23 de agosto de 2007

A UTOPIA DE JOSÉ SARAMAGO

Enquanto o país se preparava para iniciar as férias a Joana veio, com grande alegria, aumentar o número dos netos.
Entretanto, preocupado com a baixa de natalidade, Sócrates anunciou medidas incentivadoras para quem tem mais filhos, e às grávidas. Certamente também com algum desassossego, ou talvez não, pelos vinte mil abortos por ano que vão custar ao Estado sete milhões de euros, numa gratuitidade e prioridade hospitalar, não obstante tantos doentes à espera, meses sem fim, de uma cirurgia urgente.
Enquanto persistiu a guerra interna nos bastidores do BCP, as autárquicas de Lisboa tiveram finalmente uma OPA amigável e concretizada, com Sócrates a fazer o pleno: ganhou as eleições e aliviou os lisboetas do risco de insolvência e libertou-se de uma sombra no partido e no Governo.
Precedendo a divulgação do 4.º Inquérito Nacional de Saúde, em que os resultados dão um quarto da população em sofrimento psicológico, a hipertensão a ser a doença mais prevalente, e com mais pessoas a beber álcool, chegava ao fim o Harry Potter, numa loucura de compras, e desapareciam, no mesmo dia, 30 de Julho, os dois maiores cineastas vivos – o sueco Ingmar Bergman e o italiano Michelangelo Antonioni.
E os preparativos para a festa do futebol animaram a malta, já com alguns jogos e golos de trivela, num contraste de milhões, nos negócios da bola, com os portugueses a serem os que menos dias trabalham para pagar os seus impostos, e que daqueles milhões uma pequena parte poderia suprir a fome daquelas crianças do Darfur, sem força para choros histéricos, com as moscas a poisarem no ranho brotado das suas narinas.
Neste fenómeno da globalização, a flexisegurança poderá ser uma solução se se tiver em conta que não se pode estar sempre à sombra do Estado e se seguir pela via duma palavra muito na moda – o empreendorismo.
Os jovens não podem estar só concentradíssimos no ecrã dos telemóveis, de T-shirts e brincos à Cristiano Ronaldo, na ânsia de um lugar para os festivais de Verão, ou no devorar das revistas de coração, e esquecerem-se de agarrar as oportunidades surgidas, que poderão passar pelo que atrás referimos, sem se ser escravo complacente da tecnologia.
Enquanto alguns governantes iam falando por este país fora, utilizando as mãos para enfatizar as frases, sem interromper o fluxo da conversa, surgiu José Saramago, o iluminado escritor, desde logo rejeitando intitular-se profeta, mas profetizando a criação dum novo país – a Ibéria – por via da integração de Portugal na Espanha, passando a ser uma das suas províncias.
Já não nos chegara então a ideia balofa do escritor covilhanense António Alçada Batista, recuando uns anos, a sugerir a substituição do Hino Nacional, que já não teria, então, sentido na sua actual letra!
José Saramago, o escritor que se borrifa para a ortografia e opta por “auto-estradas” de parágrafos – e é Prémio Nobel da Literatura – , o romancista, poeta, dramaturgo, autodidacta, ribatejano, ateu, comunista e iberista , nesta sua utopia ibérica mostra o seu desconforto, embora não o confesse, com a sua condição de português, esquecendo os quase 900 anos de história.
O El País deu acolhimento vasto ao iberismo de Saramago – tanto na vertente filosófica como na matrimonial. Mas este Nobel “é dos portugueses mais escutados fora de portas e fora de portas as pessoas dirão: “Portugal deve ser tão mau que até o único Nobel que eles têm quer que o país acabe”. O discurso de Saramago não é crítico, é o contrário de uma crítica e, de algum modo, uma rendição e um abandono. É um gesto típico do pior Portugal que o escritor diz detestar”, conforme se refere no DN de 26 de Julho.
Mas o jornal espanhol El País diz mesmo que a ideia de uma união política entre Portugal e Espanha, defendida pelo escritor José Saramago nas páginas do DN, é vista pela generalidade das fontes ouvidas pelo Jornal como uma utopia não desejada, e continuava: “Os portugueses já não odeiam nem olham os espanhóis com o rancor e os preconceitos de outros tempos (...) e, ainda que a sua economia dependa em grande medida do comércio com Espanha e adorem ir à Zara ou Corte Inglês, antes mortos que renunciar à pátria ou à bandeira para se converterem numa comunidade autónoma e fundirem-se num país de 55 milhões de habitantes chamado Ibéria”.
Fazendo uma leitura, numa pesquisa feita ao DN de 3 de Novembro de 1998, altura em que foi atribuído o Prémio Nobel a Saramago, o Bispo de Bragança referia-se assim: “Comparem-no com Eça ou com Camilo! E, então, ficam a saber que ele teve o Nobel não por escrever bem. A Academia Sueca não pode analisar estas coisas. Assim, como não domina a nossa língua, analisou o pensador e não a qualidade da obra: vejam como ele faz a pontuação. O telúrico Miguel Torga, esse sim, merecia o Nobel, porque já tem a obra concluída e sabe onde colocar as vírgulas”.
E, nesta “grande cidade de muitas e desvairadas gentes”, como se referiu Fernão Lopes, no século XV, termino esta crónica sugerindo a José Saramago que descanse um pouco com a sua Pilar del Rio, em Lanzarote, nas “suas” Canárias, e aproveite para passear o cão.

(In Notícias da Covilhã e Kaminhos de 23/08/2007)