25 de junho de 2004

COMO UM RELÂMPAGO

A vida é um ai que mal soa, segundo o poeta João de Deus.
Antes de passarmos o testemunho por sermos forçados à travessia além fronteiras, desta própria vida, muitas coisas nos vão surgindo.
O ímpeto, a espontaneidade, um sopro de alegria, a profundidade de uma tristeza, um desejo traído, um ódio manifestado, um riso ridículo, uma hilariante anedota, podem traduzir-se em atitudes irreflectidas que vão marcar indelevelmente a própria vida dum vivente; um lenitivo para um humano; ou a íntima satisfação de bem-estar na paz dos anjos, da vida do habitante deste planeta.
Ainda continuamos com a famosa trilogia salazarista, acentuada, do “Fado, Futebol e Fátima”, nesta democracia onde por vezes se vê “mais injustiça que justiça, mais ignorância que educação, mais crime sem castigo do que castigo no crime, mais doença do que saúde, mais negligência do que empenho, mais folclore do que concretização”, como opina, no DNA de 4 de Junho, o prestigiado jornalista Pedro Rolo Duarte.
O campo da democracia tornou-se vasto para a expressão do pensamento, em liberdade, mas tal liberdade por vezes faz do insulto o projéctil da arma a utilizar no momento próprio.
Na campanha eleitoral para as recentes eleições europeias, se houve normais e óbvias críticas políticas, o mesmo não se pode dizer das ofensas a um adversário, referindo-se a uma sua deficiência física.
Ana Manso, do PSD da Guarda, certamente terá recolhido da lição do seu provável remorso (ainda que tenha havido posterior pedido de desculpas) que nem sempre quando vem ao pensamento um determinado relâmpago se podem lançar atoardas deste jaez.
Ao malogrado Dr. António Sousa Franco, também não lhe chegaria este insulto para, junto dos seus próprios correligionários, envolvidos em interesses partidários, lhe originarem um aceleramento da sua passagem para o outro lado da vida.
Outro relâmpago surgido na mente dum estadista veio cair em Xanana Gusmão, quem diria, numa imagem impensável há uns anos atrás, através do abraço acontecido em 29 de Maio passado, em Timor, dado ao seu anterior inimigo e inimigo dos timorenses – o agora candidato à presidência da República da Indonésia, general Wiranto (com um mandato de captura por um juiz internacional por alegados crimes contra a humanidade, praticados em Timor-Leste). Que traição para os muitos timorenses que morreram em autênticos massacres, alguns dos quais vistos na televisão. Que traição para os muitos portugueses que gritaram em grupo frente da embaixada americana, e aos que choraram em directo perante o massacre do Cemitério de Santa Cruz. Que memória foi a sua?! Autêntica hipocrisia, ou acto de irreflexão?
O autor desta crónica também se sente indignado, pois alvitrou, diligenciou e concretizou, com a Direcção a que presidia, a vinda de um grupo de timorenses, a exibir o seu folclore à Covilhã, em 17 de Junho de 1995, nas Comemorações do 12º. Convívio da APAE Campos Melo, tendo sido apresentada um belíssima exposição de objectos e utensílios timorenses, envolvendo-nos então numa amizade com a Biblioteca por Timor, pertencente à Câmara de Lisboa, então presidida pelo Dr. Jorge Sampaio, com cuja edilidade tivemos alguns contactos.
E, quando o general Wiranto e seus homens perseguiam Timor, manifestámos a nossa solidariedade a Xanana Gusmão, para a Cadeia de Cipinang, ao comemorar os seus 50 anos de vida.
Como um relâmpago surgiram as notícias dos homens supostamente envolvidos nos negócios fraudulentos do futebol, onde a corrupção se presume atingiu pontos elevados (há muito que saltavam aos olhos de todos, menos a quem não queria ver ou se fazia ingénuo, estas atitudes da arbitragem), e ainda continuam sem estarem bem definidos e identificados os que se envolveram nos meandros dos “negócios escuros” no mundo do futebol, em Portugal.
Como num relâmpago, deixou de se falar nos saturados assuntos da pedofilia, das fraudes do futebol, e as eleições realizadas com um forte cartão amarelo ao fragilizado Governo passaram ao lado, com o povo a abster-se, pensando-se agora e unicamente no Euro 2004.
Foi assim uma tristeza menos triste por ser tão triste.
Bandeiras de Portugal, mesmo com pagodes em vez de castelos, flutuam patrioticamente nas janelas de muitas, muitas casas, nos muitos e muitos automóveis. Aqui há patriotismo.
Depois do desencanto contra a Grécia, em que a selecção portuguesa se tornou a primeira anfitriã a perder o jogo de abertura de um Euro, surgiu a empolgante vitória contra a Espanha!
Com uma certa “Ala dos Namorados” conseguimos vencer mais uma Batalha de Aljubarrota.


(In “Notícias da Covilhã”, de 25/06/2004)