de 1415.
“Ao Infante D. Henrique é-lhe concedido por D. João I, em 2 de setembro de 1415, pela primeira vez, o senhorio da Covilhã, para além da alcaidaria-mor. O grande impulsionador dos Descobrimentos e da Expansão, raras vezes terá passado pelo território da Beira Baixa. Devido a estes títulos que lhe foram concedidos a sua ação ter-se-á refletido forçosamente aqui. Terras e indivíduos sob a sua jurisdição terão beneficiado das diligências por ele efetuadas. Dos navegadores ao seu serviço, nove eram da Covilhã”.
Segundo o “Público”, nos seus tempos áureos, Ceuta fora uma cidade do tamanho de Lisboa. Chegou a ter 62 bibliotecas científicas e 24 mil casas comerciais.
Em fevereiro de 1641, o governador de Ceuta, D. Francisco de Almeida, jurou obediência a Filipe IV. Desde então, a cidade permaneceu espanhola até hoje, embora ainda conserve as armas portuguesas desse tempo.
As comemorações que se realizaram na Covilhã, no dia 22 de agosto, revestiram-se de grande esplendor mas, lamentavelmente, sem qualquer eco nos jornais de referência nacionais.


(In "Notícias da Covilhã", de 27.08.2015)

11 de agosto de 2015

PEDALANDO

Falta de tempo, ou é preciso dar tempo ao tempo? É preciso é pedalar!...
Escrevo esta crónica na véspera da etapa da Volta a Portugal em bicicleta, rumo à Torre. E, mais um ano, num amável convite da Liberty Seguros, lá estarei naquela etapa-rainha da Serra da Estrela, e, no dia seguinte, em Castelo Branco, na excelência de um convívio entre muitos amigos. E o tema é quem mais pedala, num reforçar da pedalada para o resto do ano.
Agosto é o mês preferencial para muita gente entrar de férias. Como já me encontro nas vitalícias, para mim o Verão não é a silly season. Contrariamente, é uma altura de boas recordações da minha juventude, associadas ao prazer do reencontro com velhos amigos.
Terminei a “Breve Resenha do Centro de Recreio Popular Estrela Desportiva de São Pedro – 1944 – 1972” que os participantes no próximo almoço-convívio, a realizar em 24 de outubro, terão oportunidade de apreciar, no folhear de algumas páginas de indeléveis recordações. Eu próprio, nos meus dezoito anos, de fato e gravata, em pleno Verão, como era usual naqueles tempos dos anos 60 do século passado, lá estou… Reminiscências do passado.
Era eu funcionário público até ao regresso do serviço militar, e, nessa altura, eram os que tinham menos regalias sociais – nenhumas!... – E ganhavam mal, o que me levou a um gesto de indignação reportados, naquele tempo de censura à imprensa, num artigo publicado no “Notícias da Covilhã” em 1972 – “Uma sóbria profissão – o funcionalismo público”, tendo o primeiro, “A Covilhã precisa de um museu”, sido publicado no mesmo semanário em 1964, com que iniciei escrever nos jornais.
É que, voltando ao pedalar, vem atualmente referido para a função pública, a sugestão que o Governo fez para que passassem a usar aquele velocípede de duas rodas. Se já havia mobilidade na função pública, agora faz-se de bicicleta… Esta sugestão integra-se num conjunto de medidas para reduzir em 20% as emissões de CO2 dos automóveis do Estado e também os gastos com combustível. É o programa para a mobilidade sustentável.
Pois é, na viragem que foi do mês de julho para o mês de agosto, boa parte do país está em descanso e em mobilidade. Com menos tranquilidade se encontram os nossos políticos, na preparação das listas para as eleições legislativas, que, lá de lançar a bênção para a calmaria, está o venerável santo de Boliqueime. Nunca se engana exceto as vezes que já não se lembra. No meu tempo de juventude, analogamente a este homem de estado, existia o “cabeça de abóbora”.
Entre as ondas do mar e a folhagem que se agita nos campos, vão surgindo labaredas em matos e florestas. Coisas que não havia nos anos 50 e 60 do século passado, excetuando casos esporádicos.
E outras chamas, que não as do fogo, vão incendiando, paulatinamente e com ardil, este Povo que, noutros tempos, nem sequer conheciam o significado da palavra corrupção.
Já nem vamos falar em mais nomes, sobejamente conhecidos dos portugueses, porquanto já cheiram a bafio. De vez em quando lá emergem mais uns quantos que se vão juntar ao rol das “estrelas do ardil”, ou daqueles que por obras demoníacas se “enganaram”. Mas, vamos lá, numa de benevolência, são todos bons rapazes. Nós é que não estávamos habituados, n’é?!
Sou ainda do tempo do pirolito, aquela bebida que até finais dos anos 50 fez a delícia de adultos e principalmente da pequenada que viam nela um “dois em um” pois além de beberem o refrigerante, tinham a oportunidade, partindo a garrafa, de ficar com a bolinha de vidro que servia de tampa. A sentença de morte do pirolito surgiu quando o governo, por razões sanitárias, mandou substituir a garrafa por outra com carica.
E então chega a vez de, naquela década dos princípios dos anos 60, poder trazer de “dentro para fora”, uma memória que ficou dos nossos tempos de meninos e moços, solteiros e bons rapazes, em que as algibeiras andavam sempre leves, por falta de semanada, ou mesada, inexistentes, e algum dinheirito lá se conseguia dos paupérrimos salários das nossas primeiras atividades, que a grande fatia era para entregar em casa, aos pais. Essa memória ainda hoje é objeto de riso, naquela do “copo de leite e um bolo”.
É que, no jogo dos matraquilhos, na Pensão de São Francisco, onde ficavam hospedados alguns dos jogadores que vinham para o Sporting da Covilhã, o vício minguava as poucas moedas que continham os nossos bolsos. Daí que já não dava para saciar um pouco o estômago, de noite, na Pastelaria Lisbonense, com um habitual copo de leite e um bolo.
Certo dia azarento, o José Alberto Neves, que, tal como nós, ali havíamos deixado as nossas míseras economias, lamentou-se numa daquelas, refletindo sobre tamanho azar: “Valia mais termos ido beber um copo de leite e um bolo!...”. Esta perdurou no tempo e, de vez em quando soltam-se-nos as palavras sobre esta recordação, para quem viveu esses tempos, como o José Augusto Ferreira da Silva.
Outros tempos!...

(In "fórum Covilhã", de 11.08.2015)