Acabei de ler este livro, da grega Arianna Huffington, que explica por
que razão estamos tão cansados – e como isso pode mudar.
Eu e a minha mulher somos pessoas que sempre dormimos pouco. Dormir sete
horas consecutivas é, para nós, de difícil concretização. Nem mesmo a medicação
destinada a esse fim, muitas vezes, produz os efeitos desejados.
Vivemos cansados, estamos habituados ao cansaço e achamos que ele é o
preço a pagar para alcançarmos o sucesso e atingirmos os nossos objetivos
pessoais e profissionais. Estamos, de facto, numa crise de privação de sono,
que tem impacto profundo na nossa qualidade de vida.
O sono é um elemento-chave do nosso bem-estar e interage profundamente
com todas as outras dimensões da saúde. A principal mensagem deste livro é
clara: assim que se começa a dormir sete ou oito horas por noite, torna-se mais
fácil meditar, fazer exercício físico, tomar decisões mais inteligentes e estabelecer
conexões mais profundas connosco próprios e com os outros.
Ao mesmo tempo que a ciência do sono avança, sentimos uma necessidade urgente
de redescobrir o seu mistério. Cada noite pode ser um lembrete de que somos
mais do que a soma dos nossos sucessos e fracassos.
Estamos realmente a viver uma crise do sono. Mais de 40% dos
norte-americanos dormem menos do que o mínimo recomendado de sete horas por
noite – e as estatísticas no resto do mundo são semelhantes ou até piores.
Na história do sono, só agora estamos a começar a sair de uma fase que teve
início com a Revolução Industrial, altura em que o sono passou a ser visto apenas
como um obstáculo ao trabalho. O século XX viu o movimento operário lutar
contra essa invasão da vida pessoal, e mais tarde, com o surgimento da nova
ciência do sono, começámos a compreender que ele está profundamente ligado a
todos os aspetos do trabalho na nossa vida pessoal. E mais tarde, com o
nascimento da nova ciência do sono, começámos a descobrir que este está, na
realidade, profundamente ligado a todos os aspetos da saúde física e mental. A
falta de sono está associada a um maior risco de diabetes, obesidade e da
doença de Alzheimer. Devemos, pois, estar atentos a perturbações do sono, como a
apneia, a insónia e até à curiosa “síndrome da cabeça explosiva” – sim, é mesmo
esse o nome científico.
A nossa atual crise de sono
Sarvshreshth Gupta era analista de primeiro ano na Goldman Sachs, em S.
Francisco, em 2015. Esmagado por semanas de trabalho de cem horas, decidiu sair
do banco em março. Pouco depois, regressou – não se sabe ao certo se por vontade
própria ou por pressão. Uma semana depois, ligou ao pai, às 2h40 da manhã.
Disse que não dormia há dois dias, que estava a terminar uma apresentação e a
preparar-se para uma reunião matinal – sozinho no escritório. O pai
aconselhou-o a ir para casa, mas Gupta respondeu que ficaria apenas “mais um
pouco”. Horas depois, foi encontrado morto na rua, em frente de casa. Saltara do
arranha-céus onde vivia.
Segundo uma sondagem recente da Gallup, 40% dos adultos americanos dormem
significativamente menos do que o mínimo recomendado – uma estatística já
referida acima.
Dormir o suficiente, diz a Dra. Judith Owens, diretora do Centro para
Perturbações do Sono Pediátricas do Hospital Infantil de Boston, é “tão
importante como uma boa alimentação, a prática de atividade física e o uso do
cinto de segurança”. Contudo, a maioria das pessoas subestima gravemente as
suas necessidades de sono.
Um relatório da Fundação Nacional do Sono dos EUA confirma: dois terços
das pessoas não dormem o suficiente durante a semana.
A crise é global. Em 2011, 32% dos inquiridos no Reino Unido disseram dormir,
em média, menos de sete horas por noite nos seis meses anteriores. Em 2014 esse
número subiu para 60%. Em 2013, mais de um terço dos alemães e dois terços dos
japoneses afirmaram não dormir o suficiente durante uma semana.
Nos rankings das cidades onde se dorme menos, Tóquio lidera com perigosas
5 horas e 45 minutos por noite. Seul regista 6h03, o Dubai 6h13. Singapura 6h27,
Hong Kong 6h29 e Las Vegas 6h32.
E para demasiadas pessoas, o ciclo vicioso da falta de dinheiro alimenta
o ciclo da falta de sono. Se alguém trabalha em dois ou três empregos para
sobreviver, “dormir mais” dificilmente será uma prioridade.
As mulheres precisam de mais horas de sono do que os homens e, por isso, os
efeitos da privação de sono nelas são ainda mais nocivos, tanto a nível físico
como mental.
Se o esgotamento é a doença da civilização moderna, a privação do sono é
uma das suas principais causas. É um paradoxo da vida contemporânea: vivemos exaustos
e, mesmo assim, não conseguimos dormir – o que nos deixa ainda mais exaustos no
dia seguinte, e no seguinte, e no seguinte…
Existe, inclusive, uma indústria inteira dedicada a facilitar o sono. Só
em 2014, nos EUA, foram prescritas mais de 55 milhões de receitas de
comprimidos para dormir, com vendas superiores a 897 milhões de euros. Um
relatório de 2013 dos Centros para Controlo e Prevenção e Doenças (CDC) concluiu
que 9 milhões de americanos – 4% da população adulta – usam regularmente estes
fármacos. As mulheres são as principais consumidoras; o consumo aumenta com a
idade e o nível de escolaridade, e os adultos brancos consomem mais do que
qualquer outro grupo étnico.
O café e o chá já existem há séculos. Valorizamo-los pela capacidade de
nos manterem despertos, mas muitas culturas também os associam a momentos de
pausa, contemplação e sociabilidade – como o famoso coffe break ou a
cerimónia do chá japonesa. São rituais que nos convidam a parar.
Dormir é um dos grandes temas recorrentes na história da Humanidade. E,
nas últimas décadas, a ciência tem vindo a validar muito da sabedoria ancestral
sobre a importância do sono.
As quatro etapas do sono
Depois de finalmente adormecermos, percorremos quatro etapas distintas, cada
uma com
diferentes padrões de ondas cerebrais – que refletem o nível de atividade
elétrica do cérebro.
1.
Primeira
etapa – Sono leve: transição entre
a vigília e o sono. Ainda é fácil acordar; os olhos e os músculos continuam a
mover-se.
2.
Segunda
etapa – Sono moderado: o movimento
ocular abranda até parar; a temperatura corporal começa a baixar.
3.
Terceira
etapa – Sono profundo (ou sono
delta): o cérebro produz ondas lentas e amplas. Nesta fase, os movimentos
oculares e musculares cessam quase por completo, e acordar é muito difícil. Se
o fizermos, sentimo-nos desorientados. É nesta etapa que ocorrem fenómenos como
o sonambulismo e o falar durante o sono.
Nota: embora se diga que os sonâmbulos não devem ser acordados, é mais seguro
acordá-los com suavidade e levá-los de volta à cama, devido ao risco de
comportamentos imprevisíveis.
4.
Quarta
etapa – Sono REM (Rapid Eye Movement):
inicia-se a cerca de 90 minutos após adormecermos. A respiração acelera, a
pressão arterial e os batimentos cardíacos aumentam, e as ondas cerebrais
tornam-se semelhantes às do estado da vigília. Nesta fase os músculos ficam
paralisados. É também quando ocorrem a maioria dos sonhos – e é mais fácil
recordá-los se formos acordados neste momento.
Sono,
memória e função cognitiva
A ciência começa também a desvendar a ligação entre o sono e memória. Um
estudo recente da Universidade da Califórnia, em Berkeley, revelou uma
correlação entre privação de sono e défices de memória, relacionados com a acumulação
da proteína beta-amiloide – tida como uma das causas da doença de Alzheimer.
A prática das sestas ainda carrega o estigma cultural de preguiça, mas os
seus benefícios são conhecidos por muitos líderes ao longo da história:
- Margaret Thatcher exigia não
ser incomodada entre as 14h30 às 15h30.
- John F. Kennedy fazia uma longa soneca diária (e tinha uma cama no
Air Force One).
- Charlie Rose, apresentador, que jura fazer até três sestas por dia para
estar no seu melhor no ar, chegou a dormir no carro (com uma máscara de olhos)
a caminho de entrevistar Vladimir Putin em Moscovo, em 2015.
- Winston Churchill é considerado o inventor do termo “sestas de energia”.
- O Papa Francisco não foi apenas
um líder espiritual global, foi também um embaixador itinerante das sestas. “Eu
tiro os sapatos”, disse o Papa, “e deito-me na cama para descansar”.
- E outro líder espiritual, o Dalai Lama, compreende tanto o poder de uma
sesta como o do sono em geral.
No reino animal, o sono também é essencial. O poder do sono no reino animal é exemplificado pela chita. É o animal terrestre
mais rápido do planeta – capaz de acelerar de zero a 96 Km por hora em
apenas três segundos – dorme até 18 horas por dia.
João de Jesus Nunes
(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 25-06-2025)