27 de agosto de 2004

TEMPO DE FÉRIAS

Este Verão, tanto de quente como de molhado, veio pregar uma partida aos incendiários que vêem retardadas as suas malévolas intenções. Já ardeu 25% de floresta portuguesa no último decénio, e, considerando toda a área ardida, no mesmo período, verifica-se um cenário dramático equivalente a 15% do território nacional. É confrangedor.
Mas a época convida a espairecer e ao descanso, sem propiciar o empenhamento em grandes tarefas, nas várias vertentes.
A maioria dos portugueses fazem tudo para gozar férias nos meses de Verão, sendo Agosto o mês eleito para as mesmas, tanto no sector público como no privado. O País praticamente pára, como que numa anestesia.
Há classes profissionais que são obrigadas a parar em Agosto e outras, de quem se espera uma disponibilidade total, nesta época do ano, ficam também a funcionar a meio gás, como sói dizer-se.
Também fomos carregar as baterias, neste Agosto instável. Chegou uma semana para quem não está habituado a muito descanso.
Depois de assentar arraiais no local previamente seleccionado, foi a vez de chegar a uma das bancas para reservar o jornal diário, preferido de há muitos anos. Como sempre, a simpatia de quem vende.
Uma boa caldeirada, um bom robalo grelhado ou qualquer outro prato da zona pesqueira, bem regado com tinto, de preferência, ou verde, fazem as delícias dos dias de descanso.
Numa pastelaria, um cafezinho. Junto à caixa registadora, uma caixinha com os dizeres: “Não guarde para amanhã o que pode fazer hoje – gorjeta”. À nossa pergunta, a resposta: “É para um jantar”.
Passado o reparo, também é a altura de se lerem com mais vagar, os temas de articulistas que nos passam à margem, no quotidiano, por incompatibilidade com a escassez de tempo.
E, uma das coisas que nos apercebemos, sem necessidade de recorrer a notícias, foi que o sector da restauração tem sentido no prato a garfada da crise, sendo que assim se pode aceitar que o volume de negócios do sector registou uma quebra de 25%.
Falando só dos assuntos nacionais, o panorama é desolador: 27 mil microempresas podem fechar as portas em 2005 face à nova lei das sociedades comerciais; o desenvolvimento humano em Portugal desce no “ranking” da ONU, estagnando e voltando a ser o pior dos antigos 15 países da EU; temos as empresas mais endividadas, atingindo um recorde de 105% do PIB em 2002, do endividamento à banca, justificando a forte quebra do investimento privado e o atraso na retoma da economia (segundo um estudo do FMI embora, segundo o Instituto Nacional de Estatística, no mês de Junho, viesse a informar que os portugueses estavam mais confiantes face ao futuro, de harmonia com o resultado dos inquéritos de Maio perante a percepção dos agentes económicos); a inflação subiu para 2,8% em Julho, e a taxa de desemprego, para 6,3%; segundo relatório da ONU, a economia portuguesa deverá crescer 1,1%, este ano, o valor mais baixo dos 25 Estados membros da UE.
E, também preocupante, no tema económico, é o receio de como garantir a sustentabilidade financeira da Segurança Social para pagar as futuras pensões de reforma, de acordo com o sistema actualmente em vigor (embora os defensores desta tese não consigam demonstrá-la de uma forma fundamentada e tecnicamente consistente), pelo que, empreender terá que ser com reflexão.
E a nossa região sente, como ninguém, os efeitos nocivos da crise, onde as fábricas laneiras se passaram a contar pelos dedos das mãos, e as confecções de vestuário em situação preocupante, agora com a sina de a China vir a “esmagar” o resto que remanesce dos têxteis. As notícias menos boas continuam a surgir com as pensões de velhice que aumentaram mais no País que na região beirã.
E, para ultimar este período de breves férias, a missiva de um bom amigo de Valbom, que há 36 anos viveu na Covilhã: “Os tempos de hoje são de raiva contida pois não há a certeza de que, se a raiva explodisse, servisse para alguma coisa, enquanto há vinte ou trinta anos, ao explodir, criava-se comoção e havia uma mudança. Hoje, temos a sensação de que nada serve para nada, como se estivéssemos num momento de paralisia da sociedade, num impasse. Se há raiva, cada um engole-a e ao fazê-lo nem sequer tem direito à indignação. De vez em quando há umas manifestações de bandeiras que deviam ser símbolos de uma nação e passam a ser pendões de circo, esquecendo a caldeirinha. Logo a seguir o costume, o é hábito, a paz de um quase cemitério de falências, desemprego e do salve-se quem puder”.

(In “Notícias da Covilhã”, de 27/08/2004)