26 de junho de 2006

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Já lá vai o famigerado tempo em que a liberdade de expressão, em Portugal, não passava de um mito, pois logo surgia, a cada esquina, um dos muitos bufos que conduzia o honesto cidadão ao sacrifício próprio e da família, infligindo-lhe dores psicológicas e físicas, quando não surgia a sua própria eliminação.
Insurgir-se na opinião pública contra o regime ditatorial era sinónimo de dar tiros nos pés; e o formigueiro de malandragem que, a troco de benesses e escondidas “remunerações” se avolumou, mais não foram que traidores dos seus próprios irmãos.
A expressão livre na comunicação social era inexistente (as célebres comissões de censura, e, posteriormente, exame prévio, foram disso verdadeiros testemunhos), onde existia o conhecido lápis azul, a censurar indiscriminadamente todas as formas de expressão criativa, as quais se prolongaram por quase cinco décadas.
Os primeiros riscos do chamado lápis azul a retirarem a liberdade de expressão surgiram em Junho de 1926.
No entanto também existem, por vezes, sem fundamento, excessos de liberdade de expressão, e, para isso, deverá a lei impor-se na reparação de eventuais danos morais, e outros, que possam por em causa o bom-nome das pessoas, ou prejudicá-las noutros sectores da sua vida.
As religiões fundamentalistas são a negação dessa liberdade de expressão. Vejamos o caso do escritor Salman Rushdie que, motivado por um conteúdo considerado blasfemo no seu romance Versículos Satânicos, se vê confrontado com o falecido ayatollah Khomeini, então líder do Irão, a emitir uma fatwa contra o escritor, em 1989; vendo-se forçado a viver refugiado neste Planeta; como a crise dos “cartoons”, já sobejamente conhecida, com os líderes europeus a condenarem a escalada de violência e, ao mesmo tempo, pedindo respeito pelos sentimentos religiosos.
E se fosse com os católicos, como já aconteceu com o Papa João Paulo II? As críticas existiriam, como, de facto, sucederam, mas não ao ponto dos extremismos dos homens do Islão.
Mas terá a história da liberdade de expressão começado no ano 339 antes de Cristo, com o ilustre filósofo grego, Sócrates, filho de um escultor e de uma parteira? Conhecido essencialmente pela sua luta em defesa da verdade e pela teoria da douta ignorância e utilização do método interrogativo, não ensinava com regularidade e não escreveu nenhum livro. Inimigo dos exageros demagógicos, encontravam-no em todos os pontos da reunião: nas Assembleias do povo, nas festas públicas, nos ginásios e em tudo o que servia de pretexto para ensinar.
As suas frases satíricas e sarcasmo contra a democracia acabaram por indispor os seus concidadãos.
Diante dos seus juízes manteve uma atitude firme e pediu que lhe fosse aplicada a penalidade de viver no Pritaneu à custa do Estado. No seu julgamento afirmou: “Se prometessem perdoar-me desta vez na condição de eu não voltar a dizer o que penso...dir-vos-ia: “Homens de Atenas, devo obedecer aos deuses e não a vós.” Foi condenado a beber cicuta, com que morreu envenenado.
Toda a filosofia de Sócrates foi dominada pela máxima: “Conhece-te a ti próprio”.
Mas é no ano 1215, já depois de Cristo, aquando da assinatura da Magna Carta, por imposição de nobres rebeldes ao rei D. João, que este documento é como uma referência à fundação da liberdade de expressão em Inglaterra.
Três séculos depois, em 1516, Erasmo de Roterdão escreve “A Educação de um Príncipe Cristão”, em que referia: “Num estado livre, também as línguas devem ser livres”.
Em 1633, Galileu Galilei é levado perante a Inquisição depois de afirmar que o Sol não gira em redor da Terra.
Em 1644, o poeta John Milton escreve o panfleto “Aeropagítica”, onde argumenta contra restrições à liberdade de imprensa, e assim se refere: “O que destrói um bom livro, mata a própria razão”.
Quase meio século depois, em 1689, na Grã-Bretanha, Jaime II é derrubado e a Declaração de Direitos concede “liberdade de expressão no Parlamento”.
Em 1770, uma carta de Voltaire a um sacerdote dizia: “Detesto o que o senhor escreve, mas daria a minha vida para tornar possível que continuasse a escrever”.
Em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem, documento fundamental da Revolução Francesa, consagra a liberdade de expressão.
Em 1791, dois anos devolvidos, a Primeira Emenda da Declaração de Direitos dos Estados Unidos da América garante quatro liberdades: de religião, expressão, imprensa e reunião.
Em 1859, o filósofo John Stuart Mill escreve o ensaio Sobre a Liberdade: “Se qualquer opinião for obrigada ao silêncio, essa opinião pode, por tudo o que temos a certeza de saber, ser verdadeira. Negá-lo é assumir a nossa própria infalibilidade”.
Neste mesmo ano, 1859, T.H. Huxley defende publicamente Clarles Darwin contra fundamentalistas religiosos, no meio de uma acesa polémica causada pelo livro “Sobre a Origem das Espécies”, em que o naturalista expõe a teoria da selecção natural.
Em 1929, o Juiz do Supremo dos EUA, Oliver Wendell Holmes, fez a seguinte declaração: “O princípio do pensamento livre não significa o pensamento livre para os que concordam connosco, mas liberdade para o pensamento que detestamos”.
Em 1948 é aprova na Assembleia Geral das Nações Unidas, quase por unanimidade, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, pela qual os países membros ficam obrigados a promover os direitos humanos, cívicos, económicos e sociais, incluindo as liberdades de expressão e religião.
Em 1958, o filósofo Isaiah Berlin escreve “Dois Conceitos de Liberdade”, em que identifica a liberdade negativa como uma ausência de impedimentos, obstáculos ou coerção, por oposição à liberdade positiva, o controlo sobre a própria existência e a presença de condições para a liberdade.
Em 1960, a editora Penguin obtém, após um julgamento em Londres, o direito de publicar “O Amante de Lady Chatterley”, de D. H. Lawrence, um livro de conteúdo sexual explícito.
No ano 1992, em Manufacturing Consent, o filósofo Noam Chomsky escreve: “Goebbels era a favor da liberdade de expressão para as opiniões de que gostava. Estaline também. Quando se é a favor da liberdade de expressão, então é-se a favor da liberdade de expressão precisamente para opiniões que se desprezam”.
Em 2001, depois do “11 de Setembro”, a Patriot Act dá ao governo dos Estados Unidos novos poderes para investigar pessoas suspeitas de serem uma ameaça; a legislação levanta receios sobre restrições das liberdades cívicas.
Em 2002, o jornalista nigeriano, Isioma Daniel, escreve sobre o profeta Maomé e a Miss Mundo. Muçulmanos em fúria provocam motins que fazem mais de 200 mortos.
Finalmente, em 2004, Theo van Gogh, realizador de cinema holandês, é assassinado depois da exibição do seu filme sobre a violência exercida sobre as mulheres nas sociedades islâmicas.
Como poderemos verificar, a liberdade de expressão é um direito universalmente reconhecido, mas com custos, incluindo da própria vida, quando impera o fanatismo mormente religioso.

(In “Ecos da APAE”, de Junho de 2006)

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