15 de maio de 2024

OS JESUÍTAS NA COVILHÃ


 

Em 1863 foi entregue aos Padres da Companhia de Jesus o Colégio dos Órfãos de S. Fiel. A partir dessa data, logo começaram a ser frequentemente visitados por dois ilustres sacerdotes da Família Grainha, os Padres João e Francisco. Não tardaram estes em pedir aos Jesuítas de S. Fiel a fundação na Covilhã de uma Residência para ministérios. Só em 23 de outubro de 1869 o Padre italiano, Vicente Ficarelli, nessa altura Superior dos Jesuítas em Portugal, enviou para a Covilhã o Padre Nicolau Rodrigues, que se hospedou em casa daqueles referidos sacerdotes.

Foi em 11 de dezembro de 1871 que o Papa Pio IX ordenou que o Padre Nicolau Rodrigues fundasse a suspirada residência. Isso veio a surgir numa casa, no largo fronteiro à Igreja de Santa Maria Maior. A casa foi cedida para esse fim por Luís António de Carvalho, um dos maiores benfeitores logo a partir da primeira hora. A sua generosidade haveria de continuar pelos seus descendentes – a família Crespo de Carvalho. Ao fundador da Residência veio juntar-se o Padre Francisco Xavier de Miranda que até então vivera no Colégio de Cernache do Bonjardim.

Como os dois religiosos jesuítas não dispunham de Igreja própria, exerciam os ministérios sagrados na Igreja de Santa Maria Maior. Não durou muito tempo a estadia do Padre Nicolau e seu companheiro nesta primeira casa. Fizeram os dois jesuítas por encontrar alguma igreja ou capela onde pudessem ter maior liberdade de ação. Compreendeu esta necessidade o Pároco de S. Pedro, que em fins de fevereiro de 1872 lhes confiou a vetusta capela de S. Tiago. Nela fundaram logo três associações: uma para operários sob o título de S. José, outra para ambos os sexos sob o título do Coração de Jesus e do Apostolado da Oração e a terceira para rapazes sob o título de S. Luís Gonzaga. Para junto desta Capela mudaram a Residência ficando instalada numa casa pertencente a Manuel de Belmonte que, generosamente, não exigiu renda. Só em 1876 se pensou na construção de edifício próprio que começou a ser habitado em 1879. É a casa atualmente pegada à Igreja do Coração de Jesus.

Apesar do aumento feito à Capela de S. Tiago, era insuficiente para conter toda a multidão de fiéis qu


e aí acorriam. Pensou por isso o Padre Nicolau por comprar a Capela para no seu lugar se erigir uma Igreja. A aquisição da mesma foi feita por Maria José de Sousa Tavares que em 1875 a vendeu à Companhia de Jesus. Em fins de março desse ano abriram-se os primeiros alicerces para a nova igreja. A primeira pedra foi benzida e colocada debaixo da porta lateral do lado da epístola em 27 de abril. Presidiu à cerimónia o Padre João Grainha estando presente o Pároco de S. Pedro em cuja paróquia ficava situado o novo templo. Tanto as autoridades camarárias, presididas pelo Visconde da Coriscada, Francisco Joaquim da Silva Campos Melo, como os fiéis auxiliarem a construção da Igreja.

A pedido do Padre Nicolau, o Presidente da Câmara com a Edilidade, permitiu o alargamento do átrio fronteiro, consentindo para isso que fosse deitado abaixo um muro alto que o impedia. A pedra desse muro foi doada à Igreja. Assim, esta ligou para sempre o seu nome à Igreja e aos seus possuidores.

Tinha a Igreja 14 metros de altura e 23 de comprimento. Foi aberta ao culto a 25 de dezembro de 1877. A esta Igreja ligou também o seu nome a Família Megre que em 1878 mandou construir um altar em que foi colocada uma imagem da Virgem Mãe, adquirida em França.

Sobrevindo os tempos calamitosos de 1910, foram os Jesuítas da Covilhã espoliados desta Igreja que foi convertida em tribunal e a Residência em dependência desse tribunal.

A 10 de outubro de 1930 regressaram os jesuítas à Covilhã instalando-se no edifício na Rua Nuno Álvares. Em 1947 adquiriu-se a antiga Igreja, ou mais exatamente, as suas paredes – a única coisa que ficara do incêndio que a devorou em 27 de novembro de 1942 (era Comandante dos Bombeiros Voluntários da Covilhã João Garcia).

A 10 de novembro de 1948 fechou-se o contrato com a sua restauração e a 10 de fevereiro de 1952 era de novo aberta ao público com grande solenidade e concorrência de fiéis.

Uma das maiores preocupações dos jesuítas na Covilhã foi a educação da juventude estudantil e operária. Em 1931 fundaram um Colégio para rapazes do 1º. Ciclo dos Liceus. Mas em 1934 teve de ser fechado para não criar, dizia-se, dificuldades ao novo liceu, fundado nesse mesmo ano. Não deixou, porém, de funcionar o Centro Académico, sempre frequentado por grande número de alunos do Liceu e Escola Industrial. Os jesuítas ajudam também, na medida do possível, os Párocos da Cidade.

Atualmente o Centro Académico já não existe tendo os Padres (chegou a haver Irmãos Jesuítas que coadjuvavam nas tarefas da Igreja), passado a residir nas novas instalações anexas à Igreja do Sagrado Coração de Jesus, mais conhecida por Igreja de S. Tiago.

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Nota: As fotos (nem todas foi possível inserir, por falta de espaço) são elucidativas para quem, ainda jovem, visitou e utilizou estas instalações, como eu. Na foto, os vários padres jesuítas, acompanhada dos párocos da altura, são do conhecimento das gentes mais antigas da Covilhã. Dou uma ajuda na sua identificação: Na primeira fila, da esquerda para a direita: Padre Cândido Ferreira, jesuíta (1º); Bispo da Guarda, D. Policarpo da Costa Vaz (6º.); Sr. Clemente Alfredo da Costa Espinho Petrucci (7º.); Cónego Fernando Brito dos Santos (o único vivo com 89 anos) – (8º.).

Em cima, pela mesma ordem: Padre Barreiros, jesuíta (2º.); Cónego Joaquim dos Santos Morgadinho (3º); Padre Pina (4º.); Padre António Oliveira Pita (5º) e Padre José Batista Fernandes (7º).

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 15-05-2024)

O MÊS DE MAIO E O PAPA BEATO PIO IX

 



Giovanni Maria Mastai Ferretti, seu nome de batismo, nasceu em 13 de maio de 1792 e veio a falecer em 7 de fevereiro de 1878, perto dos 86 anos, tendo o seu pontificado sido o mais longo da Igreja, com a duração de 32 anos, depois do de São Pedro, tendo ele todo orientado para a devoção a Maria. Nasceu na Senigallia (Itália).

Oriundo de uma família de nobres, foi batizado no dia do seu nascimento. Revelando vocação para as humanidades, estudou Filosofia, Direito e Teologia em Roma.



Foi notória a sua atenção para com os mais necessitados, suavizando a dura política praticada pelo cardeal Lambruschini.

Resultante de uma separação entre conservadores e liberais, que era o caso de Pio IX, esta eleição ocorreu num panorama histórico e político complicado, onde fatores como a derrota de Napoleão, a unificação da Itália e a perda dos Estados Pontifícios dificultaram a sua obra, tornando-o num dos maiores papas de sempre. Marcado por diversas mudanças, o seu papado iniciou-se com uma amnistia a favor dos presos políticos ou exilados, que lhe valeu grande popularidade. Com a oposição dos jesuítas, Pio IX introduziu os jornais em Roma, permitindo uma maior liberdade de imprensa. A sua ação durante o papado ficou marcada pelo reformismo e pela viragem para um sentido mais conservador.

Nas suas realizações é de referir a solene proclamação do dogma da Imaculada Conceição em 1854, reforçando o poder da Igreja em Espanha, Portugal e América Latina. Também de referir são as sessões do primeiro Concílio do Vaticano, o Concílio Ecuménico Vaticano I, considerado o zénite do seu pontificado, que se iniciou em 1869 e terminou a 18 de julho de 1870.

Manobrado pelas seitas maçónicas, fervia por toda a Itália o movimento tendente à unificação nacional, que exigia o desaparecimento dos Estados Pontifícios. As forças sectárias chegaram a assassinar o primeiro-ministro Pellegrino Rossi, quando se dirigia para a inauguração do Parlamento pontifício. Pio IX vê-se forçado a refugiar-se em Gaeta, no reino de Nápoles. Daí anuncia ao mundo católico a sua fuga forçada e reitera a nulidade das concessões que, coagido, tivera que fazer aos revoltosos. Pio IX recebeu apoio de todo o mundo católico, salientando-se o da rainha portuguesa D. Maria II que lhe escreveu a oferecer asilo no nosso país. Pio IX retribuiria este gesto, assinando em 1857 com D. Pedro V uma concordata sobre o padroado, censurando, no entanto, os bispos portugueses por não terem sabido reagir contra a lastimosa situação religiosa em que caíra o país. Esta reprimenda seria muito atual para o que se passa nos dias de hoje.

A 4 de abril de 1850, o Papa dirige-se novamente para Roma, onde chega uma semana depois, entre aclamações de triunfo e simpatia.

O Papa fica reduzido a Roma e, a 17 de março de 1861, Victor Manuel é proclamado pelo Senado como rei de Itália. Inicia-se para a Santa Sé uma situação dolorosa que só encontraria solução definitiva bastantes anos depois, com o Tratado de Latrão, celebrado em 1929 entre Pio XI e Mussolini, e atualmente em vigor.

Vista à distância, a situação atual, com a Santa Sé reduzida aos 525 hectares do Vaticano, parece a mais conveniente para a Igreja que, livre de preocupações de ordem temporal, se pode dedicar com maior disponibilidade ao governo espiritual dos fiéis.

Ato de relevo neste pontificado seria a proclamação dogmática da Imaculada Conceição de Maria pela Bula Ineffabilis Deus, em 1854, sendo indescritível o júbilo com que a cristandade festejou este acontecimento que Pio IX perpetuou com uma grandiosa coluna erguida em Roma, na Praça de Espanha.

Portugal de há longos anos vivia a fé neste dogma mariano, tendo D. João IV consagrado o reino à Senhora da Conceição – prometendo solenemente “confessar e defender sempre, até dar a vida sendo necessário, que a Virgem Senhora Mãe de Deus foi concebida sem pecado original”.

Por isso, D. Pedro V, após a proclamação dogmática, determina festejos nacionais “por haver Deus inspirado ao pai comum dos fiéis uma resolução de tamanha glória para a Beatíssima Virgem que, sob o título da sua Conceição Imaculada é poderosíssima padroeira destes reinos”.

Quatro anos depois desta definição dogmática, como a confirmá-la, verificam-se em Lourdes as aparições da SS. Virgem que se apresenta como a Imaculada Conceição.

Em maio de 1851, o cardeal-patriarca de Lisboa aprova a devoção do Mês de Maria, prática e piedade popular que ainda hoje perdura.

A devoção do Sagrado Coração de Jesus que, muito espalhada e viva desde o reinado de D. Maria I, havia decaído  com a expulsão da Companhia de Jesus, sua principal alimentadora, vê-se reacendida com o regresso dos jesuítas, que fundam em Lisboa o primeiro núcleo do Apostolado da Oração, a 17 de abril de 1864 – associação que, passados breves anoa, se encontraria implantada em quase todas as paróquias do país, contribuindo eficazmente para o ressurgimento da vida eucarística, e sendo, ainda hoje, com centenas de milhares de associados, uma das principais fontes de piedade popular.

 

 

 

                                             Fontes: “O Grande Livro dos Papas – De São Pedro a Bento XVI” e

“História dos Papas – Luzes e Sombras”, de Heitor Morais, s.j.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-05-2024)

 

 

6 de maio de 2024

“O HOMEM BOM” – MÉDICO E MISSIONÁRIO EM ÁFRICA

 



Em pleno coração de África, há bem mais de cem anos, acampou entre os nativos de uma aldeia indígena um jovem escocês, médico e missionário, Conquistou a amizade do chefe tribal, distribuiu remédios pelos enfermos da tribo  e pregou sobre um Deus, Pai de todos os homens.

David Livingstone nasceu no dia 19 de março de 1813, na Escócia. Em pequeno, trabalhou fiação doze horas por dia. Anos depois, estudou Teologia e Medicina na Universidade de Edimburgo.

Quando chegou a África, no ano de 1840, toda a região central do Continente era um espaço vazio nos mapas. Devido, em grande parte, aos seus esforços, esta zona foi explorada e cartografada, aberta à colonização e ao comércio. Livingstone coroou todo o seu trabalho com uma cruzada incansável contra a escravatura, as superstições e o analfabetismo.

Durante trinta e três anos de trabalho árduo e de viagens, lutando constantemente contra as doenças tropicais, exposto a todo o momento ao ataque dos selvagens e dos animais ferozes, levou a luz da civilização às zonas mais atrasadas do mundo.

Livingstone sentiu-se possuído de uma profunda compaixão pelos negros africanos. O tráfico de escravos revoltou-o e desgostou-o de tal forma que fez voto de dedicar a sua vida a combater esse monstruoso comércio.

A sua atividade médica era parte indispensável da sua obra apostólica. Demonstrava, diariamente, a eficácia do quinino no tratamento da malária. Durante os primeiros cinco anos de trabalho, ele mesmo sofreu trinta e um acessos de febre. Sem quinino, não teria sobrevivido. Com este medicamento, insuflou vida a famílias e a tribos inteiras. Os negros, quando lhes tratava as doenças, chamavam-lhe, com alegria, o Homem Bom.

As façanhas de Livingstone como explorador alinham com as dos maiores aventureiros de todos os tempos. Explorou um terço do imenso Continente – do Cabo até quase ao Equador e do Atlântico ao Oceano Índico, tendo desbravado uma área mais extensa do que a descoberta por qualquer outro explorador. Traçou mapas de todas as regiões que visitou e enviou relatórios pormenorizados à Sociedade Real da Geografia de Londres.

Foi o primeiro europeu a chegar às margens do grande Lago Ngami. Descobriu, também, as magníficas cataratas, duas vezes mais altas do que as do Niagara, que batizou de Cataratas de Victória, em homenagem à sua rainha.

A partir de 1858 Livingstone foi mais explorador do que missionário. Numa lancha a vapor, ele e os seus companheiros exploraram o Zambeze e outras vias fluviais do centro e do leste de África. Descobriram o Lago Niassa, estabeleceram postos missionários, escolas e rotas comerciais.

No princípio de 1866 empreendeu a tarefa perigosa de explorar as vertentes que alimentam o Lago Niassa e o Lago Tanganica. Depois do dia em que Livingstone partiu para essa memorável expedição, só um branco o voltou a ver vivo. Os negros hostis roubaram-lhe as provisões. Chuvas incessantes e moscas trsé-tsé tornaram quase impossível a viagem. Em 1869, gravemente doente, Livingstone foi transportado em liteira até Ujiji, no Lago Tanganica, numa tormentosa viagem que durou dois meses.

Certa noite, na aldeia de Ilala, Livingstone sentiu-se tão exausto que não podia sequer falar. Carinhosamente, os ajudantes colocaram-no no leito. Pouco antes de amanhecer, encontrava-se morto, de joelhos, junto da cama tosca, com a cabeça apoiada sobre as mãos postas.

“Morreu o Homem Bom”. A notícia correu de cabana em cabana, de aldeia em aldeia. Embalsamaram o corpo mas tiraram-lhe o coração para o enterrar, respeitosamente, na terra a que verdadeiramente pertencia.

Começou, então, o cortejo fúnebre mais longo de que há memória na História. Entoando hinos do Evangelho que o “Homem Bom” lhes havia ensinado, os nativos que formavam o cortejo iniciaram uma marcha de nove meses até à costa. De Zanzibar, um navio britânico transportou o corpo para Inglaterra. A 18 de abril de 1874, David Livingstone foi sepultado com todas as honras na Abadia de Westminster.

Fonte: JMCD, “Condensado de Biografias Famosas”.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-05-2024)