16 de abril de 2015

O ELOGIO DAS GLÓRIAS

1 - Foi este o título que o amigo Júlio Freches deu a uma crónica inserida no Jornal do Fundão, de 4 de outubro de 1991, sobre os ídolos serranos do futebol de eleição, que, então, pelo pelado do Santos Pinto, se ia praticando, no século passado, proporcionando assim incontidas alegrias a todos os amantes do futebol de primeira.
E não só ao futebol na sua vertente profissional, como também em locais onde se dava lugar às peladinhas, com o frenesim da juventude – Escola Central, Colégio Moderno, Liceu ou Escola Industrial –, ou a figuras, como “o bom Padre Carreto, para servir com fervor a causa divina de atrair a malta para a sua obra evangélica”.
Veio esta crónica na sequência duma homenagem que foi feita a Velhas Glórias do Sporting Clube da Covilhã (SCC), em 28 de setembro daquele ano, de que fui o seu mentor, no seio da APAE Campos Melo, onde era dirigente, e numa altura em que não era fácil, como hoje, dar ênfase jornalística a este tipo de eventos. Viria assim a sair a 2ª edição do meu primeiro livro sobre os Leões da Serra, em 3 de março de 1992, com a inserção deste evento, já que da 1ª edição, muito limitada, foi objeto de oferta de um exemplar a todas as Velhas Glórias presentes nesta célebre primeira homenagem, as quais se deslocaram de vários pontos do País; e às entidades e outros convidados. Houve grande destaque em toda a Comunicação Social, escrita e falada.
Tive, assim, o prazer de fazer inserir esta interessante crónica de Júlio Freches, na página 653 da obra então saída.
Na sua maior parte, os homenageados que estiveram presentes naquele memorável dia de festa; da iniciativa e a expensas da APAE, e recebidos no Salão Nobre da Câmara Municipal, em tempos difíceis da vida da coletividade serrana, num paradoxo em que, apesar da festa, havia algo de tristeza nas gentes serranas pelas notícias de que o clube passava então, em que, inclusive, até as taças da sua sala de troféus se encontravam penhoradas; já não fazem parte do número dos vivos. Fica, assim, a saudade.
No âmbito do dirigismo do clube serrano, foi uma das Velhas Glórias já falecidas – José de Sousa Gaspar –, seu antigo Presidente da Direção, que teve a amabilidade de aceitar fazer o prefácio de “Subsídios para a História do Sporting Clube da Covilhã”.
É a José de Sousa Gaspar, que, tendo sido meu bom amigo, dedico o texto a seguir, que escrevi nas Penhas da Saúde, no dia 1 de setembro de 2008, onde me encontrava de férias, e ele também, com os seus sobrinhos. E aos Leões da Serra que, nesta época, está a fazer um bom Campeonato, num almejo de alcançar a I Liga do Futebol Português. Neste agigantar, não perca a vereda para o caminho desejado e que, aí, crie um baluarte.
2 - São dez e vinte da manhã de sábado e ainda quase todos se encontram no vale de lençóis. Sento-me numa pedra e estendo os olhos para o horizonte, à minha direita. Ali, o ruído da água que corre, algo lenta, num regato. O ladrar dos cães, ao longe. Uma senhora que passa com um carrinho de bebé, e lá surge um casal a aproveitar o ar fresco e salutar da manhã, caminhando duma vereda de giestas.
Um dia lindo, de sol, com um leve ventinho a condizer, e com a alegria da Natureza.
As casas continuam em sossego, com um outro ruído pela passagem de um carro. No Café Estrela, e no Lindeza, ainda não se vislumbra gente para a bica matinal.
Os pássaros dão-me os bons-dias, ao passar por debaixo das árvores. Estas, orgulhosas da sua fotossíntese, ou seja, da sua função clorofilina, para o seu verdejar, como que numa saudação ao principal clube citadino, vão-se afunilando em forma de catedral, como que a simbolizar a sede da coletividade serrana. Aqui e ali, salpicos de amarelo de relva bravia.
A água continua a correr tranquila, sobre umas pedras que vão surgindo, imóveis no seu banho perene, surgindo, aqui e ali, em direção ao vale, em pequenos rápidos, ou cascatas.
A ponte de pedra de acesso à zona do casario onde se situa o Café Estrela e a desaparecida piscina é de paragem para alguns companheiros. Avistam-se as traseiras do hotel e os bungalows. Alguns bocadinhos de terrenos cultivados. Como é bonita a Natureza! Como é linda a Serra da Estrela!
Enquanto subo uma vereda, as borboletas multicolores vão beijando o chão, no caminho até à estrada alcatroada. Um pássaro assustado levanta voo à frente do nosso lento caminhar, enquanto nos aproximamos da estrada onde passam dois ciclistas.
Uma caminhada destas no sossego matinal, na apreciação indelével, na reflexão, é uma autêntica ovação a Deus!
Na esplanada d’“O Pastor”, um cafezinho com a leitura do jornal. Descendo a Pousada da Juventude, com uma placa por detrás que indica “Baldios das Cortes do Meio – Curral do Vento”, outrora fôra a Colónia Infantil da Montanha, onde estive numas férias, na adolescência, transportado, juntamente com um irmão e irmã mais velha, e muita outra criançada, em camionetas de caixa aberta da Câmara Municipal.
O autocarro da Auto Transportes do Fundão aguarda, fazendo lembrar as antigas camionetas do José Nunes Correia & Filhos, Lda, cujos escritórios e oficinas se situavam ao fundo da Escola Industrial, junto à Cadeia, no términus da Rua Vasco da Gama, no cruzamento com a Calçada Alta, e, ao fundo, uma rua estreita de terra batida, com casas baixinhas, de um só piso, chamada Rua Cruz da Rata.
Numa zona de pequenas propriedades – quintas – exploradas pelo casal Carrola, ali perto se fazia um mercado de suínos, e, mais abaixo, numa outra quinta – da D. Glória – foi aí construído o então novo Liceu. Em frente, a Escola Industrial.

Mas, neste alongar de recordações de tempos de outrora, na inspiração dos ares puros e fortes da Serra da Estrela, com as memórias do Sporting da Covilhã nos tempos áureas da I Divisão Nacional, regressa o pensamento ao local inicial – as Penhas da Saúde – e, já um tanto ou quanto perto, vejo um grupo de amigos passeando na estrada. Após os cumprimentos surge a conversa com o sempre amável José de Sousa Gaspar. Desta vez, a recordação do que é e o que foi a Serra da Estrela!... E, como não podia deixar de ser, também o nosso Sporting da Covilhã. Estavam ali, de facto, dois “Sócios de Mérito” dos Leões da Serra e, ele, também “Sócio de Mérito” da Associação de Futebol de Castelo Branco.

(In "O Combatente da Estrela", n.º 98, janeiro a abril de 2015)

SENTIR


É este o primeiro número do ano 2015 pelo que vai uma saudação para todos os antigos Combatentes, suas famílias, e quantos nos acompanham; quer como associados, amigos ou simpatizantes, quer como leitores deste órgão; nas memórias e consequências dum tempo das suas vidas, que jamais será dissipado.
O Combatente da Estrela pretende ser o transmissor, de todos os que se irmanam, desse SENTIR.
É, de facto, ao redor de um grupo de antigos Combatentes, a que se juntam outros que cumpriram o serviço militar obrigatório, e não foram mobilizados para o Ultramar, ou lhe deram continuidade, bem como situações diversas, nomeadamente as familiares, que, desta forma, se proporciona um certo conforto neste meio social em que todos são envolvidos.
 As vivências duma realidade passada, numa obstinação dos governantes de então, que preferiram ver a juventude portuguesa a servir de sustento para as suas pertinácias de manter um império a qualquer preço, sobrepuseram-se, nas suas mentes governativas, àquilo que viria a ser muito penoso para a vida de muitos antigos Combatentes, e suas famílias. Uns pagaram esse preço com a sua vida; outros, com o sofrimento contínuo das suas incapacidades físicas; outros ainda, e quase todos, na envolvência de problemas de stress pós-traumático.
Só após a Revolução dos Cravos se reuniram de imediato consensos políticos para se evitar mais sofrimento e perdas humanas, tanto para um lado como para o outro, reunindo os irmãos desavindos na fraternidade de um acordo de aderência à compreensão.
No entanto, das passagens pelo terror surgem hoje más memórias, com todos os efeitos nefastos que se fizeram sentir.
Certamente que, também hoje, em tempo de democracia, as condutas dos homens que conduziram os destinos da Nação de outrora, seriam impensáveis, naqueles moldes em que toda uma juventude dos anos 60, e primeira metade dos anos 70, se viu constrangida a uma obrigação, pegando em armas, deixando empregos ou adiando a entrada nos mesmos; deixando famílias, fossem casados ou solteiros; e alguns mesmo com maleitas.
Neste ambiente de muita confraternização que vai existindo ao redor duma Liga de Combatentes, já com Tertúlias que, no caso covilhanense, vai engrossando em número, quase sempre ultrapassando a centena; ainda que independente do Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes; surgem muitas amizades. Afinal, todos viveram, duma forma ou doutra, situações adversas com que não contavam. É assim aqui um ponto de encontro, um escape, um qualquer lenitivo.
Outros eventos de cariz recreativo se vão espraiando por outros lugares, para arejo mental, descobrindo ou recordando encantos duma parte do Globo, ao invés das picadas por que muitos Camaradas passaram, noutras zonas deste Planeta. Há sempre o SENTIR de camaradagem nestes ambientes, também gerador de amizades.
O SENTIR, de dentro para fora e de fora para dentro. O antigo Combatente, que foi mais ou menos sofredor, chegou à conclusão que o stress pós-traumático, como atrás foi referido, com maior ou menor incidência, tem-no dentro de si, e, consequentemente, afeta também a sua família. É assim que, esta perene impressão, física ou moral, esta sensibilidade, leva também a olharmos de dentro do nosso íntimo para o Camarada que carece de apoio, porque a sua tranquilidade não existe, dia e noite. E aí está a ação de uma Psicóloga, que tem ajudado, num esforço de atenuar problemas psicológicos, muitos antigos Combatentes.
O SENTIR, dentro do espírito dos responsáveis da Liga dos Combatentes, extravasa tudo o que possa ser a interioridade de um bem-estar pessoal, e pensa nos Camaradas que morrem, tentando a sua junção, no local próprio, em terreno adquirido no Cemitério.
Mas também é de fora para dentro que o antigo Combatente Covilhanense vai encontrar algum bálsamo divino, nas preces para sufragar as almas dos mortos, e no agradecimento à Virgem, em Fátima, com uma Peregrinação anual, exclusiva do Núcleo da Covilhã, bastante concorrida.
Neste SENTIR do antigo Combatente, que o foi por obrigação e não por vontade própria, terminada que foi a guerra, dele emergiu a amizade, uma amizade entre irmãos que se procuravam eliminar entre si. E até uma nostalgia de passagem pelos lugares sofredores, físicos ou psicológicos, onde as suas vidas poderiam ter o prazo de validade consumado.
Alguns já se deslocaram às antigas Colónias, onde estiveram como militares, em missões mais sensíveis, enquanto outros, naquela de nostalgia, e num rasto de amizade granjeada, ali se deslocam e levam algo do que os africanos mais necessitam, como roupa, calçado ou material didático.
Neste mês de abril, o antigo Combatente Francisco José Rebelo Pereira Nina, desloca-se, pela quarta vez, à Guiné, com custos seus, onde cumpriu a sua missão, de 1972 a 1974.
É sempre com grande entusiasmo que ele, e a comitiva onde se integra, é recebido pelos guineenses, reforçando sempre a amizade.
Afinal, uma guerra terrível em três frentes iniciais que o foi, para quê? A mesma não poderia ter sido evitada? Evidentemente que sim.
Se ela não existisse, não estaríamos integrados na Liga dos Combatentes porquanto, atualmente, já serão somente os Combatentes das Guerras de África que dão força à sua existência.
Se não existisse a Liga dos Combatentes era sinal de que tínhamos vivido sempre em paz. 

(In "O Combatente da Estrela", N.º 98, Janeiro a Abril de 2015)

15 de abril de 2015

É PRECISO COLORIR O 25 DE ABRIL

Os campos também eram verdejantes. Aqui e ali por vezes amarelecidos pelo abandono dos que neles trabalhavam. A emigração fazia vestir de cinza os que partiam, e cinza escuro os que ficavam. O céu azul por vezes criava uma pequena auréola, ou se toldava da fumarada de muitos que, pensativos, sem feitio ou arrojo para passarem de assalto a fronteira, permaneciam taciturnos, no contínuo de uma cigarrada e um copo de três. E o que havia ido às sortes via o tempo acelerar. Bem depressa chegava a altura de ir à Câmara Municipal buscar as guias de marcha para partir no comboio que o havia de transportar o mais próximo do quartel. Aí iria fazer a recruta. Que passava depressa. E a especialidade era um ai, noutra unidade militar. A ordem de serviço do quartel dava-lhe a notícia de que estava mobilizado. Na estação de caminho-de-ferro tapava os ouvidos e cerrava os olhos para não ouvir, e nem sequer ver aquele que também chorava, no acompanhamento do choro dos familiares, na despedida para o Ultramar. Era para uma missão de soberania!
As notícias ocultavam-se neste país de brandos costumes, que isto de ser apanhado na fronteira, como compelido, refratário ou desertor, no processo a instaurar por via do Regulamento de Disciplina Militar, lá teria que responder que “aos costumes disse nada”.
Os que por cá foram passando à peluda viam chegado o tempo de procurarem um novo emprego. Melhor. Mais remunerado e com possibilidade de subir na carreira. O êxodo dos que trabalhavam na função pública era um tanto ou quanto flagrante. Não interessava tanto este emprego, quase garantido para toda a vida. Aqui, era preciso ter o 5.º ano liceal, ou equivalente, para ter acesso na carreira. Mas, num armazém de lanifícios, ou num escritório, com a 4.ª classe tinha-se possibilidade de ganhar o dobro. A apetência era então pelo setor bancário. Também se concorria para a TAP, a CUF e outras empresas de alto gabarito. Mas, passados anos, alguns ainda que com cursos industriais, mandaram os mesmos às malvas, que a indústria então já não é o que era, e encaixavam-se na Segurança Social, num Banco, numa Seguradora, num Centro de Emprego…
Os noticiários e toda a comunicação social, falada ou escrita, sofriam ainda o domínio da censura. Era também o tempo da Guerra Fria. Passando ao lado da mesma, e, na sequência da nossa guerra, lá se sabia que o Zé, da aldeia, também foi chamado para ir formar Batalhão, para Angola, para Moçambique, para a Guiné.
A Pide, o assassínio do General Humberto Delgado, o assalto ao paquete “Santa Maria”, e ao quartel de Beja, ainda não estavam esquecidos. Produziam-se cores negras.
“Cuidado com as conversas aqui porque há por aí bufos da Pide” – voz amiga avisava, baixinho, ao ouvido, no Café Central, do Neve Hotel, já desaparecido da Covilhã. Como também nos já desaparecidos cafés de referência citadinos – o Montalto, o Leitão, a Pastelaria Lisbonense, A Triunfo (ao Jardim), o Danúbio. Mantém-se somente o café Montanha.
Era a altura de se ouvirem, muito em segredo, à noite, as proibidas “Rádio Liberdade” ou “Rádio Portugal Livre”, da Argélia, que se iniciou em 12 de março de 1962.
Os terríveis anos 60 e primeiros de 70 continuavam a fazer jorrar uma juventude lançada numa guerra sem sentido. A revolta, tantas vezes traduzida em stress pós-traumático, dos que regressaram com vida, era quase sempre ofuscada pelos próprios. Mas a morbidez da continuidade duma guerra em várias frentes, começava a assustar as futuras gerações.
Ia-se adivinhando que alguma coisa teria que mudar, ainda que à força. A oposição democrática, no Congresso de Aveiro, decidiu não participar nas eleições fantoches. Estávamos em 1973.
No Teatro-Cine da Covilhã, homens e mulheres afetos à União Nacional e a Marcelo Caetano, que gostavam das suas “Conversas em Família”, na RTP, ouviam agora as vozes vibrantes dos seus oradores, entre os quais o deputado pelo círculo de Castelo Branco, Dr. Rui Pontífice de Sousa, do Tortosendo, que viria a falecer de acidente automóvel, pouco tempo depois. No raio de alguns metros, também no Pelourinho, num andar já demolido do extinto Neve Hotel, reunia-se um grupo de oposicionistas, da Comissão Democrática Eleitoral (CDE). Também lá estive.
Na Guiné, o General Spínola começava a dar nas vistas. O seu livro “Portugal e o Futuro”, veio dar uma ajuda à reviravolta, abalando o regime ditatorial. O 25 de abril de 1974 aproximava-se!
No dia 14 de março, Marcelo Caetano recebia oficiais-generais dos três ramos das Forças Armadas, numa reunião que ficou conhecida como “Brigada do Reumático”, no intuito de tentar provar que o regime tinha tudo sob controlo. No dia seguinte, eu lia em Lisboa, no “Diário de Notícias”, a notícia da demissão dos generais Costa Gomes e António de Spínola por se terem recusado a participar naquela reunião.
Na manhã daquele sábado, 16 de março, no regresso à Covilhã, algures na estrada, cruzámo-nos com uma coluna militar, todos de semblante carregado. Vinha eu de boleia com o amigo Humberto Andrade. Só mais tarde viemos a saber ter-se tratado do golpe militar, falhado, do Regimento de Infantaria 5, de Caldas da Rainha, que marchava sobre Lisboa.
Mas, na 2.ª feira, 18 de março, a censura prévia acabaria por ser iludida pelo jornal “República”, duma forma brilhante, para comentar a revolta das Caldas, como poderemos ver, aproveitando a derrota do F.C. Porto, na deslocação ao Estádio de Alvalade, com o Sporting, por 2-0: “Os muitos nortenhos que no fim-de-semana avançaram até Lisboa, sonhando com a vitória, acabaram por retirar, desiludidos pela derrota. O adversário da capital, mais bem organizado e apetrechado (sobretudo bem informado da estratégia), contando ainda com uma assistência fiel, fez abortar os intentos dos homens do Norte. Mas, parafraseando o que em tempos dissera um astuto comandante, “perdeu-se uma batalha mas não se perdeu a guerra”…
Entretanto, num outro fim-de-semana, também no meu regresso de Lisboa para a Covilhã, de âmbito profissional (acompanhava-me na viagem o Joaquim Cravino, que cumpria serviço militar), na habitual paragem em Ponte de Sor (ainda não havia a A23), o proprietário do café onde entrámos, conhecido por oposicionista ao regime, fazia questão de nos informar e orgulhava-se de já ter adquirido o livro do General Spínola. Era a revolta que extravasava principalmente na classe média.
E, finalmente, às 22,55 horas do dia 24 de abril, os Emissores Associados de Lisboa transmitiam a canção “E Depois do Adeus”, de Paulo de Carvalho, primeiro sinal do MFA, confirmando que tudo corria bem. No dia seguinte era o 25 de abril que a todos deixou deslumbrados.
E, porque a partir daqui já muito foi fito, e redito, ficam no pensamento todas as cores com que se festejou este grande acontecimento, pelo País fora, e não só. Entretanto, jamais pensaríamos que, volvidos 41 anos, Portugal retrocedesse tanto nos ideais da Revolução dos Cravos, e que hoje, as cores do 25 de abril tenham desmaiado fortemente.

Os cravos murcharam! É preciso voltar a fazer colorir o 25 de abril!

(In "Notícias da Covilhã", de 16-04-2015)

14 de abril de 2015

O FAZ-DE-CONTA

Nunca estivemos tão rodeados de um ambiente de fantasia ou fingimento, neste mundo da imaginação, como nos tempos que vão correndo.
Certamente que muitos dos antigos, que já partiram para o além-mundo; esses homens em que a palavra, sem jura, era suficiente para ditar lei; se hoje assistissem a este estado de coisas, não deixariam de ter um bocejo, e, contemplativos com estas vivências, ficariam atónitos.
Estamos vivendo num tempo em que faz-de-conta que tudo corre normalmente; faz-de-conta que nada aconteceu de mal que nos atormente.
E, pasme-se, até faz-de-conta que na terra d’el-rei D. Aníbal I, e do 1º Ministro, Marquês Passos, há presos políticos quando existem, mais precisamente, políticos presos.
“O que hoje é verdade, amanhã é mentira”, foi uma expressão tomada por um antigo dirigente desportivo vimaranense, sendo certo que, tal conduta paradoxal, ainda hoje continua. Vamos ficando cada vez mais incrédulos e desacreditamos em tudo; enfadados e aborrecidos.
Não há respeito pelas ideias e convicções de cada um, neste país democrático, em que a democracia tantas vezes é amordaçada mesmo por aqueles que a apregoam.
Dar a cara, para alguns, passou a ser uma atitude de medrosos, e, então, vai daí, opta-se pela pusilanimidade, agora muito em voga em blogues anónimos; ou, então, em figuras fictícias (qual método pidesco) introduzidas nas redes sociais, nomeadamente no facebook. Com esta infame encarnação, neste faz-de-conta de que é real, procuram estar atentos ao corrente das ideias “subversivas” daqueles onde se intrometem como “amigos”, ou de quem os rodeiam, e, sempre que possível, no ensejo para lançar farpas aos seus adversários, transformados em inimigos.
Muitos são os que subiram à montanha, com os seus apaniguados, e pregaram o sermão anunciando ter sido eleitos para a todos servir, mas depois deixaram de conhecer o significado “sem exceção”. E o ódio é a arma que passa a imperar, por via de insultos, e outras formas grotescas de se evidenciarem, numa chamada de atenção para aquilo que foram, que fizeram, da obra feita e inacabada. Em vez de ajudar a cidade e seu concelho, talvez lá na sua intimidade exista um certo desejo de ver a terra queimada, para depois, talvez um dia, surgirem regressados como os salvadores da Pátria.
Será que, por outras bandas deste Portugal, esta conduta dos derrotados é tão acirrada; numa ajuda ao descrédito da Terra cujos destinos geriram anteriormente; proporcionando assim o aproveitamento de outras, onde os interessados se vão instalar, por haver menos alarido?
Entretanto, nesta cena boçal, cai o pano deste 1º ato.
E a peça recomeça com o 2.º ato, neste faz-de-conta que ele não existe. Os atores são agora outros. Também quiseram subir à montanha, e, com o seu sermão diferente, que fez reunir mais discípulos, verificou-se que os mesmos se dividiram porque começaram a falar outras línguas, e, por isso, nem todos se entendiam.
Depois de algumas traduções do sermão da montanha, alguns aderiram, por partes, à voz apelativa do senhor do cajado. Não se esqueceram que a peça se intitulava “Faz-de-Conta”, e, vai daí, começaram a encenar.
Através de um pequeno janelo ouvem-se vozes que querem interromper a peça. Um dos atores diz que “Faz-de-conta” que não ouviu; outro dos atores diz que “Faz-de-conta” que é legal; e, um terceiro ator, mais afoito: "Faz-de-Conta” que precisamos de mais quatro atrizes. E, ainda um último ator referiu: “Faz-de-conta” que as atrizes nos exigiram 2500 euros mensais; que as “girls” foram um contributo municipal para o “Dia Internacional da Mulher”.
Bom, isto não teria nada de anormal se não fosse o “Faz-de-Conta” que, no poder, a qualquer nível, são todos iguais!... ou, pelo menos, parecidos.
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Pois é assim, senhora arquiteta Helena Roseta, Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, não é só aí, por esses ares lisboetas, Tejo à vista (nós também cá temos o Zêzere que o faz engrossar) que os partidos “estão muito condicionados” e por isso “deixaram de ser espaços de liberdade”. Por todo o Portugal, e nesta região beirã, há mas é liberdade a mais, e, assim, já estou na mesma linha da sua interrogação: “Querem que na política só estejam, ricos e corruptos?”
É por estas e por outras é que, segundo um estudo realizado pelas Seleções do Reader’s Digest, é a política uma das áreas em que os portugueses menos confiam, numa percentagem de noventa e seis por cento. Assim é na política atual. Enquanto se está no poleiro é que é de aproveitar. Faz-de-conta que é para bem do povo. Que o mesmo é sereno e, isto de alaridos é só fumaça.
Talvez fosse novamente oportuno surgir o discurso do Zé Povinho e o reaparecimento de “Os Ridículos”, para animar a turba, que anda desanimada.

Neste descrédito, até rogo aos Prezados Leitores o favor de “fazerem-de-conta” que nem sequer escrevi este texto.

(In "fórum Covilhã", de 14-04-2015)