25 de junho de 2009

O CARRO DO “SORTEIO DOS CEGOS”

Há uns anos encontrava-me em Vilamoura, com a família, no restaurante do Paulo China e do Figo, quando entrou o então futebolista internacional Paulo Sousa.
Ao lado da minha mesa estava o cantor Fernando Tordo que comentou baixinho para o seu amigo: “Ganha este gajo mais num mês que eu num ano!...”
Se atentarmos ao que se passa com os 94 milhões, número tão extravagante que já nem se leva o pensamento para Bancos – BPNs, BPPs, e quanto baste – mas tem de imediato um destinatário – Cristiano Ronaldo –, que comparação é que faria então o nosso cantor português, do “Cavalo à Solta” e da “Tourada” perante este “menino de diamante”?
Eu que gosto de futebol, escrevi muito sobre futebol, se calhar começo a ficar com o enfado do futebol.
Passei pelo restaurante do Vítor Saraiva – o “Neca”, na Covilhã, onde possui também, nas paredes do seu estabelecimento, fotografias e mensagens de gentes ilustres do mundo do desporto, e não só, como o Paulo China exibe em Vilamoura.
Mostra-me os jornais desportivos “O Jogo”, de 24/06/2008, com uma fotografia sua, equipado à Sporting, ao lado de Liedson, num grande cartaz, que, por sua vez, está junto ao sportinguista Yannick Djaló, que saiu do C.D. Estação.
Noutro jornal – “A Bola” – de 12/6/2009, lá aparece o amigo Neca com um breve texto e foto, não faltando a chamada de atenção – ”Ganhei o 1.º prémio no concurso gastronómico da CM Covilhã com um cabrito assado na brasa”.
Mas ao lado da sua fotografia, no jornal surge uma outra com história, de Tomás Paquete, uma das maiores figuras do atletismo português das décadas de 40 e 50, velocista do Benfica, 18 vezes campeão de Portugal, e não só, falecido há dias, e que há mais de vinte anos ainda chegou a ser meu colega de profissão.
Mas o Neca sempre foi daqueles covilhanenses de bom humor.
Recordei-lhe os tempos em que andámos na catequese, em S. Pedro, ao tempo do Padre Carreto, em que chegou a integrar uma peça teatral representando “Cristo”, em “Marcelino, Pão e Vinho”.
Mas na senda das memórias ficou o ano da “1.ª Prova da Rampa Serra da Estrela”, no início da década de setenta.
Tinha o Neca a carta de condução há cerca de 15 dias. Foi para a “Rosa Negra”, pelas 2 horas da manhã, juntamente com os amigos, entre os quais o Xico Antunes, ver treinar os profissionais da Rampa, o que se fazia naquele tempo.
Entretanto, o falecido Fernando Sobral, com o seu volkswagen artilhado, veio também fazer o trajecto da prova, que era do “Conde da Covilhã ao Sanatório”, com o cronometrista Xico Antunes. Surge à “Rosa Negra” a desafiar com o pouco tempo que gastara no percurso.
O Neca, há pouco tempo encartado, propõe-se fazer a prova em menos tempo. Fernando Sobral aceitou o desafio e confiou o seu carro ao amigo Neca, acompanhado pelo Xico Antunes. Fraca experiência do Neca e começa a acelerar; ao aproximar-se da “Rosa Negra”, depara-se com um carro em sentido contrário. Ao ver os faróis, desvia-se demasiado para a direita, subindo a rampa, e capotando duas vezes para o lado esquerdo, onde se encontrava a plateia de mirones.
Apesar de ter capotado, os dois ocupantes saíram ilesos; e o Neca recebeu forte ovação dos mirones, eram uma 3 horas da manhã.
Após o susto surgiu o Tó Coelho que resolveu o problema do reboque, levando o carro na camioneta de caixa aberta de seu pai.
No percurso, ao entrar no Pelourinho, com o espectáculo do carro do Sobral, amolgado, em cima da camioneta, o Neca ainda teve fôlego para deitar o desabafo: “Eh! Pá! Até parece o carro do Sorteio dos Cegos!...”
Finalmente, para “alívio” do Neca, no dia seguinte – o da prova – o terceiro concorrente fez exactamente a mesma coisa e não teve direito a palmas…

(In Notícias da Covilhã e Diário XXI de 25/06/2009 e no jornal ''O Olhanense''

18 de junho de 2009

O adeus a José Pereira


Inesperadamente desaparece do mundo dos vivos mais um antigo atleta do Sporting da Covilhã.
Depois de dois antigos dirigentes que ajudaram a cimentar o clube serrano para o galarim da história nacional do futebol português, e da imagem da cidade e região que acolhe de bom grado o “Leão da Serra”, terem partido – refiro-me claramente aos saudosos José de Sousa Gaspar e Carlos Xistra – coube também a vez dos homens das “chuteiras” terem visto cedo o destino certo dos humanos: foram eles os cunhados Rui Leite e Guilherme Moreira, depois de outros anteriores também já terem desaparecido.
Outras grandes glórias do SCC, já octogenárias, nomeadamente Suarez, Cabrita e Tomé, vão atravessando dificuldades nas suas doenças, mas de quando em vez, vão enviando saudações para o clube serrano cujas camisolas briosamente envergaram.
O antigo guarda-redes do Sporting Clube da Covilhã, José Pereira Moreno, covilhanense de gema, brioso desportista, amável nas palavras quão de simplicidade nas suas atitudes, vem aumentar o número dos que já passaram para a outra margem da vida, cedo para os tempos de hoje.
Foi incontestável titular nos juniores do SCC, na década de 60, ao lado de nomes de destaque como os irmãos Prata, Victor Campos, Berrincha, Ferrinho, Cipriano, Humberto e outros.
Depois, titular várias vezes, nas 2.ª e 3.ª Divisões Nacionais – nesta última chegou a ser Campeão Nacional na época de 1974/75 – sendo geralmente o 2.º guarda-redes nos seniores.
Depois de ter deixado de representar o SCC, envergou as camisolas da Associação Desportiva da Guarda, Benfica de Castelo Branco, Pinhelenses e Sport Clube do Barco, tendo, neste último, como treinador-jogador, levado a colectividade a ganhar o distrital da época 1981/82, no surgimento de César Brito.
No dia do seu falecimento, em conversa com Miguel Saraiva, Filipe Pinto e seus antigos companheiros, Fazenda e Eduardo Prata, comentámos as qualidades deste homem simples que continuava a vibrar com as cores serranas e a acompanhar alguns jogos fora.
No passado dia 1 de Maio esteve presente no jantar das velhas glórias do Sporting da Covilhã, onde confraternizou com antigos colegas, que agora lamentam a sua perda.
Paz à sua alma.

(In Diário XXI, de 17 de Junho e Jornal Notícias da Covilhã, de 18 de Junho)

1 de junho de 2009

A LONGEVIDADE DA ESCOLA INDUSTRIAL

Soe dizer-se Rua Direita, em vez de Rua Comendador Campos Melo; Praça, em vez de Mercado; Liceu, em vez de Escola Frei Heitor Pinto; Igreja de S. Martinho, em vez de Igreja de Nª. Sª de Fátima; e também a actual designação de Escola Secundária Campos Melo é mais conhecida, como sempre, por Escola Industrial.
Nesta instituição de excelência passou um formigueiro de gente, não só covilhanenses, como fundanenses, belmontenses, e de outras paragens da região, e não só.
Por todo o País, e vários cantos do Mundo, há homens e mulheres que passaram pela Escola Industrial e Comercial Campos Melo.
Fui também um dos seus alunos, inicialmente diurno, e, nos últimos anos, nocturno, sendo nesta fase que concluí o Curso Geral do Comércio.
Foram momentos bons, outros menos agradáveis, mas no somatório resultou num saldo francamente positivo.
No contacto com muitos Professores e Colegas, surgiram, na sua generalidade, amizades, algumas mais fortes que outras, hoje numa evidente nostalgia.
Ainda tenho memórias vivas de momentos bons e orgulho-me de ter participado nas Comemorações do Centenário, já lá vão 25 anos, e na fundação da APAE. Pena é que alguns Colegas, que também estiveram presentes e foram participativos em muitas reuniões de trabalho, cedo tenham desaparecido do mundo dos vivos.
Mas no privilégio de ainda poder memorizar, recordo também, ainda que vagamente, as Bodas de Diamante da Escola, sem a pompa do Centenário. Andava no 1.º ano do Ciclo Preparatório (os dois anos preliminares do Ensino Secundário exerciam-se na mesma instituição, não sendo em escola independente, como agora) e lembro o Director da Escola Industrial, Eng.º Ernesto de Melo e Castro, alegremente dizer que ouvira a notícia na Emissora Nacional (a televisão, de um único canal, a preto e branco, estava nos primórdios) do aniversário da Escola, e, logo referiu energicamente, como era de seu timbre: “A Rádio informou que a Escola Industrial comemora as Bodas de Ouro, mas não são Bodas de Ouro, são Bodas de Diamante. Vamos ver nos jornais de hoje se lá vem a notícia com o aniversário correcto”.
Quando a Escola Industrial foi criada, presidia à Câmara Municipal o Dr. António Pedroso dos Santos, que tem o seu nome numa das ruas da cidade. Na acta da sessão extraordinária do dia 5 de Janeiro de 1884, dois dias antes da criação da Escola, registou-se naquele livro documental: “Presidência do Senhor Doutor Pedroso dos Santos, estando presentes os Senhores Vereadores efectivos, Doutor Neves, Tavares Barreto e Fernandes d’Amaral, faltando com causa justificada os demais Senhores Vereadores.
Prestou juramento e entrou no exercício das suas funções o Senhor Vereador, substituto, Bernardino Morais d’Oliveira.
Também esteve presente o Senhor Administrador do Concelho.
Aberta a sessão à uma hora da tarde.
O Senhor Presidente declarou: que convocara a Câmara para esta sessão extraordinária pelo motivo que passa a expor, e cuja importância e urgência a mesma Câmara avaliará.
Que o Exm.º Sr. José Maria Veiga da Silva Campos Melo, Procurador à Junta Geral deste Distrito, e um dos mais importantes industriais deste Concelho, o informara de que estando recentemente com Sua Ex.ª o Ministro das Obras Públicas, este lhe manifestou o desejo do Governo abrir, quanto antes, escolas profissionais nos centros industriais, e o encarregou de solicitar desta Câmara que aplanasse as dificuldades que podem resultar da falta dum edifício com a capacidade e cómodos para a instalação das escolas de desenho, de mecânica e de tinturaria aplicadas, auxiliando, assim, o empenho do Governo, no sentido de instruir a população operária.
Que ele Presidente, compreendendo a vantagem intuitiva de criações de tais escolas não tinha dúvida, por sua parte, de votar uma despesa compatível com os recursos do município, a fim de se obter a realização de tão assinalado serviço, como o que o Governo projecta em favor dos industriais deste centro fabril.
Falaram sobre o assunto os Senhores Vereadores Doutor Neves e Fernandes d’Amaral, e não havendo outros vereadores inscritos, procedeu-se à votação, e, por unanimidade, se deliberou que a Câmara, congratulando-se, por ver atendida uma das mais imperiosas necessidades deste município, qual a da instrução profissional, secundará o empenho do Governo, pondo à sua disposição um edifício com a capacidade precisa para as escolas cuja fundação se projecta.
Deliberou-se mais: que uma cópia desta acta fosse enviada ao Exm.º Ministro das Obras Públicas, pedindo-se a Sua Ex.ª que mande um empregado, seu subordinado, inspeccionar o edifício que a Câmara destina para as escolas em projecto, para estando na casa, se fazerem nela as obras complementares necessárias.
E, finalmente, deliberou que se o edifício escolhido for particular se contrate a sua compra, ficando o Senhor Presidente para tanto já com poderes, fazendo-se logo o orçamento para a aquisição do mesmo edifício, e pedindo-se a necessária autorização e aprovação superior.
O Senhor Administrador do Concelho declarou: que se associava do melhor grado à deliberação da Câmara, e a felicitava por ter secundado o grandioso pensamento do Exm.º Ministro, vista a importância da instituição.
Não havendo mais a tratar, encerrou-se a sessão sendo duas e meia horas da tarde.
E eu António Carlos de Sousa Pimentel, Primeiro-Oficial da Secretaria Municipal, servindo d’Escrivão no impedimento legal do próprio, a escrevi, tendo prestado o competente juramento, nas mãos do Senhor Presidente.
Seguiram-se as assinaturas de: António Pedroso dos Santos
João das Neves
José Tavares Barreto
Bernardino Moraes d’Oliveira
Joaquim José Fernandes d’Amaral”

E, na acta da sessão de Câmara seguinte, datada de 16 de Janeiro de 1884, consta:
“Presidência do Senhor Doutor Pedroso dos Santos, Vereadores presentes os Senhores Artur Alves, Doutor João Dias Mateus e Morais de Oliveira, este substituto, faltando com causa justificada os demais Senhores Vereadores.
À uma hora da tarde declarou o Senhor Presidente aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente foi aprovada.
O Senhor Doutor João Dias Mateus, Vereador efectivo, prestou o juramento da lei e entrou no exercício das suas funções.
O Senhor Presidente apresentou à Câmara os seguintes documentos e correspondência: Portaria do Ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria, de 14 do corrente mês, em que Sua Majestade, El-Rei, manda por aquele Ministério, acusar ao Senhor Presidente da Câmara Municipal deste Concelho da Covilhã a recepção da cópia da acta da sessão extraordinária da Câmara de cinco deste mês corrente, em que a mesma Câmara resolveu por unanimidade de votos, dos Senhores presentes à dita sessão, pôr à disposição do governo um edifício com a capacidade precisa para o estabelecimento da escola industrial criada por decreto de três de Janeiro do corrente ano; e Determinando O Mesmo Augusto Senhor, que em Sua Real Norma, se faça constar ao Senhor Presidente desta Câmara Municipal, para os devidos efeitos, que foi muito agradável de Sua Majestade, tornando-se digno de especial louvor, o modo, por que a Câmara Municipal do Concelho da Covilhã secundou a criação e organização da mesma escola industrial.
A Câmara ficou inteirada, congratulando-se pelo louvor contido na Portaria de Sua Majestade. (...)”
As Bodas de Prata da fundação da Escola Industrial, verificadas em Janeiro de 1909, tiveram na Câmara Municipal a Presidência de João das Neves, sendo Vice-Presidente o Padre José da Costa e Oliveira e dez Vereadores.
Foi Director da Escola, e seu Professor, desde a sua fundação, José da Fonseca Teixeira.
As Bodas de Ouro, verificadas em Janeiro de 1934, tiveram na Câmara Municipal, então em Comissão Administrativa, a presidência do Dr. Alexandre de Quental Calheiros Veloso, se bem que várias vezes também presidiu o Dr. Francisco Almeida Garrett. Como Vice-Presidente constava o Dr. José Victor Tavares Batista, um secretário, quatro vogais, e seis substitutos, o primeiro dos quais foi o Engº. Ernesto de Campos Melo e Castro, que, entretanto, era já, nessa altura, o Director da Escola Industrial e Comercial Campos Melo.
Aquando das Bodas de Diamante, em Janeiro de 1959, liderava a Câmara Municipal o Dr. José Ranito Baltazar, sendo Vice-Presidente o Dr. Gabriel Boavida Castelo Branco, e mais seis Vereadores.
Como Director da Escola mantinha-se o Eng.º Ernesto Melo e Castro.
No Centenário, em 1884, cujas comemorações se prolongaram por todo o ano, e se deu início aos trabalhos da constituição da pró-associação de antigos professores, alunos e empregados, que iria dar lugar à APAE Campos Melo, tinha na presidência da Câmara, Augusto Lopes Teixeira, com mais seis vereadores.
A Presidente do Conselho Directivo da Escola, designação de então, em substituição de Director, foi a Dr.ª Maria Ascensão Albuquerque Amaral Figueiredo Simões.
Conforme referi inicialmente, vários alunos que passaram por esta Escola, não eram da Covilhã. Um deles, por razões de ordem profissional de seu pai, que foi durante anos o responsável pelo extinto Posto da Polícia de Viação e Trânsito da Covilhã, sediado que foi à Palmatória, hoje Avenida da Universidade, veio do norte do País, donde é natural, para a Covilhã. Aqui passou parte da sua vida de estudante, tendo sido meu Colega na década de sessenta, na Escola Industrial, e, depois, algum tempo, também Colega de profissão na edilidade covilhanense, até que, após o serviço militar se mudaram os rumos das nossas vidas.
O Fernando Dias Pedrosa Gonçalves vivia para as bandas do Refúgio, e, aí, emparceirou com outro amigo, também do nosso tempo da Escola Industrial, o António José Lopes Gil Chorão, a residir em Lisboa.
Somos “três mosqueteiros”, e ambos sócios fundadores da APAE.
De vez em quando, do encontro de amigos, surgem as recordações do passado, agora que todos contamos já com netos.
Vai daí, um e-mail do Fernando Pedrosa de há dias, na memorização de estórias que fizeram e continuam a fazer a história da nossa Escola Industrial, assim:
“No sábado de manhã e no regresso a casa, findas as aulas, eu e o Chorão combinámos de tarde ir dar um passeio à Covilhã.
Se bem combinámos melhor o fizemos, pois passamos a tarde entre o Pelourinho e o Jardim e, saturados de calcorrear a cidade, decidimos regressar ao Refúgio.
Tinha estado uma tarde magnífica e, por isso mesmo, vínhamos calmamente. Já perto do Refúgio vemos ao longe aproximar-se um carro que nos era familiar – era o velho Austin do Eng.º Ernesto Melo e Castro. Ao passar por nós reconheceu-nos e fez um gesto de simpatia para connosco.
Ainda não tínhamos caminhado meia dúzia de metros e ouvimos a buzina de um automóvel a tocar freneticamente. Era o engenheiro que parara o carro, e, buzinando e gesticulando dentro do mesmo, requeria a nossa presença. Voltámos para trás e aproximámo-nos do carro.
- Há algum problema, Sr. Engenheiro? – Perguntámos.
- Nada de grave. Estou a regressar de Lisboa e como tenho o carro muito carregado e ainda tenho de ir para Orjais, lembrei-me de vos pedir para irmos à Escola descarregar, só que não tenho a chave. Vocês não me podem ajudar a resolver o problema?
Eu e o Chorão ficámos a pensar e propusemos deixar o material em caso do Zé Rodrigues, que morava mesmo ao lado da Escola, caso estivesse alguém em casa.
O engenheiro não encarou bem com a ideia e salientou que o ideal era ficar tudo na Escola.
- Então só se assaltarmos a Escola!
O homem olhou-me e exclamou:
- Assaltar a Escola!?
Eu, com a anuência do Chorão, expliquei:
- Por vezes há janelas que ficam mal fechadas ou por esquecimento entreabertas e se isso acontecer nós entramos sem problemas, desde que o Sr. Eng.º esteja de acordo e nos der licença para o fazermos.
O Sr. Director ficou pensativo, o Chorão ajudou à decisão, dizendo:
- Não há nada como tentar!
- Então vamos lá, entrem e acomodem-se da melhor maneira.
A viagem até à Escola foi rápida. Em determinado momento apercebi-me que o homem estava em pulgas e arrependi-me de ter feito a proposta. Tinha, sem querer, caído numa armadilha. Chegados à Escola, eu e o Chorão saímos do carro e caminhámos para as traseiras onde havia um muro fácil de saltar.
Já dentro do recinto da Escola dei conta ao Chorão da minha ideia: o homem, quando segunda-feira chegasse à Escola, iria fazer um pé-de-vento que ninguém o iria aturar:
- Não, pá, ele não vai fazer nada; nós estamos a ajudar.
Estivemos para bater em retirada e dizer que afinal estava tudo fechado a sete chaves, mas decidimos ir em frente. Começámos a empurrar todas as janelas daquele correr até que chegámos a uma que facilmente cedeu e abriu-se. Era uma das janelas das casas de banho. O contínuo era o Ti Zé Tesão, como a malta o apelidava e tinha o hábito deixar as janelas com uma abertura pequeníssima para haver circulação de ar e assim atenuar o mau perfume...
Entrámos, fechámos a janela e subimos ao piso onde se situava a entrada principal da Escola; procurámos a chave no chaveiro situado na sala dos contínuos e abrimos a porta.
Descarregámos o carro e ficou tudo depositado junto ao gabinete do engenheiro.
Na despedida, o Chorão ainda pediu:
- Sr. Eng.º, não vai ralhar com ninguém por causa disto!?
- Não. Só tenho a agradecer-vos pela ajuda.
Aí entrei eu e disse:
- É que se isso acontecer nós vamos ficar com o pessoal todo a olhar de lado para nós!
Abriu a porta do carro e, antes de entrar, ainda disse:
- Bom Domingo! Não se preocupem, está tudo bem.
Na segunda-feira os berros do engenheiro ecoaram por toda a Escola e ouviram-se na aula de francês onde o saudoso Dr. Oliveira Dias se virou para mim:
- Não é nada contigo, Pedrosa!?
- Acho que não, Sr. Doutor!
Tocou para a saída, desci a escada e logo encontrei o Pereira Nina que era o chefe dos contínuos:
- Tinhas que ser tu, Pedrosa!
O Eng.º Melo e Castro não era homem para deixar passar em branco falhas graves nem pactuava com meias palavras. O que tinha a dizer, disse.
Um abraço.
Pedrosa”.


(In Revista ''Ecos da APAE'', nº.17, de Junho 2009)