20 de fevereiro de 2013

OPÇÃO


Numa roda-viva, vamos assistindo na nossa Cidade, e para além da mesma, ao anunciar dos “convidados” para a grande festa, depois de levantada a cortina caída sob o palanque do evento.
Mas ainda haverá outros “convidados”, mais atrasados, no vestir das túnicas; um ou outro já pensa ter direito à barretina.
E, vai daí, que na assembleia dos mordomos, alto lá, “quem manda aqui sou eu!” Qual Catão, na sua expressão “Delenda est Carthago”…
Nós, não correligionários, vamos, no entanto, ver a festa, nem que seja para apanhar as canas dos foguetes, e, com elas, fazermos umas “caravelas” para o vento serrano fazer girar.
Já neste ano de 2013, depois de Cristo, ouvimos algumas estórias para a nossa história política covilhanense, abocanhadas por uns, apoiadas por outros.
Ficámos, assim, numa certa perplexidade sobre a festa, e, talvez acometidos duma amnésia, quase que perdemos o significado de duas palavras paradoxais, tema desenvolvido na mesma: Democracia e Ditadura.
Amparados na bengala dos nossos amigos dicionários, lá fomos descobrir: “Democracia” é um sistema político em que a autoridade emana do conjunto dos cidadãos, baseando-se nos princípios de igualdade e liberdade; governo em que o povo exerce a soberania, direta ou indiretamente. E, “democrata” a pessoa que perfilha os ideais da democracia, da igualdade de direitos dos cidadãos e da liberdade individual. Por outro lado, “ditadura”, a concentração de poderes do Estado numa só pessoa, num partido único, num grupo ou numa classe que o exerce com autoridade absoluta; sendo que “ditador”, entre outras, surge a definição de pessoa muito autoritária, que atua com prepotência, como se tivesse poder absoluto sobre as pessoas ou as coisas.
E, como em tudo, não é preciso parecer, torna-se necessário ser, ficámos perturbados pelo facto de, numa dessas assembleias de mordomos, da grande festa, com o caldo entornado, fossem lançadas pedras uns aos outros quando, na realidade, podiam ter aproveitado as bolas de neve que há pouco tempo caiu no norte da cidade. Sempre refrescavam um pouco o acalorado de alguns mordomos.
Abaixo dos mordomos, uma outra classe, a que já ouvimos chamar de “lacaios”, emergiu nas oportunidades de ocasião. Não era estranho quando os víamos na evidência, e na exuberância de palavras bonitas, não inspiradas, antecipando-se em vivas ao “Papa” cá da terra.
Numa página inteira dum semanário da Cidade e da região (terá custado muito dinheiro ao armazém dos mordomos), o mordomo-mor denuncia a atitude dos revoltosos, e “chora” a impossibilidade de não o deixarem aprovar deliberações urgentes.
Na nossa imaginação, ficamos a pensar se a mea culpa seria pertença da parte ditatorial ou da democrata, ou se estaríamos já numa tal república das bananas.
Uma pedrada foi atingir um mordomo por ser repetente na insistência a mordomo-mor, na convicção que continuará a ser sempre repetente… Pois é, Lula da Silva também foi repetente, repetente, e depois acabou por ser um grande Presidente!
Bom, fiquemos por aqui, e que os Covilhanenses se lembrem que em março se completam quarenta anos em que a radionovela “Simplesmente Maria” começou a ser transmitida na Rádio Renascença, de segunda a sexta, entre as 13,30 e as 14,30, tendo “mexido” de facto com a sociedade nessa altura. Aquele folhetim era uma história bonita e ninguém previa que tivesse uma explosão de audiências que teve, tendo, inclusive, atravessar a Revolução dos Cravos, até novembro de 1974.
Esperemos que a atual telenovela covilhanense se transforme num folhetim como o “Simplesmente Maria”, transbordante de entusiasmo por alguém que se transforme no verdadeiro ator, que saiba o melhor a fazer para o futuro desta Terra que se chama Covilhã, respeitado e respeitador, e que saiba o significado das palavras que o senhor dicionário nos veio esclarecer.

(In "Notícias da Covilhã", de 20.02.2013)

13 de fevereiro de 2013

GENTES D’OUTRORA – VIZINHOS AMIGOS


É tal o fluxo de informação, proveniente dum acumular de centenas de jornais e revistas, algumas já extintas, como a “Flama”; milhares de “recortes” que fazem as delícias das minhas memórias, para além das que ainda se retêm em mim; que me leva a alguma dificuldade no tema de opção para uma crónica, ou um pequeno escrito.
Se a notícia em papel deixar de existir, face à cada vez maior ameaça on line, já não poderei sentir o cheiro da tinta do jornal, nem o apalpar das suas páginas, bem como a simpatia de quem diariamente me entrega o mesmo, quer seja a Luísa ou o Sr. Neves, quer, aos sábados e domingos, no “Repolho”, aquele maravilhoso pessoal, onde, por vezes, em tempo de forte temporal, até um habitual cliente me socorre a evitar-me duma molhadela intempestiva. Sou entretanto um otimista – o jornal-papel jamais acabará!
Mas se o tema que dou ao texto se intitula de vizinhança de outros tempos, percorro um caminho desde a infância, iniciada lá para a zona altaneira da Pousadinha, da então freguesia de Aldeia do Carvalho, hoje Vila, tendo em conta não todos, mas os vizinhos mais marcantes.
Foi no início dos anos cinquenta do século passado que, naquele local, o vizinho Mário, filho do João Borralho, um jovem que ainda não tinha ido “às sortes”, o víamos passar no regresso do seu emprego, de lancheira na mão, e, sorridentemente, nos cumprimentava. Certo dia nos contentou com uma caixa grande de fósforos, cheia de grilos. Tinha sido um atrevido pedido meu e de um irmão. Mas, pouco tempo depois, um destino fatal lhe roubaria a vida de jovem feliz, devido a uma queda, num lajeado perto da porta, quando, de noite, transportava às costas um feixe de lenha. Sem iluminação elétrica naqueles tempos, só se ouviam gritos. À luz de archotes, naquela noite cerrada, um formigueiro de gente, daquela zona, quase em socalcos, se dirigia para o local do acidente. Outros tempos! Havia depois os vizinhos Mário Eufrásio, e as suas filhas: Lucinda, Maria José e Maria dos Anjos.
Na Covilhã, onde passei a morar, a partir dos seis anos, é em duas ruas que conheci outros vizinhos. No Beco das Lajes, a Santa Maria, onde estive pouco mais de cinco meses, foram a D. Ritinha e a família Melchior, principalmente as filhas do casal: Adelaide, Antonieta, Otília e Estrela, sendo certo que as três últimas ainda hoje mantêm memórias desses tempos de antigos vizinhos, não obstante a distância do tempo. É obra!
Mas foi na Rua Vasco da Gama, junto à Escola Industrial, onde passei o tempo de saudade de uma outra boa vizinhança. Para além do casal Matos (Sr. Manuel e D. Isaura), já falecidos, e o filho Alberto Matos e mulher Aninha, foi na pessoa da D. Patrocínia Velozo, e seu sobrinho João Madeira, este que foi antigo Presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria (ambos já falecidos), que sobressaíram na amizade entre pessoas que viveram perto uns dos outros e, algumas vezes, comungando das mesmas alegrias e tristezas. Aqui vivi durante o período de estudos até ao serviço militar e conheci os primeiros amigos para brincar e jogar com a bola de farrapos, no meio da rua, só parando quando passava a polícia. Outros tempos… O Quim Rainha, o Zé Fazenda, o Olívio, o Carlos, o João e o Zé Carrega. Éramos seis irmãos (três rapazes e três raparigas). Das moças vizinhas, as que agora vêm à memória eram a Carminha Cunha, a Hermínia e a Maria José Duarte.
A minha saudosa vizinha, D. Patrocínia Velozo, suportava a barulheira que os seis irmãos, no andar superior, ainda crianças, lhe ocasionavam. Lá nos levava várias revistas que o sobrinho lia – “O Século Ilustrado”, já que o jornal “A Bola” tinha ainda o formato grande. Mais tarde, andava eu no Ciclo Preparatório, era quem escrevia as cartas da D. Patrocínia, dirigidas para a sua irmã que vivia no Estoril e cujo marido trabalhava no casino. Quando lá ia passar férias, trazia-nos bolas de ténis, com que eu me deliciava a jogar nos intervalos das aulas da Escola Industrial, com os colegas, no campo triangular e areado, à altura. Quando chegava a casa com as solas dos sapatos gastas, era uma arrelia em minha casa.
No prédio em frente, mais abaixo, onde depois passou a residir a D. Patrocínia, imóvel de sua propriedade, morava o casal Ranito (João Ranito e D. Gabriela), sendo que o filho António Ranito foi meu colega na Escola Industrial. Todos já faleceram mas a D. Gabriela Ranito, também antiga vizinha amiga, viria a deixar o mundo dos vivos já com idade avançada, e, quis o destino, na mesma semana em que tal ocorreu também a minha Mãe. No dia em que D. Gabriela faleceu, estava na Igreja do Rodrigo a perguntar por mim, a minha Mulher, para me apresentar as sentidas condolências, quando, num ápice, caiu para o lado e partiu para o outro destino da vida.

(In "Notícias da Covilhã", de 13.02.2013)