27 de setembro de 2019

ESQUECIMENTO NÃO É UMA PALAVRA BONITA

Nesta terceira publicação d’O Combatente da Estrela, do ano da graça de 2019, que corresponde ao número 116; no regresso generalizado das férias, passados os pontos nevrálgicos da greve dos motoristas de matérias perigosas, e ainda a manterem-se alguns incêndios a devastar este País, mas já com os estudantes que vão entrar pela primeira vez para as universidades a verem confirmadas  muitas das entradas a contento das suas opções, na expetativa das eleições para as legislativas já à porta; deixamos ainda memória do bom comportamento dos nossos atletas nas provas internacionais a ganharem medalhas que vão do ouro e prata ao bronze, e  também a seleção nacional de todos nós a transmitir-nos alegria e esperança no desfraldar garbosamente da bandeira nacional.
Este órgão trimestral do Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes continua a chegar às mãos de muitos leitores e é patente, também em muitos, o desejo que chegue às suas caixas de correio, tornando-se incómoda uma reclamação de não recebimento.
Continua este Núcleo com as suas atividades programadas e a Sede, mesmo neste período de veraneio, a ter visitas de associados, numa exemplaridade para outras instituições ou coletividades que se salvam geralmente com a existência do bar, para alguém poder marcar o ponto.
Os tempos já não são como os de outrora, em que o associativismo marcava uma maior presença de associados, então mercê da falta de oportunidades que hoje existem já a partir de casa, mas sente-se ainda, apesar dos meios da modernidade onde as vias tecnológicas marcam a sua incondicional diferença, que o contacto humano gera a necessidade da sobrevivência.
As memórias dos antigos combatentes continuam ainda bem vivas nas conversas e na escrita, assim como as lamentações por quem sofreu na pele e no espírito os danos resultantes duma guerra para onde muitos foram lançados sem vontade alguma da sua participação.
E é nestes Núcleos da Liga dos Combatentes que reconhecemos como a generalidade da juventude das gerações de 40 a 60 do pretérito século foram atirados para as feras.
Então vamos entrar na falta de lembrança, de memória, omissão, falha, lapso, desprezo, perda de sensibilidade, abandono, adormecimento, indiferença, olvido, ou o que queiram atribuir ao ato ou efeito de esquecer, que dá força ao título deste editorial.
Muito bem a propósito, o Presidente da Liga dos Combatentes, tenente-general Joaquim Chito Rodrigues lamentou e constatou o facto de ninguém falar sobre os problemas dos antigos combatentes na pré-campanha para as legislativas de 6 de outubro. Ele mesmo chamou à atenção para a necessidade de o Governo publicar o Estatuto dos Antigos Combatentes. Este documento chegou a ter uma versão inicial nesta legislatura, mas acabou por ser novamente adiado. E referiu: “Queremos um estatuto que dignifique o combatente e que reconheça aos antigos combatentes o direito a apoios económicos e sociais”.
O que é certo é que na recolha de opiniões junto dos combatentes foi reconhecido por todos os partidos que era necessário incluir medidas nesse estatuto. O próprio Presidente da República tem afirmado a necessidade de que o Governo publique o Estatuto dos Antigos Combatentes.
Mas também é certo e verdade que o esquecimento é uma palavra negra para os antigos combatentes, fartos de esperar.
E por que não lembrar na descolonização todos quantos foram soldados guineenses e doutras colónias, que serviram Portugal de 61 a 74, deixados para trás após o 25 de Abril, vindo a ser executados em praça pública?
Enfim, a história está feita de muitas outras terríveis estórias, mas não completa, e dos que regressaram à Metrópole de então, muitos com mazelas incuráveis, o esquecimento não é palavra vã. Ele existe e há que fazer com que seja eliminado na salvaguarda dos interesses dos Antigos Combatentes.

(In "O Combatente da Estrela" , n.º 116, de outubro de 2019)

18 de setembro de 2019

LOUCOS NA CASA COMUM


Se há alguma coisa que me leva à repugnância são as passagens da história dos escravos de todo o mundo que ainda hoje, em pleno século XXI, persiste nalgumas partes incivilizadas do planeta.

No Código Negro francês, promulgado por Luís XIV em 1685, no seu artigo 44 declarava os negros como móveis para efeitos de seguro, de tal forma que se a escrava engravidasse não era crime considerado de ofensa à pessoa, mas sim à propriedade, e os donos das escravas começavam a entrar em acordos com os imputados autores, deles recebendo uma soma que os absolvia das penas. Eram frequentes as compras de escravas grávidas por uma razão algo insólita: o adquirente comprava previsivelmente dois escravos pelo preço de um!

No século I d. C., o louco Nero (Nero Cláudio César Augusto Germânico, nascido com o nome Lúcio Domício Enobarbo), jovem imperador, teve o seu reinado associado à tirania e à extravagância. Recordado ainda por uma série de execuções sistemáticas, incluindo a da sua própria mãe, e sobretudo pela crença generalizada de que, enquanto Roma ardia, ele estaria compondo com a sua lira, além de ser um implacável perseguidor dos cristãos.

Recuando para o século II a.C., podemos, ao acaso, focarmos Delenda est Carthago (“Cartago deve ser destruída”), com Catão, o Velho, a inflamar seus compatriotas sobre a necessidade de iniciar o quanto antes a Terceira Guerra Púnica e a destruição total de Cartago. Naquela época, durante as sessões do Senado e fora delas, repetia no final aquela frase que o imortalizou para a história.

A nossa Casa Comum persiste, ainda hoje, em gravitar de muitos loucos que pretendem incutir a submissão a quem não obedecer aos seus propósitos de destruição.

Estão na vanguarda Donald Trump e Jair Bolsonaro. Este tem permitido a destruição da floresta Amazónia, a qual já arde há muitos dias. Bolsonaro bloqueou relevantes verbas para a proteção e conservação do maior pulmão do mundo. O Governo brasileiro tem atacado, sem precedentes, os povos indígenas da selva, com o fim de os destruir e lhes saquear as terras. As queimadas tiveram um acréscimo de 82% este ano! Estima-se em 20% o oxigénio que de lá vem.

Com um demente no poder do Brasil, se não meterem Bolsonaro numa camisa-de-forças, não sabemos até onde isto vai parar! Nos 130 anos de República, o Brasil já teve toda a espécie de presidentes. Mas Jair Bolsonaro está batendo todos os recordes do pior presidente de sempre. É o ódio ou desprezo por índios, gays, transexuais, feministas, crianças, professores, estudantes, cientistas, pesquisadores, artistas, jornalistas, pacifistas, imigrantes, deficientes mentais, dependentes químicos, presidiários, desaparecidos políticos, ambientalistas, veganos e pessoas oriundas do Nordeste do Brasil. Vive manifestando o seu apreço e a sua admiração por torturadores da ditadura militar, polícias corruptos que dominam e extorquem os habitantes das favelas, assassinos profissionais, fabricantes de armas, devastadores do ambiente, garimpeiros ilegais em terras indígenas.

Bolsonaro e Macron trocam insultos enquanto a Amazónia arde. Jair Bolsonaro chegou ao ponto de, no G7, ter feito comentários “desrespeitosos” sobre a idade da primeira-dama francesa, Brigitte, que é 24 anos mais velha que o marido.

Mas já antes bradava por terras de Cristóvão Colombo outro louco – Donald Trump, a brincar com a humanidade, rasgando acordos internacionais, como o acordo nuclear com a Rússia sobre a proibição de mísseis nucleares de curto e médio alcance, assinado em 1987; saída do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas; anunciou ainda a retirada dos Estados Unidos do Tratado Internacional de Comércio de Armas com a ONU, importante acordo, assinado por 130 países em 2013.

São alguns dos loucos da Casa Comum, colocados nos pedestais por outros insensatos, talvez loucos de mudança, sem medir as consequências de um tal ato de loucura na altura das suas decisões, democráticas ou não.


(In "Notícias da Covilhã", de 19-09-2019)

11 de setembro de 2019

NÃO BELISQUEM AS FÉRIAS


Escrevo esta crónica no último dia de agosto porquanto decidi continuar “a andar por aí”, e, por isso, numa “aliança” com amigos, surgiu um prolongamento de férias.

Faço assim uma paragem na arrumação do arquivo do meu escritório, onde milhares de recortes de jornais, apontamentos, recolhas antigas de documentação, tudo acumulado ao longo de mais de quatro décadas (mas arrumadinho…) levam o destino fatal, selecionando somente algumas preciosidades. A fatalidade do deitar fora vai, entretanto, servir de pequeno contributo para o Banco Alimentar, na sua recolha de papel.

Nesta de arrumações, a casualidade trouxe-me uma notícia da Visão, de 20.01.2017, que achei interessante: “A comida picante pode ser o segredo para uma vida saudável e mais longa”. Publicada numa rede social, logo aí encontrei amigos que, tal como eu, adoram este paladar e, sem ser necessário ler os papelinhos que os muitos “astrólogos” nos vão colocando nos para-brisas dos automóveis, oferecendo os seus serviços milagrosos, ficámos na esperança de andar por aí mais uns anitos…

Se os pardais já se sentem incomodados pela dificuldade em encontrar onde debicar, pelo norte, centro e sul, os javalis devastam campos e culturas. São notícias que, de certo modo nos vão atormentando, mesmo quem viaja.

Mas o que continua a chegar todos os dias aos vários meios de comunicação social, são as crises sociais, políticas e humanas.

Não faltam os sobejados disparates dos líderes americano e brasileiro para termos, como europeus, que gramar as tolices do novo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, com as suas mentiras até ao golpe final – aconteceu a 29 de agosto, com a anunciada suspensão do Parlamento inglês entre 10 de setembro e 14 de outubro, “nesta manifestação radical de como referendos com perguntas simples para questões complexas abrem o caminho a que líderes sem escrúpulos consigam levar a sua avante, de mentira em mentira, até à entorse democrática final”.

Efetivamente, foi no dia 23 de junho de 2016 que os eleitores do Reino Unido foram às urnas para responder à seguinte pergunta: “Deverá o Reino Unido permanecer como membro da União Europeia, ou deixar a União Europeia?”. As respostas possíveis eram “permanecer como membro da União Europeia” e “deixar a União Europeia”. Dos cerca de 46 milhões de eleitores, 72,2% foram votar; 51,9% dos votos foram na segunda opção. Desde então, a União Europeia entrou no “Brexit”.

Conforme Rui Tavares refere no “Público”, “esta johnsoniana suspensão do parlamento para forçar um ‘Brexit’ sem acordo é a mesma que fazer batota para ultrapassar a linha do golo”. É que Boris pôs a rainha a vandalizar a democracia com a decisão do primeiro-ministro britânico de suspender o Parlamento até à véspera do “Brexit” – para impedir a democracia parlamentar de funcionar. No ocaso do reinado de Isabel II é envolvida numa golpada institucional sem moral nem ética.

Isto faz-me lembrar, recuando para o ano 2008, em que no dia 19 de novembro, no tempo de el-rei D. Sócrates I de Portugal, a líder do PSD, Manuela Ferreira Leite foi longe na ironia de querer explicar por que falham os governos, dizendo que mais vale suspender por uns meses a democracia para se poder fazer todas as reformas necessárias e só depois, então, repô.la. Discursava, como convidada, na Câmara de Comércio Luso-Americana, em Lisboa.

E, com o GPS das minhas memórias, temos o que vai pelo nosso retângulo à beira-mar plantado, com as eleições a aproximarem-se a passos largos.

Do insulto “geringonça”, saído das palavras inseridas no “Público” por Vasco Pulido Valente e aproveitadas no Parlamento por Paulo Portas, paradoxalmente iria transformar-se numa palavra acarinhada pelo país. Os medos e receios não se tornaram realidade, ficando apenas para assombrar os partidos de direita. Quatro anos depois, os portugueses, e não só, fazem um balanço positivo.

E porque tenho que ainda dar umas voltas, termino com uma homenagem para o povo timorense, nas comemorações dos 20 anos do referendo que lhe proporcionou sair das garras da Indonésia e ganhar a independência do seu país.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 11-09-2019)