13 de outubro de 2021

O MISTÉRIO DOS SONHOS

 

Sempre que me desloco ao Centro Cirúrgico de Coimbra tenho o hábito de folhear a revista Olhares que aquela instituição edita trimestralmente, tendo-me chamado à atenção um excelente artigo da Psicóloga Clínica, Vanda Clemente, especialista em Medicina Comportamental do Sono.

Muito do conteúdo deste artigo dá resposta ao que se passa connosco ao longo dos dias das nossas vidas, entre sonhos como mensagens de inspiração divina, à realização de desejos ou fantasias. Podem ser curtos, longos, a cores ou a preto e branco, estranhos, angustiantes ou engraçados. É, por assim dizer, aquele mistério de sonhar.

Eu que não consigo dormir as horas normais há anos, não deixo de ter sonhos durante o tempo que durmo, recordando-me de vários sonhos repetidos ao longo do tempo, alguns que bem parecem a realidade e que só quando acordo sinto o lenitivo de que se tratava dum sonho. Também já aconteceram aqueles sonhos de pesadelo que ao levantar parece que tinha a Serra da Estrela às costas. Mas isto penso acontecer com todos nós, uns mais que outros.

Segundo aquela Psicóloga Clínica, os sonhos correspondem à atividade mental involuntária que ocorre durante o sono: são imagens, pensamentos ou emoções. As imagens visuais são as mais comuns, coloridas ou a preto e branco, mas também podem envolver sons, odores, sabores e sensações tácteis. Os sonhos podem constituir uma coleção de imagens e eventos ilógicos, incoerentes ou fantásticos, podem organizar-se em histórias reais entre personagens e, por vezes, são mais impressionistas, carregados de emoções.

Ainda me recordo do primeiro sonho que tive ainda no meu primeiro ou segundo ano de vida. Lembro-me de dizer â minha Mãe que me tinham acontecido coisas estranhas durante a noite quando dormia. Foi quando a minha Mãe me disse que isso era um sonho.

“Há um período em que os sonhos são mais organizados (sonhos REM) com sequências progressivas e são emocionalmente mais intensos, com conteúdos fantásticos em que conseguimos proezas fisicamente impossíveis e temos experiências perturbadoras e intrigantes. Mas também há outro período (sonhos NREM) em que os sonhos são geralmente mais curtos, menos nítidos e têm um conteúdo mais coerente e menos emotivo, relacionados com pensamentos ou memórias sobre um tempo e um lugar específicos. Os sonhos tendem a predominar nas horas antes de acordar.”

Porque sonhamos, ao certo ainda não sabemos. Segundo a Olhares, “os sonhos parecem ter um papel importante na consolidação da memória, no processamento das emoções, na reprodução instantânea de acontecimentos recentes, para que sejam analisados, e na limpeza mental, libertando informações desnecessárias.”

Sonhar faz parte de um sono saudável e melhora o funcionamento cognitivo e emocional.  No entanto, os pesadelos podem ter um impacto negativo no sono, pois provocam despertares noturnos.

Já dizia Fernando Pessoa: “Mudem-me os deuses os sonhos, mas não o dom de sonhar”.

Os sonhos permanecem um objeto de mistério e de fascínio e nem sempre foram considerados um produto da mente. Da Antiguidade até hoje, algo mudou na forma de vermos e interpretarmos os sonhos. O sonho foi abordado como objeto de psicologia, pela primeira vez, pelo filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.).

Foi muito mais tarde, principalmente no final do século XVIII e durante o século XIX, que se assistiu ao desenvolvimento de diversas teorias psicológicas sobre os sonhos. Sigmund Freud (1856-1939), médico austríaco, neurologista e psiquiatra, criador da psicanálise, considerava que o sonho é a realidade de um desejo inconsciente, a expressão de fantasias proibidas e reprimidas durante a vigília.

Já Alfred Adler (1870-1937), psicólogo austríaco, defendeu que o indivíduo ensaia, durante o sonho, futuras situações que o ajudam a resolver problemas.

Muito haveria que falar sobre o sonho, e é ainda Fernando Pessoa que, das suas cinco frases universais no livro Mensagem, sobressai que “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”, sem esquecer a Pedra Filosofal, de António Gedeão/Rómulo de Carvalho: “Eles não sabem, nem sonham/que o sonho comanda a vida/Que sempre que um homem sonha/o mundo pula e avança/ como bola colorida/entre as mãos de uma criança”.


(In "Jornal fórum Covilhã", de 13-10-2021)

4 de outubro de 2021

NAQUELAS MONTANHAS DA ESTRELA

 

Uma interessante quão importante descrição da Serra da Estrela na revista Olhares, nº 24, de 2019, leva-nos a transcrever parte deste texto para conhecimento dos prezados Leitores:

“Um cristal de gelo é o símbolo escolhido pelo Parque Natural da Serra da Estrela, tão só porque nos remete para a sua origem glaciar. As suas 25 lagoas ilustram bem essa história que começou a ser contada há centenas de milhões de anos. Ainda não tínhamos nascido, mas o granito que cobre a serra já lá estava.

É preciso entrar no maior vale glaciar da Europa para avistar o único local português onde ainda vive a lagartixa da montanha. Segundo o mosaico que recheia o Parque Natural da Serra da Estrela, hoje classificado de Geoparque Mundial, tem esta caraterística de mosaico diversificado. Para além da neve de inverno, há muitas outras paisagens ali plantadas e para conhecer durante o ano. São assim 325 outras razões para seguir as rotas do turismo da natureza.

A história começou a ser contada há milhões de anos com a formação de uma cadeia montanhosa, hoje transformada na maior área protegida em solo português. A heterogeneidade mora ali, a par com inúmeros ecossistemas ainda naturais. Mas, falar da Serra da Estrela, remete o nosso imaginário para a neve, frio e grande altitude, nem sempre nem nunca, porque o património que aquele Parque Natural acolhe é muito mais vasto.

Como percorrer todo este território é uma escolha individual, a pé, de carro, de mota, a cavalo, de burro ou de bicicleta. Mas, não podemos deixar de sugerir que vá, seja pelos trilhos, seja pela estrada.

Foi por um acidente orográfico que ‘nasceu’ e é esse mesmo acaso que lhe deu toda a multiplicidade de caraterísticas onde se incluem vales percorridos por linhas de água, encostas, planaltos de menor e maior altitude e muitos picos, sendo a Torre o local mais conhecido. Mas, antes de se chegar ao ponto mais alto de Portugal continental (o Pico, na ilha do Pico, é o mais alto), é possível apreciar os vários habitats que sobreviveram e onde ainda se encontram diversas espécies, mas também inúmeras nascentes e cascatas. O Poço do Inferno é apenas um exemplo de uma cascata de visita obrigatória pela queda de água a 10 metros de altura.

Naquelas montanhas da Estrela nascem os rios Mondego, Zêzere e Alva, que ajudam a proporcionar vários habitats típicos de água doce, mas também algumas praias fluviais, porque nem só de neve vive a Estrela. A praia do Vale do Rossim e a Loriga são duas praias fluviais afamadas onde só mergulha gente sem temor ao frio.

A paisagem é alpina, misturada com vestígios de depressões de origem glaciar, que agora acolhem vales, como o Covão d’Ametade. É este mesmo vale glaciar, o maior de toda a Europa, que hoje acolhe o rio Zêzere, povoado nas margens por cabras e ovelhas.

De entre as 25 lagoas naturais, a Lagoa Comprida será a mais famosa e a que atrai mais olhares. Encontra-se no maciço superior da Serra da Estrela e é essa localização que acaba por causar alguma surpresa, ninguém está à espera de encontrar ali, bem no cimo, um lago tão grande, lado a lado com blocos gigantes de granito.

As caminhadas acabam por proporcionar visões impossíveis de detetar ao volante de um automóvel e por isso mesmo a Estrela recomenda os trilhos, como a Rota das Faias, a Rota Glaciar ou a rota das 25 lagoas, entre outras.

Mas, a história da Estrela nem sempre está escrita na pedra. Há outras histórias e vivências para conhecer e essas só se encontram nas aldeias que ainda povoam as encostas. A aldeia do Sabugueiro é a mais conhecida e também a mais alta. Os concelhos de Seia, Covilhã, Manteigas, Oliveira do Hospital e Fundão criaram a Rede de Aldeias de Montanha. Ao longo de 100 quilómetros há muito para descobrir, conhecer e provar.”

O Município de Seia comemora 140 anos da Expedição Científica à Serra da Estrela, conjuntamente com a Sociedade de Geografia de Lisboa, nos meses de setembro e outubro, evocando assim aquela Expedição Científica que se realizou em agosto de 1881. A iniciativa lembra “o pioneirismo e o arrojo de mais de uma centena de homens, que há 140 anos se aventuraram por um território até então pouco conhecido. Um momento ímpar da História da Ciência em Portugal, que permitiu revelar alguns dos segredos da mais alta montanha do território continental, dando a conhecer a Serra nas suas dimensões geográficas, climatérica, orográficas, antropológicas, etnográficas, arqueológicas e médicas”, segundo informação do Jornal terras da beira, de 17-08-2021.


(In "O Olhanense", de 01-10-2021)

1 de outubro de 2021

NO APROXIMAR DO OUTONO

 

Com a chegada do mês de setembro temos o fim do período de férias para a generalidade dos Portugueses. O seu início está relacionado com a reabertura ou reentrada. O mesmo que dizer: o regresso às atividades consideradas normais do dia a dia.

As fortes trovoadas e chuvas que se têm feito sentir nestes últimos dias  assinalam que estamos mesmo muito perto do outono, altura em que este número d’O Combatente da Estrela chegará às mãos dos nossos estimados Associados e Leitores. Certamente já no amarelar e início da queda das folhas das árvores. Todavia esperemos que a lamentável conduta dos CTT, na parte que diz respeito à distribuição do correio, não leve à situação que criaram com o número anterior que chegou atrasadíssimo aos Leitores. Uma morosidade de que este Núcleo da Liga dos Combatentes não teve a mínima responsabilidade.

Setembro é também o mês, este ano, de eleições autárquicas, a acontecerem no dia 26 de setembro. Os dias que antecedem o ato eleitoral serão, certamente, muito agitados, uma vez que há que contar espingardas para o maior número possível de votos.

O orçamento do Estado para 2022 já está na mira dos políticos de todos os quadrantes preocupados com o destino que vai ser dado aos dinheiros da “bazuca”

A propósito de eleições, também o Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes viu, finalmente, solucionada a formação do seu elenco diretivo, ocorrido no dia 11 e com tomada de posse para o dia 21, a saber: Presidente da Direção – João Cruz Azevedo; Secretário – António José Barbosa Gouveia Franco; Tesoureiro – José Manuel Vicente Matias; 1º. Vogal – José Santos Cassiano; 2.º Vogal – Carlos Alberto Fiadeiro; 1º. Suplente – José Santos Varandas; 2º Suplente – José João Sutre. Na Assembleia Geral e Conselho Fiscal, continuam, respetivamente, o Dr. Afonso Conceição de Mesquita e o Dr. João José Barata Gomes.

Setembro foi ainda o mês em que se comemoraram 20 anos do famigerado ataque às Torres Gémeas – aquela história trágica do World Trade Center. Eram dois enormes arranha-céus idênticos que ganharam o título de edifícios mais altos do mundo quando foram construídos, em Nova Iorque. A 11 de setembro de 2001 um devastador ataque terrorista roubou milhares de vidas e destruiu estes edifícios emblemáticos.

Também neste mesmo mês assistimos à retirada definitiva dos americanos e de outras forças estrangeiras do Afeganistão passando a ficar um país mergulhado num caos com os talibãs. O retrocesso civilizacional está em marcha neste país, apesar dos protestos de mulheres nas ruas, enquanto os Estados Unidos continuam a medir as palavras e a China a encorajar o novo poder. Não há lugar para as mulheres, exceto em casa.

“Vinte anos depois, é possível aceitar que o estado do mundo se agravou nestas décadas inaugurais do século XXI. O ataque a Nova Iorque, a invasão e retirada desastrosa do Afeganistão, a destruição da Síria e a afirmação do Estado Islâmico no Médio Oriente ou sua presença no interior da Europa são sintomas de uma ameaça difusa, sem rosto, traiçoeira e imprevisível, bem diferente do ameaçador mas apesar de tudo entendível ‘equilíbrio de terror’ da Guerra Fria. A dificuldade e o fracasso do ocidente na resposta a esta ameaça agravaram a situação não apenas pela pressão que as migrações estão a causar nas sociedades europeias, mas também pelo sentimento de impotência que perturba a relação entre os cidadãos e os seus representantes políticos”, nas palavras de Manuel Carvalho, in Público.

Ainda este setembro fica marcado fortemente pela morte do antigo Presidente da República, Jorge Sampaio. Foi ele o autor do slogan “25 de Abril, sempre”. Um Homem sem medo e corajoso. Como secretário-geral do PS candidatou-se à Câmara Municipal de Lisboa à revelia do partido, conquistando a mesma em 1989. Como principal adversário, Jorge Sampaio teve Marcelo Rebelo de Sousa. Da campanha ficaram as imagens de Marcelo a tomar banho no Tejo, a guiar um táxi e a limpar a estátua de Eça de Queirós. Sampaio viria então a desagradar à esquerda por ter admitido a solução proposta por Durão Barroso de ir para presidente da Comissão Europeia. Mas por fim dissolve o Parlamento em 30 de novembro de 2004, demitindo Santana Lopes de primeiro-ministro, pondo fim ao XVI Governo Constitucional.

Algumas frases marcaram a vida de Jorge Sampaio: “Não há economia, nem mercado, nem política, nem democracia sem esse cimento de base, a confiança. Não há paz duradoura se a desconfiança minar as relações entre comunidades, povos e nações, se o pacto social for rompido” – Público – 14-11-2016. “Não deixa de ser – e peço desculpa pela expressão – anedótico, não fora o terrível drama humano subjacente, constatar a cacofonia europeia gerada em torno do acolhimento de escassíssimos 40 mil refugiados, agora acrescidos de 120 mil, no universo populacional de 500 milhões de habitantes.” – 09-09-2015. “A crise atual que as sociedades europeias enfrentam não é só financeira, nem económica, nem política, mas é também uma crise de valores, de cultura e de civilização.” – Lusa, 01-06-2012. “Há mais vida para além do orçamento. A economia é mais do que finanças públicas”, discurso na cerimónia comemorativa do 25 de Abril de 2003. “Não há maiorias presidenciais. Serei o Presidente de todos os portugueses. De todos, sem exceção”, discurso da posse, 09 março 1996.

Depois do amanhecer daquela sexta-feira, 10 de setembro, com a notícias da morte de Jorge Sampaio, a comunicação social encheu-se de notícias sobre esta grande Figura, desde “o construtor de pontes em política, um homem feliz com lágrimas”, na pena da jornalista Leonete Botelho, do Público; assim como “Tinha a ousadia de dar respostas inesperadas a perguntas incómodas. As suas palavras eram assertivas, mesmo quando já estava muito debilitado”, segundo Rosália Amorim, do Diário de Notícias.

O que é certo é que Jorge Sampaio nunca se reformou: depois dos holofotes se apagarem sobre si, dedicou-se a causas humanitárias internacionais, primeiro a luta contra a tuberculose, depois combatendo o extremismo na Aliança das Civilizações e desde 2013 presidindo à Plataforma Global para os Estudantes Sírios, de que foi fundador. Na véspera de ser internado com debilidades de saúde que ditaram o seu fim lançava o apelo à solidariedade, desta vez para promover a vida académica das jovens afegãs.

(In "O Combatente da Estrela", nº. 124, OUT/2021)