29 de agosto de 2018

A CAMINHO DE SETEMBRO


O mês de agosto deste ano veio tórrido e, contrastando com o ano anterior em que estava a ter uma época de incêndios mais pacífica, acabaria por surgir uma semana funesta com o incêndio de Monchique, a alterar tudo, para ao fim de uma semana passar a ser o maior incêndio do ano na Europa.  E outros foram surgindo, com menor dimensão, como os de Benespera e Seia.
Longe vão os tempos – aqueles dos candeeiros e fogareiros a petróleo, e, no inverno, braseiras de carvão ateadas a carqueja – em que não se via esta calamidade dos incêndios florestais.
Recordo apenas, desses tempos, quando tinha os meus vinte anos, e já depois de ter ido à inspeção militar, para cujo cumprimento do serviço militar obrigatório fiquei apurado, de ter ocorrido o grande incêndio da Serra de Sintra, de 6 a 12 de setembro de 1966, no qual morreram 25 militares do R.A.A.F. que operavam no local e foram surpreendidos e cercados pelas chamas.
Mas também na altura em que escrevo esta crónica recordo o incêndio do Chiado, ocorrido há precisamente 30 anos, no dia 25 de agosto de 1988, cujas chamas devoraram vários edifícios do Chiado e deixaram em ruínas aquela zona história de Lisboa em menos de cinco horas. Se Marina Tavares Dias, no Diário de Lisboa, dizia que “os prejuízos e as perdas para o património de Lisboa são apenas semelhantes às provocadas pelo terramoto de 1755”, eu atrever-me-ia  a compará-lo, numa fase inicial, ao dramático grande incêndio de Londres, ocorrido na madrugada do domingo 2 de setembro de 1666.
Nessa altura ainda se sentiam as quatro estações do ano bem definidas. Nos tempos que correm, face às alterações climatéricas, quase que já não damos pela Primavera e pelo Outono, passando quase só a existir três estações: Verão, Inverno e a estação dos caminhos-de-ferro…
Quase que se deixou de passar pelo período da silly season.
Mas já que Eduardo Sá, psicólogo clínico, psicanalista, professor e escritor desenvolveu na sua interessante crónica in Público, de 25-07-2018, o tema “São os homens que falam menos ou as mulheres que falam de mais? “, vai daí, perante umas férias neste oitavo mês do ano, com um casal amigo, onde o descanso se combinou com a distração, e a gastronomia a jeito de satisfazer o nosso palato, lançámos fora as tristezas e acolhemos mais os momentos de hilaridade.
Para evitar pensar no terror da efeméride que aí vem, do 11 de setembro de 2001 (mais um famigerado setembro…) preferi recordar a canção “Setembro” que Madalena Iglésias cantou em Barcelona, em 1966, no Festival do Mediterrâneo, e no qual se classificou em 2.º lugar.
“É que já tenho menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora, tenho por isso mais passado que futuro e já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não podendo fugir da minha mortalidade, quero caminhar perto de coisas e pessoas de verdade porque o essencial faz a vida valer a pena, isto, para nós, que já temos mais passado que futuro”. (adaptação do escritor Mário de Andrade).
E já que falei de tropa, o meu amigo Carlos tinha vindo de Moçambique, no cumprimento da sua missão naquele ano de 1969, conjuntamente com o seu camarada e amigo João Abelha. O Carlos estava então em Sacavém em casa de uns familiares, regressado do Ultramar há dois meses. Resolve ir visitar o seu amigo. Apanha um autocarro em Sacavém até Alenquer. Aqui, um táxi leva-o até Labrujeira. Pelo caminho, conversa com o taxista que desejou inteirar-se sobre o que é que o Carlos ali ia fazer.
- Venho ver um amigo que esteve comigo em Moçambique – o João Abelha.
O taxista conhecia o homem, que morava na Labrujeira. Aqui chegados, entram num café e o taxista informa o dono da amizade entre o seu cliente e o João Abelha.
- O João Abelha?! Grande amigalhaço! Respondeu de imediato o dono do estabelecimento. Quando soube que o Carlos era amigo dele não lhe deixou pagar a despesa e disponibilizou-se a levá-lo a casa. Durante o percurso, apareceram vários conterrâneos que conheciam o João Abelha e que o fizeram entrar nas adegas, convidando-o a beber do seu néctar. É amigo do João Abelha, não paga nada!
Com o dono do café chegam finalmente a casa do João Abelha, depois da gentinha querer saber o que o Carlos estava ali a fazer. Amigo do João Abelha?! Tem que entrar na minha adega e provar o vinho. A despesa que se fazia continuavam a não a deixar pagar ao amigo Carlos. Não, porque é amigo do João Abelha!
O Carlos lá teve que ficar uma noite em casa do amigo, já bem aviado da vinícola e depois lá partiu para a casa dos familiares em Sacavém.
Tempos duros em que a juventude fora lançada às feras por terras longínquas, muitas vezes sub-repticiamente para evitar alarmes que provocassem o palácio governamental salazarista e marcelista. Depois, claro, o grito aliviado naquela liberdade ainda que em tempo de ditadura.

(In "Notícias da Covilhã", de 30-08-2018)

14 de agosto de 2018

DIABOS MIRABOLANTES


Andam por aí diabos à solta. Não sei se são filhos do diabo que fora anunciado pelo antigo primeiro ministro, pois não me recordo de que tenha chegado a vir, a partir daquele célebre setembro de 2016. Nem saudades do homem da troça, na sua peculiar expressão da “palavra dada, palavra honrada”.  Mas isso são estórias de outras histórias que já estarão para além da Taprobana, pois que até ele se terá esquecido do que vice governava e, da palavra dada, foi palavra desonrada, na sua “irrevogável” demissão.

Paulo Portas que de feirante de beijocas passara ao número dois da governação ainda se quis apropriar da iniciativa com que quisera dar o cognome ao atual governo da Nação, plagiando Vasco Pulido Valente no título pejorativo do seu artigo de opinião inserido no Público de 31 de agosto de 2016 – “A geringonça” – , e que, ao invés, se tornava laudatório.

O que é certo e verdade é que os diabos à solta trouxeram o inferno no ano seguinte, com as duas grandes catástrofes dos incêndios de junho e outubro de 2017.

Depois foi o tempo das barragens secas, que por cá ocasionaram muitos barulhos, mas que o “dilúvio” veio rufar no seu tambor e torná-las repletas do precioso líquido.

Até ao momento em que escrevo este apontamento, não surgiram ainda, felizmente, preocupações lancinantes no nosso País, como o inferno transato. Desta vez os diabos emigraram e foram assoberbar paragens gregas e escandinavas. Quer dizer, o diabo internacionalizou-se, ou, melhor dito, tornou-se mais global.

O que é certo e verdade é que o inferno não se consegue extinguir. Umas vezes lá se vão conseguindo reduzir um pouco as suas chamas, mas outras vezes elas, se dominadas numa zona, logo surgem noutro local. Quer dizer que são as patas do diabo, quais tentáculos em brasa do polvo.

Nas duas últimas décadas do século XX, a primeira das duas décadas foi marcada pela conflitualidade e pela mudança de comportamentos na política e na sociedade, especialmente nas gerações mais novas, onde se verificou uma libertação de usos e costumes. No campo político e militar destacaram-se a queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989, que abriu o caminho à reunificação da Alemanha, formalizada em 3 de outubro de 1990; a guerra entre o Irão e o Iraque, assim como outros conflitos no Médio Oriente, a Guerra das Malvinas e os primeiros protesto políticos na China, com a manifestação da Praça Tiananmen em 1989. Quanto aos comportamentos sociais, recordam-se as novas excentricidades na moda, o heavy metal na música e o fascínio pelos mais variados tipos de modelos de novos produtos eletrónicos nos campos da comunicação e da informação, que levariam depois ao incremento da utilização das redes sociais para os mais variados fins. Esta década foi também marcada pelo surgimento de novos diabos, pelo colapso da economia japonesa, por uma estagnação da economia norte-americana (ainda nem se tinha ouvido falar em Donald Trump…) e da generalidade dos países da América Latina, por uma volatilidade dos mercados e um baixo crescimento do PIB na generalidade dos países.

Na década de 90 alteraram-se algumas tendências, com o colapso da União Soviética, o fim da Guerra Fria, o reforço da globalização e a consolidação da democracia. No entanto, nos novos flagelos emergiram, mais novos diabos, com destaque para novas formas de terrorismo, essencialmente “justificadas” por motivações religiosas, que perturbaram significativamente o longo período de paz vivido desde há muitos anos, e que criaram um clima de tensão considerável. De qualquer modo, a década de 90 pode considerar-se um período de prosperidade e de bem-estar em muitos países, com crises pontuais, por vezes atribuídas à globalização ou, pelo menos, a algumas das suas formas. Tem que se reconhecer que por força de políticas erradas de globalização, do recrudescimento do capitalismo selvagem e de determinadas atuações do domínio político, houve um aumento de ações de protesto e de reivindicação até então pouco vulgares, ou mesmo desconhecidas. Prosseguiram os fortes desenvolvimentos na tecnologia, na ciência e na investigação aplicada – particularmente na ciência médica para fazer face a novas doenças, ou agravamentos das existentes – e acentuou-se a polémica sobre a proteção do meio ambiente. Esta última, e algumas mudanças mais radicais nos hábitos da vida em sociedade, suscitaram também movimentos de contestação. No conjunto das duas décadas tem que se mencionar um clima de concorrência cerrada, especialmente no mundo dos negócios, uma série excessiva de catástrofes naturais e provocadas e o flagelo de novas doenças.

Nalguns países do Mundo Ocidental, de África e do Oriente, foi um período de considerável crescimento económico, apesar de na primeira parte da década a economia norte-americana pouco tenha crescido.

Em Portugal, a governação do Bloco Central foi muito dirigida nos anos 80 para a recuperação da economia e para a preparação da entrada do País na então CEE.

A caminho do final da segunda década do século XXI, já integrados na União Europeia, e com o aumento de muitos outros países, logo haveriam de surgir novos diabos, com a crise europeia de 2008, a intervenção da troika em Portugal e na Grécia, e um dos diabos a querer sair da União Europeia, a quem foi dado o nome de Brexit.

Ficamos por aqui para não nos endiabrarmos mais.
(In "fórum Covilhã", de 14/08/2018)