29 de junho de 2015

TUDO MUDA DE TAMANHO

Para a página de âmbito desportivo deste número, hei por bem inserir um texto que se encontrava arquivado nos meus documentos antigos e que se destinava a ser publicado, em 1998, no 3.º número d’ “O Refugiense”, volvida então uma dúzia de anos após o surgimento do último número. Fora um convite do então Presidente da Direção daquela Coletividade de prestígio da Cidade Covilhanense, João Torrão, e de outro amigo, Vitor Fazendeiro, mas o jornalinho acabaria por não sair.
Recordo assim, n’ ”O Combatente da Estrela”, alguns momentos altos por que também passava, nessa altura, o nosso SPORTING CLUBE DA COVILHÃ, com a presença amiga de alguns antigos e valorosos atletas dos “Leões da Serra”, os quais já partiram para o outro lado da vida.
E, então, referia que em janeiro de 1998 li um artigo do jornalista Pedro Rolo Duarte, na revista do Diário de Notícias, versando o tema “mudança de formato”.
E dizia: “Tudo muda de tamanho. Começou com o “mini” a revolucionar a indústria automóvel e nunca mais parou (…). Reconheço que há razões objetivas para “encurtar” objetos. Mas não me obriguem a dizer que gosto de ver uma obra de arte enfiada numa caixa quadrada de plástico com doze centímetros de lado (…). Os formatos mudam como muda o tempo: de repente, aí estão garrafas de bebidas “formatadas” pela Europa com menos cinco centilitros de capacidade. A vodka, o whisky ou o vinho do Porto custam o mesmo, ou custam mais, mas trazem menos (…). Mas a tragédia não fica por aqui. Mudam diariamente os formatos dos telemóveis, muda o formato das fotografias, mudam os tamanhos dos comprimidos e a espessura dos relógios. Adaptamo-nos a tudo. Está em marcha a campanha que nos levará a adotar teclados ditos ergonómicos para os computadores, ratos sofisticados com formatos que se assemelham mais a porcos do que a ratos, e não tarda nada mudam-nos o formato da televisão (…). Há três semanas mudou o formato de mais um jornal. Chegou a vez do “Jornal de Notícias”. Já antes tinha sido assim com “A Bola” e, antes ainda, com este mesmo “Diário de Notícias” que tenho na mãos (…). Mas, que querem, cada vez que vejo mudar o formato de um jornal, como cada vez que assisto a uma reedição em CD de obras que só havia em vinil? Sinto-me perdido. Fico triste, tenho saudades. Sinto-me isolado. Só eu gosto de abrir um jornal broadsheet e tirar-lhe o vinco que o dobra ao meio. Só eu gosto de ficar com dores nos braços depois de ler o “Expresso”. No futuro, mudam o formato dos Homens, que podem deixar de ser “ao alto” para passarem a ser “ao baixo”, e posso arrumar as botas. Depois dos clones, vão arranjar maneira de fazer criaturas transportáveis, pessoas que se arrumam facilmente numa pasta de tamanho A4 (…). Não gosto do que vejo. Sou contra a mudança do formato (…) e, “cuidado: um dia mudam-lhe o formato…”
É do domínio público que o Refúgio, e o seu “Refugiense”, é uma das franjas da Cidade que tem gente dinâmica, simples e humilde, que sente a amizade do “tamanho” de uma montanha e o reconhecimento por quem outrora deu nome à Cidade Covilhanense, do “formato” da Lua Cheia.
Vem isto a propósito da receção que um grupo de amigos refugienses prestou a duas Velhas Glórias do Sporting Clube da Covilhã, na manhã do dia 6 de junho de 1998, aquando do encerramento das Bodas de Diamante daquele clube leonino.
Passo a respigar parte da página 224 do livro que uns dias mais tarde saiu, sob o título “Sporting Clube da Covilhã – Passado e Presente”, a saber:
“ (…) No Grupo Recreativo Refugiense, calorosa receção por um grupo de entusiastas; 6 de junho de 1998. Já passava das 13 horas. Um grupo de calorosos amigos do SCC, refugienses, e não só, conforme previamente combinado, aguardou a chegada dos antigos atletas, para o almoço-convite. O grupo era pequeno porque muitos, com muita pena de não poderem participar, tinham já compromisso assumido no almoço do Núcleo Sportinguista da Covilhã, que inaugurava a sua sede, com a presença do presidente do Sporting Clube de Portugal. Toca o nosso telemóvel. É o Suarez que informa já se encontrar no Pelourinho, vindo de Vigo, acompanhado do seu simpático amigo, Avelino Villar Pineda. De seguida, surge Fernando Cabrita, acompanhado de seu genro, António Livramento. São os cumprimentos e os abraços, a recordação de alguns amigos e de antigos colegas. Chegada a hora do repasto, num restaurante do Refúgio, vem dar um abraço a estas duas velhas glórias, com surpresa dos mesmos, outra velha glória serrana, João Lanzinha, que acabaria, por atenção aos seus colegas, ir ao jantar de encerramento do SCC.
Mataram-se saudades, memorizaram-se tempos de outrora, do Sporting e da Cidade, curvando-se no respeito pela memória dos que recentemente haviam partido e perguntaram por muitos antigos colegas, valorosos como eles no tempo da I Divisão, nos Leões da Serra (alguns até residiam na Covilhã), e estranhavam por que não estavam ali, para poderem participar no jantar de encerramento das Bodas de Diamante do Sporting da Covilhã, clube que tão bem representaram noutros tempos. Na vida, por vezes, surgem algumas omissões, talvez incompreensões, quiçá esquecimentos.”
Os horizontes de visão no reconhecimento pelas figuras marcantes de uma coletividade de prestígio da Cidade, como é o SCC, têm “tamanhos” ou “formatos” diferentes, conforme as maneiras de sentir ou de ver pelos dirigentes.
Os refugienses souberam entretanto dizer Presente! Ainda nos lembramos de vós!
Aproveitamos para, através deste espaço e deste local, enviar os parabéns ao Sporting Clube da Covilhã pelo brilhantismo e entusiasmo com que terminaram a época finda de 2014/2015 e que, só por um triz não subiu à I Liga do Futebol Nacional.
Boa sorte para a próxima época!

João de Jesus Nunes

 (In "O Combatente da Estrela", n.º 99, de julho a setembro de 2015)

QUASE…

Na dinâmica em que se envolveu uma das grandes instituições da cidade Covilhanense que dá pelo nome de “Liga dos Combatentes – Núcleo da Covilhã”, acaba por ver reforçada essa envolvência fruto da nova Direção, então empossada, que reuniu entre si vários Colaboradores interessados no rumo para o êxito.
Atingimos, n’ “O Combatente da Estrela”, já o número que antecede o centésimo, o que é, sem dúvida, de realçar, desde o primeiro que viu a luz da comunicação social no já distante ano de 1988, mês de janeiro. Manter-se-ia com a sua periocidade mensal até maio de 1990; e, depois, numa tentativa de manutenção desta mesma saída regular, com algumas fases mais alargadas, surgiria um hiato com o seu número 61, em janeiro/fevereiro de 1964.
Uns anos mais tarde, sentida a falta deste órgão, viria a ressurgir, com outra dinâmica, agora trimestral, até aos dias de hoje.
Como “CARTÃO DE APRESENTAÇÃO”, inserido no primeiro número, registamos o seguinte: “Chamo-me “O COMBATENTE DA ESTRELA”; tenho a IDADE que hoje teria Viriato; Sou SOLTEIRO, CASADO, DIVORCIADO e VIÚVO; professo todas as religiões, por isso, sou ECUMÉNICO; sou, por inteiro, PATRIOTA, logo, não tenho partido; SIRVO social e culturalmente a comunidade dos vivos; GLORIFICO os que morreram em combate e também não esqueço os que combateram; ABOMINO os desertores e falsários, a quem chamo cobardes!!!”
Consultando todos os números anteriores o leitor pode constatar duma riqueza cultural, nas várias vertentes: história citadina, envolvente da vida dos antigos Combatentes, desporto local, defesa dos interesses da Covilhã, reflexões de combatentes, notícias, entrevistas variadas, e um rol de curiosidades, tudo na base de autodidatas.
Sem qualquer favor trata-se duma publicação que em nada fica aquém de muitas outras que proliferam por este País fora.
Verifica-se o interesse pel’“O Combatente da Estrela” no recrudescer de novos Leitores e também de Colaboradores, sintoma de que estamos no bom caminho.
Criámos duas páginas destinadas a entrevistas com antigos Combatentes, geralmente acompanhadas de fotografias dos locais, nas Colónias, onde prestaram serviço por obrigação, sendo desta forma que muitas pessoas, principalmente as novas gerações, se apercebem que, na História de Portugal, não foram só as grandes batalhas, as conquistas e os descobrimentos que fizeram resplandecer o nome de Portugal, também ainda hoje há heróis, muitos nossos familiares e amigos, merecedores de serem inspirados das páginas dos Lusíadas, “Que eu canto o peito ilustre Lusitano”.
E porque estamos QUASE no centésimo número d’“O Combatente da Estrela” queremos anunciar que o mesmo irá sair como número especial, a fim de comemorarmos todo este trabalho gracioso mas com muito carinho, ao longo dos anos, na colaboração de autênticos autodidatas, conforme já foi referido.
Alguns eventos se irão proporcionar para comemorar os 100 números d’“O Combatente da Estrela”.
Seria de grande injustiça se não informasse que, desde o seu primeiro número, esteve sempre na liderança da responsabilidade pela vida deste periódico o Presidente da Direção do Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes, e também Diretor do jornal, que, aliás, o tem sido ininterruptamente, desde o seu início.
Para ele não pode deixar de ir uma palavra de gratidão.

João de Jesus  Nunes

(In "O Combatente da Estrela", n.º 99, de maio a setº 2015)


24 de junho de 2015

SAUDADE E AMIZADE DE MÃOS DADAS

Pois é, também lá estive!... Neste matar de saudades de outros tempos – os da então Escola Industrial e Comercial Campos Melo – fábrica do ensino para muitos obreiros da indústria rainha de então – os lanifícios, nesta Terra – a minha Covilhã – daquela têmpera forte de Viriato, dos Montes Hermínios!
Havia lido algures que antigos alunos da Escola Campos Melo, onde o Engº. Ernesto Manuel Melo e Castro lecionou iam confraternizar com
ele, vindo do Brasil, num almoço-convívio, ali para as bandas do Teixoso.
Inscritos eram só os alunos dos Cursos Técnico de Tecelagem e Debuxo… mas, qual “intruso”, cabia-me fazer o papel tipo “Crónica dos Bons Malandros”, de Mário Zambujal, já que eu era do Curso Geral do Comércio, e, desta vertente, fui o único presente na confraternização, participando também da felicidade dos outros antigos colegas.
- “Trouxeste a máquina fotográfica?” Logo na minha receção, a voz do Gregório Menina, que isto de ajudar na entrada lá estava o João Lázaro, o pequeno grande jogador dos tempos dos Leões da Serra… que outro, também tendo envergado a camisola verde-branca, briosamente, estava lá dentro – Jorge Cipriano, vindo do norte.
Os cumprimentos na mistura de alguma
curiosidade lá prosseguiam: à entrada, sentado já estava o poeta, escritor, mas antes o antigo professor de debuxo, junto de sua filha Maria Alberta; e, com orgulho do seu professor, o Américo Maceiras Caetano, promotor da iniciativa, que veio de Vila Nova de Famalicão, lhe mostrava o seu 1º. Livro de Debuxo.
- “Olha o Aníbal Gonçalves, do Retaxo!” “E tu, quês és?” “O Neto”. “Eh! Pá, desculpa que não te conhecia, és o Olívio Costa Neto!”
As entradas, o bom vinho da região… e, não faltou o belíssimo pão-de-ló.
José Esteves Patrocínio veio de Torres Vedras; e, enquanto o Ferreira Andrade me mostrava umas fotos antigas, de antigos colegas do 2.º ano do Curso Técnico de Tecelagem, em conversa com o Jorge Almeida, entrava o também antigo professor, Engº. César Oliveira, que fôra colega do homenageado.
João José Milhano recordava os tempos de meu vizinho, junto à Escola Industrial, e, sequenciando, chegavam outros, ou já entre si cavaqueavam, entre eles, o Cravino, Carlos Gouveia, Jerónimo Serra, António Nave, João António Coelho.
Já havia chegado o Rui Pereira, com o filho, quando se avista o Jorge Trindade e o Castro Martins; da Figueira da Foz não quis deixar de estar presente o Jorge Correia, acompanhado da esposa. Eram mais de três dezenas, onde estava também o Mangana e o Prof. Dr. Santos Silva.
Na altura do café, eis que o José Rosa Dias, da organização, dita de sua justiça: vão falar, em nome dos antigos alunos, o Américo Maceiras Caetano; em nome dos antigos professores, o Engº. César Oliveira; e encerra o Engº Ernesto Melo e Castro.
Neste feliz encontro de antigos alunos do curso de Debuxo da Escola Industrial da Covilhã, como abreviadamente era conhecida, com os seus antigos professores de Debuxo, atrás referidos, num almoço muito bem servido, a festa foi permanente, na recordação de tempos idos, no matar de saudades.
Maceiras Caetano agradeceu a presença de todos; o Engº. César Oliveira recordou a sua passagem por Bradford na mesma altura do Engº. Ernesto Melo e Castro, em 1956, altura em que conheceu Ernesto Melo e Castro, tendo este o ajudado a adaptar-se à nova realidade, uma vez que havia vários alunos da Covilhã e ele ere o único de Lisboa.
No encerramento das breves palavras dos oradores, falou o Engº. Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro (que vai a Itália participar num encontro de poetas), informando que, estando no Brasil, ficou muito sensibilizado por ter sido convidado para este almoço de confraternização, recordando que no período que exerceu a sua missão docente na Escola Campos Melo formou 143 debuxadores, também ele tendo aprendido ao longo desse tempo a ser cada vez melhor, tanto na área do debuxo como na área das letras: “Estava deprimido face a um grave problema de saúde, e dizia: o que é que eu agora faço? Vou ao Teixoso estar com os meus amigos. Vocês não foram os meus únicos alunos, foram os primeiros!” E falando sobre os tecidos, que têm vida, concluiu: “O tecido é uma metáfora da vida”.
Recordou ainda, nestes ambientes de repasto, o que dizia o professor “Tudo estava muito bom, mas o melhor prato foi o da confraternização”.
de Religião e Moral, Padre Joaquim Santos Morgadinho, do seu tempo:
Por fim terminou: “Orgulho-me de ter sido vosso professor! Estou muito feliz!”

E, de facto, também todos saíram deste convívio, muito alegres, muito felizes.

(In "fórum Covilhã", de 23.06.2015 e "Notícias da Covilhã", de 25.06.2015)

16 de junho de 2015

VIVÊNCIA CITADINA – DE ONTEM PARA HOJE

Na Covilhã a forma de viver foi a encarnação no seu meio ambiente. Noutros tempos, forte no comércio citadino, desenvolvida na indústria laneira, o trabalho foi de uma tenaz vontade.
Incomparável o tempo de outrora com a vivência na atualidade. A mão-de-obra em abundância, inserida num contexto de aprendizagem para que se estava inclinado, deu lugar, hoje, na generalidade, à procura de algo ocupacional, independente do vocacional. Muitos descuraram a futurologia; as novas tecnologias surgiram como um raio. O País quase sempre afocinhado por lobos vestidos de pele de cordeiro. O verdadeiro rebanho continua, como dantes, na servidão da injustiça salarial.
Naqueles tempos – anos cinquenta – para os lados da Pousadinha, algumas raparigas cantavam, aos domingos, enquanto faziam o seu enxoval, sentadas numa laje, ao sol: “Olha a mala; olha a mala; olha a malinha de mão; não é tua nem é minha; é do nosso hidroavião, etc., etc.” e outras cantigas da altura. Os casamentos, a pé, num cortejo até à antiga Igreja de Aldeia do Carvalho, pela estrada fora, de terra batida, obrigavam a palmilhar ainda alguns milhares de metros. No regresso, a boda na casa familiar. Continuava no segundo dia. Da ementa constavam quatro pratos. Vingavam-se os estômagos. E a parição era no domicílio. Chamava-se uma “parteira” já avezada nestas andanças. O puto crescia entre pinheiros, figueiras, cerejeiras, pequenas hortas e caminhos algo pedregosos, regos de água, mas também entre cravos e rosas e flores campestres. Rodeavam a casa as pombas, pintos, galos, galinhas, coelhos, e, um tanto ou quanto afastado, o curral de porcos. Não faltavam os cães e gatos.
Aos sábados, a vez de se ir ao mercado municipal, vulgo, praça; à mercearia e padaria. No regresso havia que se tomar lugar na carreira do José Nunes Correia & Filhos, Lda.
Muitas fábricas de lanifícios então na Covilhã. Mas também havia a metalomecânica.
Outra atividade profissional citadina, usual ao tempo – as empregadas domésticas, de seus aventais brancos.
Mais duma centena de fábricas eram as que circundavam a cidade, junto às ribeiras da Carpinteira, da Degoldra e ribeiro de Flandres. A azáfama do operariado na sua faina: tecelões, afinadores, caneleiros, pegadores de fios, “rebola caixotes”, motoristas, etc…
Na rua os maleiros levavam as malas para os hotéis. O “rei da Alemanha” passava, gazeado, e, do outro lado da rua, ouvia-se o apito do amola-tesouras, que também consertava guarda-chuvas. Noutra rua, travessa ou beco, o farrapeiro do Dominguiso, de saco de serapilheira às costas, apregoava: “peles de coelho ou farrapos!”.
Os ardinas, de sacola ao ombro, ligeiros pelo Pelourinho, a apregoar o Record, a A Bola, o Século, Século Ilustrado, Diário Popular ou do Diário de Notícias.
Os vendedores ambulantes de miudezas (sabonetes, elásticos, pentes, espelhos de bolso), com o seu tabuleiro prendido com uma alça ao pescoço, giravam à porta da praça; no entanto Chico gravateiro avançava até ao Pelourinho. Aqui, também o Ribeiro dos tabacos. De mala de metal na mão, caminhava cauteloso o Pardal, procurando compradores de ouro, enquanto o Humberto vendia cautelas.
Junto à antiga biblioteca municipal, ao jardim, passava a Batistinha dos rebuçados “Avenca”, que vendia na rua, de chinelos e cesta de verga enfiada no braço, baixinha, e sempre de bata.
Volvida uma década, no auge da emigração, eram como as formigas: homens e mulheres saiam ansiosos da Câmara Municipal, com os papéis na mão já tratados, para rumarem a França, Alemanha, Suíça, Luxemburgo.
A ocupação dos territórios portugueses de Goa, Damão e Diu pela União Indiana em 18 de dezembro de 1961, que depois se seguiu o início das guerras em África, não deixavam de atormentar os covilhanenses. As manifestações de apoio à política ultramarina e repúdio pelo que ia acontecendo a Portugal enchiam com naturalidade a Praça do Município.
Surge a década de setenta e, no 25 de abril e 1.º de maio, a enchente do Pelourinho é ainda maior. Era o tempo de viragem.
O povo covilhanense entra em êxtase em 1977 com a estreia da primeira telenovela brasileira – “Gabriela, Cravo e Canela”, substituindo as sessões de esclarecimento do PREC.
Na primeira metade da década de 80 surge na RTP a série televisiva “DALLAS”, com o J.R e a sua mulher, Sue Ellen. Foram 357 episódios que terminaram na década seguinte.
As novas tecnologias iam surgindo com aceleramento. E nem todos as acompanhavam. A Covilhã também foi um dos concelhos em que sentiu grande adversidade nas múltiplas crises que iam surgindo. Quando se pensava que ia haver uma vida nova, risonha, áurea, mais feliz, mais tranquila, de esperança, futuro para os filhos e netos, retrocede-se. Surge o novo milénio e o que vemos? Já toda a gente é conhecedora do estado a que isto chegou. São ainda pertinentes as palavras de Salgueiro Maia.
Ainda pior: a falta de confiança nos governantes sejam a nível do Governo central, ou da autarquia local.
É fartar, vilanagem.

(In "fórum Covilhã", de 16-07-2015)

3 de junho de 2015

A FORÇA DOS VENTOS

A força dos ventos supera as nossas próprias vontades. São muitas vezes expressos de acordo com a sua força e a direção de onde eles estão soprando. Há os de rajada, de lufada, a brisa, tempestades, furacão, tufão e tornados.
Ventos definem assim um equilíbrio de forças físicas que são utilizadas para decomposição e análise do perfil do vento. E, dentre eles, há ainda os ventos de Oeste, ciclones, anticiclones, ventos de monção, e ainda os de montanha. Alguns destes ventos quase que se confundem.
Entre ventos e ventanias, sempre há o bom e o mau; da possibilidade do aproveitamento da energia eólica à fustigação de terrenos, árvores, telhados e outros bens.
Já antes das eólicas havia os moinhos, com leis desde o século V ao XV. E da utilização dos ventos, os barcos à vela já existiam no Egipto 2.800 anos a. C.
Muito mais poderíamos falar dos ventos, incluindo das relações luso-espanholas, donde se ironizou que “De Espanha nem bom vento nem bom casamento”.
Com ventos e marés nós vamos passando as nossas vidas, e, na parte que nos diz respeito, muitos de nós já começamos a ficar na linha da frente de partida. Salvam-nos os ventos de mudança com o aumento do tempo de vida.
As nossas gerações eram de gente humilde, da aldeia ou da urbe, filhos do trabalho ao cheiro lanífero das fábricas, ou então dos suarentos dias na faina dos campos agrícolas de então.
As novas gerações nem fazem ideia como sopravam os ventos das nossas eras: lugares e aldeias do concelho sem saneamento básico; sem água potável nem eletricidade; à luz de candeeiros de petróleo e braseiras de brasas, com moinha e uma prata por cima, para o aquecimento de inverno; as carnes colocadas no sal por inexistência de refrigeração; a água para consumo, em cântaros, obtida em minas por falta de fontenários; e por aí fora.
No entanto, era gente com palavra, que a mesma fazia lei, nem era preciso ser levada a escrito. A solidariedade não era palavra vã. Durante a longa caminhada, ouvimos dizer que éramos um País em vias de desenvolvimento, e, depois, passámos a um País desenvolvido. Conseguimos sentarmo-nos na mesa dos comensais da União Europeia. O vinho, então distribuído, foi à fartazana. E, como que no milagre dos pães e dos peixes, os cestos das sobras eram bastantes.
O mestre-sala da Organização manda então regar todas as estradas poeirentas com asfalto, e rasgar outras, e outras, e outras.
Alguns velhos do Restelo, de cigarro de onça na ponta dos lábios, preocupam-se com o dia de amanhã, mas os novos do leme, esfregam as mãos, na contagem de tanta massa, que vai chegando numa fresquidão dos tempos.
Entretanto, Chico Buarque já havia profetizado: “Estava à toa na vida, o meu amor me chamou, pra ver a banda passar, cantando coisas de amor. A minha gente sofrida despediu-se da dor pra ver a banda passar cantando coisas de amor. O homem sério que contava dinheiro parou, o faroleiro que contava vantagem parou, a namorada que contava as estrelas para ver, ouvir e dar passagem. A moça triste que vivia calada sorriu, a rosa triste que vivia fechada se abriu. E a meninada toda se assanhou pra ver a banda passar cantando coisas de amor. O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou que ainda era moço pra sair no terraço e dançou. A moça feia debruçou na janela pensando que a banda tocava pra ela. A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu. A lua cheia que vivia escondida surgiu. Minha cidade toda se enfeitou pra ver a banda passar cantando coisas de amor. Mas para meu desencanto o que era doce acabou, tudo tomou seu lugar depois que a banda passou. E cada qual no seu canto, em cada canto uma dor, depois da banda passar, cantando coisas de amor”.

Volvidos 41 anos do 25 de abril, depois da banda passar, o que temos nós? Lisboa com todas as suas decisões e o interior do país deserto, abandonado e esquecido. Um país de doutores no esquecimento dos valores, sem interessar o que se defende mas sim o que se promete. Um país sem justiça em que não interessa o meio para atingir o fim. E tantas ocasiões de ventos ciclónicos que passam a brisas, com políticos a enriquecer sem problemas ou alguém que questione suas fortunas. Bancos que assaltam um país e que o povo ainda ajuda a salvar. Um país sem educação. Quem semeia ventos colhe tempestades. Quando a sociedade global exige níveis de educação altamente sofisticados, em Portugal a educação é o que é, não se podendo reprovar meninos mimados ou malcriados. Uma variedade de ventos indesejáveis que sopram da governação e presidência portuguesa. Oiçam ainda Eduardo Nascimento, porque “o vento mudou e ela não voltou, as aves partiram, as folhas caíram. Ela quis viver e o mundo a correr prometeu voltar se o vento mudar. E o vento mudou e ela não voltou, sei que ela mentiu, p’ra sempre fugiu. Vento, por favor, traz-me o seu amor, vê que eu vou morrer se não mais a ter. Nuvens tenham dó que eu estou tão só, batam-lhe à janela, chorem sobre ela. E as nuvens juraram e quando voltaram soube que mentira, p’ra sempre fugira. Nuvens por favor cubram minha dor já que eu vou morrer se não mais a ter”.

(In "Notícias da Covilhã", de 04.06.2015)