25 de junho de 2025

A REVOLUÇÃO DO SONO



 

Acabei de ler este livro, da grega Arianna Huffington, que explica por que razão estamos tão cansados – e como isso pode mudar.

Eu e a minha mulher somos pessoas que sempre dormimos pouco. Dormir sete horas consecutivas é, para nós, de difícil concretização. Nem mesmo a medicação destinada a esse fim, muitas vezes, produz os efeitos desejados.

Vivemos cansados, estamos habituados ao cansaço e achamos que ele é o preço a pagar para alcançarmos o sucesso e atingirmos os nossos objetivos pessoais e profissionais. Estamos, de facto, numa crise de privação de sono, que tem impacto profundo na nossa qualidade de vida.

O sono é um elemento-chave do nosso bem-estar e interage profundamente com todas as outras dimensões da saúde. A principal mensagem deste livro é clara: assim que se começa a dormir sete ou oito horas por noite, torna-se mais fácil meditar, fazer exercício físico, tomar decisões mais inteligentes e estabelecer conexões mais profundas connosco próprios e com os outros.

Ao mesmo tempo que a ciência do sono avança, sentimos uma necessidade urgente de redescobrir o seu mistério. Cada noite pode ser um lembrete de que somos mais do que a soma dos nossos sucessos e fracassos.

Estamos realmente a viver uma crise do sono. Mais de 40% dos norte-americanos dormem menos do que o mínimo recomendado de sete horas por noite – e as estatísticas no resto do mundo são semelhantes ou até piores.

Na história do sono, só agora estamos a começar a sair de uma fase que teve início com a Revolução Industrial, altura em que o sono passou a ser visto apenas como um obstáculo ao trabalho. O século XX viu o movimento operário lutar contra essa invasão da vida pessoal, e mais tarde, com o surgimento da nova ciência do sono, começámos a compreender que ele está profundamente ligado a todos os aspetos do trabalho na nossa vida pessoal. E mais tarde, com o nascimento da nova ciência do sono, começámos a descobrir que este está, na realidade, profundamente ligado a todos os aspetos da saúde física e mental. A falta de sono está associada a um maior risco de diabetes, obesidade e da doença de Alzheimer. Devemos, pois, estar atentos a perturbações do sono, como a apneia, a insónia e até à curiosa “síndrome da cabeça explosiva” – sim, é mesmo esse o nome científico.

A nossa atual crise de sono

Sarvshreshth Gupta era analista de primeiro ano na Goldman Sachs, em S. Francisco, em 2015. Esmagado por semanas de trabalho de cem horas, decidiu sair do banco em março. Pouco depois, regressou – não se sabe ao certo se por vontade própria ou por pressão. Uma semana depois, ligou ao pai, às 2h40 da manhã. Disse que não dormia há dois dias, que estava a terminar uma apresentação e a preparar-se para uma reunião matinal – sozinho no escritório. O pai aconselhou-o a ir para casa, mas Gupta respondeu que ficaria apenas “mais um pouco”. Horas depois, foi encontrado morto na rua, em frente de casa. Saltara do arranha-céus onde vivia.

Segundo uma sondagem recente da Gallup, 40% dos adultos americanos dormem significativamente menos do que o mínimo recomendado – uma estatística já referida acima.

Dormir o suficiente, diz a Dra. Judith Owens, diretora do Centro para Perturbações do Sono Pediátricas do Hospital Infantil de Boston, é “tão importante como uma boa alimentação, a prática de atividade física e o uso do cinto de segurança”. Contudo, a maioria das pessoas subestima gravemente as suas necessidades de sono.

Um relatório da Fundação Nacional do Sono dos EUA confirma: dois terços das pessoas não dormem o suficiente durante a semana.

A crise é global. Em 2011, 32% dos inquiridos no Reino Unido disseram dormir, em média, menos de sete horas por noite nos seis meses anteriores. Em 2014 esse número subiu para 60%. Em 2013, mais de um terço dos alemães e dois terços dos japoneses afirmaram não dormir o suficiente durante uma semana.

Nos rankings das cidades onde se dorme menos, Tóquio lidera com perigosas 5 horas e 45 minutos por noite. Seul regista 6h03, o Dubai 6h13. Singapura 6h27, Hong Kong 6h29 e Las Vegas 6h32.

E para demasiadas pessoas, o ciclo vicioso da falta de dinheiro alimenta o ciclo da falta de sono. Se alguém trabalha em dois ou três empregos para sobreviver, “dormir mais” dificilmente será uma prioridade.

As mulheres precisam de mais horas de sono do que os homens e, por isso, os efeitos da privação de sono nelas são ainda mais nocivos, tanto a nível físico como mental.

Se o esgotamento é a doença da civilização moderna, a privação do sono é uma das suas principais causas. É um paradoxo da vida contemporânea: vivemos exaustos e, mesmo assim, não conseguimos dormir – o que nos deixa ainda mais exaustos no dia seguinte, e no seguinte, e no seguinte…

Existe, inclusive, uma indústria inteira dedicada a facilitar o sono. Só em 2014, nos EUA, foram prescritas mais de 55 milhões de receitas de comprimidos para dormir, com vendas superiores a 897 milhões de euros. Um relatório de 2013 dos Centros para Controlo e Prevenção e Doenças (CDC) concluiu que 9 milhões de americanos – 4% da população adulta – usam regularmente estes fármacos. As mulheres são as principais consumidoras; o consumo aumenta com a idade e o nível de escolaridade, e os adultos brancos consomem mais do que qualquer outro grupo étnico.

O café e o chá já existem há séculos. Valorizamo-los pela capacidade de nos manterem despertos, mas muitas culturas também os associam a momentos de pausa, contemplação e sociabilidade – como o famoso coffe break ou a cerimónia do chá japonesa. São rituais que nos convidam a parar.

Dormir é um dos grandes temas recorrentes na história da Humanidade. E, nas últimas décadas, a ciência tem vindo a validar muito da sabedoria ancestral sobre a importância do sono.

As quatro etapas do sono

Depois de finalmente adormecermos, percorremos quatro etapas distintas, cada uma com  

diferentes padrões de ondas cerebrais – que refletem o nível de atividade elétrica do cérebro.

1.      Primeira etapa – Sono leve: transição entre a vigília e o sono. Ainda é fácil acordar; os olhos e os músculos continuam a mover-se.

2.      Segunda etapa – Sono moderado: o movimento ocular abranda até parar; a temperatura corporal começa a baixar.

3.      Terceira etapa – Sono profundo (ou sono delta): o cérebro produz ondas lentas e amplas. Nesta fase, os movimentos oculares e musculares cessam quase por completo, e acordar é muito difícil. Se o fizermos, sentimo-nos desorientados. É nesta etapa que ocorrem fenómenos como o sonambulismo e o falar durante o sono.

 

Nota: embora se diga que os sonâmbulos não devem ser acordados, é mais seguro acordá-los com suavidade e levá-los de volta à cama, devido ao risco de comportamentos imprevisíveis.

 

4.      Quarta etapa – Sono REM (Rapid Eye Movement): inicia-se a cerca de 90 minutos após adormecermos. A respiração acelera, a pressão arterial e os batimentos cardíacos aumentam, e as ondas cerebrais tornam-se semelhantes às do estado da vigília. Nesta fase os músculos ficam paralisados. É também quando ocorrem a maioria dos sonhos – e é mais fácil recordá-los se formos acordados neste momento.

Sono, memória e função cognitiva

A ciência começa também a desvendar a ligação entre o sono e memória. Um estudo recente da Universidade da Califórnia, em Berkeley, revelou uma correlação entre privação de sono e défices de memória, relacionados com a acumulação da proteína beta-amiloide – tida como uma das causas da doença de Alzheimer.

A prática das sestas ainda carrega o estigma cultural de preguiça, mas os seus benefícios são conhecidos por muitos líderes ao longo da história:

-  Margaret Thatcher exigia não ser incomodada entre as 14h30 às 15h30.

- John F. Kennedy fazia uma longa soneca diária (e tinha uma cama no Air Force One).

- Charlie Rose, apresentador, que jura fazer até três sestas por dia para estar no seu melhor no ar, chegou a dormir no carro (com uma máscara de olhos) a caminho de entrevistar Vladimir Putin em Moscovo, em 2015.

- Winston Churchill é considerado o inventor do termo “sestas de energia”.

-  O Papa Francisco não foi apenas um líder espiritual global, foi também um embaixador itinerante das sestas. “Eu tiro os sapatos”, disse o Papa, “e deito-me na cama para descansar”.

- E outro líder espiritual, o Dalai Lama, compreende tanto o poder de uma sesta como o do sono em geral.

No reino animal, o sono também é essencial. O poder do sono no reino animal é exemplificado pela chita. É o animal terrestre mais rápido do planeta – capaz de acelerar de zero a 96 Km por hora em apenas três segundos – dorme até 18 horas por dia.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

 

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 25-06-2025)

 

20 de junho de 2025

ADORMECER EM SERVIÇO

 

Recentemente, li no meu jornal de eleição, um artigo intitulado: “Adormecer em serviço é grave? Na GNR é crime e dá direito a julgamento”.

A leitura trouxe-me à memória alguns episódios, uns hilariantes, outros mais sérios, que recordo de experiências pessoais e que já relatei em artigos e livros.

No artigo de Ana Henriques, no Público, referia-se que a GNR instaura processos-crime a militares apanhados a dormir em serviço, mesmo quando sujeitos a jornadas prolongadas.

“Uma só condenação, alerta o líder da Associação de Profissionais da Guarda, pode deitar por terra a carreira de um guarda exemplar”. Um dos casos mais recentes deu-se na zona fronteiriça de Serpa, numa madrugada próxima do Natal de 2023. Um cabo e três guardas andavam em missão de vigilância há vários dias por causa de um gang, que tinham andado por ali a assaltar residências. Estranhando o silêncio nos rádios-patrulha, cinco colegas foram à sua procura. Eram 2h50 quando encontraram, num sítio ermo junto a um cruzamento na zona de São Marcos, dois veículos de serviço com os militares reclinados lá dentro. As “flashadas” que deram com as lanternas à primeira dupla não surtiam efeito. “Tentámos fazer algum barulho, de forma a não os assustar, pois poderiam ter algum tipo de reação adversa”, resume o relatório oficial dos acontecimentos feito por um dos homens, que se disse incrédulo com o que tinha presenciado. Foi preciso esperarem 15 minutos para que despertassem. Já os militares do segundo veículo “acordaram sobressaltados e de imediato” com as “flashadas”, tendo os seus ocupantes “justificado a situação com o cansaço”.

Dadas as circunstâncias, três magistrados – entre os quais um juiz militar – decidiram absolver os arguidos, que contam com vários louvores no currículo, do crime do incumprimento dos deveres de serviço, até porque não ficou provado que todos os quatro estivessem adormecidos.

No nº. 107, de julho a setembro de 2017, d’ O Combatente da Estrela, publiquei um artigo sob o título “A sentinela dormia”. Numa forma preambular, fazia então referência à “violação dos perímetros de segurança dos Paióis Nacionais de Tancos e o arrombamento de dois “paiolins”, tendo desaparecido granadas de mão, munições e granadas foguete anticarro”. No Público de 2 de julho desse mesmo ano referia em título de grandes parangonas: “Tancos esteve 20 horas sem ronda de vigilância na noite do assalto”.

Ao escrever este texto recordei-me de algo ocorrido comigo quando cumpria serviço militar obrigatório no Regimento de Artilharia Ligeira (RAL 4), em Leiria, no contexto de segurança.

Estávamos em 1969, e, de serviço de Sargento de Dia, coube-me também nesse dia a obrigação de fazer a ronda noturna a uma zona de paióis e guarda de obuses obsoletos, fora da cerca do quartel, numa distância de cerca de um km. Eram umas quatro horas da manhã. Ao aproximar-me do local onde estaria a sentinela, que não dava sinal de vida, e estava escuro, fui-me aproximando, já receoso não me fosse pregar alguma partida, já que não respondia à minha voz que lhe lançava – “Sargento de Ronda!!!”, com a senha que me deveria responder para depois eu concluir com a contrassenha.

Continuei a caminhar, cada vez mais devagar, até que lobriguei, mais adiante, deitado no chão (era verão), a sentinela com a arma G3 a seu lado, enquanto ressonava.

- Este gajo está a dormir, porra!  - Disse para comigo. Agarrei na G3 e deixei-lhe ficar só o capacete. Dei-lhe dois pontapés – e nada! Dei-lhe dois mais fortes – e nada!

De pistola à cintura e a G3 ao ombro regressava ao quartel para apresentar o caso ao oficial de dia.

Num reflexo de não querer prejudicar o militar, voltei atrás – ele continuava a dormir – e entrei na caserna onde estavam seis soldados a dormir nas camaratas de ferro. Como lhes acendi a luz, perguntei se estava tudo bem. Disseram-me que sim. Mostrei-lhes a G3 da sentinela e disse-lhes que ia entregá-la ao oficial de dia.

Eles lá foram acordar o soldado em transgressão, enquanto eu regressava ao quartel. Dei então conta que a sentinela veio atrás de mim a pedir desculpa, por todos os santos, e a  pedir-me a arma. Anuí por complacência e não registei nada no relatório do serviço.

Ainda neste contexto, trago parte de uma narrativa sob o título “Estórias com Professores”, que publiquei no Notícias da Covilhã, em 6 de março de 2014.

Lembro ainda uma peripécia dos meus tempos de estudante, no ano letivo de 1959/60 – 2º ano do Ciclo Preparatório. O arquiteto Manuel João Calais dá-nos aula de desenho. Duas horas seguidas, naquele grande salão onde cabiam várias turmas, masculinas e femininas. Início às 14 horas a seguir ao almoço dá o sono ao professor. Sobre a secretária deixa o seu peculiar relógio de bolso. Em certa aula o arquiteto é apanhado a dormir. Três dos seus alunos (João Riscado, da Covilhã; Craveiro, do Tortosendo e Francisco Sales, de Vale de Prazeres) sorrateiramente adiantam-lhe uma hora. Quando toca a campainha para o intervalo, o arquiteto olha para o relógio e, pensando que era o final, manda sair os alunos.

A sua colega, D. Etelvina, que tinha a sua turma ao lado, estranhando a saída mais cedo, pergunta ao professor o que se passava. No entanto, é descoberto o trio chico-esperto e o arquiteto reprova-os aplicando-lhe uma nota baixíssima.

Se fosse nos tempos que correm, isso não seria possível de fazer, penso eu.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In “O Olhanense”, de 15-06-2025)


6 de junho de 2025

AINDA OLIVENÇA

 

Depois de já me ter reportado a Olivença, cidade portuguesa retida pelos espanhóis, sob o título “Olivença e a Real Politik”, em outubro de 2024, volto à carga sobre um texto inserido no livro de Joaquim Vieira, intitulado “História Libidinosa de Portugal”.

Um indício de adultério na perda de Olivença.

Sucedendo a D. José em 1777, sua filha D. Maria I, a primeira mulher a sentar-se no trono de Portugal, empenhou-se numa política de apaziguamento, com vista a dissipar as tensões acumuladas no reinado do pai – em grande parte devido à inflexibilidade das ações do conde de Oeiras (promovido a marquês de Pombal em 1769).

Isso passou, desde logo, pela dispensa de Sebastião José de Carvalho e Melo da ação governativa, assim como pelo perdão aos dois meninos de Palhavã, exilados havia 17 anos no Buçaco. D. António e D. José não foram, porém, autorizados a regressar de imediato a Lisboa. Já o terceiro menino de Palhavã, D. Gaspar, arcebispo de Braga, que se deslocou à capital para felicitar a sobrinha pela ascensão ao trono, teve de passar por Coimbra antes de finalmente abraçar os meios-irmãos, depois de tanto tempo de forçada incomunicabilidade.

Na reabilitação dos bastardos de D. João V teve papel determinante o rei consorte – e também seu meio-irmão – agora com o título de D. Pedro III, após D. Gaspar (que passou então um ano em Lisboa) interceder a favor deles, por meio do confessor do marido de D. Maria I, o padre José Mayne. E, em janeiro de 1778, os banidos tiveram, por fim, autorização da sobrinha para regressarem ao Palácio de Palhavã, com vista à sua readmissão na corte. Um cronista testemunhou que foram acolhidos em Lisboa num ambiente de grande regozijo e “reintegrados em todas as suas honras, dignidades e prerrogativas”.

Em agosto desse ano, D. António e D. José visitaram D. Pedro III no Palácio de Queluz e, a partir de 1779, o mais velho esteve ao lado do rei consorte em diversas cerimónias religiosas realizadas no Palácio da Ajuda. Tudo indica, aliás, uma enorme proximidade entre o filho legítimo de D. João V e os meios-irmãos, o que remetia ao esquecimento a desconfiança recíproca existente no tempo de D. José I.

Mas a reintegração dos bastardos estava longe de ser total, como anotou, em 1786, o embaixador francês em Lisboa, o marquês Marc-Marie de Bombelles, ao relatar a Paris que não lhes havia sido concedido o tratamento de alteza (pelo que não podiam contactar o corpo diplomático) e que ambos levavam “uma vida muito retirada, muito triste, não tendo recuperado os bens que lhes tinham sido concedidos por seu pai e de que o marquês de Pombal os tinha esbulhado”.

Traumatizada pela desapiedada execução dos Távoras – com a qual nunca terá concordado –, D. Maria I tratou de reabilitar também a memória dos condenados e promover a revisão jurídica do processo, que se saldou pela ilibação de todos os perseguidos, exceto o duque de Aveiro, o único que teria tido responsabilidade na emboscada a D. José. Não se conclui, sequer, que a finalidade da ação consistisse em tirar a vida ao monarca. Julga-se, aliás, que a obsessão da rainha pelo caso, levando-a a revogar uma deliberação penal do pai, terá contribuído para afetar a sua sanidade mental – mais abalada ainda a partir de 1786 com o falecimento do marido –, a ponto de ser considerada inapta para reinar.

Tendo morrido em 1788 o seu primogénito (destino que, em 1763, já tivera o segundo, D. João Francisco, falecido menos de um mês após o nascimento), foi o terceiro descendente, D. João, quem assumiu a governação a partir de 1792, aos 25 anos, e a regência sete anos mais tarde, por absoluta incapacidade da mãe.

Foi já o príncipe regente que, a 4 de fevereiro de 1801, concluiu o processo de reabilitação total dos “tios de Sua Majestade” (como eram designados), D. António e D. José, considerando-os “limpos de toda a mancha” quanto aos crimes que o marquês de Pombal lhes imputara quatro décadas antes e enaltecendo “a regularidade de suas vidas e a pureza de seus costumes, em todo o tempo exemplares”.

D. António, falecido no ano anterior (já como cavaleiro da Ordem de Cristo), não pôde sentir o consolo, mas D. José (cavaleiro da Ordem de Avis desde 1789) ainda beneficiou do novo estatuto, vindo a morrer meses mais tarde, aos 81 anos. Foram ambos sepultados no panteão dos Braganças, na Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa, em túmulos situados frente a frente.

O príncipe D. João, nesse mesmo ano de 1801, teve de lidar com mais um confronto armado entre Portugal e Espanha, do qual resultaria a perda permanente da praça de Olivença pelo mais pequeno dos países ibéricos (apesar de posteriores tratados internacionais obrigarem Madrid à sua devolução – o que nunca veio a suceder).

A designação da breve contenda poderá ter radicado em mais um caso de adultério régio, desta vez do lado de lá da fronteira. A 20 de maio, o exército espanhol desencadeou no norte do Alentejo uma ofensiva relâmpago sob a direção do próprio primeiro-ministro do rei Carlos IV, Manuel de Godoy, de quem se dizia ser amante da rainha, Maria Luísa de Parma. A ela, ele terá enviado um ramo de laranjeira colhido nos arredores de Évora para  informá-la da conquista de Olivença. Por essa razão, o conflito terá ficado conhecido como a Guerra das Laranjas.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 04-06-2025)

3 de junho de 2025

A VACINA CONTRA A LOUCURA


Depois de uma campanha eleitoral titubeante, que redundou num zénite de resultados alarmantes, onde as
fake news imperaram de forma quase teatral – por vezes hilariante e louca para alguns – valeu-nos o entusiasmo do futebol, com os nossos clubes de afeição a darem-nos outro frenesim, servindo de certo lenitivo.

“Da mesma forma que o coração tem que trabalhar sem parar para que continuemos vivos, cada um de nós tem que exercer cidadania para que o país continue a existir”,

- Elísio Macamo, sociólogo moçambicano, no podcast do Público Na Terra dos Cacos.

Segundo o jornalista António Rodrigues, do Público, os alarmes sobre os jovens cidadãos começaram a soar em fevereiro, quando a Autoridade Australiana para a Avaliação e Relatórios Curriculares revelou os piores resultados no teste de cidadania desde 2004: apenas 43% dos alunos do 6º. Ano e 28% do 10º ano mostraram-se proficientes. Uma descida acentuada em relação ao estudo de 2019.

Para Riddle e Samantha Mostyn – esta última governadora-geral da Austrália, representante do rei Carlos III – o país corre o risco de criar uma geração mais vulnerável à manipulação política. “A desinformação e a informação errada são o grande flagelo do nosso tempo”, afirmou Mostyn  à ABC, no início da sua missão para contrariar o fraco desempenho dos estudantes em matéria de cidadania.

Um novo modelo de ensino começou a ser implementado nas escolas australianas para combater a desinformação e aumentar a literacia mediática entre crianças e adolescentes. O objetivo é que aprendam a discernir facto da ficção, avaliando se uma notícia, um programa de televisão, um vídeo online ou uma publicação nas redes sociais é credível.

Segundo Elísio Macamo, citado por António Rodrigues, é urgente “julgar menos e analisar mais”, combatendo a “arrogância moral” de nos acharmos melhores que os outros.  A cidadania exige humildade, e “ser cidadão de um país significa fazer tudo para merecer sê-lo”. Como dizia o historiador maliano Amadou Hampâté Bâ:

 “Se sabes que não sabes, saberás.”

La Vacuna Contra la Insensatez – a Vacina Contra a Insensatez – é o título do livro recentemente publicado em Espanha, que nos oferece ferramentas para melhor compreender a realidade. “Urge reabilitar o pensamento crítico porque é uma das supervacinas” contra decisões tomadas sem verdadeira compreensão, afirmou o autor em entrevista à revista Lecturas.

“Se somos tão inteligentes, por que caímos em tanta estupidez e atrocidade? Por que nos deixamos manipular por falsas crenças, teorias de conspiração e preconceitos?”

A partir destas duas questões, o autor de Ética para Náufragos concebeu uma “vacina para proteger dos agentes patogénicos externos”, uma verdadeira vacina contra a loucura – uma imunização do espírito, para reforçar o pensamento crítico e para desarmar clichés aceites como dogmas.

Vivemos um momento crítico para o futuro da humanidade. Se a convergência entre engenharia genética, nanotecnologia, inteligência artificial e neurociência não for guiada por pensamento ético e humanista, como alerta Marina em entrevista ao El Periódico, corremos o risco de ver nascer monstros tecnológicos e sociais.

É preciso, pois, estarmos vacinados – contra a loucura e a insensatez.

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P. S.: Recebi na minha caixa do correio a vossa revista “100 Anos do S. C. Olhanense Campeão de Portugal – 1924 – 2024”, pela qual agradeço a amável deferência.

Li com interesse a breve resenha da história do Clube. Muito obrigado.

 

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-06-2025)

 


 

20 de maio de 2025

TORMENTOS DE DUAS FILIAIS DE UM GRANDE CLUBE


 
Naqueles tempos começaram a surgir clubes desportivos que entusiasmavam as suas gentes com o jogo da bola. Ainda não havia muitas distrações para ocupar o tempo de lazer. Os costumes no trajar e nos contactos sociais pouco variavam de região para região. Aos domingos, homens, senhoras, jovens e crianças envergavam os seus trajes domingueiros para passear em grupo ou ir à missa. Os homens usavam fato e gravata, mesmo no verão, colocando o casaco pelos ombros quando o calor apertava. As senhoras que iam à igreja cobriam a cabeça com um véu (o Concílio Vaticano II ainda não ocorrera). As meninas e senhoras ainda não usavam calças em vez de saias, pois era mal visto em muitos contextos sociais, escolares e religiosos. Foi apenas a partir dos anos 60 que algumas jovens urbanas e artistas começam a usar calças, influenciadas por modas estrangeiras. Nos anos 70, com o 25 de Abril de 1974 e o fim da ditadura, os costumes começaram a liberalizar-se rapidamente. As calças tornaram-se um símbolo da emancipação feminina, especialmente entre mulheres jovens e trabalhadoras. Surgiram os primeiros fatos de calça femininos para trabalho e eventos. A partir dos anos 80, o uso de calças generalizou-se a todos os contextos: escolas, universidades, trabalho, cerimónias. Tornaram-se uma peça padrão do guarda-roupa feminino, com a moda a diversificar-se: calças de ganga, formais, entre outras.

Nos campos desportivos, relvados ou pelados, os obreiros da redondinha deixaram de ser apenas brancos; começavam a surgir também jogadores negros. Hoje, em cidades, vilas e aldeias, e mesmo nos recantos mais isolados, reconhecemos a presença de um cosmopolitismo crescente.

Com o tempo, os clubes e as suas modalidades foram-se desenvolvendo. Os grandes clubes mantinham-se, ainda que com altos e baixos. Os médios lutavam por um lugar ao sol. Os pequenos foram desaparecendo à medida que as tempestades ameaçavam as suas frágeis embarcações.

Os grandes decidiram então criar filiais – uma forma de expandir o seu emblema, embora nem sempre os “afilhados” se mostrassem verdadeiros apaniguados.

Numa zona de montanha, tal como numa orla marítima, o desporto-rei já se encontrava bem implantado. Um dos grandes clubes integrou, com entusiasmo, uma filial na zona serrana –   a sua 8ª filial, fundada a 2 de junho de 1923. Na zona costeira, já havia sido criada a 4ª filial, a10 de janeiro do mesmo ano. Se os verde-e-brancos eram da serra, os rubro-negros pertenciam ao mar.

Ambos históricos, ambos enfrentaram turbulências ao longo dos anos, apesar de terem deixado nos seus anais páginas marcantes na história do desporto regional e nacional.  

No prestigiado quadro da 1ª Divisão (hoje chamada 1ª Liga), os serranos orgulham-se de 15 participações, enquanto os algarvios somam 19 presenças.

Os ventos quase fizeram naufragar a embarcação olhanense, mas felizmente cessaram. Hoje, o clube é liderado por homens de bravura, que expulsaram “a bicharada daninha” que o rodeava. Nas bandeiras desfraldadas lêem-se mensagens como: “Se existimos há 113 anos, não vamos morrer” e “Parabéns pelo 100.º aniversário do Campeonato de Portugal”. O diário, que é quinzenário, noticia o Algarve e o país, assinalando com garbo os seus 62 anos. Olá, 15 de maio de 2025!

Também os serranos enfrentaram uma ventania lamentável, até ao último jogo, sempre com os ouvidos atentos ao que se passava do outro lado do Atlântico.

Ficam os votos de que estas duas coletividades, marcadas no mapa de Portugal, saibam manter-se vigilantes, atentas e firmes no caminho certo.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-05-2025)

 



7 de maio de 2025

PONTIFICADOS AO LONGO DOS TEMPOS

 


Tive a felicidade de passar pelo tempo de sete Papas, desde Pio XII. Por isso, também tive oportunidade de escrever, várias vezes, sobre eles no âmbito de algumas particularidades.

Consideremos a mudança de nome. O primeiro Papa a mudar de nome foi S. Pedro, por iniciativa do próprio Cristo que lhe diz: “Tu és, Simão, filho de João; chamar-te-ás Cefas (que quer dizer pedra)” (Jo 1, 42).

De facto, ao prometer-lhe o Primado, Jesus diz: “Tu és pedra (Pedro, na tradução) e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16, 18).

Na lista dos sucessores, o primeiro a mudar de nome foi o Papa João II (533 – 535), pelo facto de se chamar Mercúrio, e achar impróprio o nome de um deus pagão num representante de Cristo.

Mais tarde, João XII (955 – 964), que se chamava Otaviano, tomou idêntica decisão; o mesmo faria João XIV (983 – 984) que, chamando-se Pedro, se julgou indigno do nome do Apóstolo.

A mudança do nome, no entanto, só começou a vigorar a partir de Bento VIII (1012 – 1024).

Não existe qualquer proibição de os Papas adotarem o nome de Pedro. Trata-se de simples tradição mantida como sinal de respeito.

Pontificados mais breves: Estêvão II – 4 dias; Urbano VII – 13 dias; Bonifácio VI – 15 dias; Celestino IV – 17 dias; Teodoro II – 20 dias; Marcelo II – 20 dias; Sisínio – 21 dias; Silvestre II – 22 dias; Dâmaso II – 22 dias; Pio III – 24 dias; Leão XI – 26 dias; Valentim – 28 dias; João Paulo I – 33 dias; Adrião – 39 dias; Gregório VIII – 58 dias; Inocêncio IX – 61 dias; Romano – 4 meses.

Pontificados mais longos: São Pedro – 37 (?) anos; Beato Pio IX – 32 anos; João Paulo II – 26 anos (em 26-10-2004); Leão XIII – 25 anos; Pio VI – 24 anos e seis meses; Adriano I – 24 anos; Pio VII – 23 anos e 5 meses; Alexandre III – 22 anos; Silvestre I – 21 anos; Leão Magno – 21 anos; Urbano VIII – quase 21 anos; Leão III – 20 anos e 6 meses; Clemente XI – 20 anos e 4 meses.

Papas que renunciaram: S. Ponciano (?) – em 235 (desterrado); João XVIII (?) – em 1009; Bento IX (?) – em 1045 (obrigado a fugir); Bento X – em 1058; Celestino V – em 1294; Gregório XII – 1415.

Papas eleitos sem ordenação sacerdotal, recebida apenas depois da eleição: Leão VIII; Bento XV (subdiácono); João XIX; Bento IX.

Papas Santos e Beatos: Os primeiros 54 Papas até S. Félix IV (526 – 530), à exceção de Libério (352 – 363) mereceram o título de Santos, a maior parte mártires.

A seguir, outros 27, até S. Pio X – 1903 – 1914, mereceram a mesma honra.

Além dos canonizados, foram outros beatificados, até que o Papa Francisco canonizou São João XXIII, São Paulo VI, São João Paulo II e beatificou João Paulo I.

Papa português: João XXI (Pedro Julião) foi o único Papa português. Presidiu ao governo da Igreja durante 8 meses (setembro de 1276 – maio de 1277). Nasceu em Lisboa (1215), numa época em que a cidade já fazia parte do reino de Portugal, sob o reinado de D. Afonso II. Foi médico, filósofo, teólogo e cientista. Morreu tragicamente em 20 de maio de 1277, devido ao desabamento e uma parte do palácio papal de Viterbo (Itália). Estava a trabalhar quando foi atingido por um teto que ruiu, vindo a morrer dias depois  devido aos ferimentos.

Outras particularidades: S. Gregório Magno (590 – 604) – Primeiro Papa a usar a expressão “servo dos servos de Deus” para se designar a si mesmo. Bonifácio IV (608 – 615) –  A 1 de novembro de 609 transformou o Panteão dos deuses pagãos, em Roma, em templo dedicado à Santíssima Virgem e a todos os mártires. Surgia assim a festa de “Todos os Santos”. S. Deodato I (615 – 618) – Terá começado com ele o costume de selar os documentos com um selo de chumbo em forma de medalha (em latim, “bula”). S. Vitalino (657 – 672) – terá sido este Papa a introduzir o uso do órgão nas cerimónias litúrgicas. Santo Agatão (678 – 681) – o Papa eleito em idade mais avançada (103 anos). S. Sérgio I (687 – 701) – terá introduzido o canto do “Cordeiro de Deus” na missa. Constantino I (708-715) – último Papa a visitar Constantinopla até Paulo VI. Silvestre II (999 – 1003) – é-lhe atribuída a introdução da numeração romana no Ocidente e a invenção do relógio de pêndulo. Urbano II (1088 – 1099) – Em 1095 convocou os príncipes cristãos para a primeira cruzada contra os muçulmanos, para libertar a Terra Santa. Concedeu à Sé de Braga o título de Primaz. Inocêncio III (1198 – 1216) – O primeiro Papa a chamar-se “Vigário de Cristo”, em vez de “Vigário de Pedro”. Urbano IV (1261 – 1264) – Instituiu a festa do “Corpo de Deus”, em 1264. Bonifácio VIII (1294 – 1303) – Proclamou, em 1300, o primeiro ano jubilar da história da Igreja. Alexandre VI (1492 – 1503) – No jubileu de 1500 introduziu a cerimónia de abertura da Porta Santa.

E com o fim de um pontificado outro capítulo é aberto. Vem aí o conclave e as regras, embora complexas, são simples: o primeiro cardeal a obter dois terços dos votos é eleito Papa. Ou seja, pelas contas atuais, serão necessários 90 votos para haver novo Papa.

Na segunda semana de maio, o conclave deve ter início e os votos de 135 cardeais de mais de 70 nacionalidades começam a ser contados.

 

LISTA CRONOLÓGICA DOS PAPAS

S. Pedro: 33 – 67; S. Lino:  67 – 76; Santo Anacleto: 76 – 68; S. Clemente: 88 – 97; S.to Evaristo: 97 – 105; S.to Alexandre: 105 – 115; S. Sisto I – 115 – 125; S. Telésforo: 125 – 136; S. Higino: 137 – 140; S. Pio I: 140 – 155; S.to Aniceto: 155 –166; S. Sotero: 166 – 175; S.to Eleutério: 175 – 189; S. Vítor I: 189 – 199; S. Zeferino: 199 –217; S. Calisto: 217 – 222; S.to Urbano: 222 – 230; S. Ponciano: 230 – 235; S.to Antero: 235 – 236; S. Fabião: 236 – 250; S. Cornélio: 251 – 253; S. Lúcio I: 253 – 254; S.to Estêvão I: 254 – 257; S. Sisto II: 257 – 258; S. Dionísio: 259 – 268; S. Félix I: 269 – 274; S.to Eutiquiano: 275 – 283; S. Caio: 283 – 296; S. Marcelino: 296 – 304; S. Marcelo I: 308 – 309; S.to Eusébio: 309 – 310; S. Milcíades: 311 – 314; S. Silvestre I: 314 – 335; S. Marcos: 336; S. Júlio I: 337 – 352; Libério: 352 – 363; S. Dâmaso I: 336 – 384; S. Siríaco: 384 – 399; S.to Anastásio I: 399 – 401; S.to Inocêncio I: 401 – 417; S. Zósimo: 417 – 418; S. Bonifácio I: 418 – 422; S. Celestino I: 422 – 432; S. Sisto III: 432 – 440; S. Leão I, Magno: 440 – 461; S.to Hilário: 461 – 468; S. Simplício: 468 – 483; S. Félix III: 483 – 492; S. Gelásio I: 492 – 496; S.to Anastácio II: 496 – 498; S. Símaco: 498 – 514; S.to Hormisdas: 515 – 523; S. João I: 523 – 526; S. Félix IV: 526 – 530; Dióscoro: 530; Bonifácio II: 530 – 532; João II: 533 – 535; S.to Agapito I: 535 – 536; S. Silvério: 536 – 537; Vigílio: 537 – 555; Pelágio I: 556 – 561; João III; 561 – 574; Bento I: 575 – 579; Pelágio II: 579 – 590; S. Gregório I, Magno: 590 – 604; Sabiniano: 604 – 606; Bonifácio III: 607; S. Bonifácio IV: 608 – 615; S. Deodato: 615 – 618; Bonifácio V: 619 – 625; Honório I: 625 – 638; Severino: 640; João IV: 640 – 642; Teodoro I: 642 – 649; S. Martinho I: 649 – 655; S.to Eugénio I: 654 – 657; S. Vitalino: 657 – 672; Deodato II: 672 – 676; Dono: 676 – 678; S.to Agatão: 678 – 681; S. Leão II: 682 – 683; S. Bento II: 684 – 685; João V: 685 – 686; Cónon: 686 – 687; S. Sérgio I: 687 – 701; João VI: 701 – 705; João VII: 705 – 707; Sisínio: 708; Constantino: 708 – 715; S. Gregório II: 715 – 731; S. Gregório III: 731 – 741; S. Zacarias: 741 – 752; Estêvão II: 752 – 757; S. Paulo I: 757 – 767; S.to Estêvão III: 768 – 772; Adriano I: 772 – 795; S. Leão III: 795 – 816; Estêvão IV: 816 – 817; S. Pascoal I: 817 – 824; Eugénio II: 824 – 827; Valentim: 827; Gregório IV: 827 – 844; Sérgio II: 844 – 847; S. Leão IV: 847 – 855; Bento III: 855 – 858; S. Nicolau I, Magno: 858 – 867; Adriano II: 867 – 872; João VIII: 872 – 882; Marino I: 882 – 884; S.to Adriano III: 884 – 885; Estêvão V: 885 – 891; Formoso: 891 – 896; Bonifácio VI: 896; Estêvão VI: 896 – 897; Romano: 897; Teodoro II: 897; João IX: 898 – 900; Bento IV: 900 – 903; Leão V: 903; Sérgio III: 904 – 911; Anastácio III: 911 – 913; Lândon: 913 – 914; João X: 914 – 928; Leão VI: 928; Estêvão VII: 928 – 931; João XI: 931 – 935; Leão VII: 936 – 939; Estêvão VIII: 939 – 942; Marino II: 942 – 946; Agapito II: 946 – 955; João XII: 955 – 964; Leão VIII: 963 – 964; Bento V: 964 – 965; João XIII: 965 – 972; Bento VI: 973 – 974; Bento VII: 974 – 983; João XIV: 983 – 984; João XV: 985 – 996; Gregório V: 996 – 999; Silvestre II: 999 – 1003; João XVII: 1003; João XVIII: 1004 – 1009; Sérgio IV: 1009 – 1012; Bento VIII: 1012 – 1024; João XIX: 1024 – 1032; Bento IX: 1032 – 1046; Silvestre III: 1045; Gregório VI: 1045 – 1046; Clemente II: 1046 – 1047; Dâmaso II: 1048; S. Leão IX: 1049 – 1054; Vítor II: 1054 – 1057; Estêvão IX: 1057 – 1058; Bento X: 1058 – 1059; Nicolau II: 1059 – 1061; Alexandre II: 1061 – 1073; S. Gregório VII: 1073 – 1085; B. Vítor III: 1086 – 1087; B. Urbano II: 1088 – 1099; Pascoal II: 1099 – 1118; Gelásio II: 1118 – 1119; Calisto II: 1119 – 1124; Honório II: 1124 – 1130; Inocêncio II: 1130 – 1143; Celestino II: 1143 – 1144; Lúcio II: 1144 – 1145; B. Eugénio III: 1145 – 1153; Anastácio IV: 1153 – 1154; Adriano IV: 1154 – 1159; Alexandre III: 1159 – 1181; Lúcio III: 1181 – 1185; Urbano III: 1185 – 1187; Gregório VIII: 1187; Clemente III: 1187 – 1191; Celestino III: 1191 – 1198; Inocêncio III: 1198 – 1218; Honório III: 1216 – 1227; Gregório IX: 1227 – 1241; Celestino IV: 1241; Inocêncio IV: 1243 – 1254; Alexandre IV: 1254 – 1261; Urbano IV: 1261 – 1264; Clemente IV: 1265 – 1268; B. Gregório X: 1271 – 1276; B. Inocêncio V: 1278; Adriano V: 1276; João XXI: 1276 – 1277; Nicolau III: 1277 – 1280; Martinho IV: 1281 – 1285; Honório IV: 1285 – 1287; Nicolau IV: 1288 – 1292; S. Celestino V: 1294; Bonifácio VIII: 1294 – 1303; B. Bento XI: 1303- 1304; Clemente V: 1305 – 1314; João XXII: 1316 – 1334; Bento XII: 1334 – 1342; Clemente VI: 1342 – 1352; Inocêncio VI: 1352 – 1362; B. Urbano V: 1362 – 1370; Gregório XI: 1370 – 1378; Urbano VI: 1378 – 1389; Bonifácio IX: 1389 – 1404; Inocêncio VII: 1404 – 1406; Gregório XII: 1406 – 1415; Martinho V: 1417 – 1431; Eugénio IV: 1431 – 1447; Nicolau V: 1447 – 1455; Calisto III: 1455 – 1458; Pio II: 1458 – 1464; Paulo II: 1464 – 1471; Sisto IV: 1471 – 1484; Inocêncio VIII: 1484 – 1492; Alexandre VI: 1492 – 1503; Pio III: 1503; Júlio II: 1503 – 1513; Leão X: 1513 – 1521; Adriano VI: 1522 – 1523; Clemente VII: 1523 – 1534; Paulo III: 1534 – 1549; Júlio III: 1550 – 1555; Marcelo II: 1555; Paulo IV: 1555 – 1559; Pio IV: 1559 – 1565; S. Pio V: 1566 – 1572; Gregório XIII: 1572 – 1585; Sisto V: 1585 – 1590; Urbano VII: 1590; Gregório XIV: 1590 – 1591; Inocêncio IX: 1591; Clemente VIII: 1592 – 1605; Leão XI: 1605; Paulo V: 1605 – 1621; Gregório XV: 1621 – 1623; Urbano VIII: 1623 – 1644; Inocêncio X: 1644 – 1655; Alexandre VII: 1655 – 1667; Clemente IX: 1667 – 1669; Clemente X: 1670 – 1676; B. Inocêncio XI: 1676 – 1689; Alexandre VIII: 1689 – 1691; Inocêncio XII: 1691 – 1700; Clemente XI: 1700 – 1721; Inocêncio XIII: 1721 – 1724; Bento XIII: 1724 – 1730; Clemente XII: 1730 – 1740; Bento XIV: 1740 – 1758; Cemente XIII: 1758 – 1769; Clemente XIV: 1769 – 1774; Pio VI: 1775 – 1799; Pio VII: 1780 – 1823; Leão XII: 1823 – 1829; Pio VIII: 1829 – 1830; Gregório XVI: 1831- 1846; Pio IX: 1846 – 1878; Leão XIII: 1878 – 1903; S. Pio X: 1903 – 1914; B. Bento XV: 1914 – 1922; Pio XI: 1922 – 1939; Pio XII (Eugénio Pacceli, italiano): 1939  – 1958; São João XXIII (Ângelo Roncalli, italiano): 1958 – 1963; São Paulo VI (João Baptista Montini, italiano): 1963 – 1978; B. João Paulo I (Albino Luciani, italiano, conhecido como o Papa do sorriso): 1978: São João Paulo II (Karol Woityla, polaco): 1978 – 2005;  Bento XVI (Joseph Ratzinger, alemão): 2005 – 2013; Francisco (Jorge Mario Bergoglio, argentino): 2013 – 2025. Francisco foi o 266º Papa.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 07-05-2025)


A ELEIÇÃO DOS PAPAS

 

Com o falecimento do Papa Francisco surgem várias perguntas para as quais nem sempre estamos atentos ao sucedido com casos anteriores.

Morto S. Pedro na perseguição de Nero (cerca de 64-67), é natural que o clero e cristãos de Roma se tenham voltado para o presbítero com mais ascendente, S. Lino (67-76), aquele que teria sido, por assim dizer, o braço direito do Apóstolo.

A partir daí, não havendo ainda organização eclesiástica propriamente dita, e vivendo os cristãos concentrados em Roma, a eleição continua a recair, como solução imediata, sobre o clero da cidade e de algum modo também sobre os leigos, embora apenas com força consultiva.

O eleito era, desse modo, simultaneamente, por força das circunstâncias, bispo de Roma, o que durante séculos viria a tornar-se obrigatório.

Entre os séculos VI e XI, época sombria na História da Igreja, a intervenção dos imperadores far-se-ia sentir de modo especial, impondo os seus apaniguados.

Embora a designação propriamente dita continuasse a cargo do clero de Roma, com consulta dos leigos mais conceituados, as atas das eleições eram submetidas ao imperador que exigia grandes quantias para dar a sua aprovação.

A partir do século VIII, porém, liberta Roma dos Ostrogodos, e sob o domínio dos Francos, obter-se-ia maior liberdade, voltando os enviados do imperador a intervir como mantenedores da ordem entre as diversas fações.

Nos fins do século IX, pela primeira vez, um bispo doutra diocese, o bispo Formoso, do Porto (perto de Roma), aceita o pontificado e bispado de Roma (891 – 896).

Foi apenas com Nicolau II que, no concílio de Latrão, a 13 de abril de 1059, se decretou que a eleição passasse a ser da responsabilidade dos cardeais-bispos convocados, e que Alexandre III (1159 – 1181) confiaria a um colégio cardinalício.

Tal como a do poder civil, também a intervenção popular, através de leigos conceituados, ia desaparecendo.

Mas foi só a partir de 1179, no terceiro concílio de Latrão, que se decretou a eleição do Papa exclusivamente pelo colégio de cardeais, sem qualquer distinção de primazia entre eles, sendo eleito para o Sumo Pontificado o que obtivesse dois terços dos votos.

A partir de então, o funcionamento deste processo eleitoral foi-se aperfeiçoando até às orientações mais precisas de Leão XIII (1878 – 1903) e S. Pio X (1903 – 1914), que atribuem a exclusividade aos cardeais como sucessores do antigo Presbitério romano, na qualidade de Senado ou Conselho permanente da Igreja.

Segundo as últimas determinações, emanadas de Paulo VI (!963 – 1978), o conclave para a eleição deverá reunir-se, não antes de 15 dias nem mais de 20 após a morte do Pontífice cessante, tendo direito de voto todos os cardeais que não tenham completado 80 anos de idade.

Na Constituição Apostólica de 01-10-1975, Paulo VI prevê três modalidade eleitorais:

1)      A habitual, por meio de voto secreto até se obter a maioria de dois terços mais um;

2)      Por aclamação espontânea, unânime e comprovada;

3)      Por compromisso, ou seja: os cardeais poderiam transmitir, apenas a alguns, plenos poderes para, em seu nome, elegerem o novo Papa. Formar-se-iam assim pequenos grupos (por países ou por outra qualquer afinidade) com pleno poder eletivo.

Os dois últimos processos poderão parecer, em teoria, mais simples, mas até hoje não se verificaram.

As primitivas eleições realizaram-se pacificamente sem normas concretas rígidas. Mas em breve surgiriam os abusos e distúrbios, devido à ingerência do poder civil (imperador ou famílias mais poderosas), levando por vezes a interregnos (sede vacante ou cadeira vazia) demasiado prolongados, o que dava azo a eleições paralelas e aos designados anti-papas.

Para obstar a isso, surgiram os conclaves (“com chaves”). Os seja: os cardeais eleitores reuniam-se à porta fechada, fora das pressões e manobras de segundos interesses.

O primeiro destes conclaves teve lugar a seguir à morte de Gregório IX, em 1241, sendo os 12 cardeais encerrados à chave, incomunicáveis, não só para os subtrair a pressões, mas também para os obrigar a um consenso pouco demorado.

Mesmo assim, passariam mais de dois meses até chagarem a acordo.

As eleições de Nicolau IV (1288 – 1292) e Clemente V (1305 – 1314) prolongar-se-iam por 11 meses, e a de João XXII (1316 – 1334) demoraria 2 anos e 3 meses – o conclave mais longo da História.

A atual legislação, emanada de Paulo VI (1963 – 1978), apesar de terem corrido propostas para eliminar a clausura, mostra-se ainda severa: exige-se secretismo absoluto e são proibidos telefones e processos eletrónicos e campanhas internas a favor de alguém, muito embora, até ao início, seja permitido aos cardeais trocarem e pedirem informações.

Porém, antes de iniciada a primeira votação, todos os cardeais eleitores juram, diante de Deus, votar somente em quem julgarem digno do cargo.

Terminada a eleição, o cardeal decano pergunta ao eleito se aceita o cargo e, em caso positivo, por que nome deseja ser designado.

Por último, o novo Papa vai à janela dar a primeira bênção urbi et orbi (à cidade e ao mundo).

Fonte: “História dos Papas – Luzes e Sombras” 2ª edição, de Heitor Morais, s.j.

Na altura em que for publicada esta crónica, certamente ainda não teremos o novo Sumo Pontífice. Esperemos, contudo, que ele consiga arrebatar os corações dos habitantes deste Planeta, seguindo o exemplo de Francisco, independentemente de haver sempre vozes discordantes.

Parabéns ao Sporting Clube Olhanense por terem conseguido dissipar a malfadada SAD e de o Olhanense ter voltado à posse de todos os olhanenses, conforme refere o incansável diretor deste quinzenário.

Votos de parabéns, igualmente, pela comemoração do 113º Aniversário do S. C. Olhanense.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-05-2025)

 


29 de abril de 2025

OS LUTOS INACABADOS DO IMPÉRIO



 Depois da entrevista com o José António Chorão, na rubrica “Conte-nos a sua História”, veio-me à memória escrever sobre um tema que por várias vezes me ocorreu: a grande dor de famílias que viram perder os seus entes queridos sem complacência dos senhores do poder de então. 
 Embora não seja habitual, insiro neste espaço duas fotos alusivas, onde se veem dois dos seus camaradas em Nancarati, Moçambique, sendo que o da direita é o referido naquela entrevista e que faleceu logo na primeira picada, porquanto ia à frente e foi fortemente alvejado pelos guerrilheiros da Frelimo.
Durante a Guerra do Ultramar (1961-1974), muitos militares portugueses perderam a vida, e nem todos puderam ser identificados ou recuperados, especialmente como quedas ao mar ou em combates intensos.
Um exemplo trágico é o incidente com o navio mercante “Save” em 7 de julho de 1961, no litoral marítimo a sul de Quelimane. O navio sofreu um incêndio a bordo, seguido de explosões devido ao material de guerra transportado, resultando em 237 vítimas entre passageiros, militares e tripulantes. Entre os militares portugueses mortos ou desaparecidos contaram-se 80. Devido à gravidade do acidente e às condições do mar, muitos corpos não puderam ser recuperados ou identificados.
Além deste episódio, houve outras situações durante o conflito em que os militares desapareceram em combate ou em acidentes, e os seus corpos nunca foram encontrados ou identificados, causando um impacto profundo nas famílias e na sociedade portuguesa.
A memória destes combatentes é mantida viva através de diversas iniciativas e homenagens, reconhecendo o sacrifício daqueles que serviram durante a Guerra do Ultramar.
Durante os primeiros seis anos da guerra colonial, o Estado só pagava o regresso de militares vivos. Permanecem até hoje enterrados em África (Angola, Guiné-Bissau e Moçambique) cerca de 1500 militares portugueses, de acordo com o levantamento feito pela Liga dos Combatentes. São soldados e cabos, há alguns sargentos e muito poucos oficiais. Muitas famílias já se esqueceram algumas ainda não.  
Catarina Gomes, in Público, refere que a camponesa alentejana Maria Florinda da Luz, que não sabia escrever, ajudou a mudar um pormenor da história. Tinha sido informada por telegrama que o filho tinha morrido na guerra em Moçambique a 19 de janeiro de 1967. Se o quisesse trazer, teria de pagar 12 mil escudos, o que equivaleria, aos preços de hoje (de acordo com o conversor da Pordata), a cerca de 4 mil euros. Era impossível, mas a mãe do soldado sentiu que, à sua maneira, tinha de fazer alguma coisa. Foi ter com o presidente da Junta para a ajudar a redigir a carta, chorando convulsivamente. Disse-lhe tudo o que sentia, o que tinha no coração, e ele lá organizou e arrumou as frases à sua maneira, que assim seguiram, em tom submisso, para o ministro da Defesa, uma ousadia nos tempos que corriam.
“Pedia a V.ª Ex.ª, pela sua saúde, já que não tive a sorte de trazerem o meu filho vivo, peço-lhe que mo mandem mesmo morto. Para eu o adorar e rezar ao pé daquele bom querido filho. Peço imensa desculpa a Vª. Ex.ª destas minhas tristes palavras, mas a dor é tão grande que não sei onde hei de respirar. O nome do meu filho é Francisco da Luz Carloto”.
A transladação era incomportável para a maioria das famílias, era uma sociedade ruralizada, com hierarquias, com uma desigualdade mais nítida e aceite do que é hoje.
A não vinda dos corpos era uma das formas que assumia a pouca visibilidade da morte na guerra, segundo lembra Carlos Matos Gomes. Por exemplo, se morriam vários militares numa operação, os jornais tinham instruções para diluírem as mortes por vários dias, em pequenas notícias a uma coluna, publicadas em páginas interiores. Os mortos que chegavam vinham em navios de transporte, dentro de vulgares caixotes de madeira e as urnas eram desembarcadas longe da vista. Mesmo os feridos chegavam durante a noite. A política de transladações permaneceu inalterada e sem grande polémica até à carta vinda da aldeia alentejana do concelho de Nisa, Tolosa. A camponesa passou a saber que o Estado tinha passado a assegurar as transladações depois da sua iniciativa, através da carta de março de 1967, embora as famílias tivessem ainda algumas despesas, por exemplo, pagar o caixão de chumbo e o transporte do hospital militar até ao cemitério da terra natal.
No entanto, o problema dos militares mortos que ficaram em África não teve só que ver com os custos. Muitos militares não foram transladados para Portugal porque permanecem até hoje em lugar incerto (200) ou continuam desaparecidos (267), segundo informação do presidente da Liga dos Combatentes, tenente-general Chito Rodrigues. São casos de militares enterrados em situação de combate no local da morte, afogamentos, corpos enterrados em cemitérios improvisados das próprias unidades, que se encontram dispersos pelos territórios em lugares que hoje são mato e capim.
A Liga dos Combatentes deu início à chamada Operação Conservação de Memórias, levada a cabo em março de 2008, com a ida à Guiné de Chito Rodrigues, tendo como objetivo “dignificar” os restos mortais de militares dispersos por vários locais e transferi-los para cemitérios centrais. O objetivo nunca foi assegurar a transladação para Portugal, mas localizados os militares, podiam ajudar as famílias que o quisessem fazer. A Liga dos Combatentes tem um protocolo com a TAP que assegura gratuitamente às famílias a viagem do cemitério da capital do país africano para Lisboa, mas as restantes despesas são a cargo da família, e ainda podem ser bastantes. 
Chito Rodrigues diz que há várias razões para serem tão poucas famílias a pedir a transladação. Uma delas podem ser os custos envolvidos, depois, a grande maioria dos militares não tinham filhos, os familiares que ficam são irmãos, sobrinhos ou familiares mais distantes e, claro, há o tempo, já passaram 40, 50 anos sobre estas mortes.
O historiador Miguel Bandeira Jerónimo, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, diz que esta transladação de um pai, “ajuda-nos a perceber a natureza do regime, a escassez de informação, o desrespeito que o regime tinha pela vida humana”. 
João de Jesus Nunes
jjnunes6200@gmail.com  
(In “O Combatente da Estrela”, nº. 138-abril/2025)

CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA JOSÉ ANTÓNIO LOPES GIL CHORÃO


 JOSÉ ANTÓNIO LOPES GIL CHORÃO

Trazemos hoje a esta rubrica o antigo combatente José António Chorão, nascido em 30 de março de 1952, no Refúgio, S. Martinho, Covilhã. É casado, tem 2 filhos e 3 netos. Estudou na Escola Industrial e Comercial Campos Melo, tendo frequentado o Curso de Tintureiro Acabador. Foi esta profissão que passou a exercer sempre, na empresa Álvaro Paulo Rato & Filhos, Lda, antes e após o serviço militar, até ao encerramento da empresa.

Tive o prazer de acompanhar a família dos Chorões, inicialmente como colega na Escola Industrial de dois dos seus irmãos, o António José e o Carlos, assim como cunhado Basílio; depois, mais tarde, no âmbito da minha vida profissional, o José António, e outros seus familiares, todos envolvidos num denominador comum – amizade, simpatia, humildade.

Chegada a altura de cumprir o serviço militar, o José António Chorão foi chamado para a recruta no R.I. 7 em Leiria, que iniciou em 22 de janeiro de 1973, onde esteve durante três meses, seguindo depois para a especialidade de enfermeiro em Coimbra. Partiria de seguida para o estágio desta especialidade no Hospital Militar Principal da Estrela, em Lisboa. Findo este estágio foi para o quartel na Amadora onde foi mobilizado para Moçambique, formando ali a Companhia 4153. Foi então promovido a 1º. Cabo Enfermeiro. 

Em avião militar, seguiu a Companhia para Nancatari, em Moçambique, no dia 22 de fevereiro de 1974, onde permaneceu durante 13 meses. Aqui, viveram momentos angustiosos nas picadas. Era com grande temor que, para além da G3, os seus camaradas tinham de utilizar, neste trabalho de deteção de minas, as picas e os ancinhos, por vezes debaixo de tiroteio do inimigo – a Frelimo. Geralmente, levavam também duas Berliet cheias de areia que serviam de anti-minas. Numa das picadas, logo na primeira, em que ia o enfermeiro José António, surgiu a morte de um camarada que seguia à frente. Haveria, lamentavelmente, de haver mais mortes noutras picadas.

Sem que contassem, estavam então próximos da Revolução do 25 de abril, o que levou a Frelimo a intensificar os ataques. No entanto, no mato, não morreu ninguém. Queimavam-lhes as cabanas e paliçadas, pois quando os nossos homens lá chegavam já estavam sem ninguém, tendo fugido. O inimigo comunicava entre si, montados em árvores altas. 

Entretanto, o 1º Cabo enfermeiro, José António Chorão, e outros camaradas, enquanto jogavam a bola na pequena pista para treino de avionetas, assistiram a um acidente aéreo com um avião DAKOTA, da Força Aérea Portuguesa, no dia 6 de maio de 1974. O avião, que havia levantado voo de Namgade com destino a Nampula, transportando uma delegação de Adidos de vários países, fora atingido por um míssil disparado pela FRELIMO, quando voava entre Diaca e Mueda, num desvio de rota imposto pelo mau tempo. Dado o estado deplorável da aeronave, que ameaçava “desintegrar-se” a todo o momento, com chapas que se iam soltando do avião, e o motor direito a arder, o piloto resolveu fazer a aterragem neste local, quase atingido alguns dos militares. Os que seguiam no avião foram evacuados de helicóptero para Mueda e, daqui, de avião, para a base em Nampula. Resultado: ao jantar desse dia, festejaram vibrantemente o facto de terem sobrevivido. Entretanto, conseguiu salvar-se e toda a tripulação. Este assunto já foi referido por Victor Elias no C.E. nº. 105, de janeiro/março 2017. 

Conforme foi referido, havia surgido o 25 de abril e preparava-se a independência das Colónias. Estávamos já no ano 1975 e o regresso à ainda Metrópole ansiava. 

Começou a haver dissabores entre a malta. Revoltaram-se por não terem avião para o regresso tão desejado. Viram-se então forçados a que o Governo fretasse um avião da TAP, onde todos vieram, de G3, ao lado da tripulação, as famosas hospedeiras da TAP. Isto aconteceu no dia 25 de março de 1975, data da chegada a Lisboa.


J.J. Nunes

(In “O Combatente da Estrela”, nº. 138, abril/2025)