23 de dezembro de 2010

QUANDO OS SINOS TOCAM

Estamos no final de mais um ano, numa evolução paradoxalmente negativa, na parte que nos toca como portugueses, envoltos num mar de areia negra que nos lança nuvens nos olhos.

Sim, porque a areia branca, espelhada ao sol ridente daqueles dias d’outrora, vai passar a pertencer a centenas ou milhares de “patriotas” da obsessão, para si, dos bens de todos, mormente o metal nobre que faz o tesouro pesar nas suas albardas de aconchego, ainda que, a exemplo de D. João VI, possam fugir para o Brasil, de casaca engordurada e de frango assado no bolso.

Mas estes felizardos de um Portugal, ainda de brandos costumes – a precisarem de um Viriato dos Hermínios que lhes cocem as costas com cajado grosso – são os que, à fartazana, não sentem dó de quem pena para ter um mínimo com que se saciar e aos seus, como homens e mulheres dum pedaço do mundo, onde desejam viver com dignidade.

É a ânsia do aproveitar, do oportunismo governamental, autonómico, municipal ou autárquico, para juntar à ceia dos seus cardeais todos quantos podem arrebanhar um bom punhado desse ouro fino; ao invés existem aqueles que têm que passar a roer uma côdea e a comer o pão que o diabo vai amassar, como nos famigerados tempos de sol a sol.

E quando nas tertúlias político-sociais e nas “conversas em família” televisivas vemos certos senhores da política, envergando pelezinha de cordeiro em suas conversas, na defesa dos altos valores da cidadania, vimos depois a verificar que, lamentavelmente, são muitos desses mesmos que estão cheios de mordomias, duplicação de pensões, de salários e de empregos, de que não prescindem – nem se atrevem – de abdicar de algumas dessas regalias.

O desgraçado daquele que sempre levou uma vida com dignidade e soube inserir-se nos valores da vida, mas que um dia acordou dum sonho pesado, caindo no desemprego, e os seus também, e tenta encontrar oportunidades nos escombros das dificuldades mas não consegue e surge-lhe o desânimo, mais não tem, quantas vezes, que comer uma refeição, voltado de costas com vergonha de ser reconhecido, nas casas da solidariedade, enquanto que muitos dos que apregoam essa mesma solidariedade mais não fazem que assobiar para o lado.

Também muitos dos portugueses que agora tentam manter-se à tona de água foram traídos pelos nossos governantes, de há uns anos a esta parte, e não só do Governo presidido por um vendilhão de ilusões.

Os pobres dos nossos ricos, esses ricos sem riqueza, que aquilo que exibem como seu é propriedade dos outros, é produto de roubo e de negociatas, porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a eles, e a verdade é que são demasiados pobres os nossos “ricos”, como o afirmou o poeta moçambicano, Mia Couto.

Aproxima-se assim, neste presépio da humanidade, e deste pedaço mais ocidental da Europa caminhando para a falência, mais um Natal, para lembrar o ambiente cristão do Deus Menino.

Mas o que seria deste pobre País envergonhado, tão mal tratado, governado por quem não percebe patavina da missão governativa, onde temos o quarto pior Ministro das Finanças Europeu, onde outros pregam como Frei Tomás, e, de algibeiras arregaçadas, vencendo, neste País de pelintras, salários superiores aos seus congéneres americanos, e de outros países ricos, e, depois “fogem” para altos voos duma Europa de ricos – e de ricos falidos – se não houvesse Natal durante todo o ano?

Esse Natal perene é do esforço de voluntários que no País ainda emergem, para um esforço comum, em favor daqueles que a Nação de muitos ricos transformou em muitíssimos mais pobres, seus concidadãos, mas que têm o direito a comer uma malga da mesma sopa dos senhores da abastança, ainda que disfarçada.

Um Feliz Natal, possível, e um Ano Novo com melhores ventos de mudança.



(In Jornal Olhanense, de 15 de Dezembro; Notícias de Gouveia, de 21 de Dezembro e Notícias da Covilhã, de 23 de Dezembro)

2 de dezembro de 2010

NOSTALGIA

 Na onda nostálgica que nos vai envolvendo, vão surgindo, de quando em vez, encontros memorizando esses tempos de outrora, com a esperança de reunir uns quantos apaniguados em redor de uma causa que os une, muitas vezes distantes, em décadas, no tempo.

Foi assim que, depois dum primeiro encontro se ter realizado há uns anos, surgiu o segundo jantar de saudade do extinto “Estrela de S. Pedro”, no dia 20 de Novembro.

As duas dezenas de participantes que confraternizaram, recordaram também fotografias de meninos e moços, em redor do então Centro de Recreio Popular Estrela Desportiva de São Pedro, cujo evento ocorreu num restaurante desta Cidade. Entre outras memorizações, um programa de festas do 17º aniversário da fundação do Estrela de São Pedro e 8.º da sua filiação na FNAT, datado de 16/11/1961.

O carinho que perdura nas gentes que conheceram o “Estrela”, e o viveram, quer como dirigentes, integrantes de peças teatrais, rancho folclórico ou em jogos de mesa, quer como atletas nas várias modalidades desportivas, para além do futebol, como o atletismo, levou a transpor para o papel alguns registos plenos de interesse sobre a génese do Estrela.

E foi de elementos recolhidos de Manuel Ricardo Sousa Torrão, de 80 anos, único fundador da Colectividade presente, dos pouco mais de quatro ou cinco vivos, que veio a informação.


A rapaziada da freguesia de S. Pedro, e não só, daquela época de meados dos anos quarenta do século XX, juntava-se, para cavaquear, numa varanda que, nesses tempos, então existia entre as Ruas Marquês d´Ávila e Bolama e Visconde da Coriscada, e, ali perto, a Rua da Estrela.

Quando chovia, era a loja de bicicletas do Julinho, filho do Francisquinho da Padaria, ali mesmo à esquina, onde hoje é o Restaurante Estrela (mais conhecido por Repolho) que dava guarida aos rapazes da sua idade, ele que também viria a ser fundador do Estrela.

A proximidade dos meios tecnológicos ainda se encontrava a léguas de distância no tempo, e ninguém sequer adivinhava que o homem haveria de um dia chegar à lua, e até a televisão, a preto e branco, só viria a surgir nos finais da década seguinte (1957).

Os bailaricos eram ao som de grafonolas.

O jogo da bola, com que germinaram a maioria das colectividades de bairro, era então o entusiasmo da rapaziada.

E, segundo conta Manuel Torrão, as primeiras bolas que utilizavam eram feitas por eles, procurando fio no lixo das abundantes fábricas de lanifícios da altura. Mas como não saltavam, iam ao Matadouro Municipal, então existente na Covilhã, buscar bexigas de animais que depois enchiam e às quais enrolavam o fio das lixeiras fabris, ficando assim as bolas a saltar.

Formou-se então a Colectividade à qual se deu o nome de Estrela de S. Pedro, dado o local onde se encontravam, que formava ali como que uma estrela, e também com o fim de evitar conflitos entre o grupo, já que uns eram do Sporting, outros do Benfica ou do Belenenses.

Resolvido o problema, o Julinho das bicicletas dava uma ajudinha para que se arranjassem umas bolas melhores e, então, passou a vender rebuçados do concurso de cromos do futebol. A quem saísse o “número da bola” levava a bola de cauchu (borracha), ele que sabia onde estava colado esse rebuçado…

Mais tarde, adquiriam as bolas velhas ao Sporting da Covilhã.

A primeira Sede da novel colectividade foi exactamente a loja do Julinho; daqui passaram para o salão paroquial, sendo o Padre Carreto que suportava o custo das bolas, mas tinham que resolver o problema da Sede pelo que passaram para a Rua do Ginásio, num prédio do Alberto alfaiate. Transferiram-se depois para um prédio perto da Rua Dr. Almeida Eusébio, por cima da Lavandaria Moderna, mas, por falta de dinheiro, tiveram que sair, tendo que se socorrer das instalações da FNAT (hoje INATEL), na R. Marquês d’Ávila e Bolama (prédio do Meneses), seguindo daqui para a R. Vasco da Gama (frente à Casa do Menino Jesus), e, por último, vieram a encerrar, por cima do local onde foi a primeira Sede provisória.

(In “Notícias da Covilhã” e “Jornal do Fundão”, de 02/12/2010, e a sair no Jornal “Olhanense”)