7 de dezembro de 2011

E TUDO ISTO É FADO

“Perguntaste-me outro dia se eu sabia o que era fado. Disse-te que não sabia, tu ficaste admirado” – No meio da situação pantanosa em que caímos, e nos deixámos empurrar para o precipício, com culpa de todos nós, porque adormecemos com as canções de embalar, vai-nos valendo agora o FADO, proposto à Unesco para um dos sete Patrimónios Imateriais da Humanidade, e, na Indonésia, eleito com indubitável mérito.

Na indolência dos que, enlevados pelos “direitos adquiridos”, foram mandando às malvas todos quantos lhes sopravam aos ouvidos os exemplos dos políticos que enriqueciam depois de saírem do Governo; e aqueles que, com subterfúgios, levaram o que, duma forma geral, foi subtraído à classe média; vêm os mesmos a assustar-se só quando se aperceberam da mexida nas suas algibeiras, retirando os referidos “direitos”. E, então, a sua raiva pelo inaudito de muitos dos nossos políticos, numa autêntica forma de ganhar a lotaria.

“Sem saber o que dizia, eu menti naquela hora, disse-te que não sabia mas vou-te dizer agora” – Já anteriormente, numa então era de “scolarização”, quando o navio da nossa imaginação começava a mergulhar demasiado nas águas profundas do oceano da nossa impaciência, foi necessário um impulso de embandeirados, com a nossa selecção de futebol, para nos fazer levantar a cabeça e mostrar uns sorrisos, mais que não fosse para reaver a nossa auto-estima, perante os iluminados governantes, que então preferiram deitar fora a bússola e guiar-se pela estrela polar das suas visões mais convenientes. Fomos também caindo na canção do ceguinho, e, no nosso ego, desfraldámos e recalcámos o “direito a ter direitos”, mas esquecendo que, no reverso, também havia a faceta do “dever de cumprir os seus deveres”.

“Almas vencidas, noites perdidas, sombras bizarras” – Mas, por mais voltas que se dêem, não descortinámos como solucionar preocupações constantes, e delas ressaltam, por exemplo, as das injustiças, num vasto campo de várias vertentes, entre as quais o porquê de continuar a haver portugueses de primeira, portugueses de segunda e portugueses de lixo, na forma como têm direito a ser tratados nas suas doenças: uns não pagam nada, outros pagam uma parte e outros pagam tudo, ainda que fruto dos tais “direitos adquiridos” das suas actividades profissionais.

“Na Mouraria, canta um rufia, choram guitarras; amor, ciúme, cinzas e lume, dor e pecado, tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado” – E isto para já não nos referirmos às empresas de transportes – Carris, Refer, Metro, e por aí fora –, denunciadas com altas regalias, algumas no luxo de serem extensíveis a outros familiares já fora da sua esfera de agregado familiar, numa vergonha nacional, agora com incomensuráveis dívidas.

“Se queres ser meu senhor, e teres-me sempre a teu lado, não me fales só de amor, fala-me também do fado” – Não houve nenhum dos nossos ilustres governantes que cumprisse a sua palavra. Alguns, economistas de meia-tijela, doutores à pressa para ficarem bem na fotografia, que diziam conhecer bem os dossiers antes de integrarem as suas funções governativas, apanharam-se no poleiro, e, bem depressa, as promessas foram dissipadas, porque, no já habitual “viemos encontrar uma situação diferente da que esperávamos”, levaram à tentativa de deitar areia para os olhos, aos parolos das suas mentes, mas que já não passam por ceguinhos… As contas públicas a apresentarem défice todos os anos, num endividamento diário, a que os portugueses se haviam vencido num hábito de convivência pacífica com esta realidade, tentaram desviar-nos da atenção deste país real.

“É o fado que é o meu castigo; só nasceu p’ra me perder. O fado é tudo o que digo, mais o que eu não sei dizer” – Viver acima das possibilidades era já uma normalidade. E agora, com a “troika”, ao se verificar que a Europa Unida afinal não é tão solidária como parecia ser, quando nos chegam verdadeiramente ao pêlo com os cortes salariais, se levantam as consciências do que andámos a fazer ou não andámos a fazer.

 Depois do deixa andar, da inveja do parceiro que fez pela vida, das lágrimas daqueles “pobres envergonhados” que o infortúnio lhes bateu à porta, do mouro de trabalho que, num ápice, viu surgir o fim do seu emprego; no sofrimento dos que não conseguem tratamento para os seus males porque não têm dinheiro para fazer face a um direito que lhe é negado, resta-nos deste embrenhado nesta amálgama de infortúnio, dizer que tudo isto é triste, tudo isto é fado.

(In “Notícias da Covilhã”, de 07.12.2011, e n’ ”O Combatente da Estrela”, n.º 89, de Dezembro 2011)