31 de julho de 2013

O “CARA LINDA” E O REBENTAMENTO DOS VIDROS DA CÂMARA


Não, não foi nenhum ato de terrorismo, embora vivêssemos numa paz balofa. Corria o ano de 1957, era um domingo, dia 20 do primeiro mês daquele ano.

A RTP ainda não existia em Portugal, ou, melhor, começava as emissões regulares daí por dois meses. E o Sporting da Covilhã vivia uma situação desportiva ambígua, num paradoxo de bons e maus resultados, pois acabaria por descer à II Divisão Nacional, mas, entretanto, chegaria à final da Taça de Portugal.

A guerra subversiva, guerra do Ultramar ou guerra de África ainda não tinha emergido, mas já se adivinhavam, duma certa bruma, anos próximos de crueldade para a juventude.

É que, a resistência à dominação portuguesa na Índia veio manifestar-se no contexto da descolonização europeia. E, assim, após a independência indiana, em 1947, Portugal recusou-se a aceder ao pedido da Índia para rescindir a sua posse. Em 1954, a União Indiana anexou os territórios de Dadrá e Nagar Haveli, que, desde 1779 faziam parte do Estado Português da Índia.

É então que Portugal começa a enviar militares portugueses do Continente para aquela zona asiática, para a sua defesa.

Também da Covilhã partiu um contingente, do Batalhão de Caçadores 2 (onde hoje são instalações da Universidade da Beira Interior), integrando o Batalhão de Caçadores das Beiras,  com 301 homens, além de Companhias dos Batalhões de Caçadores da Figueira da Foz, Guarda, Viseu e Castelo Branco.

A Covilhã despedia-se dos seus briosos soldados que partiam para a Índia, em janeiro de 1957, demonstrando sentimentos de solidariedade das nossas gentes.

Pela manhã, na parada do quartel, foi celebrada uma missa campal pelo bispo da Guarda, D. Domingos da Silva Gonçalves, o primeiro bispo que eu conheci desta diocese, à qual assistiram o Governador Civil e o Presidente da Câmara, Coronel Matoso Pereira. Era comandante do Batalhão de Caçadores 2 o major José Manuel Castanha.

Depois da bênção das medalhas de Nossa Senhora da Conceição, oferecidas pelas senhoras da cidade, aos soldados que partiam, procedeu-se a um desfile pelas ruas da cidade.

No entanto, a Covilhã continuava com a construção dos edifícios graníticos, do Estado Novo, e, nesse contexto, estava em fase de acabamento o novo edifício da Câmara Municipal, cuja inauguração se iria verificar no ano seguinte.

É então que, na despedida dos militares rumo à India, quando dois trabalhadores da Câmara Municipal, Arnaldo Charato e Joaquim Figueiras (“Cara Linda”), pelas 14 horas, se davam ao trabalho de lançar foguetes ao ar, mercê da festa que se ia realizar para despedida da Companhia de Expedicionários à Índia, comandada pelo capitão Teixeira Lino e pelo major Alípio Pacheco, mesmo nas traseiras do novo edifício dos Paços do Concelho, um dos foguetes, por descuido, foi embater com a sacada do edifício, caindo violentamente sobre um molho composto de perto de 20 dúzias. Rebentaram a ponto de destruir estrondosamente os vidros das janelas, das portas e das montras de uma dezena de estabelecimentos existentes na Rua 1.º de Dezembro, causando enormes prejuízos materiais, estimados em cerca de 100 contos. Ficaram aqueles trabalhadores feridos na cara e na cabeça, e ainda, casualmente, os menores que ali se encontravam, José Manuel Riscado Pereira Monteiro, de 13 anos, e João Riscado Pereira Monteiro, de 10, que também ficaram feridos. Por sinal, estes jovens, irmãos, foram meus colegas na Escola Industrial e Comercial Campos Melo, tendo o mais velho, mais tarde conhecido por “Ajax”, já falecido.

Nessa altura, ainda existia o Café Montalto, e todo o comércio vivia uma situação desafogada, e as fábricas de lanifícios não se contavam pelos dedos como hoje, mas já se situavam nas centenas. E hoje, onde está todo este manancial de trabalho? Tão só, destruído, como os foguetes lançados pelo “Cara Linda”!

Chegou às minhas mãos um apontamento perdido em que recordei este acontecimento, no dia 29.03.2008, com o amigo José Miguel Ramos, antigo motorista da edilidade, que se encontrava ali por perto e ouviu o estrondo, numa coincidência, na altura, de há quase, meio século.

(In "Notícias da Covilhã", de 31.07.2013)

10 de julho de 2013

PEDRA FILOSOFAL

Vão-nos levando tudo, cada dia que passa, cada hora que se aproxima, cada minuto que desaparece, e, num segundo, tudo se desvanece. Só nos falta levarem a alma!
Aquela pedra angular da personalidade, duma pessoa de bem, se dissipou. Longe vão os tempos dos nossos antepassados em que um aperto de mão ou a afirmação, numa tomada de decisão, sem qualquer juramento, valia como lei. Era quase tão sagrado como a pedra de ara na religião católica. Já tínhamos ultrapassado os tempos da pedra polida, trabalhávamos na pedra preciosa, e, nos tempos que correm, somos confrontados com horríveis sonhos no quase retrocesso para os tempos da pedra lascada.
Vamo-nos rindo, em sofrimento, com a palavra tão em voga – “irrevogável” –; saindo das profundezas dum vulcão, entranhas duma “grande personalidade”, que nos vomita para os olhos, nas televisões, e nos jornais, com o seu semblante – governante sem palavra – , numa visão de autêntica macacada (já não dizemos “palhaçada” por ser uma palavra proibida em certos espaços circenses); no consumir, escravo das incompetências de muitos que nos desgovernam, o dia a dia de todos nós.
Muitos atiram a primeira pedra, como outros atiram a pedra mas escondem a mão, em cobardias sobejamente conhecidas.
Depois, depois, quem deveria chamar à pedra os responsáveis pela caótica situação prefere que o “seu” povo lhe proporcione antes uma pernoita com a sua Maria, nas Ilhas Selvagens, onde esse povo pobre, doente e descontente, se sentiria mais aliviado se a permanência de sua excelência ali fosse vitalícia. Evitava-se, assim, andar tanto a dar por paus e por pedras, e andar sistematicamente com quatro pedras na mão.
Aquelas alminhas governamentais; quase de fazer chorar as pedras, pensando que se sentem de pedra e cal, com a sua provocação, em cada dia que passa, em cada palavra que soltam, em cada atitude que tomam; fazem-nos andar sempre com a pedra no sapato.
É que, “Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida, tão concreta e definida, como outra coisa qualquer”.
Querem acabar com ele, pois há mais de uma década que mantemos pântano político e tanga no Estado, assim como as reformas, que eram para imediato, acabaram numa mão cheia de nada.
Mas, “como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso, como este ribeiro manso”, os senhores dos palanques do poder nos vão prometendo grandes feitos e logo surgem os defeitos.
Sendo que, “em serenos sobressaltos como estes pinheiros altos que em verde e oiro se agitam”, já se agiganta, há muito, o espectro dos lóbis, desigualdades, protecionismo, pobreza, impunidade e compadrio.
Mas, “como estas aves que gritam em bebedeiras de azul”, vai a contrariedade com o défice entre partidos políticos e políticos quebrados.
Mas, “eles não sabem que o sonho é vinho, é espuma, é fermento, bichinho álacre e sedento, de focinho pontiagudo, que fossa através de tudo num perpétuo movimento”, nos vão enchendo de descaradas petas, em que o que hoje é verdade, amanhã é mentira.
Evidentemente que, “eles não sabem que o sonho é tela, é cor, é pincel, base, fuste, capitel, arco em ogiva, vitral, pináculo de catedral”, para nos conduzirem a bom porto, é preciso “lançar ao mar” a escória de oportunistas, corruptos, traidores e embusteiros do pobre povo.
E, neste contraponto, sinfonia, máscara grega, magia, que é retorta de alquimista” , ao invés de convertermos o metal vil em ouro, somos confrontados com a retoma a vê-la por um canudo, não obstantes os “Pecs” e os agora programas de austeridade, à espera de tranches dos empréstimos que pagamos, à grande e à francesa, como sói dizer-se.
É neste “mapa do mundo distante, rosa dos ventos, Infante, caravela quinhentista, que é Cabo da Boa Esperança” que vamos continuando a ver a dívida sempre escondida, a fragilidade da competitividade, a economia numa agonia, quando houve alguns negócios fortes.
O “ouro, canela, marfim, florete de espadachim, bastidor, passo de dança, Colombina e Arlequim” se  inseriram nas privatizações da PT, EDP, GALP, REN, Portucel, ANA, e sabemos lá que mais.
Com a “passarola voadora, para-raios, locomotiva, barco de proa festiva, alto-forno, geradora, cisão do átomo, radar, ultrassom, televisão, desembarque em foguetão na superfície lunar”, 
logo “visionários”, “iluminados” e “homens de Estado”, mas em estado vergonhoso, nos vêm trazer uma mão cheia de coisas: a ruína do BCP, assistida pela CGD, as fugas de informação, a vergonha manipuladora das escutas, a espionagem, e a promiscuidade entre empresas, num longo etc.
E, portanto, já que muito ainda haveria que dizer, entre Face Oculta, o Polvo, o escândalo do BPN, do BPP, as PPP, os swaps, os estádios, as estradas, o aeroporto e o TGV, e outras mais, ficamos por aqui porque “eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida, que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança”.


 (In "Notícias da Covilhã", de 10.07.2013)

2 de julho de 2013

CONVÍVIO ANUAL VICENTINO REALIZOU-SE NO FUNDÃO

Como já vem sendo habitual, realizou-se, desta vez, no Fundão, na Qta de Joaquim Salvado Raposo, o convívio anual das Conferências de São Vicente de Paulo que integram o Conselho de Zona da Covilhã, este ano a cargo da Conferência Feminina do Fundão.
Cerca de sessenta pessoas das várias Conferências, ainda que algumas não estivessem presentes, perto das onze horas da manhã, ali acorreram para a celebração da Eucaristia a cargo do Assistente do Conselho de Zona, reverendo padre Hermínio Vitorino, açoriano há uns anos entre nós, que já se tornou um amigo beirão, e que esteve presente até final do convívio.
Para além do sítio esplêndido, acrescido da simpatia e colaboração de excelência dos proprietários da quinta, a esposa também vicentina, foi uma dualidade de revigoramento – corpo e espírito – aquele que também precisa duns ingredientes de descanso, qual bálsamo para as dificuldades diárias que a todos os vicentinos se lhes apresentam, carregadas de cada vez mais necessitados; como também refletidos na luz que a todos impregnou, na instituição cristã que é a Conferência de S. Vicente de Paulo.
Para além do Presidente Nacional desta instituição de solidariedade social, de espírito caritativo, o beirão António Correia Saraiva, também estiveram presentes, o Presidente do Conselho de Zona, António Sêco, e todos os Presidentes das Conferências cujos vicentinos ali participaram.
Como já foi referido, por várias ocasiões, este ano comemoram-se os duzentos anos do nascimento do fundador da Sociedade de São Vicente de Paulo – Antoine Frédéric Ozanam como também os cento e oitenta anos da fundação da primeira Conferência Vicentina em Portugal.
De notar que, na Covilhã, há três destas Instituições já centenárias, o que reflete de quanto é importante o serviço pelas mesmas prestado ao longo de todos estes anos.
Podemos mesmo garantir, sem qualquer pejo, não fossem estes serviços voluntários, para com o próximo, onde é que estaria este pobre país de outros tempos, paupérrimo de hoje? Que o digam os municípios que, quantas vezes, se socorrem do serviço de voluntariado das Conferências de S. Vicente de Paulo.
Foi, pois, com grande satisfação que vimos crescer o entusiasmo nestes convívios, irmanados numa autêntica familiaridade, onde, para além do sentido humanista está também a forma de reconhecermos no próximo a sua verdadeira condição humana, no seu todo; como tal, com todos os direitos dos que habitam este planeta Terra, onde a escravidão jamais poderá ter cabimento.
A plena satisfação dum vicentino só se realiza quando o necessitado vem ter com ele e diz que já não necessita da ajuda porque conseguiu colmatar as dificuldades que emergiram.
Há que valorizar, cada vez mais, estes voluntários da Caridade, e todos os defensores desta causa, como neste convívio se verificou.

O próximo convívio anual ficou a cargo da Conferência Vicentina de Santa Maria, da Covilhã.

(In Jornal "O Olhanense", de 01.07.2013)