29 de julho de 2005

COVILHÃ CULTURAL

De há muito que o concelho da Covilhã tem o maior número de agentes culturais do distrito de Castelo Branco.
A UBI veio dar um impulso forte à dinâmica cultural, e salvar a Covilhã, que, face à vastíssima crise laneira, passaria a integrar uma região desértica, onde apenas se verificaria a existência de alguns oásis daquela que foi a sua indústria secular. Passou então a ser a Covilhã universitária.
Estamos num país onde a literacia ainda tem índices baixos, e o interesse pela leitura é reduzido, havendo mais a apetência pelos jornais desportivos, e também na Covilhã, apesar de tudo, não existe excepção à regra.
No entanto, é com agrado que verificamos, de tempos a tempos, a chama cultural, emanante de pessoas simples, num amor à Covilhã, como Terra de origem ou de adopção, mostrando verdadeiros pergaminhos desta cidade de outrora, que já era linda, e nos veio trazer a memorização nostálgica de património que um dia deu lugar a outras construções, fruto das necessidades do desenvolvimento.
Reporto-me à exposição de programas do Teatro Covilhanense, colecção do entusiasta e amigo da Covilhã, Carlos Monteiro Ribeiro, exposição digna de ser vista na galeria da biblioteca municipal.
Reconheço que fiquei encantado com o que ali vi, sobre a história do Teatro Covilhanense, sucedâneo do Hermínios Terrasse, como lá é referido. Era o tempo do cinema mudo. Mais tarde, já com o sonoro, viriam a surgir transformações e o aparecimento do actual Teatro, mais conhecido pelo “Pina Bicho”.
Programas em exposição, diversificados no âmbito musical, comédia, comédia burlesca, romance, drama, aventura, histórico, ficção, espionagem, récitas domésticas, assim como em português, não pude deixar de recordar filmes que eu vi, na minha juventude, na década de sessenta, como “Rapazes de Táxis”, e “Sarilho de Fraldas”, o primeiro filme colorido, com Madalena Iglésias e António Calvário. E, também, na mesma década, as festas de finalistas, recordando a do meu Curso da Escola Industrial.
Mas a cidade da Covilhã esteve envolvida num grande evento cultural, no sábado, 16 de Julho, no Pólo das Engenharias da UBI, com a presença de meia centena de notáveis escritores, num Congresso Literário designado como Primeiras Jornadas de Literatura.
Uma feliz ideia de Carlos Pinto, presidente da edilidade covilhanense que, convidando o conhecido escritor da Covilhã, Manuel da Silva Ramos, para coordenar toda a acção destas Jornadas, se tornou num êxito cultural, jamais visto fora de Lisboa e Porto.
Além dum encontro de colegas escritores, foi também oportunidade para o público covilhanense, e não só, poder assistir, e participar com perguntas nas mesas redondas.
Lá estive, com imenso prazer, nas salas dos temas “Literatura e Memória”, e, depois, “O Futuro do Romance Português”.
Fernando Dacosta, Mário Ventura, Baptista-Bastos, Fernando Campos, José Freire Antunes, José Viale Moutinho, Maria de Fátima Marinho, Agustina Bessa-Luís, Mário Claúdio, Catherine Dumas e Pedro Mexia, foram escritores que o público gostou de ouvir, do qual surgiram algumas interpelações.
Foi um acontecimento na vida citadina de primordial importância, projectando culturalmente a Covilhã, como haveria de dizer Manuel da Silva Ramos.
Na apreciação crítica a alguns jovens escritores seria lançada uma polémica que viria a ser dissipada na continuação dos trabalhos, e, na mesa que haveria de despertar maior interesse – Literatura e Memória – muito do que ali se falou veio direccionar-se para a responsabilidade ética do escritor, da Literatura no jornalismo, onde, segundo se afirmou, as redacções estão a ficar sem memória.
Na voz vibrante de Baptista-Bastos soou a convicção duma “amnésia programada” e dos despedimentos nos jornais nos tempos áureos do cavaquismo; com Fernando Dacosta a dizer que o “jornalismo morreu, hoje existe uma coisa chamada comunicação social cujo objectivo é, apenas, ganhar dinheiro”.
Muito haveria a dizer destas Jornadas de Literatura, que não cabem numa simples crónica, pela grandeza dos debates com excelentes escritores, jamais vistas na Covilhã, e até na província, pelo que deixaram já rastos de alguma saudade mas também a esperança para que se venham a repetir no próximo ano.
Posso mesmo referir que, para assemelhar um evento de tal natureza como este que se verificou, é necessário recuar no tempo mais de sete décadas para encontrar um espaço com um acervo cultural importante como foi o III Congresso Nacional de Bombeiros, realizado na Covilhã, em Julho de 1932, época em que não se vivia o flagelo dos fogos florestais.
Por último, uma palavra pela omissão de alguns escritores da Covilhã que ficaram de fora, que considero de certo modo com alguma injustiça, e cuja situação deveria ser revista no futuro. A Associação Portuguesa de Poetas, presidida pela covilhanense Maria Ivone Vairinho, é um dos exemplos.
Como nem tudo se pode fazer de uma vez só, fica a satisfação de que a Covilhã cultural ficou feliz pela inédita iniciativa destas jornadas na cidade.


(In “Notícias da Covilhã”, de 29/07/2005)

1 de julho de 2005

A VÍRGULA E O SARGENTO PAULUS

Ele era solteirão; eu, casado de fresco. Ele metera o “chico”; eu era miliciano. Ambos trabalhávamos na mesma repartição, parte da secretaria do extinto Regimento de Infantaria nº. 12, na Guarda. O sargento Paulos era de Panóias, concelho da Guarda; eu fazia parte do grupo de quatro furriéis milicianos que, todos os dias, vínhamos para a Covilhã, no Fiat 600 do Bicho Nogueira. Os outros eram o Eduardo Prata e o Rato, do Teixoso.
O sargento Paulos era deficiente das FA e partilhava comigo o quarto que a unidade militar tinha, para a classe, na Rua Afonso V, quarto que utilizava quando não podia vir à Covilhã.
Éramos amigos e tínhamos um gosto comum – redigir bem e executar atempadamente as tarefas que nos eram confiadas, não gostando de demoras nas respostas.
Certo dia, o sargento Paulos redigira um ofício que necessitava da assinatura urgente do comandante, para ainda seguir, nesse dia, já em cima da hora, para outra unidade militar. Qual não foi o seu espanto, algo de revolta, quando o mesmo lhe é devolvido, pelo comandante, a fim de colocar uma vírgula, em determinada frase do mesmo ofício.
É aí que Paulos não pára de mostrar a sua insatisfação, a coxear de um lado para o outro, na sua prótese, dizendo, com alguma ironia: “se calhar foi por faltar uma vírgula que eu fiquei sem a perna. Certamente foi por ofício que requisitaram o helicóptero para me evacuarem da Guiné, voltou para trás porque faltava uma vírgula, e com a demora fiquei sem a perna!”
Vem esta nota preambular para referir um tema actual, e servir de feedback a propósito das reivindicações dos professores que provocaram greves em plenos exames.
Todos já sabemos que, não obstante direitos adquiridos, este estado de coisas em que o país vive banhado não pode continuar a manter-se. “A cidadania não é só direitos adquiridos e benesses garantidas eternamente, sem relação com a produtividade, o crescimento, a competitividade, a qualidade daquilo que se faz e se produz” (Miguel Sousa Tavares, in Público de 24/06/05).
Sabemos que o Estado português vive, há longo tempo, gastando mais do que tem e gerando o endividamento para as gerações futuras.
Diz-se mesmo que os professores trabalham poucas horas em comparação com os seus colegas europeus, e ganham proporcionalmente mais, reformando-se mais cedo.
Sabe-se que a Educação consome recursos desproporcionados e com resultados muito medíocres.
Um em cada três alunos chumba ao chegar ao ensino secundário.
Há bons professores, mas também há outros que...valha-nos Santo António!
Nestas colunas tenho feito evidenciar a excelência de quantos mestres do ensino me marcaram e deixaram rastos indeléveis da sua acção na vida desta cidade, numa eterna saudade.
Ao verificarmos o reiniciar, após três décadas, das provas nacionais do 9.º ano para acabar a escolaridade obrigatória, que, a meu ver, jamais deveriam ter terminado, vem-me a memorização da década de cinquenta em que se faziam os exames das antigas 3.ª e 4.ª classes; e quem quisesse singrar para o ensino secundário ainda tinha que fazer o chamado exame de admissão, com professores do secundário a efectuar exames aos que terminavam o ensino primário, a antiga 4.ª classe.
Era uma época de frenesim, sem reivindicações, pois vivia-se em ditadura, com exames da primária nas antigas instalações da Escola Central, para onde se deslocavam os alunos de todas as freguesias do concelho.
Ainda recordo todos os professores que me fizeram os exames, como recordo o nascer do penúltimo pavilhão da Escola Industrial, assim como a destruição das Quintas da D. Nazaré Carrola e D. Glória, para aí se erguerem as instalações do então novo Liceu.
Do tempo das reguadas da escola primária (e reguadas no rabo, como as do professor Raul, no Asilo), atitudes que condeno e nunca deveriam ter existido, à benevolência e alguma má educação dos dias de hoje, vai uma diferença muito grande, com uma conduta que é preciso procurar nas bases do verdadeiro ensino, para que não se verifique que quase um em cada três portugueses venha a sofrer, como actualmente se verifica, de insónia moderada a severa.
E, para terminar, registo o grande encontro de saudade, num grande convívio que se realizou entre antigos alunos e professores da Escola Industrial e Comercial Campos Melo, no passado sábado, nas Penhas da Saúde, onde os bons ensinamentos de outrora também foi tema no diálogo de alguns antigos colegas.
Numa troca de olhares, pensativos, procurando memorizar os nomes esvaídos de alguma amnésia, o reencontro de um antigo colega de há quarenta anos – um forte abraço do José Manuel Espinho!

(In “Notícias da Covilhã”, de 01/07/2005)