23 de janeiro de 2013

ESTE ANO QUE SE SEGUE


“Isto é que vai uma crise... Este País é um colosso, tá tudo grosso, tá tudo grosso…” Este refrão cantava Ivone Silva, emparelhando com Camilo de Oliveira, num dos seus números de revista, já lá vão uns anos. E continua atual! “Ai Agostinho, ai Agostinha, que rico vinho, vai uma pinguinha. Este País perdeu o tino, a dar ao fino, a dar ao fino”.
Para quando é chegada a altura de soltarmos o grito de Ipiranga, ainda que numa de nostalgia dum passado longínquo? Da incompetência ao descaramento, de tudo vai um pouco, santo Deus! Até já os angolanos gozam no ridículo de uma licenciatura, caricata, dum ministro português (as notícias de escárnio inserem-se no Jornal de Angola, no período de veraneio de 2012, sob a forma humorística…).
Não somos senhores da nossa independência. Portugal vê-se reduzido a uma espécie de protetorado e, por isso, sonhamos com o grito de D. Pedro IV, nesta triste situação para um país que se orgulha de ter aberto as portas para o mundo.
Estes nossos atuais governantes, assim como os de um passado recente, fazem lembrar o célebre assalto ao comboio-correio, ocorrido há cinquenta anos, na ligação de Glasgow para Londres, tal a forma como assaltam os bolsos de todos nós, quer sejamos da classe média, remediados ou pobres.
E, por isso, é bom lembrar que os portugueses já tiveram ocasiões de se vingarem duma forma audaz e de sentido patriótico. Em 6 de dezembro de 1383 um grupo de nobres, encabeçados por D. João, mestre de Aviz, terminaram com a situação que se vivia no País, pois a paciência contra aqueles que pretendiam vender Portugal a Castela estava esgotada. Vivemos de facto num estado de direito, mas também D. Leonor Teles se considerava legítima rainha e os heróis da primeira revolução portuguesa não pensaram assim. Afirmavam que o poder da rainha D. Leonor era ilegítimo porque não defendia o interesse nacional, efetuando uma utilização abusiva do poder. É o que se passa atualmente, com uma caterva de corruptos e figurões dotados de uma chico-espertinice portuguesa congénita, a sorrirem-se para a ineficácia dos nossos tribunais.
Mas podemo-nos também lembrar do 1 de dezembro de 1640, decorridos mais de dois séculos e meio daquela primeira revolução, em que os quarenta conjurados acabaram com o domínio filipino de seis décadas da “troika” espanhola daquela tempo.
Este País não está a ser para todos, mas, todos, os de bom senso, devem exigir que o sol estenda os seus raios para todos, sem exceção; e, as chuvas, sirvam para matar a sede também de todos.
Já um dia Eduardo Prado Coelho afirmava que “pertenço a um país onde a esperteza é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais que o euro. Um país onde ficar rico de noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais”.
Neste 2013 vamos continuar a ter um Presente sacrificado em nome de um Futuro que nunca mais chegará, este Futuro que mais não é que uma esperança, permanentemente diluída na dureza da realidade.
Mas, todos nós, os que neste momento sofremos as vicissitudes deste presente envenenado do Presente, que os atuais governantes nos oferecem, temos tanto direito a ser felizes quanto as gerações vindouras! Por isso, a nossa raiva é grande, face a esta incomensurável falta de respeito de tantos meninos que nos desgovernam. Pois, segundo E.M. Forster, “A tolerância é uma virtude muito pouco interessante. É aborrecida. Ao contrário do amor teve sempre má publicidade. É negativa. Significa apenas aturar os outros e ser capaz de aguentar as coisas”.
Se, problemas idênticos já se verificavam no século XIX, com situações muito atuais reclamadas, à época, por Eça de Queirós, constatamos, assim, a incapacidade dos portugueses de se saberem auto governar. Isto também numa altura desta grave crise em que, se a zona euro voltar a espirrar, o mundo constipa-se. Os países emergentes já abanam o poder dos gigantes americanos.
O maior problema desta crise é que nunca, na história moderna, tivemos tanto endividamento quanto aquele que hoje existe, com números estarrecedores (120% do PIB).
Com os olhos bem abertos, firmes como rochas, e exigentes, que mais não seja, pelos valores da vida, procuremos dar um rumo de encontrar a luz ao fundo do túnel, neste ano vigente, já que a luz vermelha se encontra ainda acesa no semáforo das nossas vidas de cidadãos portugueses. 

(In "Notícias da Covilhâ", de 23.01.2013)

3 de janeiro de 2013

A LONGEVIDADE DE UMA CONFERÊNCIA VICENTINA

Parece que ainda há pouco tempo celebrámos, com simplicidade, mas com muita fé, o centenário da Conferência de S. Vicente de Paulo, da Paróquia da Conceição, da Covilhã, e já estamos a caminho de mais uma década.
Efetivamente, se são momentos difíceis os que hoje atravessamos, numa situação generalizada de crise, não só financeira mas também de valores, os tempos em que foi fundada esta Conferência, na já longínqua 5ª Feira de 19 de março de 1903, também não eram melhores.
Jantar de Natal do Conselho de Zona da Covilhã.
Vinha-se do crepúsculo do século XVIII, com o predomínio de um anticlericalismo que grassava pela Europa e bafejava já Portugal, para depois engrossar num ódio pela religião católica, nos primeiros anos da República que se haveria de implantar em Portugal, volvidos sete anos.
No ano em que vamos lembrar estas onze décadas da nossa Conferência, será também o mesmo em que todo o Mundo católico irá comemorar dois séculos do nascimento do fundador da Sociedade de São Vicente de Paulo, o italiano beato Antoine Frédéric Ozanam. Ele, que com mais seis jovens universitários, fundou em maio de 1833 a Conferência da Caridade, a qual, a partir de 1835, passaria a ter a designação atual.
O ano 2013 vem rico de efemérides na vertente da Caridade, se atentarmos que também se devem ter em conta os 180 anos da criação da primeira Conferência, em França; e ainda os 160 anos da morte de Frédéric Ozanam, que ocorreu em 8 de setembro de 1853.
A Covilhã sempre teve um grande espírito caritativo, sendo de notar que já completaram o seu centenário mais algumas Conferências de S. Vicente de Paulo da Cidade, mas sabe-se que a da Conceição jamais teve interrupção no seu percurso de bem-fazer ao próximo. Atualmente é a que assiste maior número de necessitados, nas várias vertentes de pobreza.
Esta Conferência (da Paróquia da Conceição) embora não tenha sido das primeiras a ser criada em Portugal, já que surgiu volvidos 44 anos da primeira Conferência no nosso País (mais propriamente na Igreja de São Luís de França, em Lisboa, no ano de 1859), é, no entanto, das mais antigas, se tomarmos em linha de conta que a Sociedade de São Vicente de Paulo já está espalhada por 900 grupos paroquiais em Portugal onde colaboram 15 mil pessoas. Encontra-se ainda ramificada por quase todos os cantos do Planeta.
Jantar de Natal, do Conselho de Zona da Covilhã, com o fadista Luís Pinto.
Foi, pois, numa altura também muito difícil, de grande pobreza, que a Covilhã viu criada esta Conferência, há quase 110 anos, exatamente no ano em que viria a falecer o Papa Leão XIII, com 93 anos, a 20 de junho de 1903; e viu ser eleito Pio X que viria a ser canonizado. E, para servir de exemplo, na pobreza que grassava pelo Mundo dessa época, ele, Pio X, de seu nome José Sarto, nascido no seio de uma família necessitada, era tão pobre que ele, enquanto criança, se deslocava a pé para a escola, que distava sete quilómetros, levando os tamancos pendurados às costas, para os poupar, calçando-os só á chegada.
Em Portugal, vislumbrava-se o fim da monarquia, então no tempo de D. Carlos, e, na Covilhã, em 1903 os dias não eram melhores, pois a edilidade confrontava-se com dificuldades de liderança da Câmara, substituindo-se com frequência as figuras do Dr. José Pereira Barata, Dr. Alberto Deodato da Costa Ratto e Dr. João Nave Catalão.
Não vamos falar das obras assistenciais e trabalho fecundo que esta Conferência efetuou, e continua a prestar nas inúmeras situações de apoio aos necessitados, nas várias vertentes da pobreza, porque já são do conhecimento público.
Restou-nos, desta vez, tão só situar a longevidade da Conferência, historiando um pouco dos tempos percorridos.
Para além do trabalho a favor dos necessitados, ao longo destes 110 anos ininterruptos, também é bom ter em conta que muitas foram as pessoas (os confrades, de ambos os sexos) que se voluntariaram em prol deste serviço, algumas vezes com sacrifício, e vários assistentes eclesiásticos, sem os quais a Conferência não poderia existir.
Infelizmente, quando nos encontramos numa evolução, a todos os níveis, que não se compara como in illo tempore, vamos ter que sentir, no palpitar dos nossos corações, que o tempo incómodo da pobreza não vai parar, e, antes pelo contrário, irá sobejar de uma maior agressividade na mesma, por estes anos fora.

(In "Notícias da Covilhã", de 03.01.2013)