A notícia arrasadora chegou. A jovem iluminada, desde os já longos anos 50 do século passado, que a Covilhã conheceu como uma das suas filhas notáveis, terminava a sua missão nesta Terra de Camões. Junto ao seu túmulo, ensinou e participou com a sua eloquente poesia.
Com
um currículo muito rico, Maria Ivone ,
duma grande cultura, sem favores, tinha uma grande capacidade na aquisição do
saber, e no fervor perene da sua transmissão.
Autodidata.
A sua ação cultural fortificou-se, duma forma galopante, por toda a sua vida.
Escrevo
estas palavras, homenageando uma grande Amiga, na expressão viva de quem a
conheceu, desde menina e moça, não obstante diferença de idades. Morámos na
mesma rua, junto à Escola Industrial e Comercial Campos Melo. Não chegámos a
ser colegas. Foi nesta instituição que tivemos o trampolim para o mundo do
trabalho e do conhecimento.
Os
dotes desta covilhanense de eleição nunca foram reconhecidos pelos poderes
públicos locais.
Após
o casamento, passou a viver em Lisboa, sem nunca esquecer, e se referir na sua
poesia, à sua terra natal – a sua querida Covilhã, onde as suas cinzas passaram
a repousar, junto aos seus familiares, nomeadamente seu irmão, Francisco
Manteigueiro, que foi velha glória do Sporting da Covilhã. Foi no dia 13 de
setembro, depois do seu falecimento no dia 7 do mesmo mês, em Lisboa, onde foi
cremada, e o velório na capela de Santa Maria, do Mosteiro dos Jerónimos, que
tanto amava. Centenas dos seus amigos, ali lhe prestaram a derradeira
homenagem.
Desde os seus 13 anos começou
a escrever peças de teatro e autos de Natal, nos teatrinhos do Salão Paroquial
da freguesia de S. Pedro
da Covilhã, então nos finais da década de 40 do século passado, também
representados na Escola Campos Melo, onde sempre foi a aluna mais distinta.
Chegou a participar num filme
– Dois Caminhos – em colaboração com o saudoso Padre José Domingues Carreto,
ela então nas fileiras da JOCF (Juventude Operária Católica Feminina).
Na inauguração do Teatro-Cine
da Covilhã, em 1954, representou um monólogo de Alice Ogando, na presença da
Companhia de Teatro Nacional Amélia Rey Colaço – Robles Monteiro, tendo-lhe
sido abertas as portas para o Teatro Nacional, oportunidade que não pôde
concretizar.
Completou
os cursos do Instituto Britânico e Alliance Française e foi diplomada pela
Escola Pittea em estenografia portuguesa, francesa e inglesa.
Na
sua atividade profissional, passou por Secretária do Conselho de Administração
da Petrogal, tendo frequentado cursos de âmbito internacional.
Na
sua adolescência e juventude, prolongando-se pela sua vida fora, colaborou e
escreveu textos, contos e poemas, publicados em diversos jornais e revistas.
Traduziu muitos livros de espanhol, francês e inglês, com perto de 250 títulos
registados na Base de Dados Bibliográficos da Biblioteca Nacional. Ganhou
vários prémios.
Publicou
romances e livros de poesia – a sua grande paixão. Foi colaboradora da “Crónica
Feminina” e do jornal “Poetas & Trovadores”, tendo participado em 12
Antologias da Associação Portuguesa de Poetas, da qual chegou a ser Presidente
da Direção e Diretora do seu Boletim. Proferiu diversas palestras e
conferências, em vários auditórios.
No
mundo artístico, depois do contacto com o palco, pertenceu a grupos cénicos,
tendo, várias vezes, representado autos de Gil Vicente e peças de teatro de
Almeida Garrett e outros.
Foi
“Maria” no “Natal Beirão” e “Covilhã” na apresentação do folclore beirão nos
espetáculos do Orfeão que acompanhou nas suas deslocações.
Colaborou
em concertos da “Pró-Arte”, dizendo poemas ilustrativos de diversos andamentos
da Sinfonia de Beethoven, e deu muitos recitais de poesia.
Com
o pseudónimo de Ivone Beirão, em
1959 pertenceu ao Centro de Preparação de Artistas da Rádio e gravou programas
nos estúdios da Emissora Nacional, tendo-se estreado num Serão para
Trabalhadores no Pavilhão dos Desportos no Parque Eduardo VII.
Desde
2001 que dava aulas de “Ler… e Dizer – Oito Séculos de Literatura
Portuguesa/Poesia” na Universidade Sénior de Oeiras.
Maria
Ivone tinha comigo uma particular
amizade. Sabia que eu tinha um enorme gosto pela cultura e por tudo o que à
Covilhã dizia respeito, envolvendo-me também no jornalismo. A sua humildade era
demasiada, sustentando a compreensão da injustiça que caía sobre a sua pessoa.
Várias vezes falei sobre ela na comunicação social. Participou na apresentação
de um dos meus livros e eu tive o prazer de estar na apresentação dum dos seus
últimos livros de poesia, na Câmara Municipal
da Covilhã.
E
foi com a voz embargada que proferi umas palavras muito sentidas, no depósito
das suas cinzas, na sepultura onde passou a repousar, como, aliás, já havia
surgido, há uns anos atrás, no cemitério de Aranhas (Penamacor) na sepultura do
Padre José Domingues Carreto. Memórias!
(In Jornal Notícias da Covilhã, de 19.09.2012)