Eduardo Cintra Torres tinha razão na sua crónica de 13 de Setembro, no “Público”, recordando a expressão de António Vitorino, do PS, na noite das eleições, ao dirigir-se aos jornalistas sobre a política comunicacional do PS e de Sócrates. Foi então o silêncio impenetrável ao não dar conhecimento dos homens e mulheres que iam conduzir os destinos de Portugal.
O terramoto que então iniciara de reformas profundas foi do agrado de muitos, se não da generalidade, face às assimetrias e injustiças que grassavam por todo o mapa continental e das regiões autónomas.
Habituem-se! – Surgiram então muitos ventos e marés, que passaram a ser furacões de 1 a 4 graus, agitando alguns mal habituados a um certo inconformismo por umas quantas benesses ameaçadas, já que contrastavam com o comum dos portugueses.
Habituem-se! – Quem já estava habituado a comer o pão que o diabo amassou, e não conseguindo fazer ouvir a sua voz, a sua única ira manifestava-se na renúncia ao direito cívico, engrossando o número das abstenções e não votantes. Ao ouvirem aquela palavra soltara-se um grito de esperança.
Mas, neste habituar, e agora volvidos três anos de governo, a decepção de quantos acolheram com agrado as reformas – reformas que se desejavam para que não houvesse filhos de Deus e filhos do diabo, ou filhos e enteados, mas tão só portugueses da mesma Terra-Mãe, embora com as suas diferenças – é também um terramoto que o próprio governo não consegue resolver.
Habituem-se, à (in) justiça que temos, onde os homens do aparelho jurídico não se entendem; a que os processos se eternizem e alguns prescrevam; a que deixem que alguns arguidos “gozem” com o Estado, seja com ou sem “sacos azuis”; a que os “casos” que começam a deitar bafio não se dissipem, e, depois, a que todos nós, cidadãos, paguemos a factura de altíssimas indemnizações, jamais vistas, após satisfeitas pelo Estado, fruto da justiça que (não) temos.
Habituem-se, porque “a política, tal como é exercida em Portugal, abandonou a ideia de espírito de missão, e tornou-se num generosíssimo meio de se governar a vidinha” – nisto concordamos plenamente com as palavras de Baptista-Bastos ao Jornal de Negócios. E “é duvidosa a melhoria anunciada nos resultados escolares, que só poderá ser confirmada por instrumentos fiáveis, como são os que são aplicados em inquéritos internacionais”, conforme refere Daniel Sampaio, na revista “Pública”, de 31 de Agosto.
Habituem-se, porque nos conselhos de ministros deste Governo do que se trata é de tudo menos da erradicação da pobreza de dois milhões de portugueses, de uma distribuição de riqueza mais igualitária e de interdição do trabalho precário.
Habituem-se ao retrato da recessão demográfica, num país que já não soe dizer-se à beira-mar plantado, com mais mortes que nascimentos, com um saldo negativo, pela primeira vez desde 1918, onde se faz a pergunta: onde estão os jovens? O envelhecimento de Portugal só pode ser atenuado pela imigração, com a Eurostat mais optimista do que o Governo português.
Habituem-se a que Portugal já não seja um país de brandos costumes: são os assaltos a bancos a aumentar; aos postos de abastecimento de combustíveis; carjackings e homejackings; pistoleiros por todo o lado.
Mas habituem-se, ainda, ao abuso dos Bancos, impondo condições e subterfúgios para enriquecerem os seus accionistas. Já se fala em cobrarem 1,50 euros para levantar dinheiro no Multibanco!!! Qualquer dia voltamos ao tempo do dinheiro debaixo do colchão.
Habituem-se ao “plágio” da Senhora líder da oposição, com o seu silêncio, lá botando, de quando em vez, algumas pedradas ao Governo, sem dicas alternativas, nesta crise de nervos, e nem com o baralhar e dar de novo se resolve a questão.
Por último, deixo a última habituação – neste “habituem-se!”, com direito a forte indignação – através da leitura da página 23 do “Correio da Manhã”, de 9 de Setembro, para uma reflexão do retrato deste País – “Pensões milionárias – Entre Janeiro e Outubro deste ano atribui-se 207 pensões de valor superior a quatro mil euros por mês”; para, no número seguinte, do mesmo diário, surgir na primeira página o verdadeiro e actual retrato social do País, com a fotografia dum general na reserva com a reforma por mês, de 5915 Euros, aos 62 anos. A contrastar na capa, a fotografia do Sr. José Almeida que vai trabalhar para França, para ganhar, nas vindimas, para a despesa escolar com os filhos. E, neste momento, as Forças Armada contam com 127 generais na reserva, que custam ao Orçamento do Estado oito milhões de euros por ano.
Eu, por mim, ainda não me habituei. Da outra vez, já íamos em 48 anos de “habituação” e eu, ainda jovem, já sentia a mesma comichão da Liberdade.
(In Notícias da Covilhã de 18/09/2008)