7 de fevereiro de 2007

O DIREITO DE OPINAR

Crescendo e moldando a adolescência nas dificuldades emergentes duma vida de sacrifício, era então o fruto de tempos duros duma paz e tranquilidade balofas que se viviam neste país, há mais de meio século, que nos obrigavam a tomar decisões para a passagem duma vivência de pouca esperança.
Ultrapassada a fase lúdica da bola de trapos, ou do arco de metal ou borracha, com um guiador em arame retorcido, do jogo das escondidas ou do salto ao pino, surgia na juventude uma imaginativa teia de ocupações do tempo que voava.
Na teimosia dessa teia, desenhada num espaço temporal de grandes restrições, rapidamente se conseguia um proveitoso tirocínio cultural, frequentando a velha biblioteca municipal.
Inconformando-nos com o conformismo, mas deixando quase sempre a banda passar, se permutavam as palavras pelos actos.
Com o advento do 25 de Abril, os censores às ordens do seu amo foram automaticamente suprimidos.
Surgiram novas gerações, que da festa dos cravos apenas ouviram falar. Não sabendo comparar a penúria de outros tempos, e não só do contraste entre as fraldas de tecido lavável e as descartáveis de hoje, pois sentiram o seu rabinho mais confortável, alguns dão agora hossanas a Salazar, afinal, esse “sacrossanto” homem cujo nome já deveria estar no Vaticano para o processo de canonização.
De defeitos e virtudes todos temos um pouco. Mas é cada vez mais difícil encaixar nestas categorias as características com que somos confrontados no dia-a-dia.
É também certo e verdade que não somos tão bons como pensamos nem tão maus como tememos.
Há por aí muito patriotismo acéfalo, num menear de cabeça com base nas suas conveniências. Sobre isto haveria muito que falar.
É uma honra e um risco escrever no jornal, e, como alguém afirmou, quase nada é óbvio.
Para um grande número de pessoas, a primeira angústia relativa a “escrever no jornal” fala de uma eventual falta de assunto, e onde encontrar a inspiração.
A segunda ansiedade relaciona-se à exposição pública de ideias, onde ainda é corrente o tirar vantagem de tudo e o ficar em cima do muro, não sendo fácil deixar de opinar sobre certos eventos, pessoas e assuntos.
Uma das tribulações está ligada ao risco do engano, da ignorância e do mero erro humano, para já não falar nas gafes ou mesmo nas gralhas jornalísticas, pois se algo surge no jornal deverá ter um mínimo de veracidade, exigindo mesmo reflexão e investigação.
O que se fala pode ser imediatamente levado pelo vento, mas o escrito tem mais facilidade de ser ampliado na memória. E não há nostalgia mais cruel do que encontrar um pedaço de jornal envelopando uma esquecida peça de estanho, que falava de eventos como de pessoas já falecidas, as quais já não exercem sobre o mundo o menor poder, a menor influência, o menor prestígio ou a menor importância. Aquilo que nos parecia fundamental e grandioso, agora transformado em papel de embrulho e não em pedaço de memória, levam-nos à conclusão que os jornais, como os humanos, desaparecem, deixam de ser importantes e, tendo um começo, têm também um fim. Entre outros, na nossa região existiu o Raio, que ainda hoje se memoriza; de âmbito nacional, havia o Século, Diário Popular, República, A Capital, Diário de Lisboa, O Jornal, A Voz, Novidades, Diário da Manhã, e muitas revistas entre as quais a Flama.
O Notícias da Covilhã continua na sua caminhada de informar, galgando os anos a caminho do centenário, o que muito nos apraz, conseguindo resistir a ventos e marés.
Pode haver perplexidade do colunista na hora do comentário, principalmente quando se assiste ao espectáculo de multidões crentes e fanáticas a chorarem com luto feito de raiva, numa idolatria inconcebível, certas figuras controversas. Como haveremos de comentar o horrendo espectáculo de ver uma criança a assistir ao desaparecimento dos pais num tsunami ou numa guerra? Ou as imagens de grande mérito que fazem cartazes, pela sua importância, objecto de publicidade às notícias da SIC?
Há quem se agarre às letras como o desespero daquele que necessita de calafetar as frinchas por onde as ideias se escapam. Mas também ouvimos dizer que os colunistas interessantes não são aqueles que têm grandes ideias, mas aqueles que sabem maquilhar com estilo as debilidades do pensamento.
Chegou à nossa estante o livro “A Nossa Antologia” – XIII Volume – 2006, da Associação Portuguesa de Poetas, liderada pela covilhanense Maria Ivone Manteigueiro Vairinho – em cuja obra a mesma reflecte a sua dose de influência e paixão pelas gentes covilhanenses, apesar de há muitos anos radicada em Lisboa.
No livro recorda o seu casamento, “num dia radioso de Outono, um dia tão bonito, com o Largo da Igreja de S. João de Malta cheio de gente, com o Senhor Padre Carreto a tentar impor ordem na avalanche de pessoas que entrou na igreja e se empoleirou nos bancos para ver os noivos”. Recordamos também este evento, como muitos covilhanenses que conheciam a dinâmica cultural, no âmbito das letras e do teatro, da simpática jovem de então que acabara o seu curso na Escola Industrial e Comercial Campos Melo.

(In "Noticias da Covilhã" de 07/02/2007 E "Kaminhos")