11 de setembro de 2018

O VATICANO E O SEXO


Último domingo de agosto. Dirijo-me à banca dos jornais e, à minha frente, na fila, uma senhora não se despega das raspadinhas, e eu com o Público na mão para pagar, aguardo a minha vez.
Não jogo, por isso não conheço o jogo da raspadinha. Mas lá vou ouvindo, como hoje: “Dê-me 10 euros que tenho desta raspadinha, mais 10 euros desta, e com os 10 euros de ainda esta, dê-me uma Dardos, uma Dominó, uma Grande Sorte, uma Horóscopo, uma Mega Cofre, e uma Mini Pé-De-Meia.
- “Até que enfim, vai chegar a minha vez…”, presumi, quando a senhora, olhando para as raspadinhas expostas, diz: “-Olhe, dê-me também uma MasterMix”.
- “Aguenta, meu!...” E lá chegou a minha vez.
E o tema dos jornais não descola, e com razão, sobre a “nefasta Cúria Romana que Francisco não soube e/ou não pôde renovar de alto a baixo”, conforme relata Vicente Jorge Silva no Público de hoje, sob o título “Assombrados pelo sexo”.
Como crente, pessoa de fé e católico, há muito que me sinto incomodado com a ineficácia do Vaticano, sobre o mau exemplo, o crime, os escândalos ocultos e protegidos sobre a pedofilia e não só.
Como é possível que os últimos Papas (alguns até já foram canonizados) não tivessem conseguido acionar o chicote da expulsão (e não suspensão) de padres e bispos que não deveriam exercer esses múnus?
O resultado está à vista: cada vez se vê reduzir o número de católicos e da sua prática, como se verifica na Irlanda que era quase cem por cento católica.
Já nem o Papa Francisco, de quem tanto se esperava, consegue dar a volta ao texto. Pois como diz ainda Vicente Jorge Silva, “já não é possível mascarar por mais tempo a evidência de que a pedofilia constitui a expressão mais perversa da longa relação doentia da Igreja Católica com o sexo – e que, como tem sido lembrado por tantas vozes, o celibato dos padres constitui um dos fatores mais decisivos dessa doença.”
Este tema levaria a um longo debate, certamente não conclusivo, mas a pergunta, ou muitas perguntas, ficariam à espera de respostas, mas respostas de ação e não para ser mais do mesmo:
- Como é possível um padre, ou bispo, consciente dos atos em que se envolveu, como a pedofilia, poder continuar a exercer os atos de culto?
- Como é possível um bispo, conhecedor dos atos de pedofilia (aquele que agora está mais em foco) encobrir o crime ou o escândalo do sacerdote sob a sua jurisdição?
- Com que autoridade, um bispo ou um sacerdote, nestas situações, tem de, do púlpito, soltar vozes de incitamento à conversão, ao respeito pelo próximo, e sei lá que mais?
E será que esses padres e bispos têm consciência do pecado que eles próprios praticam e aos outros pedem para não cometer?
Não chegou o longo tempo da fábrica da morte em nome da fé, através do funesto Tribunal do Santo Ofício instalado em Portugal por bula de 23 de maio de 1536, depois de grande insistência junto do Papa Paulo III por parte de D. João III, que só viria a apagar-se no reinado de D. José I, por decerto de 1768?
Não estou aqui a discutir o sexo dos anjos, mas tão só um problema que é de todos, católicos ou não, gravíssimo, e sob os auspícios da Santa Madre Igreja, ou seja, na figura dos seus representantes.
Será que o pedir perdão do Papa Francisco, pelo que tem acontecido ao longos dos tempos chega?
E se destas palavras surge algum exagero, fruto da minha revolta face à ineficácia, passividade do clero dito sério, dito consciente, referido como exemplar no cumprimento dos seus deveres para que foi ungido (com muitas honrosas exceções) pergunto, dum mar de quesitos que era necessário terem respostas:
- Qual a conclusão, fidedigna, da morte do Papa João Paulo I, conhecido como o Papa do Sorriso”, que apenas foi Papa 33 dias, entre 26 de agosto de 1978 até à data da sua morte, em 28 de setembro de 1978? Não quis ser coroado, deixando de usar a tiara papal. Embora João Paulo i tenha sido encontrado morto por uma freira que trabalhava com ele e o acordava havia muitos anos, a versão oficial divulgada pelo Vaticano diz que o seu corpo teria sido encontrado por um padre, um dos seus secretários. Enfarte do miocárdio, embolia pulmonar, o fomento de várias teorias de conspiração pelo facto de estar a descobrir escândalos financeiros envolvendo o Vaticano, numa hipótese apontada, ou o envenenamento durante a noite, noutra especulação. Seja como for, nada ainda foi esclarecido.
- O caso da vida sexual de D. Carlos Azevedo, bispo católico, acusado de homossexualidade prática, atualmente em Roma, está envolvido em acusações de comportamentos impróprios. Já existe alguma decisão sobre este caso? Pois claro que não.
- Também na nossa Diocese da Guarda se passou um caso de pedofilia com o então vice-reitor do Seminário do Fundão, padre Luís Mendes, a cumprir dez anos de prisão efetiva, e sempre protegido por D. Manuel Felício, bispo da Guarda. Será que o padre condenado, após cumprir a pena, pode continuar a exercer a sua missão de sacerdote, celebrando a Eucaristia?
Sobre este assunto escrevi um texto em 12-12-2017, sob o título “Abominação ou Aceitação”.
Segundo o bispo emérito das Forças Armadas, D. Januário Torgal Ferreira, “é necessária uma varredela na Cúria, afastando pessoas, quebrando o silêncio. A Cúria precisa de uma higienização muito profunda”.
Já o padre, professor e ensaísta, Anselmo Borges, diz “que não podemos andar eternamente a pedir desculpas. É preciso acabar de vez com este equívoco que é o celibato obrigatório dos padres”.
Também Isabel Allegro de Magalhães, professora catedrática e membro do Graal referiu: “Parece-me que ele (Papa Francisco) teve medo de ser drástico de mais, mas deveria tê-lo sido, nem que a Igreja tivesse ficado reduzida a dez padres”.

(In "fórum Covilhã", de 11-09-2018)