25 de março de 2015

DO BACALHAU COM HISTÓRIA À ESTÓRIA DO BACALHAU À ASSIS

São os portugueses os maiores consumidores de bacalhau no mundo, e que o sabem cozinhar melhor, de várias formas (entre elas: bacalhau à Zé do Pipo, bacalhau à lagareiro, bacalhau com broa, bacalhau com natas, pataniscas, suflé de bacalhau, bacalhau de cebolada, caldeirada ou filetes de bacalhau, pastéis de bacalhau, bacalhau cozido com couves, bacalhau assado, arroz de bacalhau, bacalhau no forno), constando haver mais de mil receitas de bacalhau, o que faz com que surjam pratos de excelência. É assim que o bacalhau é sempre fiel à nossa mesa, e, por isso mesmo, intitulado o “fiel amigo”.
A crise até pode estar a conter o consumo, mas o bacalhau não perde o seu lugar de honra à mesa, sobretudo na época natalícia.
A relação com o fiel amigo tem séculos. Segundo várias fontes, o bacalhau tem uma longa história e a presença do bacalhau na dieta dos nossos maiores, ricos, pobres ou remediados, presume-se anterior à fundação da nacionalidade, antes mesmo da constituição do Condado Portucalense.
Portugal, que consome 25% do bacalhau que se pesca em todo o mundo, viu o primeiro acordo que oficializou a existência de embarcações nacionais na pesca do bacalhau, em 1353, entre D. Afonso IV e Eduardo III da Inglaterra, permitindo aos portugueses irem pescar nos mares do Norte.
O auge da pesca do bacalhau surgiu em 1950, tinha então Portugal 70 embarcações, desde arrastões a lugres e veleiros.
Aqueles que têm uma idade mais avançada, como eu, ainda se devem recordar do tempo em que o Estado Novo apostava na captura do bacalhau, promovendo-a como uma forma de regresso de Portugal à sua vocação marítima, isto na mente do controverso patrão dos mares e do bacalhau português, que deu pelo nome de almirante Henrique Tenreiro. Este homem, de má memória para muitos portugueses, tendo começado em 1936 apenas como delegado do governo junto do Grémio dos Armadores de Navios de Pesca do Bacalhau, num vincado espírito de aventura, conseguiu criar um poder de tal forma que, quase se pode dizer, permutou o bacalhau por um “polvo” com muitos tentáculos, entre os quais, a chefia da Legião Portuguesa, a comunicação social, mormente na extinta publicação do regime – “Diário da Manhã”; Fundação Salazar, Liga dos Amigos dos Hospitais, e outras. Conseguiu assim forte poder e protagonismo tornando-se muito poderoso naquele regime. Uma das suas criações interessantes foi a “Bênção dos Bacalhoeiros”, uma cerimónia anual, que os jornais e televisão davam grande ênfase na partida dos lugres para os mares do Norte. Aquando da revolução do 25 de abril de 1974 fugiu do Quartel do Carmo, disfarçado de “ceguinho”.
Voltando ao bacalhau, também pela Covilhã o fiel amigo surge garbosamente por muitos e variados pratos, quer nas mesas dos restaurantes, quer das casas particulares.
Um deles, que agora se deseja “ressuscitar” – o “Bacalhau à Assis” – com que muitos covilhanenses e outras gentes se deliciaram, até à década de setenta do século passado, tem uma história interessante da sua génese.
E conta Jorge Assis que a receita que tem divulgado, através de tertúlias com amigos, sem qualquer aspeto lucrativo, foi criada por seus pais, Sr. Henrique Maria Assis (A-SI), e D. Rosa Fortuna, há mais de oito décadas, nas Penhas da Saúde – Serra da Estrela, numa pensão – restaurante existente no local onde se situa a casa do montanhismo, os quais, surpreendidos por um forte nevão, lançaram mão dos últimos alimentos que lhes restavam e inventaram esta saborosa receita para saciar umas famílias amigas da Covilhã e Tortosendo com casas ali perto, as quais ainda hoje lá existem.
O que é certo e verdade é que este excelente prato – batizado desde então “Bacalhau à Assis” – não mais deixou de ser confecionado pelo seu autor, na aderência de muitos admiradores, até que desapareceu da mesa dos Covilhanenses, com a saída da Covilhã e posterior falecimento do seu autor – Sr. Henrique Assis – figura que deixou rastos de muita amizade e simpatia, no meio industrial desta Cidade e covilhanenses em geral.
Há alguns anos os filhos, que já não residem na Covilhã (eram oito e estão ainda vivos, o Júlio, Henrique e Jorge) têm vindo a promover uma Tertúlia nas Penhas da Saúde, em setembro, onde se juntam umas boas dezenas de amigos convidados para saborearem, numa de nostalgia, o excelente prato “Bacalhau à Assis”.
Esta receita consta num livro que Maria de Lourdes Modesto publicou sobre as várias ementas de cada zona das províncias portuguesas.
Jorge Assis, o filho, que é quem confeciona atualmente o belíssimo prato, no passado dia 28 de fevereiro, na Casa da Covilhã, em Lisboa, para cerca de 70 pessoas, voltou a alegrar os convivas, aproveitando para fazer um workshop com divulgação da receita e confeção.

(In "Notícias da Covilhã", de 26-03-2015)


18 de março de 2015

NÃO HÁ NADA QUE RESISTA AO TEMPO

Durante este ano de 2015 é celebrado o Ano Internacional da Luz, numa decisão das Nações Unidas. É “o reconhecimento da importância das tecnologias associadas à luz na promoção do desenvolvimento sustentável e na busca de soluções para os desafios globais nos campos da energia, educação, agricultura e saúde”.
Esta decisão da ONU aponta o facto de este ano coincidir com a comemoração de alguns acontecimentos importantes relacionados com a luz, segundo o ponto de vista da história da ciência, como é, por exemplo, um dos mais relevantes, relativos a Einstein, sobre o seu trabalho respeitante ao vínculo entre a luz e a cosmologia no contexto da relatividade geral, acontecido em 1915, pelo que também se comemoram cem anos.
Vão-se comemorando também outros cem anos – os da I Grande Guerra –, e os duzentos da derrota definitiva de Napoleão que deu origem à Europa que a I Guerra Mundial viria a destruir. Para além destas efemérides centenárias, outras se poderiam comemorar. É preciso dar tempo ao tempo, pois daqui a dois anos, por exemplo, será o centenário do nascimento da União Soviética.
Aparece assim o tempo, em variadíssimos significados, onde surgem momentos duma riqueza sem fim, na vida de cada um, ainda que se tenham passado, por vezes, tristes e ledas horas.
E se há um provérbio que diz que “A maior parte do nosso tempo passa-se a passar o tempo”, já Miguel Esteves Cardoso refere que “Quanto mais precisas para viver, mais tens de trabalhar e menos tempo tens para ti. O maior dos luxos é o tempo. O tempo é o meu maior património”.
Há dias regressava com o amigo José Augusto de uma instituição covilhanense, quando, no início da Rua da Indústria, uma forte ventania parecia que nos iria levar pelos ares. Recordei então o tempo em que, com os meus seis anos, algumas vezes me desloquei a pé, após as vinte e três horas, tempo de encerramento da biblioteca municipal, onde meu pai trabalhava, e, com ele, calcorreava os caminhos de terra batida, até à Pousadinha, onde vivíamos. De inverno, por vezes surgia este forte vento que me afrontava, e, logo ali, ao “Senhor de Jesus”, onde existia uma capela com esse nome, e como era conhecido o início da Rua da Indústria, que assim não estava batizada, já se formavam grupos de mulheres de xaile e homens de lancheira na mão, que emergiam das saídas das fábricas de lanifícios. Era o tempo do auge da indústria rainha na cidade laneira, e seus termos, ainda que, para os operários não deixasse de ser de paupérrimos salários.
Mas, lá mais para diante, já decorridos uns dois ou três mil metros, perto da Borralheira, já não havia luz na estrada, a não ser se houvesse luar ou, de vez em quando, os faróis de alguma das poucas viaturas que existiam.
Mas ocorre-nos uma pergunta, agora que já temos todo o tempo livre (nem sempre é bem assim…), depois das reformas em que conseguimos obtê-las em tempo, quanto tempo é que o tempo tem? Li há pouco tempo que tudo o que existe tem 13.800 milhões de anos. É a idade do próprio Universo, o tempo desde o Big Bang, a grande “explosão” criadora de tudo. Que o nosso sistema solar, incluindo a Terra, formou-se há 5000 milhões de anos, tinha então o Universo já 9000 milhões de anos de existência. Mas não obstante tantos números do tempo (ficamos saturados pelo próprio tempo), é-nos referido que as primeiras estrelas nasceram há 550 milhões de anos; e há 700 milhões de anos foram formadas as primeiras galáxias do Universo – incluindo a nossa Via Láctea que tem pelo menos 100.000 milhões de estrelas, uma delas o Sol, que fica num dos braços da espiral. Mais tempo ainda: 9000 milhões de anos foi a formação do Sol a partir de uma nuvem de gás e poeiras, compostas sobretudo por hidrogénio e hélio; sendo que há 10.200 milhões de anos surgiu a vida na Terra, mais exatamente as primeiras células. E, finalmente, como acima já foi referido, há 13.800 milhões de anos surgiu o Universo atual. A sua temperatura, de 270 graus Celsius negativos, está perto do zero absoluto. E aqui estamos nós, a olhar para trás no tempo, através da luz, desde os raios gama às ondas de rádio, passando pela luz visível aos nossos olhos.
E, nesta de tempo falado, vivemos agora outro tempo, depois de termos passado por duas Grandes Guerras, e, durante 13 anos, com início em 1961, as guerras coloniais, ainda com feridas por sarar, e sofrimentos que vão das perdas de muitos jovens militares, e incapacidades permanentes de outros, para o stress pós-traumático que persiste no tempo, dia e noite, sofrimento não só no próprio ex-combatente, como nas famílias com quem convivem.
Chegamos assim a muitos tempos. Os ditos tempos de mudança, que, de mudança, paradoxalmente às intenções propagandísticas aquando das campanhas eleitorais, mais não são que mudança da treta.

É vermos os tempos por que estamos a passar! Que isto de voltamos a falar dos comentários do dia-a-dia, de casos e mais casos, é, como sói dizer-se: tempo perdido! É que, segundo Marcel Proust, “Os dias talvez sejam iguais para um relógio, mas não para o homem”; e, Vergílio Ferreira disse-nos que “O tempo que passa não passa depressa. O que passa depressa é o tempo que passou”.

(In "Notícias da Covilhã", de 19-03-2015)

10 de março de 2015

FAZ O QUE EU DIGO E NÃO FAÇAS O QUE EU FAÇO

Com tanta tralha de compromissos onde me meti, sem saber dizer não, vejo-me inundado num acervo de documentação, livros, jornais e em todo um mundo de pesquisas.
Não dispenso a leitura quotidiana, a fugir, dos diários online, para além do “Público” da minha preferência, e dos semanários regionais.
Sobre o título em questão, talvez o mesmo também me sirva para enfiar a carapuça.
Mas, já agora, um texto de excelência do amigo Dr. Manuel Bento Fernandes – “ONTEM, HOJE E AMANHÃ – os conflitos de valores” poderá ser lido no próximo número do “Combatente da Estrela”.
Quando menos se espera, para além da amnésia, tantas vezes evidenciada de Cavaco Silva, surge-nos agora o nosso primeiro-ministro, Passos Coelho, a sair-lhe o tiro pela culatra, numa outra amnésia, do registo das já muitas vezes que existem gravações e textos noticiosos, de palavras e expressões enérgicas, na envolvente dos seus discursos da governação.
Mas o fundo da questão marca-se pelo mau exemplo que nos é dado por quem deveria ser o primeiro a impor-se pela sua integridade de caráter, e não no refúgio de desculpas esfarrapadas.
Como é possível que se possa exigir, a um simples cidadão contribuinte, o pagamento dos seus impostos e contribuições quando é o primeiro-ministro de Portugal que não dá o exemplo?
E não serão os seus apaniguados que, com subterfúgio, irão fazer levantar o véu da névoa que ensombra a reputação de um político de primeira apanha.
O primeiro-ministro contraiu uma dívida na Segurança Social (SS) por não ter efetuado descontos durante cinco anos, quando foi trabalhador independente. E diz que nunca teve conhecimento de qualquer notificação que lhe tenha sido dirigida dando conta de uma dívida à SS. Contribuiu agora, voluntariamente…para a sua carreira contributiva, liquidando 2.880 euros, acrescido de juros de mora, mas o “Público” refere que o valor total a pagar ascende aos sete mil euros. E se fosse um cidadão comum que devesse as prestações duma casa? Certamente já lhe teriam penhorado o imóvel.
Recentemente circulou nas redes sociais um vídeo do congresso do PSD de fevereiro de 2014 em que Passos afirma: “Há muitos que deviam pagar os seus impostos e não pagam. Porquê? Porque não declaram as suas atividades. Ora nós temos a obrigação de corrigir estas injustiças (…)”.
Pois é, Sr. Primeiro-Ministro, é por estas, e por outras, que os de mais débeis rendimentos pagam as favas; e que, segundo as notícias vindas a lume, “Bruxelas vigia Portugal por excesso de “desequilíbrios macroeconómicos”. E, ainda de Bruxelas, vem o aviso, de que o esforço feito com a troika (palavra maldita!) não chega.
Tornar-se-ia fastidioso repetir o que toda a gente já conhece, de figuras da política, e não só, na destruição deste pobre País, através de várias formas, vergonhosamente, subtilmente, gananciosamente, numa avareza sem limites, tantas vezes com o fecho dos olhos de homens da justiça, alguns que até pareciam não se lhe poder tirar um cabelo.
Mas… naquela do “faz o que eu digo mas não faças o que faço”, os senhores do poder lá vão fazendo ouvidos de mercador aos problemas da sociedade e às lamúrias do povo que os colocou no poleiro. Depois, são as vicissitudes: da revolta ao desespero, do roubo ao assassinato, do pedido de socorro constante ao sofrimento impensado, num rol de situações jamais previsíveis há uns anos bons anos a esta parte.
É que os partidos têm os mesmos princípios ostensivos, dizendo e fazendo uma coisa na oposição, mas depois outra no poder.
A esperança encontrava-se então no socialista António Costa, mas, devagar, devagarinho, foi entregando os seus trunfos ao adversário, que até já se prazenteia, no resultado das sondagens, com expressões como as “daqueles que estão agora a perceber que as legislativas, afinal, “podem não ser um passeio”. Senhor de uma personalidade televisiva forte, António Costa, após o seu estado de graça, conseguiu em poucos dias mediatizar-se em dois empecilhos vermelhos – o Benfica e a China. No primeiro caso, o perdão de milhões de euros das taxas que o Benfica deve por obras do Estádio da Luz; no segundo, ao referir uma frase abrasadora, impensada num político deste jaez, perante uma plateia de chineses que celebravam o ano novo chinês, agradeceu aos investidores que acreditaram no país e deram “um grande contributo para que Portugal pudesse estar hoje na situação em que está, bastante diferente daquela em que estava há quatro anos”. Politicamente logo surgiu a imagem que ainda passa e que é a de um António Costa que diz uma coisa aos chineses e outra aos portugueses. Com esta conduta, o socialista, fundador do PS, Alfredo Barroso, utilizou as redes sociais para anunciar que se desvinculou do partido. E, como diz Manuel Carvalho, no “Público”, “Os socialistas que, depois de correrem com António José Seguro, já tinham encomendado as faixas da vitória nas legislativas começam a dar conta de que enterraram o Governo cedo de mais”.
O que é certo é que Portugal continua pobre, voltando, pasme-se, aos níveis de pobreza de há dez anos.
E, por último, temos Sócrates, num avolumar de novas acusações, batendo o record das mesmas dum político em Portugal. Enquanto isto, surgem as exigências de alguns amigos que pretendem a sua libertação. Não fazendo qualquer juízo de culpabilidade ou inocência, a verdade é que, sobre ele, impendem muitas acusações. Será que conseguirá sair ilibado na sua generalidade? E se for verdadeiramente culpado, o que dirão, a posteriori, os seus fervorosos apaniguados?
O que dizer do enriquecimento ilícito quando se alastra a pobreza em Portugal, e, muita dela, a pobreza envergonhada?

Há que pôr cobro a esta calamidade (mais uma!), que não deixa de o ser, num chico-espertismo de bradar aos céus.

(In "fórum Covilhã", de 10-03-2015)