1 de julho de 2005

A VÍRGULA E O SARGENTO PAULUS

Ele era solteirão; eu, casado de fresco. Ele metera o “chico”; eu era miliciano. Ambos trabalhávamos na mesma repartição, parte da secretaria do extinto Regimento de Infantaria nº. 12, na Guarda. O sargento Paulos era de Panóias, concelho da Guarda; eu fazia parte do grupo de quatro furriéis milicianos que, todos os dias, vínhamos para a Covilhã, no Fiat 600 do Bicho Nogueira. Os outros eram o Eduardo Prata e o Rato, do Teixoso.
O sargento Paulos era deficiente das FA e partilhava comigo o quarto que a unidade militar tinha, para a classe, na Rua Afonso V, quarto que utilizava quando não podia vir à Covilhã.
Éramos amigos e tínhamos um gosto comum – redigir bem e executar atempadamente as tarefas que nos eram confiadas, não gostando de demoras nas respostas.
Certo dia, o sargento Paulos redigira um ofício que necessitava da assinatura urgente do comandante, para ainda seguir, nesse dia, já em cima da hora, para outra unidade militar. Qual não foi o seu espanto, algo de revolta, quando o mesmo lhe é devolvido, pelo comandante, a fim de colocar uma vírgula, em determinada frase do mesmo ofício.
É aí que Paulos não pára de mostrar a sua insatisfação, a coxear de um lado para o outro, na sua prótese, dizendo, com alguma ironia: “se calhar foi por faltar uma vírgula que eu fiquei sem a perna. Certamente foi por ofício que requisitaram o helicóptero para me evacuarem da Guiné, voltou para trás porque faltava uma vírgula, e com a demora fiquei sem a perna!”
Vem esta nota preambular para referir um tema actual, e servir de feedback a propósito das reivindicações dos professores que provocaram greves em plenos exames.
Todos já sabemos que, não obstante direitos adquiridos, este estado de coisas em que o país vive banhado não pode continuar a manter-se. “A cidadania não é só direitos adquiridos e benesses garantidas eternamente, sem relação com a produtividade, o crescimento, a competitividade, a qualidade daquilo que se faz e se produz” (Miguel Sousa Tavares, in Público de 24/06/05).
Sabemos que o Estado português vive, há longo tempo, gastando mais do que tem e gerando o endividamento para as gerações futuras.
Diz-se mesmo que os professores trabalham poucas horas em comparação com os seus colegas europeus, e ganham proporcionalmente mais, reformando-se mais cedo.
Sabe-se que a Educação consome recursos desproporcionados e com resultados muito medíocres.
Um em cada três alunos chumba ao chegar ao ensino secundário.
Há bons professores, mas também há outros que...valha-nos Santo António!
Nestas colunas tenho feito evidenciar a excelência de quantos mestres do ensino me marcaram e deixaram rastos indeléveis da sua acção na vida desta cidade, numa eterna saudade.
Ao verificarmos o reiniciar, após três décadas, das provas nacionais do 9.º ano para acabar a escolaridade obrigatória, que, a meu ver, jamais deveriam ter terminado, vem-me a memorização da década de cinquenta em que se faziam os exames das antigas 3.ª e 4.ª classes; e quem quisesse singrar para o ensino secundário ainda tinha que fazer o chamado exame de admissão, com professores do secundário a efectuar exames aos que terminavam o ensino primário, a antiga 4.ª classe.
Era uma época de frenesim, sem reivindicações, pois vivia-se em ditadura, com exames da primária nas antigas instalações da Escola Central, para onde se deslocavam os alunos de todas as freguesias do concelho.
Ainda recordo todos os professores que me fizeram os exames, como recordo o nascer do penúltimo pavilhão da Escola Industrial, assim como a destruição das Quintas da D. Nazaré Carrola e D. Glória, para aí se erguerem as instalações do então novo Liceu.
Do tempo das reguadas da escola primária (e reguadas no rabo, como as do professor Raul, no Asilo), atitudes que condeno e nunca deveriam ter existido, à benevolência e alguma má educação dos dias de hoje, vai uma diferença muito grande, com uma conduta que é preciso procurar nas bases do verdadeiro ensino, para que não se verifique que quase um em cada três portugueses venha a sofrer, como actualmente se verifica, de insónia moderada a severa.
E, para terminar, registo o grande encontro de saudade, num grande convívio que se realizou entre antigos alunos e professores da Escola Industrial e Comercial Campos Melo, no passado sábado, nas Penhas da Saúde, onde os bons ensinamentos de outrora também foi tema no diálogo de alguns antigos colegas.
Numa troca de olhares, pensativos, procurando memorizar os nomes esvaídos de alguma amnésia, o reencontro de um antigo colega de há quarenta anos – um forte abraço do José Manuel Espinho!

(In “Notícias da Covilhã”, de 01/07/2005)

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