25 de agosto de 2021

AGOSTO - DUAS EFEMÉRIDES PARADOXAIS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL

 

Foi no mês quente de verão, em pleno agosto, que se deram dois acontecimentos históricos em Portugal: um de glória, outro de leviandade barbárie.

Entre estas duas vertentes da história em Portugal, muitas ilações se podem extrair para os tempos que vão decorrendo. Dum país, fundado em 1139, com quase nove séculos.

Outros países menos longevos estão na vanguarda. É indubitável que também tivemos sempre momentos e figuras repletas de boas intenções e na têmpera de colocar o país no mapeamento do progresso. Muitos portugueses têm honrado Portugal, em vários domínios, no planeta.

Portugal é o mais antigo Estado-nação da Europa com fronteiras definidas.

No dia 14 de agosto comemoraram-se 636 anos que Portugal venceu os castelhanos na Batalha de Aljubarrota. A peleja decorreu no final da tarde daquele ano de 1385. As tropas portuguesas com aliados ingleses, comandadas pelo rei D. João I e pelo condestável D. Nuno Álvares Pereira, defrontaram o exército castelhano e seus aliados franceses, lideradas por Juan I de Castela. As crises, peste negra e instabilidade política dominavam. Portugal não era alheio à mesma.

Ganhar uma batalha com 6 500 homens do Reino de Portugal contra 31 000 por parte de Castela é deveras notável. Só ao alcance de cérebros como o de D. Nuno Álvares Pereira que soube utilizar as táticas e as estratégias rumo à vitória.

Aquele interregno que se seguiu à morte de D. Fernando – a crise de 1383-1385, terminava e seguia-se um período áureo para a História de Portugal, com a conquista de Ceuta e prosperidade com base nos descobrimentos que se iniciavam.

De Aljubarrota, “… o próprio D. Juan I chega a Santarém, a sua praça fiel, mais morto do que vivo e com as sezões agravadas por uma fuga desesperada. Vai depois num barco que desce o Tejo de urgência e, ao largo de Lisboa, sobe para o navio que o transportou até Sevilha. Com a fina-flor da sua nobreza perdida, com a dimensão do desastre já conhecida por toda a parte, anuncia então o luto profundo em que o reino de Castela mergulhará até ao Natal de 1387”.

Rosália Amorim, no seu editorial do DN, refere que “A 14 de agosto de 1385, Aljubarrota foi palco de uma batalha decisiva para a independência e a construção de um novo Portugal. A 14 de agosto de 2021, é muito oportuno refletir sobre o que nos ensina este confronto militar que opôs portugueses e ingleses a castelhanos e franceses (e vários nobres lusitanos que defenderam o lado de Castela), numa disputa pelo trono português, após a morte de D. Fernando. Hoje, podemos discutir remodelações governamentais (…). Podemos discutir a tática do jogo de xadrez político e como se movem as peças da oposição à direita e à esquerda. Podemos ainda fingir que está tudo bem, neste verão de descompressão social em longo período de pandemia. Mas a história militar, bem como das empresas e organizações, demonstra que, mais do que jogadas táticas, é fundamental definir e aplicar uma estratégia para vencer batalhas a curto e médio prazo. (…) Perante um adversário muito mais poderoso e fortemente armado, venceu o exército de D. Nuno Álvares Pereira graças a visão estratégica, liderança genuína e corajosa, inteligente e eficaz gestão de recursos no terreno, inovação nas técnicas (…). Devemos aprender com lições de história de ilustres portugueses do final do século XIV que inovaram, souberam dar a volta a uma crise sem precedentes (invasão militar, peste negra e fome) e iniciar um novo ciclo que foi o das Descobertas. (…) Com a memória deste grande feito militar na região centro de Portugal continental, devemos olhar para os próximos anos como uma época de novas descobertas (talvez de nós próprios), sem fantasmas ou temores do passado e sempre com olhos postos num futuro mais promissor para o povo português”.

O outro acontecimento paradoxal do texto, é a triste memória da Batalha de Alcácer-Quibir, também surgida no mês quente de verão, do dia 4 de agosto do famigerado ano 1578. O exército português, comandando pelo jovem rei D. Sebastião, que aqui viria a perder a vida, estava esgotado pela fome, pelo cansaço e pelo calor, quando se deu a batalha. O exército marroquino era composto por dez mil cavaleiros e avançou cercando as alas de D. Sebastião pelos flancos. Apesar da sua doença o Sultão Abdal Malique deixou a sua liteira e liderou as suas forças a cavalo. (Também na Batalha de Aljubarrota, o rei castelhano, D. Juan I, fugiu transportado numa liteira, tão debilitado estava. Viria a morrer de peste negra.). O rei de Portugal, D. Sebastião, aos 24 anos, morre na batalha e o seu corpo jamais foi encontrado.

A batalha terminou após quatro horas de combate intenso com a completa derrota dos exércitos de D. Sebastião e Abu Abdallah Mohammed II Saadi, com quase 9 mil mortos e 16 mil prisioneiros, nos quais se incluíam grande parte da nobreza portuguesa. Talvez 100 sobreviventes tenham escapado, com custo, do local da batalha. O exército português foi completamente dizimado.

Entre os prisioneiros portugueses estava D. António, Prior do Crato, assim como o covilhanense Aires Teles de Meneses, Alcaide-mor da Covilhã, que havia servido na Índia e acompanhou D. Sebastião nesta batalha, onde ficou prisioneiro. Foi resgatado e regressou à Covilhã. Encontra-se sepultado na Igreja de Nossa Senhora da Conceição (São Francisco), da Covilhã.

(In "Notícias da Covilhã", de 26-08-2021)

11 de agosto de 2021

A MULHER - QUANDO O SONHO SE TORNA UMA REALIDADE

 

Vivemos momentos do aproximar das eleições para as autarquias em Portugal. O que hoje se fala de paridade no ambiente parlamentar ou autárquico, outrora era uma quimera.

O voto da mulher quase que não existia.

Mas seria duma mulher das Beiras a surgir o pontapé de saída para o sonho. A médica egitaniense, Carolina Beatriz Ângelo, viúva do médico covilhanense (natural de Aldeia do Souto), Januário Barreto, furava as redes pensantes dos homens da altura. Como retrógrados dos tempos bíblicos.

As próximas eleições estão à porta, marcadas para o dia 26 de setembro. Um bom momento para recordar a história de como é que as mulheres conquistaram o direito ao voto em Portugal.

Carolina Beatriz Ângelo foi a primeira mulher a votar em Portugal. Foi em 1911, ano após ter sido implementada a I República que surgiu o primeiro ato eleitoral. Estavam aptos a votar “todos os cidadãos portugueses com mais de 21 anos, que soubessem ler e fossem chefes de família”. Não sendo referido o género, a beirã Carolina Ângelo, médica, viúva, com mais de 21 anos e uma filha menor a seu cargo, dirigiu ao presidente da comissão recenseadora do 2.º Bairro de Lisboa um requerimento para que o seu nome fosse incluído. A 28 de abril de 1911, o juiz João Baptista de Castro proferiu uma sentença histórica ao incluir o nome de Carolina Beatriz Ângelo no recenseamento eleitoral, dizendo: “Excluir a mulher (…) só por ser mulher (…) é simplesmente absurdo e iníquo e em oposição com as próprias ideias da democracia e justiça proclamadas pelo Partido Republicano (…). Onde a lei não distingue, não pode o julgador distinguir (…) e mando que a reclamante seja incluída no recenseamento eleitoral.”

A 28 de maio, Carolina Ângelo dirigiu-se às urnas e votou, sagrando-se a primeira mulher a fazê-lo em Portugal. Uma notícia que se difundiu pelo estrangeiro. No entanto, durou pouco tempo, porquanto três anos depois seria aprovada uma legislação que especificava que somente os homens poderiam votar.

A conduta da médica ginecologista Carolina foi o ponto de partida para uma luta que durou duas décadas. Somente em 1931 as mulheres conseguiram o direito a voto com limitações. Eram elegíveis só as mulheres que tivessem frequentado o ensino superior ou as chamadas “chefes de família”, um termo que englobava “mulheres portuguesas, viúvas, divorciadas ou judicialmente separadas de pessoas e bens com família própria e as casas cujos maridos estejam ausentes nas colónias ou no estrangeiro”. Em 1933 a lei incluía o direito de voto à “mulher solteira, maior ou emancipada, quando de reconhecida idoneidade moral, que viva inteiramente sobre si e tenha a seu cargo ascendentes, descendentes ou colaterais”. Nesse mesmo ano foi dada a oportunidade às mulheres de se candidatarem. Em 1934, três mulheres foram eleitas para a Assembleia Nacional.

Em dezembro de 1968, com Marcelo Caetano na chefia do Governo, o número de votantes foi alargado a todos os que soubessem ler e escrever. Contudo, foi só depois do 25 de abril de 1974 que o direito ao voto se tornou universal em Portugal.

Hoje já se veem mulheres na liderança de empresas, organizações nacionais e internacionais.

Sempre trabalhei com colegas do feminino, e foi na maior parte do tempo, em duas multinacionais, que muitas das mulheres souberam ocupar cargos de chefia.

Portugal tem mais mulheres no Governo e parlamento que a média da União Europeia (UE), segundo dados, relativos a 2020, publicados pela Eurostat (Serviço de Estatística da UE).

O número de mulheres Presidentes e primeiras-ministras na UE também aumentou desde 2004.

Na Madeira, socialistas têm mais mulheres candidatas (seis) a presidente de Câmara do que homens (cinco). O PSD vai a votos com 11 homens. É caso único nos 20 distritos eleitorais.

No meu tempo nostálgico de estudante na Escola Industrial e Comercial Campos Melo da Covilhã, na disciplina de Geografia, a Drª Maria Adelaide Maia ditava-nos apontamentos que passávamos a escrito, sobre os Continentes, os quais ainda preservo como relíquia. Estávamos no ano letivo de 1960/61. A certa altura falou de Ceilão (atual Sri Lanka) e fez uma pequena observação. Este país é agora governado, pela primeira vez no mundo, por uma mulher – Sirima Bandaranaike. E tinha razão. Foi no dia 21 de julho de 1960 que se tornou a primeira mulher democraticamente eleita chefe de governo. Só depois, em 1966, surgiria Indira Gandhi, na Índia.

Nesta altura, aproveitamos para homenagear a Mulher Portuguesa no desporto, na pessoa de Patrícia Mamona que honrou o “país pequeno” ao voar acima dos 15 metros, no triplo salto dos Jogos Olímpicos do Japão, conquistando a medalha de prata.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 11 de agosto de 2021)