13 de maio de 2005

AS VERTENTES DA POBREZA

Segundo um estudo que, há dois meses, veio a lume no Público, actualmente em Portugal há mais pessoas a passar fome.
No espaço de um ano a situação piorou, sabendo-se que em 2004 já se apontava para 200 mil pessoas com fome.
A erradicação da pobreza é preocupação secular da Igreja, do Estado, dos altruístas, mas o certo é que ainda ninguém conseguiu resolver este grave problema.
O caso atemorizador de se verem crianças, nalguns pontos do País, a entrarem nas escolas, após o fim-de-semana, esfomeadas, é uma situação gritante. A mendicidade infantil continua a aumentar em Portugal.
Existe agora a “nova pobreza”, a acrescentar aos anteriores casos de indigência. Basta por vezes que um dos membros do agregado fique sem emprego, com as rendas de casa altas, para precisarem de ajuda. Por outro lado, existem, muitas vezes, os casos de um dos membros da família ser toxicodependente ou alcoólico.
A pobreza envergonhada, a fome real, a crueza das histórias que se repetem e até se desenvolvem, é demasiado superior à crise que tem tocado a cada um de nós. A protecção social, para muitos idosos, começou mais tarde; muitos nunca descontaram para a Segurança Social porque no seu tempo não se descontava.
Por mais subsídios que se paguem, existe uma fronteira de pouca consistência entre uma vida descansada e o cair numa situação de insolvência.
A muita gente falta-lhe a auto-estima e a motivação para enfrentar uma nova vida, fruto do desemprego em idade já incompatível para o acesso ao mundo do trabalho.
Escrevo estas linhas precisamente quando se procede ao peditório para o Banco Alimentar Contra a Fome; nesta região, através do Banco Alimentar da Cova da Beira, sediado na Covilhã.
Há idosos que não sofreram os efeitos da pobreza propriamente dita, mas sentem na solidão a necessidade da procura de lares. O desemprego cresceu, também entre os imigrantes. Na Covilhã, é 240,9 por cento superior à taxa média na Região Centro.
As Conferências de S. Vicente de Paulo abraçam todas as facetas deste mundo de preocupações locais, pois todos os dias chegam pedidos de ajuda, na maioria de cariz urgente. Com o Banco Alimentar e a Segurança Social foram feitas parcerias.
Enquanto que muitos dos que passeiam pelas ruas da nossa cidade, reformados ou em situação de subsídio de desemprego, ainda com possibilidades de ocuparem os seus tempos livres, evitando o tédio, preferem andar com uma mão-cheia de nada e outra de coisa nenhuma; outros esticam o seu tempo em prol destas causas humanitárias.
O actual agravamento da pobreza em Portugal, nas várias vertentes, preencheria um espaço grande que não se pode globalizar nesta simples crónica; o sintoma de agravamento tende a manter-se, pois basta ler o Relatório do Banco de Portugal sobre o último semestre de 2004 que quase parece o retrato de um país falido, com o desemprego a aumentar, com o consumo público e privado sem controlo, vivendo ambos – Estado e cidadão – acima das suas possibilidades, com dois milhões de portugueses a viver abaixo do limiar da pobreza, o que significa que há 600 mil crianças pobres.
Entretanto, o “Público” de 4 de Maio, trazia uma listagem dos 10 treinadores mais bem pagos, com o português José Mourinho à cabeça, auferindo a modesta quantia de 7,5 milhões de euros; e os 20 futebolistas mais bem remunerados; com o inglês David Beckham, a jogar no Real Madrid, à cabeça, com a insignificante quantia de 25 milhões de euros. Que dizer destes gritantes contrastes?
E como é possível ainda haver escravidão em Portugal, conforme nos deparou a Comunicação Social nas últimas semanas?! E as flores deste mundo – as criancinhas – a serem objecto da mais repugnante violação e morte, como a Joana, a Catarina, a Vanessa; estas as que saltaram para a ribalta da Comunicação Social porquanto outras estão envolvidas em silêncio sepulcral.
Isto também é pobreza, a pobreza moral encarnada em carniceiros demoníacos que deveriam estar no outro lado do mundo para onde lançaram, às feras, as inocentes criaturas.
Pobreza é também a proliferação da prostituição em Portugal; e na Covilhã, onde parece termos voltado às décadas de 50 e 60, com a então cognominada “rua das prostitutas”, quase no centro da cidade.
Hoje é tudo feito a dar nas vistas. Basta ir à Rua Mateus Fernandes, onde o descaramento existe, com porta permanentemente aberta, mesmo em frente duma igreja evangélica.
E, se alguns já são pobres, também o próprio Estado, nas suas estruturas, contribui para sacrificar os cidadãos com a sua burocracia, originando, nalguns casos, enormes transtornos. Porque motivo, por exemplo, a Conservatória do Registo Predial e Comercial, para a legalização de alguns actos – exemplo, o envio de pagamentos para Conservatória do Registo Automóvel – exige categoricamente cheque, em vez de numerário, causando, quantas vezes, o embaraço de pessoas idosas, outras iletradas, das aldeias rurais do concelho da Covilhã? Autêntica aberração, que é preciso combater.


(In “Notícias da Covilhã”, de 13/05/2005)