Todos os dias recebo no meu escritório o jornal, entre sorrisos e simpatia. Aos sábados e domingos diligenciam a sua entrega no “Repolho”, onde também aqueles predicados são peculiares.
Recordo os tempos em que havia os cafés que se tornaram marcantes na cidade – o Café Montalto ou o Café Leitão, por cá; o Café Martinho em Lisboa, ou o Arcádia em Évora, como tantos outros por essas Terras fora.
O “Repolho”, como é conhecida a antiga Cervejaria Estrela, hoje Café-Restaurante Estrela, do Sr. António Afonso, é uma das casas de restauração mais antigas da cidade, actualmente dirigida pelo seu genro e filho.
Deste estabelecimento muitas gentes têm recordações. Recentemente uma senhora memorizou quando, em criança, ia pela mão do seu padrinho, o Sr. Francisco Gonçalves Silva (Francisquinho da Padaria), beber uma “laranjina C” ao Café Estrela.
Lembro-me do início desta casa. Resultou dum espaço onde se encontrava o Julinho das bicicletas. Transformada em casa de restauração, aqui se passou a comer o frango assado a carvão. Penso que foi a primeira casa na cidade a ter esta especialidade, isto pelos meados dos anos 60 do século passado.
Comer um franguinho assado no “Repolho”, com um tinto de Teobar, subindo por umas escadinhas de madeira para um pequeno piso superior, foi muitas vezes a forma de convívio de algumas gentes. Eram os tempos difíceis da ditadura, no auge da emigração e dos medos da guerra colonial.
Uma esplanada existiu nos verões, num passeio largo que dava para a Rua Visconde da Coriscada. Umas cervejinhas serviam para proporcionar algum bálsamo para o trabalho quotidiano, no desabafo pelas contrariedades, comentava-se a miséria da féria semanal dos operários, os resultados do nosso Sporting, a aquisição das viaturas de luxo de alguns industriais, os desgraçados que, em determinada noite, a Pide lhes bateu à porta.
A cultura, na cidade, como no País, não abria horizontes. Mas comprava-se “A Bola” ou o “Record”, ao Garrim ou ao Leal, e alguns lá iam com “O Século” ou o “Diário Popular”, dobrado debaixo do braço, ao cinema no Teatro-Cine (o Teatro do Pina).
Da Escola Industrial subíamos a Rua do Serrado, sem que antes comprássemos dois ou três cigarros avulsos na barbearia do Mário, e, com a malta de colegas, fazíamos ponto de paragem na Cervejaria Estrela – “O Repolho” e lá ia uma bica, em copo ou chávena, a um escudo e vinte centavos.
Nos bailaricos do S. João pelas ruas, travessas e becos, em abundância na zona, algumas vezes entre grupo de rapazes e raparigas, de S. João de Malta, se ia até à Fonte das Galinhas dissipar a sede e refrescar as ideias. Outras vezes, já tarde, na Cervejaria Estrela o Sr. António servia-nos, sempre disponível e sorridente.
A cidade e o País eram diferentes. A iliteracia era abundante. Os meios e estruturas sociais eram quase inexistentes.
“O que é isto de Imposto de Turismo?” – perguntava o José Viana num espectáculo de revista em que participou no Teatro-Cine – “É que me levaram 10% a mais na factura do almoço, com essa designação”.
E ainda estávamos a quilómetros de distância da integração na CEE, ou UE; longe de se pensar em se possuir uma casa própria ou um automóvel, distante de surgir a Universidade, de se romperem estradas e se construírem loteamentos, espaços culturais, uma nova biblioteca municipal, complexo desportivo, uma nova unidade hospitalar e faculdade de medicina.
Havia as colectividades do Inatel, com instalações deficientes, tendo já desaparecido o Estrela de São Pedro (mentor da Corrida de São Silvestre na Covilhã) e o Águias de Santa Maria. Os salões paroquiais e algumas colectividades de referência na Cidade, como o Campos Melo e GIR – Rodrigo, que emergiam com teatros e iniciativas de âmbito cultural, nomeadamente com a criação de boletins informativos, remavam contra a maré.
E a pobreza já grassava nessa altura, talvez com contornos menos expressivos que nos tempos de hoje, onde há outras vertentes dessa mesma pobreza.
E a Igreja de S. Tiago, ali perto do “Repolho” continuava e permanece a mais altaneira, a dar horas à Covilhã e a ser voz divina.
Muitos dos seus membros activos, na religiosidade, já não fazem parte do mundo dos vivos. E um deles, que deixou marcas pelo seu intenso trabalho na cidade, viria a despedir-se para sempre, ainda novo. No dia 26 de Dezembro vai fazer 15 anos – Padre Arnaldo Lacerda.
Termino as minhas crónicas de 2007 desejando a todos um Santo Natal e um Feliz Ano Novo.
(In Notícias da Covilhã e Kaminhos de 20/12/2007)