31 de janeiro de 2024

O QUARTO PODER

 



A minha primeira crónica deste ano de 2024, para o Jornal Fórum Covilhã.

Das resmas de temas que gravitam sobre a minha cabeça levam-me à opção para me direcionar no sentido dos vendavais do momento.

Por vezes perco-me um pouco pelas redes sociais, e, vai daí, partilho algo que o Facebook faz o favor de recordar de anos precedentes. Desta vez, tive um certo assombro. Numa foto datada de janeiro de 1968, lá estávamos os quatro covilhanenses que partimos da estação dos caminhos de ferro da Covilhã em direção a Tavira, para cumprimento do serviço militar obrigatório. No CISMI, na parada, a fotografia da praxe. Dos quatro dois já tinham falecido, ficámos dois. Qual não foi o meu espanto quando eu digo que “já só restamos os dois primeiros”, quando um amigo antigo colega me informa que já estava sozinho. O outro também já partira.

Decidi moderar a minha escrita para um esforço do poder de síntese, o que nem sempre é possível.

Vivi a minha infância onde o meio era de iliteracia, fora da família mais chegada. Valeu-nos meu Pai que nos preparava nos primeiros estudos e na antiga Biblioteca Municipal onde trabalhou durante muitos anos.

Foi aqui, num mundo de livros nas estantes que quase chegavam ao teto da sala de leitura, mesas compridas, cadeiras pesadas e suportes de madeira para os livros, que se enraizou a minha paixão pela leitura. Mas não só. Seriam também os muitos jornais que diariamente ali chegavam, vindos pelo correio, portanto, com atraso de um dia. Eles eram o Diário de Notícias, Diário Popular, Diário de Lisboa, e, do Norte, só me recordo de lá poder ler O Comércio do Porto. O primeiro e o último eram autênticos lençóis de papel.

Alguns dos que também tinham leitura apelativa, como O Século, Primeiro de Janeiro ou Jornal de Notícias, e ainda todos os desportivos como A Bola ou o Record tinham que os leitores interessados os adquirir nas bancas, cafés ou livrarias, já que que quiosques não havia, sendo o primeiro colocado na então placa do Pelourinho para o Leal.

A única revista, muito cobiçada, de saudosa memória, era então a Flama. Mas havia outros jornais, afetos ao regime ditatorial de então, como o Diário da Manhã, ou de raiz adversa, como o República. E, noutras vertentes, o jornal A Voz e o Novidades.

Os semanários da nossa região, muito do interesse dos leitores covilhanenses, eram então Notícias da Covilhã e o Jornal do Fundão, chegando ainda a existir o Beira Baixa. De vários pontos do País, incluindo dos distritos de Castelo Branco, Guarda, Coimbra e Setúbal, chegavam muitos jornais regionais e eu até gostava de ler transversalmente o Diário do Alentejo. Depois não faltavam, com elevado atraso, os jornais oriundos das então Províncias Ultramarinas, que seriam as colónias, como o Diário de Luanda, A Província de Angola, e de outros recantos coloniais, envolvidos em cintas com a beleza dos selos temáticos.

Foi através dos jornais, muito antes das televisões terem a possibilidade de serem adquiridas para os nossos domicílios (caríssimas, só se viam nos cafés, nas coletividades e nos salões paroquiais) que se tinha conhecimento dos temores da invasão da India Portuguesa e dos terrores com as guerras na Guiné, Angola e Moçambique, onde a censura abafava muito da realidade e só revelava o que convinha ao regime salazarista.

E todos os acontecimentos mundiais se repercutiam nas páginas dos jornais.

Com a democracia, o jornalismo tornou-se o quarto poder porque pode exercer determinada influência sobre a sociedade. Chamamos-lhe este termo porque tem como referência os Três Poderes do Estado Democrático que regem a sociedade (Legislativo, Executivo e Judiciário). A influência da grande mídia pode alterar as decisões sociais, a opinião pública e as notícias que chegam à população.

Assistimos hoje a um drama com os profissionais do JN, DN, O Jogo, TSF, entre outros títulos da Global Média Group, jornais históricos e uma rádio que foi, durante tantos anos, uma referência na informação. Os seus salários estão em atraso e com o risco de fecharem por gestão danosa.

Esperemos qua ainda neste início do ano bons ventos possam soprar para as bandas deste mundo do jornalismo.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 31-01-2024)

 

19 de janeiro de 2024

LEMBRAR CAMILO E EÇA DE QUEIRÓS - II

 


EÇA DE QUEIRÓS (1845 – 1900)

José Maria Eça de Queirós nasceu na Póvoa de Varzim em 25 de novembro de 1845. Veio ao mundo em circunstâncias morais irregulares: “filho natural de José Maria de Almeida de Teixeira de Queiroz e de May incógnita” (lê-se no assento do seu batismo). O pai do escritor era, ao tempo, delegado do Procurador Régio em Ponte de Lima; a “mãe incógnita” era D. Carolina Augusta, filha do coronel José António Pereira d’Eça, na altura já falecido. Casaram em Viana do Castelo, na igreja do convento de Santo António, em 1849. O pequeno José Maria, criado até esta em Vila do Conde pela madrinha, é levado então para casa dos avós paternos, em Aveiro. Só aos dez anos se juntou aos progenitores, passando a viver com eles no Porto.

Em 1861, matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Depois de concluída a formatura em 1866, fixou-se em Lisboa, onde o pai trabalhava. Repartiu então a atividade entre a advocacia e o jornalismo. Dirigiu, durante algum tempo, o Distrito de Évora e colaborou na Gazeta de Portugal com folhetins dominicais (mais tarde reunidos em volume com o título Prosas Bárbaras).

Tendo concorrido para a diplomacia, em 1870 fez um pequeno estágio de funcionário público na cidade do Lis. Aí arquitetou O Crime do Padre Amaro. Em 1873 é colocado no consulado português de Havana, em Cuba. Dois anos mais tarde, foi transferido para Inglaterra e lá começou a escrever O Primo Basílio e a pensar n’Os Maias, n’O Mandarim e n’A Relíquia.

Em 1886, casou com uma senhora fidalga, irmã do conde de Resende, D. Maria Emília de Castro. Em 1888, foi tomar conta do Consulado de Paris.

Morreu em França em 1900.

Todas as comparações pecam por inexatas. Não deve, pois, tomar-se ao pé da letra aquilo que vai seguir-se. Talvez possamos ver Eça de Queirós retratado sucessivamente em duas personagens célebres que criou: O João de Ega de Os Maias e o Fradique Mendes de A Correspondência.

Fradique Mendes corresponderá a Eça depois de abandonar o inquérito à sociedade portuguesa do seu tempo. Criou-o o romancista muito cedo: foi no “Cenáculo” ou no Café Martinho (1867). Mais tarde (1880), porém, encontrou-o em Paris transformado num sujeito impecável na indumentária, livre e audaz, irónico na conversação, dotado de um gosto subtil pelas coisas da arte, corredor infatigável do Mundo e que vem a Portugal matar saudades de vez em quando. E então passa o tempo a escrever aos amigos e conhecidos e à madrinha sobre as coisas de cá, descobrindo ora delícias bucólicas, poéticas, em rincões edénicos no meio do povo que estremece, ora anomalias de caráter técnico no que respeita ao progresso e à evolução da sociedade lusa.

Assim também Eça, abandonado o inquérito à vida portuguesa, se vai mostrando atraído pela nossa terra e suas gentes e deixa transparecer uns laivos de saudade pelo Portugal velho, ao mesmo tempo que confia no Portugal do futuro em África, condenando o esbracejar estéril dos políticos que, europeizando a Nação, lhe estavam a adulterar o espírito. É claro que temos em mente o autor de A Cidade e as Serras e de A Ilustre Casa de Ramires.

A partir de 1870, com a colaboração n’As Farpas e a conferência no Casino, encontramo-lo todo devotado às teses do Realismo. E até 1888 surge-nos ocupado com o inquérito à sociedade portuguesa, que procurava descarnar a fim de lhe pôr os podres à vista.

A partir desta data, o escritor assiste ao início do desfazer da feira naturista: contesta-se o positivismo no campo na filosofia; o realismo na pintura é substituído pelo impressionismo; a literatura insiste na pesquisa e análise da psicologia das personagens com o uso do monólogo interior. É o naturalismo que se desintegra e leva Eça de Queirós a abraçar uma outra conceção de vida. E ei-lo a recrear-se com Fradique Mendes, turista eivado de cosmopolitismo mas capaz de sentir os encantos da Pátria, com o Gonçalo A Ilustre Casa de Ramires que se regenera no Portugal de África, com o Jacinto que trocou o progresso de todas as técnicas pelas belezas naturais de uma serra lusitana.

No fim da sua carreira, impossibilitado de modificar a sociedade portuguesa, Eça voltou as costas aos reformadores realistas e blocou-se numa redoma de imaginação com as suas criações burguesas, os endinheirados Fradique, Gonçalo e Jacinto, fazendo saborear aos leitores o que de bom Portugal e o Mundo têm.

Eça colaborou toda a vida em jornais. Depois da sua morte, muitos dos trabalhos dados à luz da publicidade na imprensa periódica foram reunidos em volume e postos nas mãos do público, em conjunto.

Votos de um Feliz Natal e um Novo Ano que nos traga saúde e paz, para todos os Prezados Leitores e meus Amigos deste Quinzenário.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-01-2024)